Juiz sem rosto no TJ-SC: precisamos comprar perucas?

A toga, o cordão e as igualdades

A história dos trajes judiciais busca isonomia visual e humildade institucional, uniformizando externamente julgadores e demais profissionais, sinalizando igualdade de condições.

A toga oculta diferenças sociais e evita que aparências afetem a percepção de imparcialidade.

A crítica que vê as vestes como elitistas desconsidera seu fundamento, às vezes até por juristas se perdem nisso, em especial aqueles que alimentam seu ego com algo que remete à humildade e não o contrário.

Mesmo vistos como anacrônicos, os símbolos judiciais ganham sentido histórico ao projetarmos o presente e o futuro.

Em vez de apenas criticar, é preciso contribuir com estudo e propostas concretas para melhorar o Direito e o tecido social.

A toga pode parecer suntuosa, mas seu objetivo é igualar, não distinguir.

A magistratura sempre reuniu pessoas de diferentes origens sociais, e no Brasil [1], com concursos como o de Santa Catarina, há representatividade real do tecido social.

Vestes talares (que vão até o “talo”: calcanhar), lisas e sem adornos, simbolizam igualdade — não diferença.

As exceções são o cordão ou faixa, cuja cor distingue as funções: magistrado, MP, advocacia, Defensoria.

O cordão de São Francisco remete à humildade franciscana, reforçando o simbolismo da toga.

Com toga, não importa se o terno é de grife ou surrado: todos se apresentam iguais na sessão.

Passado o debate sobre togas, olhemos agora para as perucas.

As perucas também promovem igualdade visual, ocultando diferenças físicas e garantindo algum nível de anonimato fora do tribunal — para alguns, um fator de segurança [2].

Também elas entregam alguma igualdade (podia ser calvo, cabeleira bem tratada ou descabelado, ali isso não faria diferença). O que se é fora dali, não faz diferença. Mas mais do que isso, no caso das perucas, ela permite até certo ponto preservação da privacidade dos usuários e um pouco (bem pouco talvez) de anonimato nas ruas, o que até hoje, alguns entendem como fator de segurança.

“Hoje em dia, os tribunais civis e de família, o supremo tribunal do Reino Unido e até o tribunal de sessão escocês não exigem que os defensores da lei usem o adorno. Mas alguns advogados, incluindo os da área criminal, gostam. Para eles, é uma maneira de enfatizar o anonimato e o distanciamento dos seus interesses pessoais durante o julgamento [3] (sem destaque no original).

Adequação normativa de Santa Catarina à simetria nacional e convencional

A Vara especializada do TJ-SC, criada pela Resolução 7/2025, resulta da evolução institucional iniciada pelas Resoluções TJ 3/2013 e CM-PJSC 1/2013, alinhada à legislação federal.

Desde 2013, com normas como as de 2018 e 2024o modelo da Vara evoluiu conforme os tratados internacionais, com regras públicas e objetivas mesmo nas fases provisórias — sem qualquer incidente registrado.

Os magistrados sempre foram designados por ato formal e público, com ampla transparência.
Mesmo com anonimização, a identidade dos juízes é previamente definida por critérios públicos e objetivos, respeitando as normas anteriores, com designação formal

A crítica [4] (12 anos atrasada) sobre “juiz sem rosto” ou violação ao juiz natural ignora que o provimento obedece às regras legais, com alternância por antiguidade e merecimento — o que sempre ocorreu.

A lotação dos juízes é pública e o rodízio segue as regras, como ocorre em varas de mesma competência. Não há exceção pós-fato, mas estrutura evoluída dentro de um sistema democrático.

Veja também:  Prevenção contra o assédio moral: uma questão de tipificação?

O verdadeiro problema é que, com as normas de transparência, o anonimato dos juízes é praticamente inviável.

Casos da Corte Interamericana vs. situação em Santa Catarina

A Corte IDH condenou o uso da jurisdição militar para civis, juízes sem designação prévia e falta de critérios claros[5]. No TJ-SC, há designação formal, publicidade e independência funcional garantidas por Loman, CRFB e Resolução CNJ 135/2011. Nada semelhante ocorre aqui.

Enquanto o Peru vedava HC a acusados de terrorismo, no Brasil ele é garantia constitucional absoluta, sem qualquer obstáculo ao seu exercício.

No caso Pollo Rivera [6], houve condenação por ato médico — violando a legalidade. No Brasil, tal criminalização seria juridicamente impossível, dada a reserva legal, a tipicidade penal e o devido processo. As normas do TJ-SC tratam apenas da estrutura administrativa da Vara, sem criar crimes.

Das perucas e do ‘sem rosto’ até o ambiente digital atual

O debate sobre a identificação dos magistrados desloca o foco do verdadeiro problema.

