O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 1.293, definiu:
1. Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos. 2. A natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação. 3. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.
Por anos, havia um consenso de que o Direito Aduaneiro era um ramo autônomo e, como tal, podia viver tranquilamente sem investigação da finalidade das suas multas, se administrativa ou tributária. O STJ, porém, não pensou dessa maneira e, com o julgamento do REsp nº 2.147.578/SP, representativo da controvérsia, nos obrigou a repensarmos as multas aduaneiras para enquadrá-las em dois subgrupos: multas de direito administrativo e multas de direito tributário.
Concordando ou não com a inovação daquele tribunal superior, que reescreveu tudo o que sabíamos sobre Direito Aduaneiro, somos obrigados, agora, a achar pelo menos uma multa aduaneira que tenha caráter tributário, sob pena de descumprirmos o que decidido no repetitivo e considerarmos erradas as premissas daquele órgão julgador.
Para analisarmos a natureza das multas aduaneiras, nada melhor do que um teste de subtração, que consista em verificar-se se a fiscalização de tributos seria afetada, na hipótese de revogarmos a previsão legal de sua aplicação.
Funcionamento dos testes
1º caso: vejamos a multa isolada que foi analisada no REsp nº 2.147.578/SP, que é prevista no artigo 107, IV, ‘e’, do DL 37/66, no valor de R$ 5 mil, incidente nos casos em que se deixa de prestar informação sobre veículo ou carga transportada, na forma e no prazo definidos, aplicada à empresa de transporte internacional.
O simples fato de essa multa ser aplicada à empresa de transporte, e não ao contribuinte, já demonstra que sua finalidade não é combate à sonegação, mas sim a fiscalização do transporte internacional. Pelo teste de subtração, sua revogação não atrapalharia a atividade de fiscalização de tributos, tendo implicações apenas administrativas.
Parece que nosso teste funcionou. Mas seria importante “testar” o teste de subtração mais uma vez, para verificar se ele funcionaria na identificação de multas com finalidade de fiscalização tributária.
2º caso: vejamos, então, a multa substitutiva de perdimento (artigo 23 do Decreto-Lei nº 1.455/1976) e multa por cessão de nome (artigo 33 da Lei 11.488/2007), que são consideradas multas por interposição fraudulenta de terceiros, que ocorre a partir do momento em que o real importador se oculta, inserindo um importador ostensivo nas operações de comércio exterior.
Tais multas, apesar da natureza aduaneira, buscam coibir uma prática fiscal de elisão consistente na blindagem patrimonial e na quebra de cadeia de tributos incidentes na importação, como o IPI, PIS/Cofins-importação. Ela é tão importante para fiscalização de tributos que o artigo 81 da Lei nº 9.430/1996 determina a perda de CNPJ das empresas envolvidas na fraude.
A interposição ocorre da seguinte maneira. Quando o importador quer reduzir os tributos aduaneiros, interpõe uma empresa (importador ostensivo), que recolhe os tributos aduaneiros. Depois disso, é emitida uma nota fiscal de saída (que inclui basicamente o valor aduaneiro, muitas vezes subvalorado, e uma pequena ou nula margem de lucro) para a transferência da mercadoria para o real importador (importador oculto).
Esse real importador, com essa prática elisiva, pode comercializar o produto, agora com a agregação de seu valor real, mas sem a incidência de IPI ou de PIS/Cofins-importação, pois formalmente conseguiu disfarçar sua condição de importador, quebrando a cadeia desses tributos.
Além da quebra da cadeia, em muitos casos há a blindagem patrimonial, com a interposição de uma importadora ostensiva “laranja”, que passa a acumular um passivo tributário enorme que nunca será recolhido aos cofres públicos, já que a empresa não possui liquidez financeira. Ocorre, assim, a evasão fiscal de tributos federais e do ICMS.
A multa por interposição fraudulenta de terceiros, portanto, apesar de em alguns casos não levar a um lançamento tributário, foi criada, em especial, como norma antielisiva e antievasiva, com uma especial atenção para a necessidade de se evitar a blindagem patrimonial com vistas à sonegação dos tributos aduaneiros e a quebra da cadeia dessas exações.
Exemplos após acórdãos do Carf
Para que se tenha uma visão prática de como essas práticas acontecem, e de como a Receita Federal procede às autuações, veremos exemplos de casos que se tornaram públicos a partir da publicação de acórdãos do Carf.
No primeiro exemplo (Acórdãos nº 3401-013.657, 3201-011.563, 3201-011.564), uma das maiores varejistas do país sofreu multa substitutiva de perdimento e multa por cessão de nome. Posteriormente, verificou-se que essa interposição permitiu quebrar a cadeia, evitando, dessa forma, sua equiparação a industrial, que ocorreria com base nos artigos 9º, II, III e IX, e 24, III, do RIPI/2010 (Decreto nº 7.212/2010). Isso levou ao lançamento por quebra de cadeia do IPI, em diversas autuações decorrentes e conexas, que também citamos de forma exemplificativa, o Acórdão Carf nº 3201-012.195.
No segundo exemplo, podemos citar uma empresa, importadora e industrial do setor de produtos de higiene pessoal, que foi inicialmente multada pela interposição fraudulenta (Acórdãos Carf nº 3401-013.675 e 3301-013.818). Sabendo-se que a prática da interposição na importação é uma forma de evasão e elisão fiscais, o segundo passo foi, como de praxe, investigar os tributos sonegados a partir dessa fraude.
Verificou-se que a empresa sonegava de duas formas: simulando uma compra e venda entre a empresa ostensiva e a oculta para deixar de recolher PIS e Cofins (Acórdão Carf nº 3301-014.025); simulando compra e venda entre elas para reduzir a tributação de IPI ou quebrando a cadeia para ocultar a interdependência das empresas e, assim, deixar de cumprir a regra de Valor Tributável Mínimo do IPI (Acórdão Carf nº 3202-001.962).
Cabe destacar que nos dois casos os lançamentos dos tributos foram decorrentes e basearam-se completamente no arcabouço probatório e legal da investigação fiscal que aplicou a multa aduaneira.
Fiscalização tributária inviabilizada
Parece que, aqui, o teste de subtração também funciona perfeitamente. Se, em situação hipotética, fosse revogada a multa aduaneira por interposição fraudulenta de terceiros, a fiscalização tributária ficaria inviabilizada. Seria como procurar uma agulha (simulação) em um palheiro (as milhares de importações e exportações diariamente realizadas).
Partindo do pressuposto de que o STJ entendeu pela existência de multas aduaneiras com finalidade de fiscalização tributária, perguntamos: se a multa por interposição fraudulenta não o for, então qual será? Realmente, não consigo imaginar.
Em conclusão, podemos dizer que duas afirmativas precisam ser consideradas um mantra, neste momento:
1) precisamos estabelecer um teste que permita identificar a natureza da multa aduaneira;
2) Uma, ao menos uma multa aduaneira, teremos que enquadrar como de natureza tributária, em respeito ao Superior Tribunal de Justiça.
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