Aplicação da equidade no comércio eletrônico: proteção e vulnerabilidade do consumidor

A abordagem jurídica da equidade neste estudo está ligada à concepção culturalista do Direito de Miguel Reale [1], que adapta a teoria dos valores às mudanças sociais. Assim, operar com as leis positivadas em harmonia com os valores do ordenamento jurídico é essencial para alcançar justiça e isonomia. Até porque, no civil law brasileiro, é importante determinar se a interpretação jurídica deve se limitar ao texto normativo ou incluir elementos externos.

Considerando a influência dos direitos fundamentais nas relações privadas e a regência do direito privado por normas constitucionais, o estudo explora a aplicação da equidade no comércio eletrônico. Ele traça um paralelo entre a teoria clássica da equidade de Aristóteles e sua implementação atual, examinando sua aplicação na dogmática jurídica brasileira, especialmente em textos normativos e decisões judiciais nas relações de consumo [2].

Equidade: direito privado e teoria aristotélica

No Direito Privado brasileiro, a equidade passou a ser fundamental, reconhecendo que o Direito Civil deve proteger a pessoa humana e ser orientado por valores de justiça, além de apenas regular a liberdade das partes e proteger o patrimônio. Esse movimento de publicização do direito privado é conhecido como a constitucionalização do Direito Civil [3].

Este movimento reflete o neoconstitucionalismo e o pós-positivismo jurídico, que buscam aproximar o Direito da moral e evitar formalismos excessivos. Assim, a interpretação do direito privado considera não só o Código Civil, mas especialmente a Constituição da República etc., que fundamenta e orienta todos os ramos do direito — direito público e privado estão apenas metodologicamente separados.

O Direito deve refletir valores como igualdade, liberdade e dignidade humana. Normas principiológicas e conceitos indeterminados permitem interpretações criativas, aumentando a discricionariedade do juiz na resolução de conflitos. No Código Civil, a equidade se expressa por meio da operabilidade, eticidade e socialidade, permitindo ao intérprete aplicar princípios e cláusulas gerais ao caso concreto.

O Código de Processo Civil de 2015 admite decisões por equidade quando previstas em lei, enquanto o Código de Defesa do Consumidor invalida cláusulas contratuais contrárias à equidade. A equidade também está implícita na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, orientando juízes a considerar fins sociais e o bem comum. Juízos de razoabilidade e proporcionalidade também são consequências desse princípio [4].

A filosofia de Aristóteles, influenciada por Sócrates e Platão, é original e superadora de seus mestres. Sócrates fundou racionalmente a autoridade do Direito em resposta à sofística. Platão via a missão política como a descoberta do justo e das leis, associando o Direito à justiça [5].

Aristóteles concorda e identifica duas funções da justiça: distribuição dos bens e correção das trocas. Ele distingue Direito de Moral e valoriza tanto o justo natural quanto o justo positivo, argumentando que as leis escritas favorecem a imparcialidade do juiz [6]. Sua teoria da equidade [7] complementa as leis escritas, permitindo correções para alcançar a justiça, refletindo uma investigação contínua da natureza e uma flexibilidade que se adapta ao caso concreto.

Equidade no comércio eletrônico

A relação de consumo é marcada pelo desequilíbrio, onde o fornecedor possui superioridade informacional, técnica e jurídica sobre o consumidor. Essa vulnerabilidade é central na regulamentação para equilibrar as partes, garantindo direitos, deveres e proteções. O Código de Defesa do Consumidor exemplifica a equidade no direito brasileiro ao corrigir desigualdades jurídicas e incorporar valores constitucionais ausentes no Código Civil anterior.

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A equidade no CDC permite ao julgador buscar a plena efetivação dos direitos do consumidor, mesmo não previstos detalhadamente na lei, enquanto no Código Civil sua aplicação é mais restrita, focando principalmente na fixação do valor indenizatório.

O crescimento do comércio eletrônico impulsionou os atos de consumo, demandando uma resposta regulatória estatal diante das novas práticas tecnológicas. Os ensinamentos de Aristóteles ressurgem, evidenciando a incompletude da lei diante da realidade variada. Sua Teoria da Equidade permite ao julgador complementar a lei, assegurando soluções justas, como reflete o artigo 7° do CDC. Registra-se que a equidade é crucial para decisões judiciais em contratos eletrônicos, especialmente diante do artigo 51 do CDC, que anula cláusulas contratuais contrárias à boa-fé e à equidade. O Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados fortalecem a regulação jurídica para proteger a pessoa humana frente a interesses puramente econômicos.