A preocupação com o “juiz anônimo” não considera que a composição de magistrados é conhecida publicamente e acessível nos meios oficiais. Se há intenção de proteção, diga-se, embora seja uma evolução, ainda estaria longe de realmente proteger os magistrados por real anonimato. É mais do que a peruca, certamente, mas ainda não protege eficientemente. Não se visualiza como seria possível de fato, e de direito, em contexto republicano e democrático sob regras constitucionais de devido processo legal prevalecendo sobre a vida, a segurança e a saúde dos indivíduos que atuam para proteger os direitos dos demais cidadãos (não só dos acusados, também das vítimas e da sociedade).

O verdadeiro problema está na segurança de testemunhas e operadores do Sistema de Justiça.

Embora haja avanços tecnológicos (voz e imagem distorcidas, por exemplo), os riscos de retaliação por organizações criminosas persistem.

É nesse contexto que o foco deveria estar: como garantir que juízes, promotores, advogados, policiais, testemunhas e servidores e colaboradores que com eles atuam, possam cumprir suas atividades com segurança e integridade, inclusive respeitado devido processo legal e seus consectários, nesse contexto de perigo.

Impedimentos e suspeições, embora raros, seguem possíveis e não anulam o direito à proteção da vida dos envolvidos. Não se pode basear políticas públicas relevantes em exceções, ignorando os riscos reais que ainda subsistem.

Impedimentos importam, sim. Mas diante do cenário crítico da criminalidade organizada, são como uma unha encravada num corpo coberto de feridas: não o centro do problema.

Também a invocação do juiz de garantias no contexto está deslocada da especificidade da legislação para essas condutas especialmente graves. A lei refere não só uma ou duas vezes a competência do juiz da Vara especializada na matéria para apreciação das medidas durante a fase de investigação, bem como para concessão de benefícios possíveis, afastando outro procedimento genérico/ordinário. Mesmo o julgamento colegiado, conforme seja organização armada ou não, tem regulação diversa.

Não há juiz anônimo nem histórico de violações ao direito de arguir suspeição. A publicidade foi mantida.

A assinatura pela “Vara Estadual de Organizações Criminosas” não compromete a imparcialidade: sabe-se quem são os sete magistrados possíveis, cabendo arguição conforme o CPP. Há, inclusive, registro de auditoria interna.

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A expressão “juiz sem rosto” é retórica e não condiz com a realidade jurídica de SC, onde há transparência e controle. A proposta busca proteger a integridade física, não compromete a fiscalização pública.

A crítica feita, nesse ponto, erra no alvo: ignora os mecanismos efetivos já existentes para controle da atuação judicial e falha em propor qualquer alternativa de proteção dos seres humanos envolvidos no enfrentamento da criminalidade organizada. “Já que ninguém parece protegido, vamos jogar todos às feras”, traduz a proposição de um deles.

A invocação do princípio da reserva legal no artigo crítico é válida enquanto categoria analítica, mas insuficiente na fundamentação concreta. Não se apontam violações efetivas aos direitos fundamentais do processo justo, tampouco há demonstração de que a Resolução nº 7/2025-TJ-SC extrapola o que a própria Constituição autoriza como as normas de Organização Judiciária (artigo 96, I, “a”, CRFB e a Lei Complementar nº 339/2006, em seu artigo 4º[7]) – nada “simples e precária ‘resolução’ do TJ-SC”. Isso só revelou desconhecimento da lei vigente, tranquilamente compreensível em pesquisa atenta de alguém que estudou Direito

Considerações

As perucas serviram como metáfora crítica à busca de soluções eficazes e realistas, em vez de críticas simplistas ou descontextualizadas.

A toga, o cordão de São Francisco e até os trajes utilizados em outros países, como as perucas britânicas, são marcos de um esforço civilizatório pela isonomia, humildade e solenidade no trato da vida dos cidadãos. Mas para além disso, as curiosas perucas são uma das formas (precárias é verdade, mas mais eficientes do que nada) para que os advogados, promotores e juízes não sejam prontamente identificados nas ruas.

Nem de longe se está propondo que essa seja a solução aqui no Brasil e aqui agora, mas existem outras, e na tecnologia estão as melhores respostas para isso.

Todavia, em vez de isso ser o objeto de aprimoramento e debate, para alguns, é útil desviar o foco para questões que não representam reais problemas.

A realidade impõe que as garantias processuais não podem ser tratadas de forma isolada das garantias à vida, à saúde e à integridade física daqueles que enfrentam cotidianamente o crime organizado. São normas de quilate constitucional, princípios, devem coexistir e não ser lembrados apenas em parte, de forma a aniquilarem os demais.

Buscar as perguntas corretas — como proteger eficientemente quem atua no Sistema de Justiça — é tarefa fundamental para que o Direito continue sendo uma ferramenta de transformação social, e não um palco para discussões desconectadas do espaço de vida dos cidadãos.

