Reforma tributária e superação da Súmula 160 do STJ

A reforma tributária criou novas regras que passaram despercebidas pelo público em geral. Já nos manifestamos neste ConJur sobre a “contribuição BBB” [1] criada pela reforma.

Tema da reforma que promete polêmica é a inclusão de regra prevendo a possibilidade de alteração da planta genérica de valores sem que haja necessidade de lei municipal a cada ano. Não se trata de uma exceção ao princípio da legalidade, já que, necessariamente, uma prévia lei municipal deverá, expressamente, prever a forma de atualização.

Assim:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I – propriedade predial e territorial urbana;

(…)

§1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

(…)

III – ter sua base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo, conforme critérios estabelecidos em lei municipal.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

A questão que surge é: a nova regra introduzida na Carta Federal de 1988 modifica a jurisprudência do STF e do STJ?

Jurisprudência superada pela EC 132

No RE 648.245, o STF firmou o entendimento de que “É inconstitucional a majoração do IPTU sem edição de lei em sentido formal, vedada a atualização, por ato do Executivo, em percentual superior aos índices oficiais”

Também a Súmula 160 do STJ resta superada pela reforma tributária. Assim, prevê:

“É defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária. (SÚMULA 160, 1ª SEÇÃO, julgado em 12/06/1996, DJ 19/06/1996, p. 21940)”.

A Emenda Constitucional nº 132/2023, porém, previu que, havendo lei é possível a atualização da base de cálculo pelo Poder Executivo, conforme critérios estabelecidos em lei. Trata-se, como na sistemática anterior à reforma de mera atualização. A diferença é que a atualização pode ter parâmetros do valor efetivo do imóvel e não necessariamente, parâmetros de mera correção monetária. Ou seja, a atualização pode majorar ou reduzir a tributação.

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Ora, o significado desta regra é a de que o valor utilizado como base de cálculo é o valor real do imóvel conforme índice estabelecido em lei municipal.

Desta forma, superada a limitação aos índices oficiais de inflação já que os índices devem refletir a real valorização/desvalorização e, não necessariamente, índices oficiais. Superado o precedente do colendo STF, RE 648.245 e superando a Súmula 160 do STF.

Nada impede, por exemplo, que o IPTU tenha sua base de cálculo reduzida em razão de desvalorização imobiliária. Cada vez mais as regras públicas se enquadram nos parâmetros de mercado. O negacionismo de mercado é uma patologia extremista que deve ser combatida, conforme já nos manifestamos nesta ConJur [2]. O mercado é uma realidade do mundo e o negacionismo de mercado é a versão da extrema esquerda ao “terraplanismo” da extrema direita.

Índices a serem utilizados

O índice Fipezap seria um índice para a correção da planta genérica de valores do município desde que haja tal previsão em lei municipal. Nesta hipótese um decreto apenas procederia à atualização do valor com base nesse índice previamente estabelecido.

A primeira crítica que poderia ser feita é a de que tal índice refletiria somente a realidade de mercado das capitais já que é o parâmetro utilizado pelo índice.

A mesma crítica poderia ter sido feita à utilização da tabela Fipe para lançamento do IPVA já que, sabidamente, os preços de veículos no interior podem ser bem menores do que os valores praticados na capital.

A Fipe é uma respeitada instituição e, sem dúvida, é o melhor índice a ser utilizado para veículos e, também, para imóveis.

Ainda que haja diferença entre os métodos do Fipezap e do Fipe veículos, o fato é que refletem o mercado tanto dos veículos como dos imóveis. A valorização imobiliária acaba se refletindo por todo o país e o índice colhido nas capitais é parâmetro para todo o Brasil.  Ainda que a valorização (ou desvalorização) dos imóveis numa capital possa demorar algum tempo para refletir no interior, o fato é que a valorização (ou desvalorização) acaba se estendendo a outras localidades.

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Outros índices, como VAR, IGP-M e IPCA e IPCA-E refletem outras circunstâncias do mercado de imóveis e, não seriam índices fidedignos para o valor do imóvel para fins de IPTU.

O VAR (FGV) reflete o valor do aluguel. O aluguel, apesar de ser um indicativo do valor do imóvel, pode sofrer variações significativas conforme a oferta de imóveis para locação. O aluguel pode variar (grosso modo) entre 0,3 % a 1,5% do valor do imóvel. Logo, o uso do VAR para fins de IPTU teria uma margem muito grande de possíveis variações. Logo, não recomendaríamos esse índice.

O IPCA e IPCA-E são índices inflacionários. Nada impede, por exemplo, que numa situação de aceleração inflacionária, os imóveis tenham valorização acima dos índices inflacionários em razão da busca de ativos reais pelos investidores. Logo, esses índices não medem, com precisão, o exato valor do imóvel.

O IGP-M reflete preços do atacado e sofre influência do dólar. Relação distante dos valores do mercado imobiliário.

Porém, a FGV, economistas, contadores, auditores ou a própria Fipe, dentre outros podem indicar índice melhor, caso exista. O mais relevante, nesse momento, é que a atualização pode e deve ser feita com parâmetros do mercado e da realidade dos preços dos imóveis. A era da ficção dos valores venais foi extinta pela reforma tributária.

Combate à regressividade

A reforma tributária inseriu previsão escancarada de combate à regressividade. Isso significa que a carga tributária deverá ser imposta com maior peso nos impostos pessoais e reais e reduzidos nos impostos sobre o consumo.

Assim:

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(…)

§3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

§4º As alterações na legislação tributária buscarão atenuar efeitos regressivos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

Algumas medidas para viabilizar a redução da carga no consumo que onera, igualmente, paupérrimos e milionários seria onerar IPTU, ITR, IR e criar o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas).

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O IGF jamais será implementado enquanto não curarmos a “corrupção endêmica” [3] por nós mencionada em tema licitatório e aplicável, também, no âmbito tributário. Gente com dinheiro é gente que pode cortar ajuda às campanhas…..

Assim, a forma viável para a civilidade tributária é a redução dos impostos de consumo e o aumento, combinado, dos impostos pessoais e reais.

Conclusão

Recomendamos aos municípios, a aprovação de lei municipal prevendo a utilização do índice Fipezap como índice de correção do IPTU. Tal como ocorre com o IPVA, os valores de referência do valor real no mercado sempre são a melhor referência. O fundamento é o artigo 156,§1º, III da Carta Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 132/2.023 (reforma tributária) que tornou superada a jurisprudência do STF e a Súmula 160 do STJ.


[1] https://www.conjur.com.br/2024-nov-04/reforma-tributaria-e-contribuicao-bbb/

[2] https://www.conjur.com.br/2025-jan-07/negacionismo-de-mercado-na-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos/

[3] https://www.conjur.com.br/2024-dez-18/como-enfrentar-a-corrupcao-endemica-que-assola-a-administracao-publica-no-ambito-das-licitacoes/

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