É relativamente comum se observar na imprensa e nos mais recentes noticiários as palavras equilíbrio e sustentabilidade fiscais como uma das pedras de toque dos governos, um objetivo macro que precisa ser atingido independentemente da posição sociológica que o governante ocupa.
Não é raro também, o uso da retórica orçamentária como instrumento de pressão ao governo, seja por parte da mídia convencional, dos órgãos de controle, do mercado, da própria classe política e até mesmo por parte do eleitor comum. A questão é que, apesar de ser expressão comum no âmbito fazendário dos órgãos públicos no Brasil, não há na Constituição, tampouco na legislação ordinária, uma previsão específica sobre o conceito de sustentabilidade ou equilíbrio fiscal, embora ambos esses critérios sejam previstos como requisitos essenciais na gestão pública responsável.
Leis como a Lei Complementar n° 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), trazem critérios objetivos que limitam a atuação do gestor na política fiscal, buscando um balanço entre as capacidades estatais no que tange a receita, despesa, e o crédito público, sendo fator interessante o fato de a própria norma estatuir, como um de seus objetivos, a responsabilidade na gestão fiscal, antecipando-se riscos e prevenindo desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas.
A busca pelo equilíbrio fiscal também está presente em diversas passagens da Constituição. Um exemplo recente é a Emenda Constitucional nº 109/2019, que explicitou a preocupação do constituinte derivado com a condução da política fiscal, constitucionalizando o objetivo do Estado brasileiro de implementar políticas públicas e econômicas sem comprometer a capacidade estatal de manter a dívida pública em níveis sustentáveis [1].
Neste sentido, há de se questionar, afinal, qual é a conceituação de equilíbrio e sustentabilidade fiscal?
O conceito de equilíbrio fiscal
No dicionário, equilíbrio é definido como a condição de estabilidade, em que forças agem de maneira proporcional, promovendo harmonia. Assim, buscar equilíbrio fiscal significa perseguir, na gestão pública, essa estabilidade no ciclo orçamentário brasileiro. Não pode haver descontroles ou desarmonias entre os principais componentes da atividade financeira do Estado: receita, despesa e crédito público. Esses elementos devem dialogar de forma permanente e coordenada; do contrário, haverá o chamado desequilíbrio fiscal.
Quando a lei complementar ou a própria Constituição estabelece limites aos gastos com pessoal ou às despesas obrigatórias de caráter continuado, o objetivo é controlar as despesas para evitar desarmonia com a receita e o crédito público, prevenindo, assim, déficits crônicos. Do mesmo modo, quando o Senado, por mandamento constitucional, fixa limites ao endividamento do Estado, busca-se evitar que o crédito público saia de controle e cause desequilíbrios nos demais componentes orçamentários. Dessa forma, o equilíbrio fiscal é o resultado de uma interação harmônica entre receita, despesa e crédito público, sendo a própria expressão da harmonia na atividade financeira estatal.
O conceito de sustentabilidade fiscal
Por sua vez, a sustentabilidade fiscal, embora também presente na legislação brasileira, carece de uma definição específica ou de uma conceituação objetiva. Diferentemente do equilíbrio fiscal, a sustentabilidade fiscal abrange uma perspectiva mais ampla. Enquanto o equilíbrio é o resultado da harmonia entre os componentes da atividade financeira, a sustentabilidade fiscal reflete o sucesso de uma política econômica equilibrada, capaz de manter esse balanço para as gerações atuais sem comprometer a capacidade de dispêndio das futuras. Trata-se, basicamente, de uma preocupação com o endividamento de longo prazo, considerando a alternância de gestores e o acesso relativamente facilitado ao crédito pelos Estados modernos.
Pode-se afirmar que o sucesso na aplicação do equilíbrio fiscal gera, inevitavelmente, a sustentabilidade fiscal, que passa a acompanhar a política econômica do governo a longo prazo. Importante destacar que a sustentabilidade fiscal não impede o endividamento público, mas exige que ele respeite a capacidade de solvência do orçamento e os limites impostos pela legislação, de modo que a gestão fiscal seja responsável mesmo em um contexto de longo prazo.
Nesse sentido, o artigo 164-A da Constituição prevê que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem conduzir suas políticas fiscais de forma a manter a dívida pública em níveis sustentáveis”. Não se trata de uma proibição ao endividamento, mas de uma diretriz que exige respeito aos limites legais e à capacidade de receita de cada ente público.
A gestão pública insustentável fiscalmente é aquela que desconsidera o planejamento estatal como um todo, ignorando possíveis frustrações de receita, limites de endividamento e características específicas de certos gastos públicos, como os de pessoal. Tal conduta tende a trazer reflexos negativos, inclusive para gestões futuras [2].
A essencialidade da gestão pública equilibrada e sustentável
Não é difícil perceber que a dupla equilíbrio/sustentabilidade fiscal é essencial para a vida estatal dos entes políticos, influindo diretamente na questão da autonomia financeira e política destes. A ausência de definições específicas para esses termos na legislação brasileira é um reflexo do dinamismo e da pluralidade que permeiam a atividade financeira estatal, sendo essa lacuna normativa um reforço à importância de os gestores públicos e órgãos de controle agirem de forma responsável, considerando os impactos de curto e longo prazo de suas decisões orçamentárias.
É bom lembrar que a gestão pública desequilibrada e insustentável é apta a causar consequências negativas no financiamento de políticas públicas essenciais para o Estado como saúde, segurança e educação. Aliás, a perpetuação de um cenário de insolvência fiscal afeta a confiança dos investimentos privados no país, elevando o custo de vida e o próprio crescimento econômico do Estado [3]. A escassez de recursos para políticas públicas e serviços essenciais agrava desigualdades sociais e limita o alcance de ações destinadas a melhorar a qualidade de vida da sociedade, tendo nas medidas de austeridade fiscal o principal exemplo de como a sustentabilidade é indispensável para qualquer gestão pública.
Mais do que atender exigências fiscais, perseguir o equilíbrio e a sustentabilidade fiscal significa zelar pela viabilidade do Estado enquanto garantidor de direitos fundamentais e promotor do desenvolvimento. O sucesso nessa empreitada depende da articulação harmoniosa entre os componentes do orçamento público e da adoção de práticas responsáveis de endividamento e planejamento financeiro, e o cumprimento rigoroso das legislações que limitam e restringem as possibilidades de desequilíbrio, como a LRF, é um passo fundamental para tanto.
[1] RÊGO, Carlos José Fernandes et al. Equilíbrio fiscal no Brasil. 2013. Monografia. Orientador: Anna Emanuella Nelson dos Santos Cavalcante da Rocha. Repositório Institucional IDP. disponível em: <http://52.186.153.119/handle/123456789/3412>. Acesso em: 14/11/2024
[2] MENDES, Marcos José. Sistema orçamentário brasileiro: planejamento, equilíbrio fiscal e qualidade do gasto público. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2008.
[3] NABAIS, José Casalta; SILVA, Suzana Tavares da. Sustentabilidade fiscal em tempos de crise. Almedina: Coimbra, 2011.
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