Análise de impacto e o mito do atraso em decisões regulatórias

Quando o Brasil adotou a AIR (análise de impacto regulatório) como ferramenta obrigatória para subsidiar as decisões regulatórias no país, muitos tomadores de decisão temeram o impacto dessa obrigatoriedade sobre as rotinas das instituições. Ainda há muitos adeptos do entendimento de que a AIR é um procedimento burocrático, demorado e que atrasa a tomada de decisão.

Conforme já nos posicionamos no artigo “Por um uso mais racional da análise de impacto regulatório no Brasil”, a AIR é uma ferramenta valiosa que confere racionalidade e legitimidade às decisões regulatórias. No entanto, para que o seu uso seja compatível com a crescente demanda por soluções regulatórias e com a insuficiência de recursos nas autoridades regulatórias, é fundamental que o Brasil encontre um modelo proporcional de AIR, que priorize o seu uso em propostas regulatórias de maior impacto para a sociedade.

Observado o critério da proporcionalidade, um fator que pode, ainda assim, desencorajar gestores a realizar uma AIR é o tempo de sua elaboração. Como observado em artigos anteriores publicados nesta coluna, a urgência é um dos motivos que frequentemente é utilizado para a dispensa de AIR em casos em que sua realização seria recomendável.

Mensurando o tempo de realização de uma AIR

Mas, afinal, enquanto o Brasil busca o seu modelo ideal, a AIR tem provocado atrasos em decisões regulatórias? Quanto tempo tem sido gasto na elaboração de uma AIR? Em busca de contribuir com esse debate, a equipe de pesquisadores do Projeto Regulação em Números, da FGV Direito Rio, realizou levantamento e análise de 1.415 processos regulatórios, conduzidos entre abril de 2021 e abril de 2024, pelas 11 agências reguladoras federais. O objetivo do levantamento foi explorar os dados disponíveis para compreender o tempo de elaboração da AIR no Brasil.

O tempo de duração de qualquer ação pode ser medido pela sua data de conclusão, com desconto de sua data de início. No caso da AIR, a data de conclusão pode ser representada pela data da assinatura do Relatório de AIR. Mas como identificar o momento em que a AIR começou a ser elaborada? As instituições regulatórias nem sempre deixam registros dos primeiros esforços e discussões orientadas às etapas da AIR.

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Diante dessa limitação, adotou-se como proxy do início da elaboração da AIR, a data de abertura do processo regulatório. Trata-se de adotar entendimento de que, em alguma medida, a partir da abertura do processo regulatório, esforços institucionais são dedicados ao estudo do tema, à participação social e à identificação de problemas e soluções, como partes integrantes da AIR. A partir desse entendimento, foi possível estimar o tempo de realização da AIR no Brasil (Tabela 1).

Tabela 1. Tempo gasto com a realização de AIR (mediana, em dias)

Agência Reguladora Federal (1)Tempo estimado (2)
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)543 (n=22)
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)473 (n=44)
Agência Nacional de Águas e Abastecimento (ANA)455 (n=25)
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)252 (n=20)
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)234 (n=66)
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)188 (n=23)
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)86 (n=18)
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)75 (n=13)

(1) A Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) não apresentaram volume de AIRs suficiente para apuração dos seus resultados.

(2) O resultado foi apurado, em dias, a partir da diferença entre a data de assinatura do relatório de AIR e a data de abertura do processo regulatório. Foi adotada a mediana para amortecer os efeitos de processos atípicos sobre os resultados.

Os dados mostram importante variação no tempo gasto com a realização de AIR, nas diferentes agências. É possível agrupar as agências em 3 grupos distintos. No primeiro, estão a Aneel, a Anvisa e a ANA. As três agências dedicaram mais de 450 dias à realização de AIR. No segundo grupo, Anatel, Anac e ANTT dedicaram em torno de 200 dias para conduzir suas AIRs. E no terceiro grupo estão a ANP e ANS, que realizaram AIRs em menos de 100 dias.

