STF invalida lei paulista que restringia mototáxi

O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de uma lei do estado de São Paulo que regulamentava e restringia o transporte individual remunerado de passageiros por motocicleta — o mototáxi. O julgamento virtual terminou nesta segunda-feira (10/11).

 

Em setembro, o relator, ministro Alexandre de Moraes, havia suspendido a norma. Na decisão, o ministro observou que o STF já fixou, no Tema 967 da repercussão geral, que proibir ou restringir o transporte por motorista de aplicativo é inconstitucional, por violar os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Ainda segundo a tese, ao regulamentar a atividade, os municípios e o Distrito Federal não podem contrariar a legislação federal.

Contexto

A Lei estadual 18.156/2025, publicada em junho, passou a condicionar o exercício do serviço de mototáxi, intermediado por empresas de aplicativo como Uber e 99, à prévia autorização dos municípios, sob pena de aplicação de sanções e multas por transporte ilegal de passageiros.

A confederação argumentou que a lei invadiu a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes da política nacional de transportes e sobre trânsito e transporte. Na avaliação da Confederação Nacional de Serviços (CNS), ao criar condições para o exercício de uma atividade econômica, a norma também viola os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência e o direito de escolha do consumidor.

Em informações prestadas nos autos, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) argumentou que a norma trata de proteção ao consumidor e à saúde. No mesmo sentido, o governador de São Paulo alegou que o estado tem competência para suplementar a legislação federal nesses temas.

A Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República, por sua vez, consideraram que houve invasão da competência da União para legislar sobre trânsito e transporte.

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Voto do relator

Alexandre votou por converter o julgamento de referendo de medida cautelar em julgamento definitivo de mérito, conhecer da ação e, confirmando a medida cautelar, julgar procedente a ADI. O relator acolheu as alegações, sustentando que a lei incorreu em inconstitucionalidade formal e material.

Ele foi acompanhado na íntegra por Dias Toffoli, Luiz Edson Fachin, Cármen Lúcia, André Mendonça, Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux.

No voto, o ministro destacou a usurpação da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes da política nacional de trânsito e transportes. Frisou, ainda, que a legislação federal já estabelece que a competência para regulamentar e fiscalizar o transporte remunerado individual de passageiros é exclusivamente municipal, e o estado não poderia intervir ou suplementar o tema de maneira a inovar o regime legal.

O magistrado ainda apontou a inconstitucionalidade material por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, ao argumentar que o transporte individual de passageiros por aplicativo é uma atividade econômica lícita, protegida pelo princípio da livre iniciativa e não deve ser classificado como serviço público.

“A circunstância de se tratar de transporte por meio de motocicletas poderia, em tese, justificar a regulamentação de aspectos relacionados a esse tipo de veículo. Inclusive, os motivos que embasaram a proposição legislativa que originou a norma impugnada, como narrado pela Assembleia do Estado de São Paulo, destacam dados oficiais sobre sinistros ocorridos no transporte por motocicleta”, escreveu.

“Todavia, não há fator que distingua, sob o aspecto jurídico, o transporte por aplicativos, seja por automóveis (carros) ou por motocicletas, devendo-se aplicar o mesmo entendimento firmado pela corte”, seguiu.

A imposição de prévia autorização municipal para a atividade, segundo Alexandre, configura uma condição suspensiva e desproporcional e cria um obstáculo excessivo e desnecessário ao exercício profissional.

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O relator destacou a ineficácia e o risco da lei, ao dizer que o texto poderia incentivar a migração do serviço de mototáxi para a clandestinidade e violar o dever constitucional de proteção ao consumidor.

“As restrições forçam os cidadãos a submeterem-se a alternativas potencialmente mais caras, mais lentas e menos eficientes, enfraquecendo o ambiente competitivo, em claro prejuízo ao consumidor. Isso porque é de conhecimento geral que o transporte individual de passageiros por aplicativos, em especial por motocicletas, possui custo mais acessível, significando alternativa robusta ao transporte público”, argumentou.

Outros votos

O ministro Flávio Dino acompanhou o relator, mas fez algumas ressalvas que, segundo ele, devem ser debatidas em momento posterior. Ele aproveitou o voto para criticar os aplicativos de transporte e entrega, para além do mototáxi.

Segundo o magistrado, a atividade de transporte individual de passageiros por aplicativo não deve excluir um regime de direitos básicos aos prestadores de serviço, como férias, repouso remunerado, seguro contra acidentes e aposentadoria.

Ele concluiu que, por causa da alta demanda dos aplicativos, trabalhadores exaustos acabam por prejudicar a segurança no trânsito das grandes cidades, sobretudo pedestres. E criticou a “gamificação” feita pelas plataformas. “Seres humanos não são personagens de videogame, com múltiplas ‘vidas’ — a serem exploradas ao máximo e descartadas como um produto de consumo qualquer.”

“Não é admissível que, eventualmente, empresas operadoras de alta tecnologia comportem-se como senhores de escravos do século 18, lucrando com o trabalho alheio executado em um regime excludente de direitos básicos”, criticou.

Nenhum dos tópicos da ressalva está em debate na ADI sobre a lei estadual de São Paulo, mas os pontos levantados devem gerar debate no julgamento do recurso em que o Supremo vai tratar das relações de trabalho de motoristas e entregadores com os aplicativos.

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O ministro Cristiano Zanin também acompanhou Alexandre com uma pequena ressalva: os municípios podem regulamentar e fiscalizar a atividade de mototáxi, o que inclui estabelecer “eventuais condicionantes ao exercício dela”, tendo em vista peculiaridades locais. O magistrado destacou que essa competência é garantida pela Lei 12.587/2012 e pela jurisprudência do STF.

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ADI 7.852

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