As recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) reacenderam um debate que há anos divide especialistas: afinal, qual é o peso efetivo da prova técnica na definição de adicional de insalubridade e na cobrança de contribuições previdenciárias relacionadas aos riscos ambientais do trabalho?
O Judiciário tem sinalizado uma resposta clara. Em julgados recentes, tanto o TST quanto o TRF-4 reconheceram que a neutralização do agente nocivo por meio de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) afasta o pagamento de adicionais de insalubridade e de contribuições majoradas. O contraste, porém, surge quando observamos a postura da Receita Federal, que segue ampliando a cobrança do adicional por Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), mesmo diante de documentação técnica comprobatória de redução de exposição.
Essa assimetria revela uma realidade desconfortável: convivem hoje no país duas lógicas distintas — uma trabalhista e outra previdenciária — que impactam diretamente a segurança jurídica das empresas.
Trabalhista x Previdenciária: a dissonância entre os sistemas
No campo trabalhista, o entendimento é objetivo: se o EPI neutraliza o risco e reduz a exposição para níveis seguros, não há adicional de insalubridade. Já na esfera previdenciária, o Supremo Tribunal Federal consolidou que a simples presença do agente nocivo pode justificar o direito à aposentadoria especial, ainda que o equipamento seja eficaz.
Isso significa que um trabalhador pode não ter direito ao adicional de insalubridade, mas ainda assim gerar contribuição majorada ao RAT. É essa incongruência que tenho chamado de “dissonância regulatória”, pois cria insegurança jurídica, onera empresas que investem corretamente em saúde e segurança e tensiona o relacionamento com a fiscalização.
Prova técnica como elemento central
O que muda, então, diante dos novos julgados? A disposição do Judiciário de valorizar não apenas a existência de EPIs, mas a gestão real de riscos, comprovada por documentação robusta e coerente. A simples entrega do equipamento não basta. O que importa é demonstrar, com consistência técnica e continuidade, que o EPI reduz efetivamente a exposição ao agente nocivo.
Na prática, empresas que mantêm programas de saúde e segurança avançados — com treinamentos periódicos, medições atualizadas, audiometrias e auditorias internas — passam a ter maior segurança jurídica tanto para afastar adicionais de insalubridade quanto para contestar cobranças previdenciárias indevidas.
O eSocial como base oficial de risco
Com o avanço das estratégias de fiscalização da Receita Federal, baseadas no cruzamento automático de dados do eSocial, a coerência documental tornou-se imprescindível. Qualquer divergência entre o que consta no sistema e o que está no PGR, no LTCAT ou nas medições ambientais cria uma presunção desfavorável e pode resultar em autuações.
Para comprovar a neutralização do agente ruído, por exemplo, é necessário compor um dossiê técnico consistente, que envolva:
- medições ambientais conforme NHO-01;
- LTCAT e PGR coerentes e atualizados;
- histórico de audiometrias que evidencie ausência de perda auditiva relacionada ao trabalho;
- entregas de EPI com CA válido e com nível de atenuação compatível com o risco;
- treinamentos registrados e fiscalização real do uso.
Quando esses documentos dialogam entre si, a capacidade de afastar o adicional de insalubridade aumenta significativamente.
Erros recorrentes das empresas
Ainda é comum observar falhas que não decorrem da ausência de EPI, mas da incapacidade de comprovar sua gestão. Laudos que não conversam entre si, certificados de EPI vencidos, ausência de fiscalização de uso e falta de audiometrias periódicas são alguns dos problemas que fragilizam a defesa empresarial.
Sem coerência documental, o risco de autuação — trabalhista ou previdenciária — é elevado.
Como responder aos avisos de cobrança do RAT
Diante das notificações automatizadas da Receita, a orientação é adotar uma postura integrada entre setores trabalhista, fiscal e previdenciário. O primeiro passo é realizar uma auditoria ampla: PGR, LTCAT, medições ambientais, histórico de entrega e uso de EPIs, audiometrias e informações do eSocial. Havendo neutralização comprovada, monta-se um dossiê técnico consistente. Caso contrário, a autorregularização pode ser necessária para evitar multas que podem chegar a 75%.
É importante ponderar que regularizar sem questionar pode cristalizar um custo previdenciário permanente. Cada caso exige uma análise criteriosa.
O que pode mudar com o STF
Nos próximos meses, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar a ADI 7773, proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que questiona a lógica atual de cobrança do RAT. O julgamento poderá redefinir a forma como a Receita Federal aplica o Tema 555 e como as empresas comprovam a neutralização dos riscos.
Seja qual for o desfecho, o fato é que a prova técnica volta ao centro do debate jurídico. E, diante da evolução dos mecanismos de fiscalização, as empresas que investirem em gestão integrada de risco, documentação coerente e atualização contínua estarão mais preparadas para enfrentar as controvérsias que se desenham no horizonte.
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