O correspondente bancário constitui-se como agente de continuidade e extensão dos serviços oferecidos na intermediação financeira entre as instituições financeiras e os correntistas, consumidores de serviços ou usuários do sistema.
Correspondentes bancários integram a intermediação bancária, não são mediadores ou comissionários, a exemplo dos agentes de investimentos, cuja autonomia os caracterizam ao lado de outras notas distintivas. O comissário opera em nome próprio, para atender aos propósitos do comitente, mediante contrato oneroso.
Como sabido, os serviços dos correspondentes bancários integram a atividade de intermediação financeira realizada pelas instituições financeiras, com relevante impacto social relacionado na ampliação do crédito em regiões desprovidas da rede bancária regular, especialmente em regiões carentes e distantes dos grandes centros urbanos [1].
Os correspondentes bancários são, pois, agentes que, conforme estabelecido com precisão técnica tanto pelo Banco Central do Brasil quanto pelo Conselho Monetário Nacional, prestam os mesmos “serviços da instituição contratante”, atuando como verdadeiros extensores dos serviços bancários.
Neste sentido, todas as operações que são autorizadas para serem realizadas pelos correspondentes bancários são, por sua própria natureza e características essenciais, igualmente típicas e constitutivas da atividade de intermediação financeira.
Nas palavras de Pontes de Miranda:
“A intermediação é inconfundível com a mediação. São dois contratos diferentes. Se A incumbe C de interpor-se, em contatos com B, para a conclusão de determinado negócio jurídico bilateral entre A e B, sendo a sua atividade no exclusivo interêsse de A, que lhe prestará a remuneração, se concluído o negócio jurídico, há contrato de intermediação, e não mediação ou contrato de mediação. Não se pode admitir que se trate de ‘mediação negocial’, porque então se aludiria ao fato da conclusão desde o início da atividade e não haveria razão para se considerar espécie: a mediação é negocial, caracteriza-a o tempo que permanece no mundo fáctico a atividade do mediador; a negocialidade estaria ‘antecipada’, e não se trataria de mediação. (Tão pouco, a intermediação é locatio operis) Há na intermediação a parcialidade. O intermediário está ou é de esperar-se que esteja do lado de A. Perante A é que é responsável pelas informações o intermediário.”
Claramente, o agente de investimento ou de qualquer outro fim negocial não tem esse compromisso e função jurídica.
Expansão e consolidação
Se olharmos para a evolução normativa dos regimes jurídicos dos correspondentes bancários no Brasil, observa-se um processo gradual de expansão e consolidação de suas atribuições. Tudo a refletir um esforço do sistema financeiro pela acessibilidade e flexibilização da atividade das instituições como formas de democratização do acesso aos serviços financeiros, constituindo um importante mecanismo de inclusão financeira para os consumidores [2].
A título exemplificativo, em 2020, da totalidade de municípios brasileiros, 408 dependiam exclusivamente dos correspondentes bancários para acesso a serviços financeiros básicos. Neste contexto, é fundamental destacar que, especialmente nas comunidades de baixa renda, o correspondente bancário estabelece-se como o principal e, muitas vezes, único elo e prestador de serviço financeiro acessível à população local. [3]
A análise cronológica da regulamentação da atuação dos correspondentes bancários evidencia três fases distintas: inicialmente, uma fase restritiva, marcada pela Circular nº 220 de 1973, que limitava as atividades dos correspondentes à cobrança de títulos e execução de ordens de pagamento. Posteriormente, uma fase de expansão gradual, iniciada com a Resolução nº 562/79 e consolidada pela Resolução nº 2.166/95, que introduziu a possibilidade de intermediação financeira mais ampla.
O marco mais significativo ocorreu em 1999, quando o Conselho Monetário Nacional, por meio da Resolução nº 2.640/99, motivada pela necessidade de redução da rede física bancária e suas consequências para localidades economicamente menos expressivas, instaura uma etapa na qual o correspondente opera para cumprir verdadeira estratégia de política pública para a manutenção do acesso aos serviços financeiros.
Esta política ampliou-se ainda mais com a Resolução nº 3.954/11, que estabelece o atual arcabouço normativo dos correspondentes bancários, consolidando sua função como importantes agentes de intermediação financeira [4], inclusive em operações com moeda estrangeira [5].
A correta qualificação dos correspondentes bancários como agentes indissociáveis da intermediação financeira das instituições financeiras é fundamental para os fins de aplicação das normas de direito tributário. Veja-se o caso da aplicação da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), seguindo a sistemática cumulativa estabelecida e regulamentada pela Lei nº 9.718/98.