A internet é uma presença onipresente na sociedade moderna, configurando o que se chama de “sociedade da informação” [8]. Diante disso, empresas precisam agir com cautela, especialmente em relação às normas de proteção de dados pessoais, que agora têm um valor econômico significativo. O comércio eletrônico, ou e-commerce, é central nesse contexto, sendo definido como transações comerciais realizadas por meio de equipamentos eletrônicos, como computadores [9].

Empresas como a Amazon destacam-se nesse setor, oferecendo uma vasta gama de produtos e serviços através de plataformas online. No ambiente digital, as relações de consumo se concretizam por meio de contratos eletrônicos, frequentemente de adesão, onde o consumidor aceita cláusulas previamente estabelecidas de forma unilateral pela empresa.

Em um contexto de comércio eletrônico, é crucial que as relações de consumo respeitem os princípios da informação, transparência e confiança, especialmente devido à maior vulnerabilidade digital. Contratos eletrônicos muitas vezes são elaborados unilateralmente pelas empresas, exigindo que os consumidores aceitem todas as cláusulas previamente estabelecidas.

Normativas como o CDC, especialmente seu art. 46, e o Decreto nº 7.962/2013 regulamentam o comércio eletrônico, impondo deveres de informação aos fornecedores e garantindo direitos aos consumidores, fundamentados no princípio da equidade e na proteção à dignidade da pessoa humana. Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem [10] destacam que o paradigma aristotélico da igualdade implica tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, reconhecendo que os consumidores merecem proteção especial do Estado, incluindo interpretações favoráveis em prol de sua defesa [11].

O Decreto-lei nº 4.657/1942 (Lindb) adapta normas ao bem comum e permite aplicar a lei mais protetiva ao consumidor em transações internacionais, guiado pela equidade do CDC para assegurar justiça. Usando o Diálogo de Fontes, as legislações podem ser integradas para proteger consumidores no comércio eletrônico, alinhando-se ao pensamento aristotélico sobre equidade. Essa necessidade de proteção é essencial tanto do Estado quanto da sociedade civil.

Um caso [12] do Superior Tribunal de Justiça (STJ) discutiu o desequilíbrio na relação de consumo no comércio eletrônico, enfatizando a vantagem desproporcional do fornecedor sobre o consumidor. A equidade foi aplicada como critério para proteger os direitos do consumidor.

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Na seara consumerista, incluindo o comércio eletrônico, a equidade permite ao juiz buscar a solução mais justa, alinhada ao conceito aristotélico, dentro dos limites do Código de Defesa do Consumidor. Este código não autoriza o afastamento de normas sem respaldo na legislação ou na Constituição, mantendo a imparcialidade exigida pelo Estado de Direito. Logo, embora o juiz tenha liberdade na interpretação para alcançar justiça no caso concreto, esta deve ser fundamentada em técnicas normativas e princípios consagrados.

Considerações finais

O estudo revela que os princípios da filosofia de Aristóteles têm influência no direito privado brasileiro, especialmente na teoria clássica da equidade.

A aplicação da equidade no direito do consumidor, particularmente no comércio eletrônico, reflete conceitos semelhantes aos de Aristóteles, permitindo aos juízes interpretar e aplicar a lei de forma justa, a fim de proteger e promover a pessoa humana frente as relações de consumo. No entanto, essa aplicação está estritamente vinculada à legislação vigente, como o CDC, que explicitamente reconhece a equidade como fonte de direitos e fundamentação para anular cláusulas abusivas.

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Referências

ANDRADE, Marta Cleia Ferreira de; SILVA, Naiara Taiz Gonçalves da. O comércio eletrônico (e-commerce): um estudo com consumidores. Revista Perspectivas em Gestão & Conhecimento, João Pessoa-PB, v. 7, n. 1, p. 98-111, 2017.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2004.

CUNHA, José Ricardo Cunha. O juízo de equidade como antecedente e base para os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade. Revista UNIFESO – Humanas e Sociais Teresópolis, Vol. 2, N.3, 2016

FARIAS, Christiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 7ª edição. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris. 2008, p. 25.

FARIAS, Christiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. 4°ed.Jus PODIVM. 2014, p. 34-36.

