Ajuste em contratos de mini e microgeração distribuída de energia

Muitos consumidores com sistema de mini e microgeração distribuída de energia têm sido surpreendidos com cobranças de valores abusivos. Isso porque muitos foram notificados, com letras miúdas em suas contas de energia, para que no prazo de 60 dias promovessem “ajustes” em seus contratos com a distribuidora, adequando-se às regras tarifárias trazidas pela Resolução Normativa nº 1.059, de 7 de fevereiro de 2023, publicada pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Energia elétrica

 

Dentre esses “ajustes contratuais”, inclui-se o dever de o consumidor efetuar a contratação de “demanda de injeção de geração”. Ocorre que o consumidor sequer sabe o que é “demanda de injeção de geração”, tampouco a quantidade de demanda que deve ser contratada.

Como era de se esperar, alguns consumidores contrataram abaixo do necessário e acabaram pagando tarifas até três vezes mais caras que a originalmente contratadas. Outros não contrataram e seguiram pagando tudo ao custo da demanda ativa.

1. Das conceituações

Antes de aprofundar no tema, necessário fazer o que a lei, as concessionárias e as agências reguladoras não fizeram, informar e esclarecer os conceitos de cada coisa.

Demanda pode ser compreendida como a quantidade de eletricidade que você precisa em um determinado momento. Pense nisso como a quantidade de energia que todas as suas luzes, aparelhos e equipamentos juntos estão usando ao mesmo tempo. Por exemplo, quando você liga a TV, o micro-ondas e o ar-condicionado ao mesmo tempo, a demanda de energia aumenta.

Demanda de Injeção de Geração é a quantidade de eletricidade que um sistema de energia, como painéis solares, coloca na rede elétrica. Imagine que você tem painéis solares no seu telhado que geram mais energia do que você está usando em casa. Essa energia extra vai para a rede elétrica da cidade, e isso é a demanda de injeção.

2. Marco legal da microgeração e minigeração distribuída no Brasil

A Lei nº 14.300, de 6 de janeiro de 2022, institui o Marco Legal da Microgeração e Minigeração Distribuída no Brasil, estabelecendo um framework regulatório para consumidores que desejam gerar sua própria energia a partir de fontes renováveis, como solar e eólica.

Definições e categorias

A lei trouxe o conceito e distinção entre microgeração distribuída, compreendida como sistemas com potência instalada menor ou igual a 75 kW; e minigeração distribuída: definido como sistemas com potência instalada superior a 75 kW e menor ou igual a 5 MW para fontes renováveis.

Sistema de compensação de energia elétrica

A lei permitiu que os consumidores que geram sua própria energia podem injetar o excedente na rede elétrica e receber créditos com validade de 60 meses, que podem ser usados para abater o consumo em outros momentos.

Tarifas e custos

A lei trouxe a infeliz novidade de submeter os novos consumidores de micro ou minigeração distribuída ao pagamento de tarifas de uso do sistema de distribuição (Tusd) e de transmissão (Tust) sobre a energia injetada na rede, isentando os consumidores que já possuíam o sistema de micro ou minigeração distribuída do pagamento das referidas tarifas até 2045.

3. Alteração das regras para a conexão e o faturamento de centrais de microgeração e minigeração distribuída

A Resolução Normativa nº 1.059, de 7 de fevereiro de 2023, publicada pela Aneel, trouxe mudanças significativas nas regras de contratação de demanda para consumidores e geradores de energia, especialmente aqueles com sistemas de geração distribuída, como placas solares.

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A REN Aneel nº 1.059/2023 foi introduzida com o objetivo de atualizar e consolidar a regulamentação do setor elétrico brasileiro, especialmente em relação à micro e minigeração distribuída. Esta resolução visava garantir a adequação das demandas contratadas pelos consumidores e geradores, promovendo a eficiência e a estabilidade do sistema elétrico.

No entanto, a implementação dessas mudanças resultou em desafios significativos para muitos consumidores, particularmente aqueles que possuem sistemas de geração distribuída, como placas solares.