Deveras, os bancos e demais instituições necessitam remunerar todos os correspondentes bancários de modo a cumprirem suas funções. E como se trata de custeio de atividade inerente ao trato da intermediação bancária, os pagamentos efetuados a tais agentes devem ser deduzidos da base de cálculo das contribuições ao PIS e da Cofins, conforme artigo 3º, § 6º, inciso I, “a”, Lei 9.718/98.
Com as significativas alterações da Lei nº 12.973/2014, o regime passou a estabelecer de forma mais abrangente a incidência daquelas contribuições sobre as receitas relacionadas à atividade ou objeto principal das instituições, mas admitida a dedução das despesas incorridas nas operações de intermediação financeira, conforme expressamente consta do artigo 3º, §6º, inciso I, letra “a”, da referida norma.
Em consonância com as definições estabelecidas inicialmente pelas Leis nº 9.701/1998 e 9.718/1998, e posteriormente complementadas e aperfeiçoadas por outras normas específicas que tratam da incidência do PIS e da Cofins devidos pelas instituições financeiras, a Instrução Normativa nº 1.285/2012 veio consolidar a possibilidade de exclusão ou dedução das despesas incorridas nas operações de intermediação financeira (artigo 8º, I) [6], abrangendo explicitamente em seu escopo as comissões pagas aos correspondentes bancários.
Assim, observa-se que a Lei n. 9.718/1998 proporcionou uma significativa expansão no escopo das despesas dedutíveis, pois enquanto a Lei 9.701/1998 limitava-se a permitir a exclusão das “despesas de captação” especificamente em operações do mercado interfinanceiro, a Lei n. 9.718/1998 inovou ao permitir a dedução mais ampla das “despesas de intermediação financeira”, incluindo expressamente as despesas relacionadas com operações de crédito das instituições financeiras.
Diante deste contexto evolutivo da legislação, é possível concluir que o legislador, ao promulgar a Medida Provisória n° 1.807-1/1999 (atual Medida Provisória n° 2.158-35/2001), tinha como objetivo claro e inequívoco permitir a exclusão e dedução integral de todas as despesas relacionadas com a intermediação financeira, expandindo significativamente o escopo anterior que se limitava às despesas de captação. Um exame das duas leis federais em questão evidencia a preocupação constante do legislador em estabelecer um sistema tributário justo, evitando a tributação sobre receitas que sejam meramente aparentes ou efetivamente inexistentes.
No âmbito das turmas que se dedicam à apreciação de matéria de direito privado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a atividade de correspondente tem sido considerada como instrumento fundamental para levar os serviços e produtos bancários mais elementares e necessários à população residente em localidades tradicionalmente desprovidas de tais benefícios essenciais, proporcionando assim uma verdadeira inclusão social e democratização do acesso ao sistema financeiro nacional, conferindo maior capilaridade e efetividade ao atendimento bancário, configurando-se, dessa forma, como nada menos que uma autêntica “longa manus” das instituições financeiras que, por si só, não conseguiriam atender adequadamente toda a sua demanda potencial. [7]
Ao analisar a responsabilidade civil da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e de instituição financeira envolvida em um caso específico de assalto ocorrido no interior de uma agência dos Correios que operava como banco postal, a Corte aplicou a teoria da aparência, fundamentando sua decisão no entendimento de que, sob a perspectiva do consumidor médio, o banco postal é naturalmente percebido como uma extensão legítima e integral do banco dentro da estrutura física da agência dos Correios.
Especificamente sobre a natureza jurídica do serviço prestado pelos correspondentes bancários, o STJ firma categoricamente a compreensão destes sujeitos como preposto da instituição financeira, afastando sua caracterização como mero terceiro, ao tomar a remuneração do correspondente bancário como necessariamente inserida nos custos operacionais regulares da instituição financeira. [8]
Ademais, o STJ dedicou-se a analisar a validade da cobrança, em contratos bancários diversos, de tarifas e despesas relacionadas com serviços prestados por terceiros, registro formal do contrato ou avaliação técnica do bem, por serem os contratos bancários firmados especificamente no âmbito de uma relação de consumo, mesmo quando intermediadas por correspondentes bancários.
No entanto, remanesce em debate no âmbito do STJ a possibilidade jurídica da dedução das despesas com correspondentes bancários da base de cálculo das Contribuições ao PIS e à Cofins, mormente quanto ao tipo de relação do correspondente com a instituição financeira. [9]
Em contraste com os precedentes estabelecidos pela Seção de Direito Privado, a 1ª Turma adotou posicionamento divergente ao categorizar o correspondente bancário como “terceiro” na relação jurídica, rejeitando a natureza de preposto da instituição financeira. Esta nova abordagem interpretativa introduz um elemento significativo de insegurança jurídica em relação às diversas manifestações anteriormente emanadas pelo mesmo Tribunal, cuja missão institucional fundamental sempre foi a pacificação de controvérsias e a uniformização jurisprudencial, ao garantir que seja estável, íntegra e coerente, conforme estabelecido no artigo 926 do Código de Processo Civil.
