O presente artigo analisa a recente comunicação processual, na ADI 7.727, expedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino aos governadores dos estados, na qual se solicita esclarecimentos acerca do cumprimento de decisão judicial referente à aposentadoria de policiais civis e federais.
O cerne da controvérsia reside na eficácia de normas acrescidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019, cuja aplicação foi afastada pelo STF por estabelecer critérios idênticos de aposentadoria para homens e mulheres nessas carreiras.
Esse cenário levanta importantes reflexões sobre o impacto das decisões do STF na administração pública estadual, a obrigatoriedade do seu cumprimento e as possíveis consequências jurídicas, especialmente acerca dos limites de incidência da cautelar da ADI 7.727 aos estados.
Objeto da ADI
Apesar do procedimento ter sido instaurado, aparentemente, apenas para externar uma mera comunicação de cumprimento ou não da medida cautelar deferida pela Suprema Corte, cabe-nos esclarecer os contornos administrativo-previdenciários vinculados ao objeto e parâmetro da ADI 7.727.
A temática não é de simples leitura. Inclusive o ministro relator foi instado a se manifestar novamente nos autos, diante dos questionamentos do diretor-geral da Polícia Federal. Nessa decisão, proferida no dia 24/10/2024, o ministro Flávio Dino deixa claro que “acresço, de igual modo, que a medida cautelar concedida tem o seu alcance emoldurado pelo objeto da ação direta em análise, precisamente os arts. 5º, caput e § 3º, e 10, § 2º, I, da Emenda Constitucional nº 103/2019[…]”. Os dispositivos dizem o seguinte:
“Art. 5º O policial civil do órgão a que se refere o inciso XIV do caput do art. 21 da Constituição Federal, o policial dos órgãos a que se referem o inciso IV do caput do art. 51, o inciso XIII do caput do art. 52 e os incisos I a III do caput do art. 144 da Constituição Federal e o ocupante de cargo de agente federal penitenciário ou socioeducativo que tenham ingressado na respectiva carreira até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderão aposentar-se, na forma da Lei Complementar nº 51, de 20 de dezembro de 1985, observada a idade mínima de 55 (cinquenta e cinco) anos para ambos os sexos ou o disposto no § 3º.
[…]
§3º Os servidores de que trata o caput poderão aposentar-se aos 52 (cinquenta e dois) anos de idade, se mulher, e aos 53 (cinquenta e três) anos de idade, se homem, desde que cumprido período adicional de contribuição correspondente ao tempo que, na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, faltaria para atingir o tempo de contribuição previsto na Lei Complementar nº 51, de 20 de dezembro de 1985
[…]
Art. 10. Até que entre em vigor lei federal que discipline os benefícios do regime próprio de previdência social dos servidores da União, aplica-se o disposto neste artigo. …
§2º Os servidores públicos federais com direito a idade mínima ou tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria na forma dos §§ 4º-B, 4º-C e 5º do art. 40 da Constituição Federal poderão aposentar-se, observados os seguintes requisitos:
I – o policial civil do órgão a que se refere o inciso XIV do caput do art. 21 da Constituição Federal, o policial dos órgãos a que se referem o inciso IV do caput do art. 51, o inciso XIII do caput do art. 52 e os incisos I a III do caput do art. 144 da Constituição Federal e o ocupante de cargo de agente federal penitenciário ou socioeducativo, aos 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, com 30 (trinta) anos de contribuição e 25 (vinte e cinco) anos de efetivo exercício em cargo dessas carreiras, para ambos os sexos;”
Percebe-se, portanto, que o objeto da ação direta de inconstitucionalidade está adstrito aos dispositivos referenciados.
Singularidades aos policiais dos estados
Os dispositivos impugnados possuem redação que referenciam outros dispositivos constitucionais. Isso nos leva a descrever, em conjunto com o texto e buscando ser didático, quais carreiras e servidores estamos a tratar e que, efetivamente, são sujeitos da ADI 7.727.
Desse modo, iremos reproduzir a redação, acrescentando, em cor indicativa, sobre qual servidor e carreira cada dispositivo referenciado está a tratar:
“O policial civil do órgão a que se refere o inciso XIV do caput do art. 21 da Constituição Federal (Polícia do DF), o policial dos órgãos a que se referem o inciso IV do caput do art. 51 (Polícia da Câmara), o inciso XIII do caput do art. 52 (Polícia do Senado) e os incisos I a III do caput do art. 144 da Constituição Federal (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal) e o ocupante de cargo de agente federal penitenciário ou socioeducativo que tenham ingressado na respectiva carreira até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderão aposentar-se, na forma da Lei Complementar nº 51, de 20 de dezembro de 1985, observada a idade mínima de 55 (cinquenta e cinco) anos para ambos os sexos ou o disposto no § 3º.”
