O STF e o futuro do setor imobiliário

Os novos rumos do ITBI na integralização de capital

A controvérsia sobre a incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) em operações de integralização de capital social de pessoas jurídicas, especialmente aquelas cuja atividade preponderante está ligada ao mercado imobiliário, tem sido uma fonte persistente de insegurança jurídica e um catalisador de inúmeros litígios. O cerne dessa discussão repousa na interpretação de um dispositivo constitucional que, por sua redação, abriu margem para interpretações diversas, gerando um ambiente de incerteza que clamava por uma definição da mais alta corte do país.

O dispositivo em questão é o artigo 156, §2º, inciso I, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), o qual estabelece que o ITBI: “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;”.

A dúvida capital que se impôs por anos foi se a ressalva final — “salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” — se aplicaria a ambas as hipóteses de não incidência previstas (integralização de capital e reorganizações societárias) ou exclusivamente à segunda. Historicamente, muitos municípios, ávidos por receita, defendiam a aplicação irrestrita da ressalva, resultando na tributação dessas operações de capitalização, o que gerou um cenário desfavorável para o desenvolvimento e a capitalização de empresas.

Este embate de interpretações está, neste momento, sob a análise do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) 1.495.108, que tramita sob o regime da Repercussão Geral (Tema 1348). A decisão a ser proferida terá, portanto, efeito vinculante para todo o Poder Judiciário brasileiro, colocando um ponto final nas incertezas.

O cenário que se desenha no julgamento, até o momento, aponta para uma possível vitória dos contribuintes. O Min. Edson Fachin, relator do caso, proferiu um voto técnico e abrangente que tem sido acompanhado por outros membros da Corte, posicionando-se pela imunidade incondicionada do ITBI na integralização de capital social. A sua fundamentação se alicerça em pilares sólidos de interpretação constitucional.

Veja também:  Projeto que pune devedor prevê liquidação extrajudicial e falência de empresas

Em primeiro lugar, o Min. Fachin empreendeu uma meticulosa interpretação gramatical e sistemática do dispositivo constitucional. O ministro ressaltou a presença da expressão “nesses casos” na redação de 1988, argumentando que a escolha do constituinte ao inserir este adjunto adverbial de condição não foi aleatória. Essa expressão, ao ser analisada detidamente, demonstra que a ressalva da atividade preponderante se refere exclusivamente à segunda parte do dispositivo, ou seja, às operações de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.

Consequentemente, a primeira parte, que trata da “transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”, estabelece uma imunidade plena e incondicionada, desvinculada do objeto social da empresa. Essa análise é corroborada pela evolução histórica do dispositivo em constituições anteriores, onde a ausência de um termo delimitador semelhante ao “nesses casos” de fato permitia uma aplicação mais ampla da ressalva, contexto que foi alterado pela redação atual da CF/88.

Ademais, o Min. Fachin conectou a presente discussão à ratio decidendi do Tema 796 da Repercussão Geral (RE 796.376). Embora o Tema 796 tenha se focado primariamente na incidência do ITBI sobre o valor dos bens que excede o capital social a ser integralizado – tese já consolidada de que o imposto incide sobre o excedente –, o relator destacou que a ideia subjacente da incondicionalidade da imunidade para a integralização de capital já estava presente naquele julgamento. O ministro fez menção expressa ao voto do Min. Alexandre de Moraes, que já afirmava, ainda que em obiter dictum, que a exceção da atividade preponderante “nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte” do Art. 156, §2º, I. Essa análise reforça que a incondicionalidade não é uma novidade, mas um aprofundamento de um entendimento preexistente na jurisprudência do STF.

O Ministro também não deixou de lado a teleologia da norma, ou seja, o propósito subjacente à criação da imunidade. O Art. 156, §2º, I, visa a incentivar o empreendedorismo, facilitar o fluxo de bens para a capitalização de pessoas jurídicas e promover o desenvolvimento econômico do país. Tributar operações essenciais de constituição ou capitalização, sob o pretexto da atividade preponderante da empresa, criaria um obstáculo desnecessário à livre iniciativa e ao investimento, frustrando a própria finalidade constitucional da norma. Nas palavras de Fachin, “a razão de ser da imunidade – e nada surge sem causa, princípio lógico e racional do determinismo – é facilitar o trânsito jurídico de bens, considerado o ganho social decorrente do desenvolvimento nacional, objetivo fundamental da República“.