A indedutibilidade, na base de cálculo do PIS e da Cofins, das despesas internas, típicas da intermediação bancária, com os correspondentes bancários, acarretará efetivo aumento dos custos operacionais e de crédito para a população em geral, com possível desestímulo à expansão dos serviços financeiros em áreas menos desenvolvidas do país, o que poderia resultar em uma grave exclusão financeira de populações que já se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica, agravando ainda mais as desigualdades existentes no acesso aos serviços financeiros básicos, bem como o encarecimento do crédito como um todo.
Os agentes autônomos de investimento, diferentemente dos correspondentes bancários, que atuam efetivamente nas operações de intermediação financeira, são agentes que integram o sistema de distribuição de valores mobiliários (artigo 15, III, da Lei 6.385/1976), regulamentados pela Instrução CVM 497/2011, atuando como especialistas independentes em consultoria e assessoria de investimentos. Atuam, em geral, sem vínculo empregatício direto com instituições financeiras, por meio de contratos de distribuição que permitem oferecer produtos diversificados do mercado financeiro.
Em conclusão, os correspondentes bancários integram a intermediação financeira dos bancos e equiparados, com papel fundamental na democratização do acesso aos serviços financeiros. Assim, a dedutibilidade dessas despesas, além de estar em consonância com a legislação vigente e com o entendimento jurisprudencial acerca da essencialidade dos serviços prestados, mostra-se fundamental para a preservação e ampliação da política pública para a democratização do acesso ao sistema financeiro nacional, ao garantir a sustentabilidade deste importante canal de prestação de serviços financeiros e a continuidade do processo de inclusão financeira no Brasil.
________________________________
[1] O Banco Postal é um dos exemplos mais conhecidos desse serviço, através da rede de atendimento da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Por meio dele, são oferecidos diversos serviços bancários: abertura de contas, pagamento de contas e tributos, solicitação de cartões e talões de cheque, pagamento de salários e benefícios, consulta de saldos e extratos, depósitos, saques, transferências, além do recebimento e encaminhamento de propostas de empréstimos e financiamentos. Sobre este aspecto, consultar: DIAS, Leila Christina Duarte. Correspondente bancário como estratégia de reorganização de redes bancárias e financeiras no Brasil. Geousp– Espaço e Tempo, v. 21, n. 2, 2017.
[2] DINIZ, Eduardo Henrique. Correspondentes bancários e microcrédito no Brasil: tecnologia bancária e ampliação dos serviços financeiros para a população de baixa renda. Relatório de pesquisa. São Paulo: EAESP-FGV, 2007, p. 7.
[3] Estas informações estatísticas oficiais – disponíveis para consulta pública – encontram-se detalhadamente documentadas no Relatório de Cidadania Financeira, publicado em 2021 pelo Banco Central do Brasil. BANCO CENTRAL. Relatório de Cidadania Financeira. Brasília, 2021. Disponível aqui.
[4] Nos termos do artigo 17 da Lei n.º 4.595/64, a intermediação financeira compreende “a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”.
[5] Analisando conjuntamente o artigo 17 da Lei n.º 4.595/64 e o artigo 8.º da Resolução n.º 3.954 do BACEN, que lista as atividades permitidas aos correspondentes bancários, observa-se que estes, como intermediadores das operações financeiras dos bancos comerciais, atuam tanto nas operações passivas (CDB, poupança, depósitos etc.) quanto nas operações ativas (empréstimos, financiamentos etc.).
[6] Art. 8º Além das exclusões previstas no art. 7º, os bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, agências de fomento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito e associações de poupança e empréstimo podem deduzir da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, os valores: (Redação dada pela Instrução Normativa RFB nº 1.314, de 28 de dezembro de 2012) (…) I – das despesas incorridas nas operações de intermediação financeira;
[7] REsp n. 1.183.121/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/2/2015, DJe de 7/4/2015.
[8] REsp n. 1.578.553/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 28/11/2018, DJe de 6/12/2018.
[9] AREsp n. 2.001.082/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 26/6/2024.
—
O post Despesas com correspondentes bancários deve gerar créditos de PIS/Cofins apareceu primeiro em Consultor Jurídico.