[…]
§3º Os servidores de que trata o caput poderão aposentar-se aos 52 (cinquenta e dois) anos de idade, se mulher, e aos 53 (cinquenta e três) anos de idade, se homem, desde que cumprido período adicional de contribuição correspondente ao tempo que, na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, faltaria para atingir o tempo de contribuição previsto na Lei Complementar nº 51, de 20 de dezembro de 1985. …
Art. 10. Até que entre em vigor lei federal que discipline os benefícios do regime próprio de previdência social dos servidores da União, aplica-se o disposto neste artigo. …
§2º. Os servidores públicos federaiscom direito a idade mínima ou tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria na forma dos §§ 4º-B, 4º-C e 5º do art. 40 da Constituição Federal poderão aposentar-se, observados os seguintes requisitos:
I – O policial civil do órgão a que se refere o inciso XIV do caput do art. 21 da Constituição Federal (Polícia do DF), o policial dos órgãos a que se referem o inciso IV do caput do art. 51 (Polícia da Câmara), o inciso XIII do caput do art. 52 (Polícia do Senado) e os incisos I a III do caput do art. 144 da Constituição Federal (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal) e o ocupante de cargo de agente federal penitenciário ou socioeducativo, aos 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, com 30 (trinta) anos de contribuição e 25 (vinte e cinco) anos de efetivo exercício em cargo dessas carreiras, para ambos os sexos;”
Observa-se, assim, que os dispositivos não possuem, em tese, aplicabilidade federativa aos estados, já que são direcionamentos aos policiais vinculados à União, considerando a respectiva competência legislativa.
Daí que a Nota Técnica SEI nº 12212/2019/ME [1] aduz que “a eficácia limitada dos parágrafos 4º, 4º-A, 4º-B, 4º-C, e 5º do art. 40 da Constituição, a respeito das aposentadorias voluntárias especiais, acabou sendo integrada normativa e temporariamente, tão somente para a União, pela disciplina jurídica de transição dos arts. 4º, 5º, 20 e 21 da EC nº 103, de 2019, assim como pelas disposições transitórias de seus arts. 10 e 22”.
Em atenção às aposentadorias especial, a Nota Técnica SEI nº 12212/2019/ME relata que “em relação aos Estados, Distrito Federal e Municípios o Poder Constituinte Reformador não prescreveu a disciplina jurídica de transição nem as disposições transitórias já referidas, salvo na situação específica descrita adiante. Em seu lugar, contornou a não autoexecutoriedade das normas constitucionais permanentes sobre aposentadoria voluntária especial recepcionando expressamente e pro tempore as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à entrada em vigor da nova Emenda, assegurando-lhes a continuidade da vigência em face desses entes subnacionais, com eficácia plena e aplicabilidade imediata, até que sejam promovidas alterações na legislação dos respectivos regimes próprios, quando então a sua eficácia estará exaurida” (grifos do articulista).
Logo, a reforma preservou o quadro jurídico anterior à sua promulgação no que concerne, entre outras matérias, à aplicação das normas constitucionais sobre aposentadorias especiais então vigentes, as quais continuam a ter aplicação para os estados, o Distrito Federal e os municípios, enquanto estes não promulgarem a respectiva reforma previdenciária, devendo obediência aos condicionamentos impostos pela EC nº 103, de 2019, ou seja, à supremacia da Constituição Federal, já que a reforma da Carta do trata-se de Poder decorrente (Nota Técnica SEI nº 12212/2019/ME).
Dessa forma, mesmo que as normas sobre aposentadoria especial anteriores à entrada em vigor da EC nº 103, de 2019, apresentem incompatibilidade com a redação atribuída pela reforma aos §§ 4º, 4º-A, 4º B e 4º-C do artigo 40 da Constituição, isto não poderá afastar a sua aplicação aos regimes próprios dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a teor do § 10 do artigo 4º da EC nº 103, de 2019. (Nota Técnica SEI nº 12212/2019/ME).
A recepção das aludidas normas constitucionais, com a redação em vigor antes da reforma da EC nº 103, de 2019, estende-se à respectiva norma infraconstitucional regulamentadora. É o caso da Lei Complementar federal nº 51, de 20.12.1985, que continua a reger, na condição de lei federal de normas gerais de abrangência nacional, a aposentadoria especial do servidor policial do estado, conforme a redação transcrita a seguir, até que essa matéria seja alterada para o respectivo regime próprio, por meio de lei complementar do ente federativo, nos termos, condições e alcance previstos nos §§ 4º e 4º-B do artigo 40 da Constituição, com a redação dada pela EC nº 103, de 2019.
Conclusão
Portanto, a reforma preservou o quadro jurídico anterior à sua promulgação no que concerne, entre outras matérias, a aplicação das normas constitucionais e infraconstitucionais sobre aposentadorias especiais então vigentes, as quais continuam a ter aplicação para os estados, enquanto estes não promulgarem as respectivas reformas previdenciárias. E deve obediência aos condicionamentos impostos pela EC nº 103, de 2019, considerando, ainda, que a eficácia limitada dos parágrafos 4º, 4º-A, 4º-B, 4º-C, e 5º do artigo 40 da Constituição, a respeito das aposentadorias voluntárias especiais, acabou sendo integrada, normativa e temporariamente, tão somente para a União, pela disciplina jurídica de transição dos artigos 4º, 5º, 20 e 21 da EC nº 103, de 2019, assim como pelas disposições transitórias de seus artigos 10 e 22.
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