Dentre as principais alterações trazidas pela REN Aneel nº 1.059/2023 e que merecem destaque, trata-se da alteração do artigo 23 da Resolução Normativa nº 1.000, de 7 de dezembro de 2021, que passou a vigorar com a regra de que a unidade consumidora com minigeração distribuída (potência instalada superior a 75 kW) deve ser enquadrada no Grupo A e que os consumidores com microgeração distribuída pode ser enquadrada no Grupo A, desde que tenha potencial de prejudicar a prestação do serviço a outros consumidores e demais usuários, e seja justificado no estudo da distribuidora.

O enquadramento do consumidor no grupo A tem várias implicações importantes que afetam tanto o custo da energia elétrica quanto a forma como a energia é fornecida e faturada. O grupo A é composto por consumidores que recebem energia em alta tensão, como indústrias, grandes comércios e outros grandes consumidores. As principais consequências do enquadramento no grupo A incluem:

Modalidade Tarifária Diferenciada

Os consumidores do grupo A podem optar por diferentes modalidades tarifárias, como a tarifação horária verde ou azul. Essas modalidades oferecem tarifas variáveis de acordo com o horário de consumo (ponta e fora de ponta), incentivando um uso mais eficiente da energia.

Demanda contratada

Consumidores do grupo A devem contratar uma demanda de potência junto à distribuidora, o que significa que eles se comprometem a não ultrapassar um determinado limite de consumo de energia. Ultrapassar essa demanda resulta em penalidades financeiras, chamadas de tarifas de ultrapassagem.

 Custos com demanda de injeção de geração

Para aqueles que geram sua própria energia, como através de painéis solares, a demanda de injeção de geração é uma nova exigência. A falta de contratação adequada pode resultar em custos elevados e multas significativas.

Penalidades por ultrapassagem de demanda

Se a demanda medida durante o período de testes ou após o ajuste contratual exceder a demanda contratada, o consumidor é sujeito a penalidades significativas. A ultrapassagem pode resultar em tarifas três vezes mais altas, conforme estipulado pelo artigo 301 da REN Aneel 1.000/2021.

Acréscimos e reduções de demanda

Os consumidores do grupo A têm a flexibilidade de ajustar suas demandas contratadas, mas isso deve ser feito com cuidado para evitar penalidades. Acréscimos de demanda superiores a 5% da contratada precisam ser comunicados e ajustados de acordo com os regulamentos vigentes.

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A título ilustrativo pode-se referir aos valores praticados pela Equatorial S/A no Estado do Pará para as demandas ativa e demanda de geração, onde a primeira possui um custo de R$ 67,38 o KW, ao passo que a segunda possui um custo de R$ 43,77.

Período de testes

Como muitos consumidores são leigos e não possuem noção do quanto deveriam contratar a título de demanda de injeção de geração, aliado ao fato de que os sistemas de geração distribuída, como placas solares, têm uma variabilidade natural na geração de energia devido a fatores climáticos e sazonais.

O artigo 311 da REN Aneel nº 1.059/2023 estabelece um período de testes de três ciclos consecutivos e completos de faturamento. Durante esse período, os consumidores podem ajustar suas demandas sem penalidades imediatas, mas devem estar cientes das exigências para evitar cobranças excessivas após o período de testes.

Ultrapassagem de demanda durante o período de testes

Contudo, essa regra do período de testes trouxe consigo o que identificamos como uma pegadinha, haja vista que durante o período de testes, a distribuidora faturará a demanda medida, exceto em casos de acréscimo de demanda, onde será considerado o maior valor entre a demanda medida e a demanda contratada anteriormente.

Diz-se que há uma pegadinha pois, segundo a resolução, se a demanda medida exceder em mais de 35% a demanda inicial contratada na hipótese de início de fornecimento ou se a demanda medida exceder somatório da nova demanda contratada, 5% da demanda anterior e 30% da demanda adicional no caso de ligações já existentes e que apenas solicitaram aumento de demanda, a distribuidora aplicará uma multa pela ultrapassagem de demanda, com a cobrança de tarifa que pode ser até três vezes mais cara que a tarifa regular da demanda contratada.