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O tempo gasto com a AIR é proporcionalmente menor do que se imagina

A interpretação desses resultados requer cuidado. Não se pode almejar, a priori, que um regulador se posicione no primeiro, no segundo ou no terceiro grupo. O tempo ideal de dedicação à AIR dependerá de inúmeros fatores, como a complexidade de cada processo regulatório, a disponibilidade de recursos para sua realização, bem como o nível de amadurecimento, informações e conhecimento pré-existentes.

Como já foi mencionado, o objetivo dos reguladores deve ser priorizar o uso de AIR em propostas de maior impacto e evitar o desperdício de recursos na realização de AIRs de menor relevância social. Considerando que algumas pesquisas correlacionam — positivamente — um maior tempo de dedicação à AIR com maior qualidade na análise, a estratégia ideal para os reguladores deve ser fazer boas escolhas sobre quais processos regulatórios merecem AIR e dedicar recursos e tempo para a realização de análises qualificadas.

Voltando à provocação que deu título a esse artigo. É comum que tomadores de decisão dispensem as AIRs ou pressionem suas equipes para que as elaborem rapidamente. Os decisores temem perder oportunidades decisórias e não querem que a AIR signifique atrasos nas respostas regulatórias demandadas pela sociedade. Mas afinal, a AIR tem gerado atrasos em decisões regulatórias?

Para tentar responder essa questão, é necessário adotar uma premissa. Deve-se considerar que o uso da AIR não implicará em atraso na decisão quando o tempo dedicado à sua elaboração for significativamente inferior ao tempo total do processo decisório (tempo necessário para a tomada de decisão). Em outras palavras, não é razoável acusar uma AIR, que levou poucos meses para ser elaborada, por ter atrasado uma decisão que precisou de anos para ser tomada.

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Nesse sentido, a tabela 2 compara o tempo necessário para a tomada de decisão com o tempo gasto com a realização de AIR, nas agências reguladoras federais brasileiras.

Tabela 2. Comparativo de tempo gasto com AIR e com a tomada de decisão

Agência (1)Tempo gasto com a realização de AIR(2)Tempo necessário para a tomada de decisão (3)%
Aneel54369778%
ANA45572463%
ANS7518141%
Anvisa473129537%
ANTT18861031%
Anac23482928%
Anatel252109323%
ANP8648718%

(1) A Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) não apresentaram volume de AIRs suficiente para apuração dos seus resultados.

(2) O resultado foi apurado, em dias, a partir da diferença entre a data de assinatura do relatório de AIR e a data de abertura do processo regulatório. Foi adotada a mediana para amortecer os efeitos de processos atípicos sobre os resultados.

(3) O resultado foi apurado, em dias, a partir da diferença entre a data do ato normativo e a data de abertura do processo regulatório. Considerou-se apenas os processos com AIR. Foi adotada a mediana para amortecer os efeitos de processos atípicos sobre os resultados.

Os resultados indicados na tabela 2 são esclarecedores. Em seis das oito agências avaliadas, o tempo gasto com as AIRs representou menos da metade do tempo necessário para a tomada de decisão. Mesmo na Aneel e ANA, as duas agências que investiram maior tempo relativo em AIR, foi identificado interstício de tempo superior a 150 dias entre a finalização da AIR e a decisão.

O que se depreende é que não há indícios de que o uso da AIR tenha gerado atrasos em decisões regulatórias. Se atrasos aconteceram, foram processos regulatórios pontuais e atípicos. A análise, a partir de grandes números, indica que houve um hiato entre o tempo que os reguladores precisaram para realizar AIRs e para tomar decisões. Os processos regulatórios podem estar sujeitos a forças, pressões e condições que exigem dos reguladores um amplo tempo para a tomada de decisão. A AIR não é a vilã, ao menos não nesse aspecto.

Este artigo se propôs a examinar alguns dados para inaugurar debate ainda não explorado no país. Examinar o tempo que foi gasto com a elaboração de AIR e se esse tempo repercutiu em atrasos nas decisões. Os resultados indicaram que o uso da AIR não se relacionou com atrasos nas decisões. De modo geral, as agências precisam de muito mais tempo para decidir do que precisam para realizar AIR.

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