O § 2º do artigo 13 da Medida Provisória nº 1.221/2024, que dispõe sobre medidas excepcionais para a aquisição de bens e a contratação de obras e de serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento de impactos decorrentes de estado de calamidade pública, aponta que “na situação excepcional de, comprovadamente, haver apenas uma fornecedora do bem ou prestadora do serviço será possível a sua contratação, independentemente da existência da sanção de impedimento ou de suspensão de contratar com o Poder Público”.
Certamente um dos artigos mais polêmicos da referida MP, tendo em vista o habitual rigorismo adotado pelo legislador brasileiro, nos mais variados diplomas normativos, quanto à impossibilidade de contratação de empresas e demais licitantes que tenham sido, em processos sancionatórios, impedidos de contratar ou de participar de licitações com o Poder Público, tendência também seguida pelos órgãos de controle.
Trata-se de um dispositivo legal cuja aplicação é altamente restringida, não sendo, portanto, um autorizativo para que a Administração priorize contratação com empresas já penalizadas, tanto que o § 3º do mesmo artigo 13 da referida Medida Provisória exige a obrigatoriedade de prestação de garantia nas modalidades de que trata o artigo 96 da Lei nº 14.133, de 2021, que não poderá exceder a 10% do valor do contrato.
A contratação pública franqueada pela norma prevista no referido § 2º do artigo 13, por ser excepcional, tem de ser amplamente motivada, havendo uma circunstância fática exclusiva que deve ser comprovada na prática: ser a única fornecedora do bem ou a única prestadora do serviço.
Ocorre que a MP nº 1.221/2024 não menciona qual critério territorial deve ser levado em consideração quanto à correta interpretação do referido § 2º do artigo 13. É dizer, não há qualquer menção de como proceder à comprovação de ser a empresa contratada a única fornecedora do bem ou a única prestadora do serviço, razão pela qual a motivação dada pela Administração Pública pode, posteriormente, ser considerada inservível.
A insuficiência da motivação, nesse cenário, é um tanto mais gravosa, porque tem, inclusive, o potencial de atrair uma tipificação penal, especialmente o crime de contratação direta ilegal (artigo 337-E, do Código Penal Brasileiro).
Partamos para uma situação em concreto. Um município do interior do estado do Rio Grande do Sul pretendeu adquirir um bem de um pretenso fornecedor único, assim considerado nos limites territoriais do mesmo município, o qual fora, em outra quadra sancionatória, impedido de contratar com o Poder Público, nos termos previstos na Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos. Claramente, não restam dúvidas de que o possível licitante se encontra apenado.
Entretanto, suponhamos que no Rio Grande do Sul (ou na vizinha Santa Catarina) existam outros fornecedores aptos a contratarem com o município, porém, apesar de não terem sofrido quaisquer sanções, possuam restrições trabalhistas e fiscais, além de um preço significativamente superior ao preço praticado pelo licitante que tenha sido sancionado, seja quanto ao impedimento ou quanto à suspensão.
Considerando tais apontamentos, quem contratar?
Percebe-se, portanto, que a MP nº 1.221/2024 não elimina tais questionamentos de difícil solução consensual e, ao tempo em que contempla a possibilidade de contratação, não exclui possível ilicitudes (penais, cíveis e administrativas).
Dito isso, para que seja factível efetivar a contratação com empresas impedidas de contratar ou suspensas de licitar não devem restar quaisquer alternativas ao gestor público, razão pela qual o motivo da escolha deve ser precedido de fundamentação que demonstre, cabalmente — e após método excludente —, restar apenas um licitante.
Cabe ao gestor reunir elementos mínimos que evidenciem a restrição no fornecimento do bem ou serviço objeto da contratação, bem como a comprovação de haver uma única (e disponível) fornecedora, além de ser obrigatória a relação de pertinência entre o objeto licitado e o enfrentamento da situação emergencial ou de calamidade.
Evidentemente, é imprescindível que os órgãos de controle devem ponderar os motivos pelos quais se efetivou a contratação, não se descuidando de agravantes específicas, como a negativa de um ou mais fornecedores em concretizar a relação contratual com o Poder Público.
Pragmaticamente, o controlador tem o dever legal de avaliar que nem todos fornecedores de bens ou prestadores de serviço público encontram-se obrigados a contratarem com a Administração, fato este que, em situações de calamidade ou emergência, são acentuados pela demanda oriunda da iniciativa privada, desgarrada da burocracia que chicoteia — e, necessariamente, estorva — o Poder Público.
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Fonte: Conjur