Veja também:  Receita: subvenções de ICMS com acréscimo patrimonial não integram o IRPJ/CSLL

Por fim, o voto de Fachin abordou a questão da não recepção dos artigos 36 e 37 do Código Tributário Nacional (CTN) pela CF/88. Ele esclareceu que, naquilo que esses dispositivos condicionam a imunidade do ITBI à não preponderância da atividade imobiliária para a hipótese de integralização de capital social, eles não foram recepcionados pela nova ordem constitucional, prevalecendo, assim, a norma hierarquicamente superior e sua interpretação mais moderna e alinhada ao espírito de fomento econômico.

Até o momento, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes. Antes dessa interrupção, o placar já contava com os votos favoráveis dos Ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.

As implicações para o ambiente de Negócios e a urgência de ações estratégicas

A potencial consolidação do entendimento pela imunidade incondicionada do ITBI na integralização de capital social representa um divisor de águas para o ambiente de negócios brasileiro. Para empresas de todos os portes, mas especialmente para o setor imobiliário – que abrange incorporadoras, loteadoras, construtoras e fundos de investimento que operam com imóveis como principal ativo –, as implicações são vastas e profundamente positivas.

Preveem-se uma economia tributária substancial, uma vez que a não incidência do ITBI sobre a integralização de imóveis no capital social, sem a restrição da atividade preponderante, desonerará significativamente os processos de capitalização e as reestruturações societárias. Haverá também um incremento notável na segurança jurídica e previsibilidade, pois a pacificação de uma discussão tão litigiosa, com a chancela do STF, permitirá um planejamento tributário mais robusto e assertivo. Por fim, espera-se um estímulo ao investimento e ao desenvolvimento, à medida que a remoção de um entrave tributário direto encorajará novos aportes no setor imobiliário e a capitalização de empresas, alinhando-se diretamente à teleologia da norma constitucional de fomentar a livre iniciativa e o crescimento econômico.

É imperativo, contudo, destacar um aspecto crucial em julgamentos de repercussão geral: a possibilidade de modulação de efeitos. Embora não haja, até o momento, um pedido formal de modulação de efeitos no RE 1.495.108, o STF detém a prerrogativa de limitar a retroatividade de sua decisão. Isso significa que, em tese, a Corte poderia decidir que a imunidade só teria validade a partir da data de publicação da decisão, ou, ainda mais relevante, que beneficiaria apenas as empresas que já tivessem ingressado com ação judicial até determinada data. Essa peculiaridade sublinha uma verdade inquestionável: a urgência para as empresas que buscam garantir seus direitos e reaver valores pagos indevidamente. A proatividade é, nesse contexto, um fator determinante.

Veja também:  Reforma tributária: governos devem incluir IBS e CBS no ICMS, ISS e IPI

Estratégias jurídicas: defesa de patrimônio e otimização das operações

Diante deste cenário promissor, mas que exige cautela e agilidade em razão da modulação de efeitos, é fundamental adotar medidas jurídicas estratégicas e proativas para proteção de interesses e otimização das operações:

Em primeiro lugar, é vital realizar uma revisão de operações passadas e ajuizar ações de restituição. Empresas que, nos últimos cinco anos – período estabelecido para a prescrição tributária –, realizaram integralizações de capital social com bens imóveis e foram compelidas a recolher o ITBI sob a interpretação municipal agora questionada pelo STF, têm o direito de pleitear a restituição desses valores. A via judicial é o instrumento para reaver o imposto pago indevidamente, devidamente corrigido monetariamente. Nesses casos, agir com celeridade é crucial para assegurar esse direito, principalmente se o STF optar por modular os efeitos da decisão.

Em segundo lugar, para o futuro, é essencial incorporar este novo entendimento em um planejamento tributário estratégico. A confirmação da imunidade incondicionada permitirá um planejamento mais eficiente e seguro, transformando a integralização de imóveis no capital social em uma estratégia de capitalização ainda mais atrativa, sempre observando que a imunidade se restringe ao limite do capital social a ser integralizado (conforme já pacificado no Tema 796).

Por fim, e de forma mais importante, a complexidade da matéria e a dinâmica da jurisprudência exigem o suporte de consultoria jurídica especializada. É fundamental contar com especialistas que podem identificar oportunidades, quantificar valores passíveis de restituição, e traçar a estratégia jurídica mais adequada para proteger seus interesses e otimizar sua carga tributária, garantindo a conformidade e a segurança de suas operações.

A decisão final do STF no Tema 1348 está prestes a moldar um novo paradigma para o mercado imobiliário e para as empresas que nele atuam. Contudo, para colher plenamente os benefícios dessa mudança e mitigar os riscos inerentes a um cenário de transição, a ação imediata e estratégica é, sem dúvida, o melhor investimento nesse momento.

Fonte: Jota

Leia também:

Nota de alerta
Prevenção contra fraudes com o nome do escritório Aragão & Tomaz Advogados Associados