Sanções pelo descumprimento de obrigações acessórias na jurisprudência do Carf

Nesta coluna, analisaremos de forma não exaustiva como a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem se posicionado quando da análise das sanções aplicadas aos contribuintes, nos casos em que há o descumprimento de alguma das chamadas obrigações acessórias, ou quando essas são cumpridas com algum vício (informações inexatas, incompletas ou omitidas).

Em especial, analisaremos o entendimento do Carf quanto à aplicação das sanções previstas no artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, com a redação que lhe foi conferida pelas Leis 12.766/12 e 12.873/13.

De pronto, deve-se esclarecer que foram estipuladas três penalidades distintas pelo referido artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/01.

A primeira hipótese de sanção (inciso I) se dá quando houver atraso no cumprimento das obrigações acessórias por parte do sujeito passivo.

Já a segunda penalidade (inciso II), será aplicada quando o contribuinte não cumprir as intimações exaradas pela fiscalização, no que tange ao cumprimento das obrigações acessórias ou para prestar esclarecimentos sobre essas. Ainda, a terceira penalidade (inciso III) é decorrente do “cumprimento de obrigação acessória com informações inexatas, incompletas ou omitidas”.

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Importante destacar que o objeto de penalização é o descumprimento das obrigações acessórias exigidas nos termos do artigo 16 da Lei nº 9.779/99, dispositivo esse em que o legislador outorgou competência à Receita Federal para dispor sobre essas obrigações, inclusive estabelecendo forma, prazo e condição para seu cumprimento.

Intimação prévia

Em que pese terem critérios materiais distintos, ou seja, sanções distintas para cada tipo de conduta praticada pelos contribuintes, percebe-se que, para além de tratar do (des)cumprimento das obrigações acessórias, o legislador privilegiou a comunicação entre o contribuinte e a fiscalização e, em especial, a boa-fé que deve reger essa relação.

Afinal,  no caput do dispositivo, o legislador exige que a fiscalização intime os contribuintes previamente “para cumpri-las ou para prestar esclarecimentos relativos a elas”. Ou seja, sem essa intimação prévia, a princípio, não se poderia cogitar da aplicação das penalidades.

Todavia, essa conclusão não é pacífica na jurisprudência administrativa.

Podemos encontrar decisões no sentido de que a necessidade de intimação prévia não afasta a possibilidade de aplicação imediata das penalidades descritas no dispositivo legal.

Foi o que restou decidido no Acórdão nº 3401-008.969, segundo o qual o “artigo 57 da MP 2.158-35 imputa dever à fiscalização de intimar o contribuinte a cumprir obrigação acessória inadimplida ou prestar esclarecimentos e, concomitantemente a uma ou outra ação, aplicar as sanções descritas nos incisos do caput”.

Esse entendimento também transpareceu no Acórdão nº 3201-006.484, segundo o qual “(…) mesmo que o contribuinte tenha atendido a intimação para prestar esclarecimentos em razão da existência de incorreções ou omissões nas informações declaradas, ainda assim a multa será devida, pois que seu fato gerador (incorreções e omissões no documento) se consubstanciara no passado”.

Por outro lado, como decidido no Acórdão nº 1302-004.275, “não há que se falar em aplicação da multa estabelecida para apresentação de obrigação acessória com informações inexatas, incompletas ou omitidas, prevista no inciso III do artigo 57 da MP nº 2.158-35/2001, quando o contribuinte, devidamente intimado, sanar, nos prazos estipulados nas intimações expedidas, os vícios apontados pela fiscalização”.

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A fundamentação desse entendimento, como se observa do voto proferido, foi embasada nos princípios da boa-fé e da confiança [1], deixando claro que “é temerário admitir que a fiscalização intime o contribuinte a sanar determinadas inconsistências de obrigação acessória e, mesmo o contribuinte atendendo todas as intimações e sanando as inconsistências levantadas pelo próprio fisco, haja uma penalização por uma conduta (prestar informações inexatas, incompletas ou omitidas) que não mais existia à época da lavratura do Auto de Infração.

Mutatis mutandis, este mesmo entendimento foi adotado no Acórdão nº 1201-006.195, no qual podemos observar o seguinte raciocínio: “se o contribuinte estava com a espontaneidade suspensa, em razão de fiscalização, não poderia retificar o FCONT espontaneamente. Logo, se de boa-fé, atende à intimação e apresenta as informações necessárias, não pode tal conduta ser sancionada”.

Pois bem. A sanção prevista no inciso I, relativa ao atraso na entrega das obrigações acessórias, já foi enfrentada em alguns oportunidade pelo Carf.

Neste caso, como o critério para a sanção é temporal e independe da “qualidade” da informação prestada, sendo comprovado que a obrigação acessória foi cumprida intempestivamente, não há maiores discussões quanto à aplicabilidade da pena. Os julgados proferidos pelo Carf têm mantido essa penalidade nestes casos (vide Acórdãos nº’s 1401-003.723 e 1003-001.338).

Especialidade e aplicação retroativa da pena prevista no artigo 57

Paralelamente, no Acórdão nº 9101-004.756, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) apontou que, tendo em vista o critério da especialidade, a aplicação desta sanção só pode ocorrer quando não houver no ordenamento jurídico penalidade específica, como ocorre no caso, por exemplo, de atraso na entrega da DCTF. Neste sentido, a CSRF concluiu que “a nova redação do art. 57 da MP 2.158-35/2001, dada pela Lei 12.766/2012, não alcançou a multa por atraso na entrega da DCTF, prevista no art. 7º da Lei 10.426/2002”.

