No passado já sustentamos a inconstitucionalidade do recurso de revista (RR) para o Tribunal Superior do Trabalho em matéria constitucional.
No caso, sustentamos essa posição ao fundamento de que o recurso de revista em matéria constitucional é uma repetição do recurso extraordinário. Nesta hipótese, quando a CLT estabelece o cabimento do recurso de revista em matéria constitucional, ela estaria usurpando a competência do Supremo Tribunal Federal para julgamento do recurso extraordinário interposto contra decisão de única ou última instância em matéria constitucional. No caso, lembramos que na vigência da Constituição de 1969 havia uma regra que dispunha que apenas “das decisões do Tribunal Superior do Trabalho […] caberá recurso para o Supremo Tribunal Federal quando contrariarem esta Constituição” (artigo 143/CF/1969).
Essa regra não se repetiu na Constituição de 1988. Logo, o dispositivo da CLT que admite o recurso de revista em matéria constitucional foi revogado pela atual CF ou é inconstitucional, por violar o artigo 102, inciso III, da CF, que estabelece a competência do STF para “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida” contrariar dispositivo constitucional.
Mas ainda que cabível o recurso de revista (“extraordinário”) em matéria constitucional, já defendemos também a possibilidade da interposição do recurso extraordinário contra a decisão do Tribunal Regional do Trabalho quando não admissível o recurso de revista quando a decisão recorrida está de acordo com a “iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho” (Súmula 333 do TST).
E assim concluímos, já que, quando a decisão regional está em acordo com a jurisprudência “iterativa e notória” do TST, não se admite o recurso de revista. Daí se tem que, quando se interpõe recurso de revista (RR) contra a decisão regional em matéria constitucional e ela está em consonância com a iterativa e notória jurisprudência do TST, invariavelmente é negado seguimento ao RR já na origem. Contra essa decisão, em geral, a parte interpõe agravo de instrumento, ao qual, por sua vez, é negado provimento pelo TST. Já contra essa decisão do TST no agravo de instrumento não cabe a interposição do recurso extraordinário, pois a referida decisão não contém matéria constitucional.
Vejam que, neste caso, o fundamento do agravo de instrumento é o fato de que a decisão recorrida em recurso de revista está de acordo com a jurisprudência iterativa e notória do TST. Logo, a parte não tem acesso ao STF em grau de recurso extraordinário, pois esta última decisão do TST não aprecia questão constitucional.
Apesar dessa situação um tanto quanto irracional, o STF, de forma pacífica, entende que não cabe recurso extraordinário diretamente contra decisão do TRT. Esse entendimento, assim, acaba por negar à parte o acesso ao STF quando se questiona a decisão regional em matéria constitucional que está em harmonia com a jurisprudência do TST.
Irracional e inconstitucional
E essa situação está se agravando diante dos precedentes vinculantes do TST em matéria constitucional, objetos de decisões em incidentes de resolução de demandas repetitivas (IRDR), incidentes de assunção de competência (IAC) e recursos de revista repetitivos. Já nestes casos, diante da decisão regional que está de acordo com o precedente vinculante do TST em matéria constitucional, se a parte interpuser o recurso de revista ele terá seu seguimento negado na origem (no TRT), cabendo a interposição do agravo interno para impugnar essa decisão denegatória de seguimento ao recurso de revista. Já a decisão regional em agravo interno é irrecorrível, além de não conter apreciação da questão constitucional. Logo, da mesma forma, à parte inconformada não se dará oportunidade de acesso ao STF pela via do extraordinário.
Em resumo, o sistema recursal trabalhista quando diante da questão constitucional decidida se revela irracional e inconstitucional, pois ele nega acesso ao STF sempre que a decisão regional em matéria constitucional estiver de acordo com a jurisprudência dominante do TST, incluindo suas súmulas e orientações jurisprudenciais (OJs), ou a decisão regional estiver de acordo com os precedentes vinculantes do TST em matéria constitucional.
Óbvio, assim, que essa situação não pode perdurar, sob pena de violação ao artigo 102, inciso III, da CF, que assegura o acesso ao STF, pela via do extraordinário, quando se alega que a decisão de única ou última instância contrária à Constituição.
E quais são as alternativas?
Pode-se pensar em quatro. A primeira é manter o atual entendimento do TST e do STF, negando-se o acesso ao STF sempre que se questionar a decisão regional em matéria constitucional e ela estiver de acordo com a jurisprudência iterativa e notória do TST, inclusive reveladas em suas súmulas e OJs (decisões impeditivas de recurso) ou quando a decisão regional estiver de acordo com os precedentes vinculantes do TST (IRDR, IAC, repetitivos) em matéria constitucional.
