Marcos regulatórios e desafios globais para o ESG e a sustentabilidade

Recentemente, o Conselho Federal de Contabilidade aprovou a Resolução CFC nº 1.710/2023, que trata da adoção das Normas Brasileiras de preparação e asseguração de Relatórios de Sustentabilidade convergidas aos padrões internacionais. Trata-se de uma importante iniciativa que se soma a uma série de regulações relacionadas no Brasil e no mundo (especialmente na Europa) e que trará grandes desafios para diversas áreas, incluindo o setor público.

De forma geral, no âmbito internacional, a União Europeia tem se destacado na edição de normas e regulações notadamente com o chamado Acordo Verde Europeu, que é composto por partes principais constituintes: 1) o Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR); 2) o Regulamento de Taxonomia; 3) a Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD); e, 4) a Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa (CSDDD). Enquanto o CSRD possui como foco o desenvolvimento de relatórios de sustentabilidade e o SFDR está voltado para os produtos financeiros e os critérios de evidenciação com transparência, o CSDDD enfatiza a necessidade de envolvimento das diversas partes ao longo da cadeia de fornecimento para a adoção de práticas sustentáveis.

No Brasil, além do trabalho recentemente publicado pelo CFC, o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários também elaboraram normas que irão impactar, especialmente, as empresas de capital aberto e o setor financeiro.

A nova Lei de Licitações nº 14.133/2021 inovou ao demonstrar a intenção do legislador em incentivar as práticas ESG no processo licitatório, trazendo requisitos para participação e critérios de desempate e de preferência para empresas que adotam iniciativas de sustentabilidade.

Em dezembro de 2022, a ABNT editou a norma ABNT PR 2030 – ESG, que apresenta conceitos e orientações para incorporação de práticas sustentáveis pelas empresas, sendo uma referência normativa inovadora no Brasil para o fortalecimento da governança e a padronização de informações.

No Congresso Nacional está muito próxima a aprovação da regulamentação do mercado de crédito de carbono. Soma-se ainda no âmbito legislativo federal e estadual os projetos de leis que discutem o estabelecimento de selos de sustentabilidade ESG para empresas e produtos.

 

No setor público, destaca-se a reformulação em 2024 do Índice de Governança e Gestão Pública – iGG, do Tribunal de Contas da União, que passou a integrar a avaliação dos processos de sustentabilidade ambiental e social e passou a se chamar iESGo. O TCU aplicou a avaliação em 387 organizações públicas federais e outros entes jurisdicionados ao tribunal e possui mais de 495 indicadores.

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Adequação da iniciativa privada

Nesse cenário, como as empresas irão se adaptar? Qual o risco dessas empresas acabarem sendo excluídas da oportunidade de ter acesso a mercados que exigem o cumprimento de normas ESG? Por exemplo, o custo e a complexidade para as empresas, em especial as de pequeno e médio porte, realizarem o inventário das suas emissões nos chamados escopo 1, 2 e 3.

Em um debate sobre sustentabilidade realizado no CNJ, o ministro Barroso destacou que as instituições públicas precisam desempenhar o seu papel. É preciso que o governo desempenhe um papel de coordenador, promovendo o alinhamento e a integração das partes, visando um ambiente de integridade e de segurança jurídica que favoreça os investimentos.

A solução passa em primeiro lugar pelo apoio governamental a políticas públicas que apoiem o desenvolvimento de capacitação desde o nível básico, de crianças e jovens, até profissionais das mais diversas áreas. Além disso, é preciso que se crie incentivos para o desenvolvimento de soluções de tecnologia.

Na prática, existem alguns exemplos de ações que poderiam contribuir nesse sentido: 1) a implantação de um Sandbox regulatório, a exemplo do que o Bacen já vem fazendo; e, 2) a adoção de um sistema de controle e transparência que efetivamente privilegie as empresas que estejam dispostas a adotar padrões ESG claros e objetivos.

As certificações de produtos e empresas também é um bom caminho a ser seguido, assim como a adoção de uma legislação que facilite o rastreamento e a identificação da origem de produtos em toda a cadeia.