FERREIRA, Keila Pacheco; MARTINS, Fernando Rodrigues. Diálogo de fontes e governança global: hermenêutica e cidadania mundial na concretude dos direitos humanos. Revista de Direito do Consumidor. Volume: 117/2018. DTR\2018\15894, p. 443–467.

MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. Editora: Revista dos Tribunais. Edição: 2ª. São Paulo – SP, 2014.

MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da informação e promoção à pessoa. In: Revista de Direito do Consumidor. Vol. 96, 2014.

REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

VIAL, Sophia Martini. A sociedade da (des)informação e os contratos de comércio eletrônico do código civil às atualizações do código de defesa do consumidor, um necessário diálogo entre fontes. Revista de Direito do Consumidor. Volume: 88/2013. p. 229 – 257. Edição: Jul – Ago, 2013.

VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução: Claudia Berliner. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

[1] REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 08.

[2] Esta pesquisa será estruturada por meio de uma revisão bibliográfica, utilizando como base o livro “A formação do pensamento jurídico moderno” de Michel Villey[2], especialmente o capítulo III, “A filosofia do direito de Aristóteles”, além de textos, artigos e livros sobre o pensamento aristotélico. A revisão de literatura será feita através de um reexame narrativo, focando na contextualização multidisciplinar e sistêmica do tema. O método científico utilizado será o dedutivo, com abordagem qualitativa e cunho exploratório.

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[3] FARIAS, Christiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 7ª edição. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris. 2008, p. 25.

[4] CUNHA, José Ricardo Cunha. O juízo de equidade como antecedente e base para os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade. Revista UNIFESO – Humanas e Sociais Teresópolis/RJ, Vol. 2, N.3, 2016, p. 186-211.

[5] No entanto, não se pode concluir exatamente o que Sócrates compreendia por Direito, se seria as Leis do Estado ou de uma Justiça superior. VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Martins Fontes. 2005, p. 20-21.

[6] Ibidem, p. 41-43.

[7] VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Martins Fontes. 2005, p. 47.

[8] MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da informação e promoção à pessoa: empoderamento humano na

concretude de novos direitos fundamentais. Revista de Direito do Consumidor, v. 96, nov./dez. 2014, p. 225-257.

[9] ANDRADE, Marta Cleia Ferreira de; SILVA, Naiara Taiz Gonçalves da. O comércio eletrônico (e-commerce): um estudo com consumidores. Revista Perspectivas em Gestão & Conhecimento, João Pessoa-PB, v. 7, n. 1, p. 98-111, jan./jun. 2017. apud ALMEIDA JR., E. Comércio eletrônico (e-commerce), 1998. Disponível em: http://blog.segr.com.br/wp-content/uploads/2013/09/Com%C3%A9rcioEletr%C3%B4nico.pdf. Acesso em: 07 jul. 2024.

[10] MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. Editora: Revista dos Tribunais. Edição: 2ª. São Paulo – SP. 2014, p. 120.

[11] A jurista Cláudia Lima Marques diz ainda que a vulnerabilidade do consumidor pode ser entendida como um estado, melhor dizendo, uma “ferida” capaz de ser facilmente atingida, visto que o ente vulnerabilizado caracteriza-se como uma fácil vítima a ser prejudicada por certo fato ou circunstância. In: MARQUES, Claudia Lima. Estudo sobre a vulnerabilidade dos analfabetos na sociedade de consumo: o caso do crédito consignado a consumidores analfabetos. Revista de Direito do Consumidor. Volume: 95/2014, 2014, p. 107.

[12] No processo AREsp 1127506, a Ministra Assusete Magalhães decidiu a favor do PROCON, revertendo uma decisão que havia anulado um auto de infração contra Nova Potocom Comércio Eletrônico S.A. por prática contrária ao Código de Defesa do Consumidor. A decisão original do Tribunal de Justiça de São Paulo foi considerada incorreta, pois a Ministra entendeu que a vantagem manifestamente excessiva deve ser interpretada como desproporcional e incompatível com os princípios da boa-fé e da equidade.In: Superior Tribunal de Justiça – STJ. Decisão Monocrática. Processo AREsp 1127506. Relator(a) Ministra Assusete Magalhães. Data da Publicação DJe 08/08/2017. Decisão Agravo Em Recurso Especial Nº 1.127.506 – SP (2017/0157688-0). Agravante: Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor – PROCON. Agravado: Nova Potocom Comércio Eletrônico S.A.

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