Exemplo prático: imagine que um consumidor tenha contratado em início de fornecimento uma demanda inicial de 100 kW. Durante o período de testes, sua demanda medida foi de 140 kW. A distribuidora não pode cobrar multa, pois a demanda medida não excedeu 135 kW (100 kW + 35%). Se a demanda medida fosse 140 kW, a multa seria aplicada.

Para consumidores que já possuíam o fornecimento e apenas solicitaram aumento de demanda, pode-se ilustrar da seguinte forma: consumidor possuía uma demanda contratada de 100 kW e contratou uma nova demanda de 120 kW. Caso a demanda medida seja superior 131 kW (120 kW + 5 kW + 6 kW), o consumidor estará sujeito ao pagamento da tarifa excedente que pode ser até três vezes mais cara que a tarifa regular da demanda contratada.

4. Dever de informação

O Superior Tribunal de Justiça em diversos julgados tem afirmado que a Informação é um dos direitos básicos do consumidor, talvez o mais elementar de todos na classe dos instrumentais (em contraste com direitos substantivos, como proteção da saúde e segurança), daí a sua expressa prescrição pelo artigo 5º , XIV , da Constituição de 1988 e no artigo 6º , III e IV do CDC.

No julgamento do Recurso Especial nº 1.447.301 CE 2014/0052859-2, pela 2ª Turma do STJ [1], sob a relatoria do ministro Herman Benjamin, DJe 26/08/2020, o tribunal afirmou que: “a falta ou a deficiência material ou formal de informação não só afrontam o texto inequívoco e o espírito do CDC , como também agridem o próprio senso comum, sem falar que convertem o dever de informar em dever de informar-se, ressuscitando, ilegitimamente e contra legem, a arcaica e renegada máxima caveat emptor (=o consumidor que se cuide)”.

Destacou o relator que “só respeitam o princípio da transparência e da boa-fé objetiva, em sua plenitude, as informações que sejam “corretas, claras, precisas, ostensivas” e que indiquem, nessas mesmas condições, as “características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados” do produto ou serviço, objeto da relação jurídica de consumo (art. 31 do CDC)”.

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Cláudia Lima Marques [2], uma das mais renomadas juristas em Direito do Consumidor no Brasil, aborda o dever de informação de forma detalhada em suas obras. Ela define o dever de informação como um dos pilares da proteção do consumidor, sustentando que:

“O dever de informar é uma obrigação fundamental no direito do consumidor, que visa equilibrar a relação contratual, tornando-a mais justa e transparente. Esse dever impõe ao fornecedor a responsabilidade de fornecer todas as informações necessárias para que o consumidor compreenda plenamente o produto ou serviço adquirido, incluindo características, riscos, preços, condições de pagamento, entre outros aspectos relevantes” (MARQUES, 2015, p. 103).

Marques enfatiza que a falha no cumprimento desse dever pode ser considerada uma prática abusiva e, em alguns casos, pode gerar a responsabilidade civil do fornecedor por eventuais danos causados ao consumidor devido à ausência ou insuficiência de informações.

5. Considerações finais

A REN Aneel nº 1.059/2023 trouxe mudanças importantes para a regulamentação do setor elétrico, mas sua implementação destacou falhas significativas na comunicação e na educação dos consumidores, o que tem provocado cobranças abusivas e, por consequência, o ajuizamento de inúmeras ações judiciais que buscam dizer o óbvio, é dever do fornecedor informar e esclarecer o consumidor.

Ao tempo em que mundialmente se busca por iniciativas e geração de energias limpas e renováveis, alguns aspectos legais e regulamentares parecem andar na contramão, na medida em que encarece o custo de geração de energia por consumidores com micro e minigeração de distribuição de energia instalado.

É essencial que a Aneel e as distribuidoras melhorem a clareza e a acessibilidade das informações fornecidas aos consumidores para evitar cobranças abusivas e garantir que todos estejam plenamente cientes de suas obrigações contratuais.


[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1.447.301 CE 2014/0052859-2, relator: ministro HERMAN BENJAMIN, data de julgamento: 08/11/2016, T2 – 2ª Turma, data de publicação: DJe 26/8/2020

[2] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

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