Responsabilização

Na esfera criminal, o ESG não criou uma nova tipologia de crime, mas o que está ocorrendo é um desenvolvimento regulatório e um amadurecimento da atuação do Poder Judiciário em relação à responsabilização de pessoas e empresas. A adoção de novos marcos normativos e regulatórios irá ajudar na materialização de práticas ilícitas de forma mais robusta alcançando de fato os responsáveis em toda a cadeia produtiva, por meio da produção de provas materiais. Nesse sentido, cita-se suspensão do critério da boa-fé do comprador do ouro e a adoção da nota fiscal eletrônica ao longo de toda a cadeia de produção de mineral do Brasil.

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Na Polícia Federal, destaca-se o desenvolvimento de novas tecnologias de combate ao crime que podem gerar uma repercussão no âmbito criminal. Por exemplo, recentemente foi deflagrada uma operação chamada greenwashing onde foram investigados crimes relacionados à comercialização dos chamados créditos de carbono, um tema recente e que demanda o desenvolvimento de novas tecnologias e métodos de investigação.

Atualmente, a Polícia Federal desenvolve na perícia um importante projeto de rastreabilidade da produção de ouro, por meio da análise de isótopos forenses. Foi implementado também um amplo sistema de monitoramento e análise de imagens por satélites, conhecido como programa Brasil MAIS, incluindo um módulo em desenvolvimento que permitirá a análise de créditos de carbono de uma determinada área e que está disponível para acesso pelos estados e municípios.

Todo esse arcabouço normativo e sistema de fiscalização e controle levará ao desenvolvimento de novas práticas de governança corporativa nas empresas. À medida que essas normas passem a exigir o conhecimento das práticas ESG ao longo de toda a cadeia de fornecimento, os gestores precisarão adotar novos sistemas de informação e estarem tecnicamente mais preparados para responderem por suas decisões.

Há o risco legal e reputacional. Recentemente, bancos começaram a figurar em rankings de maiores apoiadores de financiamento em áreas com desmatamento ilegal. Uma conhecida marca de creme de avelã enfrenta grandes problemas a respeito da origem da produção de óleo de palma. Pesquisas apontam uma queda entre 10 e 15% nas receitas de produtos que não seguem iniciativas de sustentabilidade.

Interface com a advocacia

Diante de todo esse contexto, os desafios também se estendem aos escritórios de advocacia ao enfrentar questões tão complexas e multifacetadas, para orientar adequadamente os seus clientes, seja na área tributária, de governança, de rastreabilidade e certificação de fornecedores, entre outros. O caminho passa por investir em parcerias que irá mudar radicalmente a dinâmica de atuação da área jurídica no país. Será cada vez mais necessário e indispensável que os escritórios passem a contar não só com advogados, mas também com engenheiros, contadores, economistas, biólogos, todos capacitados para trabalharem de forma integrada e multidisciplinar.

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É nesse contexto que a tecnologia passa a ter um papel fundamental, uma vez que existe uma infinidade de informações que precisa ser processado, de forma dinâmica e em tempo real, e que essas informações sejam avaliadas e validadas em uma plataforma tecnológica, por um ecossistema composto por pessoas e empresas que representam a sociedade. Esse é o conceito básico por trás dos modelos econométricos de inferência estatística. Uma visão emergente e extremamente importante que abrange o conceito de materialidade dinâmica.

Considerações finais

Projeta-se em um futuro muito próximo, o desenvolvimento de modelos de índices ESG de terceira geração, que na prática serão implementados por mecanismos de tecnologia de registro distribuído.

Novamente, aqui o setor público tem um importante papel ao incentivar o desenvolvimento e a adoção dessas novas formas de validação de transações ao longo de toda a cadeia de fornecimento.

É preciso investimento e que esses recursos cheguem aos brasileiros. Onde está os US$ 100 bi prometidos pelo Acordo de Paris? O sistema financeiro global definitivamente precisa entrar na dinâmica do ESG. O Brasil conhece os seus problemas nas áreas social, ambiental e de governança e sabe o que precisa ser feito. É preciso investir em pessoas e tecnologia. Por fim, é preciso que o governo faça o seu papel, coordenando as ações, criando um ambiente de segurança jurídica e fiscalizando e punindo as más práticas do mercado.

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