Contratos diretos entre investidor e Estado ganham peso na arbitragem

Um relatório publicado em setembro aponta uma nova tendência internacional na arbitragem de investimento. As disputas nesse ramo, que costumam ser travadas com base em tratados bilaterais entre Estados, têm sido ancoradas cada vez mais nos contratos diretos entre o Estado e o investidor que atua no local.

Essa tendência foi observada pelo Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID), entidade vinculada ao Banco Mundial.

O documento, que trata do ano fiscal de 2025 — 1 de julho de 2024 a 30 de junho de 2025 —,  foi analisado em artigo do BRICS+ New Economy & Legal Infrastructure Center (BRICS+ NeLi), o centro de pesquisa responsável pela infraestrutura jurídica e econômica do Brics+.

Menos difundida no Brasil do que a arbitragem comercial, a arbitragem de investimento é dedicada a disputas entre investidores estrangeiros e os Estados que recebem os recursos. Em geral, os processos arbitrais são discutidos com base em tratados firmados entre entes soberanos, que podem ser bilaterais ou multilaterais.

O relatório do ICSID aponta que os Tratados Bilaterais de Investimento (BITs) ainda são as balizas mais comuns da arbitragem de investimento. Os BITs, que têm natureza jurídica de tratados internacionais, são firmados entre dois Estados soberanos para promover e proteger investimentos estrangeiros de ambas as partes.

O mesmo documento aponta, porém, que os contratos fechados diretamente entre o investidor e o Estado destinatário dos recursos têm sido cada vez mais usados como base para discussão. Os processos arbitrais fundados nestes contratos, que representam 15% do total de casos já administrados pelo ICSID, chegaram a 21% em 2025. Já os BITs, que são a base de 58% do total de casos do ICSID, não passaram de 45% nesse ano.

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Segundo o constitucionalista Georges Abboud, essa mudança é reflexo de um projeto liderado pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) e pela Câmara de Comércio Internacional (ICC) para padronizar regras nos contratos internacionais de investimento e reduzir divergências entre as partes.

“Tal forma de consentimento surge como alternativa mais flexível vis-à-vis os tratados bilaterais e multilaterais, bem como as leis de investimento vigentes em certos países”, afirma Abboud.

Outros dados

Além do aumento de casos baseados em contratos diretos, o relatório do ICSID aponta outras tendências (clique aqui para ler a íntegra):

Expansão africana

Volume de casos: O ICSID administrou um total de 347 casos, o número mais alto na última década. O número de novos casos registrados também cresceu, passando de 58 no ano anterior para 67 no ano fiscal de 2025.

Protagonismo da África: Houve uma mudança significativa na distribuição geográfica das disputas. A África subsaariana passou a ocupar o primeiro lugar em número de casos (24%), superando a Europa Oriental e a Ásia Central. Essa alteração é vista como um reflexo da reorientação dos fluxos de investimento globais para os recursos naturais e economias em desenvolvimento do continente africano. Honduras foi o país mais demandado, com seis casos.

América do Sul em destaque: A América do Sul figura como a terceira região com mais Estados envolvidos em casos (18%), atrás apenas da África subsaariana (24%) e da América Central e Caribe (19%).

Origem dos investidores: A maioria das reivindicações foi apresentada por investidores da Europa Ocidental (44%), seguidos por investidores da América do Norte (Canadá, México e EUA) com 19%.

Setores predominantes

Indústrias extrativas na liderança: O setor de petróleo, gás e mineração foi o mais proeminente, representando 43% dos novos casos, um aumento considerável em relação aos 28% do ano anterior. A maioria desses casos (19) está relacionada especificamente à mineração.

Construção e energia: O setor de construção foi o segundo mais disputado, com 15% dos casos, seguido pelo de energia, com 12%.

Queda no setor de transportes: Houve uma redução acentuada nas disputas do setor de transportes, que diminuíram de 19% no ano fiscal de 2024 para apenas 3% em 2025.

Resultados das arbitragens

Decisões dos tribunais: Quase 79% dos processos foram concluídos com uma sentença proferida pelo tribunal, e, na maioria desses casos, as reivindicações foram total ou parcialmente acolhidas. Em 19% dos casos decididos, os tribunais se declararam sem jurisdição para julgar a causa.

Indenizações: Um dado relevante é que em metade de todos os casos em que houve uma decisão final, nenhuma indenização por perdas e danos foi concedida. Nos casos em que houve condenação, o valor mais frequente da indenização ficou entre 10 e 49 milhões de dólares.

Acordos e desistências: Dos casos que não chegaram a uma sentença final, 37% foram encerrados por solicitação conjunta das partes e 18% terminaram em acordo.

Nomeações de árbitros

Diversidade geográfica e de gênero: Foram nomeados árbitros de 48 nacionalidades diferentes, com a maioria vinda da Europa Ocidental (39%). A França teve o maior número de árbitros nomeados (17). As mulheres representaram 30% de todos os árbitros nomeados no período.

Participação brasileira: Houve cinco nomeações de árbitros com brasileiros, um número considerado relativamente baixo dada a relevância do país no cenário da arbitragem global.

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