Duas notícias saíram no mesmo dia, 25 de agosto. Primeiro, a revista eletrônica Consultor Jurídico publicou que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, validou uma decisão que anulou o uso de relatórios de inteligência financeira (RIFs) produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a pedido dos órgãos de investigação e sem prévia autorização judicial.
Depois, a ConJur noticiou que o ministro Alexandre de Moraes, relator do recurso em que o STF vai analisar a constitucionalidade dos RIFs por encomenda, suspendeu todas as decisões que consideraram esse uso indevido e ilegal — ele não vê qualquer problema na prática e tem derrubado decisões do Superior Tribunal de Justiça em sentido oposto.
No gabinete do ministro Joel Ilan Paciornik, do STJ, a assessoria responsável por minutar os votos questionou a quem obedecer. “Não sei, porque nesse sistema realmente não sabemos a quem devemos obediência, não”, respondeu o magistrado.
O episódio, relatado durante a sessão da 5ª Turma do STJ da terça-feira (7/10), demonstra como a controvérsia sobre o uso de RIFs do Coaf vem gerando insegurança jurídica.
RIFs do Coaf em pauta
Paciornik falou sobre o tema durante o julgamento em que o colegiado obedeceu a uma decisão da 1ª Turma do Supremo (Rcl 70.191), sob relatoria de Alexandre de Moraes, anulando um acórdão da 5ª Turma do STJ de junho de 2024.
Na ocasião, foi decidido que não é legítimo o compartilhamento do RIF pelo Coaf, a pedido da autoridade policial ou do Ministério Público, antes da efetiva instauração do inquérito — no caso concreto, o procedimento era de verificação preliminar de informações (VPI).
O problema é que, ao validar o uso do RIF do Coaf por ordem da 1ª Turma do Supremo, a 5ª Turma do STJ ofendeu a jurisprudência da 2ª Turma do STF e também da 3ª Seção do STJ, que reúne os membros de ambos os colegiados criminais da casa.
Relator do caso julgado na 5ª Turma, o ministro Ribeiro Dantas pediu para oficiar o presidente da 3ª Seção, ministro Antonio Saldanha Palheiro, para informar que o descumprimento decorreu da necessária observância da decisão da 1ª Turma do STF.
“Nós aqui no Superior Tribunal de Justiça nos encontramos em uma situação muito, muito difícil. Tem uma turma do Supremo pensando uma coisa e a outra pensando outra. Quando a gente decide de um jeito, vem decisão de uma delas em reclamação. E quando decide de outro, vem decisão da outra turma”, lamentou Ribeiro Dantas.
Até que o STF finalmente resolva o problema, o STJ continuará obedecendo às decisões em reclamação, avisou o magistrado. “Além de disciplinados em relação aos precedentes internos, nós temos de ser obedientes à instância maior.”
Controvérsia ampla
A amplitude dessa cisão jurisprudencial foi exatamente o que levou a Procuradoria-Geral da República a pedir a Alexandre de Moraes a suspensão de todas as decisões que discutem o acesso de órgãos de investigação a relatórios de inteligência financeira.
Isso apesar de os precedentes do STJ não terem proibido, nem dificultado, o uso dessas informações nas investigações. Em vez disso, apenas estabeleceram um controle judicial prévio e mínimo, como mostrou a ConJur, que também já mostrou que, em dez anos, o número de RIFs por encomenda aumentou 1.300%. No ano passado, o Coaf entregou uma média de 51 relatórios por dia aos órgãos habilitados.
Já a Folha de S. Paulo informou que, em 2024, foram registrados 13.667 pedidos de RIFs ao Coaf pelas Polícias Civis, número 114% maior do que os 6.375 de 2021.
O risco, segundo os especialistas, é transformar o imenso banco de dados do Coaf em um repositório de dados à disposição dos investigadores, com informações que, inclusive, não representam prova, mas apenas indicam onde obtê-las — são como “mapas de calor”.
RHC 187.335
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O post Controvérsia dos RIFs do Coaf no STF deixa juízes sem saber a quem obedecer apareceu primeiro em Consultor Jurídico.