Algoritmos são alternativa para otimizar decisões da Justiça Criminal

A adoção de algoritmos é uma alternativa para otimizar o trabalho matemático da Justiça Criminal e criar obstáculos para o hiperencarceramento, principalmente quando envolve a dosimetria de penas, na opinião do ministro Joel Ilan Paciornik, do Superior Tribunal de Justiça.

O magistrado falou sobre o tema durante a mesa “Impacto do mundo digital no Direito Penal”, que fez parte do XI Fórum Jurídico de Lisboa, evento que reuniu no fim de junho vários dos mais importantes nomes do Direito do Brasil e da Europa. O debate foi mediado pelo juiz Atalá Correia, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF) e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

Paciornik lembrou os desafios enfrentados pelos Estados Unidos décadas atrás quando não viu sua população carcerária diminuir apesar de investimentos robustos do Departamento de Justiça.

“Quando os americanos viram que esse investimento não reduziu a criminalidade nem diminuiu os níveis de incidência, começaram a pensar em fórmulas matemáticas buscando a máxima eficiência para ver como se poderia arrefecer o problema do hiperencarceramento.”

Os algoritmos, lembra o ministro, são combinações de programas de ferramentas através do uso de inteligência artificial e que forneceram instrumentos de avaliação sobre, por exemplo, probabilidade ou não de reincidência de réus.

“Todas as circunstâncias que estão no nível de análise cognitiva profunda do juiz criminal. Esses instrumentos foram crescendo. Criaram alguns softwares nos Estados Unidos”, argumenta. “A utilização dessas ferramentas promove uma nova realidade racional, permite uma padronização de critérios decisórios e visa diminuir os níveis de encarceramento.”

Conselheira do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Marina Coelho disse que o avanço digital tem “efeitos brutais” para as estruturas democráticas. “O Direito Penal vai ter que se reinventar nessa linha. Reinventar dentro de uma democracia.”

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Coelho se mostra preocupada com o avanço da digitalização sobre o direito de defesa de réus. “A desigualdade no Brasil é aprofundada pelo sistema penal. É uma máquina de moer pessoas. A digitalização potencializa isso porque o direito de defesa fica totalmente junto com uma estrutura que não tem efetividade nenhuma. Eu sou uma entusiasta da tecnologia, mas a gente precisa pensar em critérios.”

“Acredito que nós estamos diante de uma oportunidade de recolocação histórica do nosso país. Temos que fazer, sim, essa reanálise histórica da nossa sociedade. Não podemos mais deixar que o Direito Penal aprofunde o racismo, a misoginia, a desigualdade social e econômica.”

Advogado e ex-procurador regional da República no Distrito Federal, Eugênio Pacelli de Oliveira destacou que, pela perspectiva do processo penal, o Supremo Tribunal Federal tem acentuado que a competência por prerrogativa de função segue o raciocínio de que a relatoria nestes casos tem justificativa racional.

“Nosso compromisso é tentar demonstrar o que é possível justificar racionalmente. Não é por que estamos em um bom combate, enfrentando um grande problema, que nós também devemos desprezar os nossos comprometimentos mínimos com a essência civilizatória do processo penal.”

Projeto
Juíza do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT) e juíza auxiliar da Presidência do Supremo Tribunal Federal, Amini Haddad Campos levou ao debate o programa “Spotlight”, uma ferramenta que usa inteligência artificial para auxiliar juízes que lidam com casos de feminicídios. O software foi desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O modelo está em processo de implantação no Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE).

“O ‘Spotlight’ vai auxiliar os magistrados no reconhecimento de ocorrências de abusos no curso do processo. Recordamos o porquê da existência da Lei Mariana Ferrer. É inconcebível que possamos lidar com situações dentro do sistema de Justiça que sejam violadoras se é exatamente o Judiciário que deve preservar esse núcleo de direitos fundamentais, na projeção dos direitos humanos. Há um dever a ser alcançado.”

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Pedro Ivo Velloso, advogado e professor do IDP, destacou que, quando se fala em impacto da tecnologia no Direito Penal, deve-se lembrar que o Brasil aderiu à Convenção sobre o Crime Cibernético, firmada em Budapeste (Hungria), apenas em 2021 — 20 anos após o tratado ser promulgado.

“Se fez com certo atraso. Depois a gente levou mais dois anos para poder concluir esse processo de adesão. Hoje, a Convenção de Budapeste está internalizada em nosso direito. Tem que ser discutido agora — e, de fato, com urgência — como vamos internalizar isso no aspecto penal, no aspecto processual. A gente conhece um pouco discussões e experiências do passado em que os problemas não levaram a sério o cumprimento de convenções internacionais.”

Professor na Faculdade de Direito da Universidade Humboldt, Alaor Leite abordou a proteção da honra em sociedades digitais. Ele destacou três níveis de proteção de honra: instituições, grupos (principalmente os mais vulneráveis) e a individual.

“A construção da proteção da honra no Código Penal brasileiro. sobretudo da honra de funcionários públicos, foi construída a partir de outra premissa, a autoritária. Ela foi construída a partir de uma premissa de proteção da honra individual de funcionários públicos enquanto proteção da autoridade, e não da pessoa. Esse foi o caminho seguido pela Lei de Segurança Nacional que protegia pessoas, não instituições.”

O evento
Esta edição do Fórum Jurídico de Lisboa, que aconteceu entre 26 e 28 de junho, teve como mote principal “Governança e Constitucionalismo Digital”. O evento foi organizado pelo IDP, pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ/FGV)

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Ao longo de três dias, a programação contou com 12 painéis e 22 mesas de discussão sobre temas da maior relevância para os estudos atuais do Direito — entre eles debates sobre mudanças climáticas, desafios da inteligência artificial, eficácia da recuperação judicial no Brasil e meios alternativos de resolução de conflitos.

Fonte: Conjur

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