Seriamente necessário, mesmo para ensino jurídico, se pensar em utilizar de ferramentas como a que o governo federal empregou recentemente, seguindo uma “trend” [8]. Talvez em vez de perucas precisemos “Explicando a Lei do Crime Organizado com gatinhos“Explicando a Res. TJ n. 7/2025 com gatinhos”.

A base bibliográfica foi coletada manualmente, um a um os textos citados, utilizaram-se ferramentas de Pesquisa Jurídica da Categoria, Referente e Conceito Operacional, conforme doutrina de Pasold [9].


Apêndice metodológico

Relatório de log de prompts e questionamentos

Este relatório documenta os prompts utilizados pelo usuário André Alexandre Happke ao longo do processo de construção do artigo intitulado “Precisamos comprar perucas?”.

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1. Artigo desta ConJur

-Prompt: “Esse artigo da revista eletrônica Consultor Jurídico, que categorias você identifica nele de questionamentos relevantes sobre a adequação da última norma sobre atuação de juízes na Vara …?”

-Resposta: Foram extraídas as seguintes categorias:

-Juiz natural

-Publicidade dos atos processuais

-Suposto anonimato judicial

-Legitimidade democrática do processo

-Inconvencionalidade

-Continuidade Legislativa e Identidade Funcional

-Aplicação da ferramenta ‘categoria’ com conceitos operacionais

Juiz natural

-Conceito Operacional: Escolha prévia e rotativa equilibra a distribuição jurisdicional.

-Referente: Normas internas do TJ-SC desde 2013.

-Conclusão: Regra respeita o princípio constitucional.

Publicidade dos Atos Processuais

-Prompt: Existe anonimato judicial ou a publicidade garante o conhecimento da lotação e rodízios?

-Resposta: A ampla divulgação de lotações, afastamentos e substituições no TJ-SC impede a existência de “juízes secretos”.

Suposto Anonimato Judicial

-Conclusão: O círculo restrito de possíveis magistrados já garante, inclusive para fins de impedimento, suficiente previsibilidade.

Crítica à alegada ilegalidade/ inconvencionalidade

Legitimidade democrática do processo

-Prompt: Foi apontado pelo autor da ConJur qual direito fundamental violado concretamente?

-Resposta: Não. Apenas sugerido o conflito com a reserva legal, sem apontamento prático.

Inconvencionalidade

-Prompt: Quais dispositivos das decisões da Corte IDH (Pollo Rivera / Castillo Petruzzi) estão violados pela norma TJ-SC?

-Resposta: Nenhum apontado pelo articulista. A norma catarinense não estabelece anonimato, não fere contraditório ou ampla defesa. Tampouco há juízo de exceção.

Continuidade legislativa e identidade funcional

-Referente: Resoluções TJ-SC 3/2013, 12/2013, 6/2018 e 14/2024.

-Conclusão: A nova Vara é continuidade institucional, não criação ex nihilo.

-Capítulo 3 – Proteção Institucional e Prática Processual

-Prompt: É possível garantir contraditório com testemunha protegida? Como ponderar sigilo e defesa?

-Resposta: Sim. A ponderação entre contraditório e proteção à vida deve considerar a relativização das provas pessoais e a necessidade de proteger atores da justiça em contexto de risco.

[1] VIANA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MEL, Manoel Palácios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. Corpo e Alma da Magistratura Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 1997.

[2] UOL. Por que advogados e juízes britânicos ainda usam perucas nos tribunais? Nicole D’Almeida. p. 15/05/2022. Aqui.

[3] UOL. Por que advogados e juízes britânicos ainda usam perucas nos tribunais? Nicole D’Almeida. p. 15/05/2022. Aqui.

[4] LOPES JR., Aury; ASFÓRA, Sheyner Yàsbeck; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza; OSORIO, Fernanda. Juízes sem rosto de Santa Catarina? Não admitiremos. ConJur. Aqui.

[5] COSTA RICA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. Sentença de 30 de maio de 1999. Série C n. 52. Aqui.

[6] COSTA RICA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Pollo Rivera y otros Vs. Perú. Sentença de 21 de outubro de 2016. Resumo oficial.  Aqui.

[7] SANTA CATARINA. Lei Complementar nº 339, de 8 de março de 2006. Dispõe sobre a Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina e estabelece outras providências. Florianópolis, SC. Aqui.

[8] BRASIL. Governo Federal. Explicando as mudanças no IOF com gatinhos. Publicado no TikTok por governodobrasil. Em: vm.tiktok.com/ZMSpoJorQ/. Acesso: 13 jul. 2025.

[9] PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica e metodologia da pesquisa jurídica. 10. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2007.

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