A segunda alternativa é o STF reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo que admite o recurso de revista em matéria constitucional e passar a admitir a interposição do recurso extraordinário diretamente contra a decisão regional em matéria constitucional. Manteria o TST apenas como instância extraordinária para as questões infraconstitucionais.
Essa alternativa tem a vantagem de igualar o sistema recursal extraordinário em todas as “justiças”, exceto em relação à Justiça Eleitoral, que tem regra própria, e contribuir para a duração razoável do processo trabalhista, acabando com o sistema atual em que a parte é obrigada a interpor dois recursos em matéria constitucional. Um para o TST e depois para o STF, quando e se admissível aquele primeiro.
A terceira alternativa é o STF, em interpretação conforme, admitir o recurso de revista em matéria constitucional contra a decisão regional quando não se está diante da jurisprudência impeditiva deste recurso (jurisprudência iterativa/dominante do TST) ou quando não se tem uma decisão vinculante do TST em matéria constitucional, admitindo-se, porém, o recurso extraordinário contra a decisão regional se ela está em acordo com a jurisprudência dominante ou vinculante do TST em matéria constitucional (quando não caberia o recurso de revista).
Essa alternativa, porém, é criticável diante da certa insegurança dela decorrente. Primeiro, porque ela sempre dependeria de uma decisão do TST, que seria impeditiva do recurso de revista, abrindo-se caminho para o extraordinário. Segundo porque, se é de certo modo objetivo apontar quais são as teses reveladas em súmula, OJs ou firmadas em IRDR, IAC e repetitivo, o mesmo não se pode afirmar em relação à jurisprudência “iterativa e notória” do TST. E essa jurisprudência “iterativa e notória” não se resume às teses constantes de súmulas, OJs, IRDR, IAC e repetitivo. Ela se revela, ainda, pelas reiteradas decisões do TST sobre o tema, inclusive por suas turmas.
A questão, portanto, é insegura, pois não se tem um critério objetivo para apontar quais seriam essas decisões dominantes (“iterativas e notórias”) impeditivas do recurso de revista. E também insegura, porque ela sempre dependeria ou de uma decisão do TST ou de uma decisão do Regional negatória de seguimento do recurso de revista para se verificar se admissível ou não o recurso de revista
A quarta e última alternativa, é o STF, em interpretação conforme, concluir que as decisões do TST em matéria constitucional não são impeditivas do recurso de revista em matéria constitucional, nem vinculantes em matéria constitucional. Logo, por esta alternativa, admitir-se-ia o recurso de revista em matéria constitucional em qualquer hipótese, para, após a decisão colegiada o TST, em última instância, admitir o recurso extraordinário para o STF.
Essa quarta alternativa, porém, tem o inconveniente de manter o irracional sistema recursal trabalhista que admite a interposição de dois recursos em matéria constitucional: o recurso de revista “extraordinário” para o TST e o recurso extraordinário para o STF, atentando contra a duração razoável do processo.
Conclusão
Cabe ao STF reapreciar essa questão de modo a resguardar sua competência para apreciar o recurso extraordinário contra qualquer decisão de única ou última instância em matéria constitucional, sugerindo-se que seja adotada a segunda alternativa acima indicada, qual seja: considerar inconstitucional o recurso de revista para o TST em matéria constitucional e admitir o recurso extraordinário diretamente das decisões dos TRTs em matéria constitucional, assegurando-se nos processos do trabalho o acesso ao STF em duração razoável.
Uma sugestão final. Diante do quadro acima, em relação à parte inconformada com a decisão regional na matéria constitucional e que esteja em sintonia com a jurisprudência do TST, sugere-se que ele interponha o recurso extraordinário diretamente contra a decisão regional. Muito provavelmente, esse recurso terá seu seguimento denegado, cabendo, assim, à parte inconformada, interpor o devido agravo para o STF. Somente assim a matéria alcançará o STF, ainda que seja através do agravo em recurso extraordinário, de modo que ele possa rever as questões postas acima.
De qualquer forma, sugere-se, ainda, que tanto no RE como no agravo em recurso extraordinário se peça, por semelhança, que se adote o procedimento previsto no artigo 1.033 do CPC, de modo que o STF, em interpretação conforme, possa remeter o recurso extraordinário, convertido em recurso de revista, para o TST, para que este aprecie o mérito da questão constitucional, abrindo-se, depois, a oportunidade para acesso ao STF.
É um caminho tortuoso, mas o único possível que se apresenta na presente quadra.
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