De toda sorte, além dos casos em que existe norma específica que penaliza determinadas condutas dos contribuintes, nos parece que há um posicionamento pacificado quanto à necessidade de aplicação retroativa da penalidade prevista no artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, em detrimento de outras penalidades mais gravosas previstas no ordenamento, quando houver identidade nas condutas penalizadas. Não poderia ser outra a conclusão, sob pena de desrespeito ao artigo 106, II, “c” do Código Tributário Nacional.

Neste sentido, o Acórdão nº 9303-014.412 [2] enfrentou a questão da aplicação retroativa do artigo 57, inciso III da MP nº 2.158-35/2001 aos lançamentos com fulcro no artigo 12, inciso II da Lei no 8.218/1991, e entendeu por reduzir a multa lançada originalmente de 5% sobre o valor da operação omitida ou prestada incorretamente para o percentual de 0,2% sobre o faturamento do mês anterior ao da entrega dos arquivos digitais.

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Segundo o entendimento consignado no citado Acórdão nº 9303-014.412, com base no que já havia sido decidido no Acórdão nº 9303-007.161, o artigo 106 do Código Tributário Nacional obriga a aplicação de penalidade posterior menos severa do que a anteriormente prevista pelo legislador.

Neste caso, o fundamento da aplicação retroativa do dispositivo legal foi o entendimento da própria Receita Federal do Brasil, consignado no Parecer Cosit nº 03/2015, que “caminhou no sentido de manter as posições definidas no Parecer RFB nº 3/2013, com aplicação da retroatividade benigna, prevista no art. 106 do CTN, em razão da multa prevista no art. 57, III, da MP no 2.15835, com a redação da Lei no 12.766/2012 ser menos gravosa que a multa aplicada com base no art. 12, II, da Lei no 8.218/91”.

Base de cálculo da multa

Outra discussão que se extrai das decisões do Carf é relativa ao limite quantitativo para a aplicação da penalidade prevista no inciso III, do artigo 57 da MP nº 2.158, vale dizer, sobre a base para a pena de sanção por apresentação das obrigações acessórias com informações inexatas, incompletas ou omitidas.

No Acórdão nº 3302-012.665, em que se discutia a base de cálculo da penalidade, entendeu-se que, pela leitura do dispositivo legal, a base de cálculo da multa deveria ser “o valor das operações declaradas com vícios, e não o valor total das declarações que contém informações sobre operações inexatas”.

Por outro lado, não encontramos julgados que enfrentam de maneira analítica, com base no artigo 57 da MP 2.158, quais seriam as informações inexatas, omissas e incorretas passíveis de penalização.

Mas no Acórdão nº 1302-006.413 é possível encontrar posição interessante, no contexto da análise que fora feita sobre a multa prevista no artigo 8º-A, inciso II, do Decreto-Lei nº 1.598/1977 [3], que também tem uma previsão de penalidade por inexatidão, incorreção ou omissão na ECF (Escrituração Contábil Fiscal).

Nessa decisão, o entendimento que prevaleceu foi o de que “não há como admitir que, em toda divergência de interpretação da legislação entre o fisco e o contribuinte, este seja penalizado por ter indicado, em suas obrigações acessórias, o entendimento que, para ele, era o mais correto.”

No voto proferido, deixou-se claro que informação incorreta, para fins de aplicação da penalidade, é “aquela informação que não reflita a realidade da operação realizada pelo contribuinte”, não se podendo admitir que a sanção seja utilizada como meio de coerção aos contribuintes para fazer constar em suas declarações o entendimento/interpretação da fiscalização sobre determinada matéria.

A Turma de Julgamento entendeu, assim, por unanimidade de votos, que a simples divergência de interpretação entre o fisco e o contribuinte não poderia ensejar na aplicação da penalidade positivada pelo legislador.

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PL nº 5.112/23

Interessante que, para tentar contornar a insegurança jurídica que, infelizmente, permeia as relações entre o fisco e os contribuintes, o deputado Jonas Donizete apresentou na Câmara o Projeto de Lei nº 5.112/23, em que propôs a positivação do entendimento que construído no âmbito daquele julgamento no Carf (Acórdão nº 1302-006.413).

Segundo a justificativa da proposta apresentada pelo deputado, que citou trechos do voto proferido, “não é razoável a aplicação de multa apenas por discordância na forma de interpretação da legislação”.

Da leitura deste breve texto, podemos concluir que existem inúmeras discussões que permeiam a aplicação das penalidades previstas no artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, sendo diversas delas já enfrentadas de alguma forma pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

Como as obrigações acessórias impostas aos contribuintes são abundantes, os julgados do Carf podem nortear a fiscalização na aplicação das penalidades, o que, ao certo, trará maior previsibilidade nas relações entre os contribuintes e a Fazenda Pública, criando a famigerada pacífica e salutar relação entre ambos.

O primeiro agindo com base na moralidade (artigo 37, caput, da Constituição e artigo 2º da Lei nº 9.784/1999) e o segundo esteado na boa-fé, alcançando assim um “modelo de conduta coerente com o estado de confiabilidade do contribuinte, guiando e facilitando suas tarefas, com atos legítimos e sem contradições, aberta à efetividade de direito fundamentais e plenamente transparente e imparcial” [4]. É o que esperamos.


[1] “Assim, em toda hipóteses de boa-fé existe confiança a ser protegida. Isso significa que uma das partes, por meio de seu comportamento objetivo criou confiança em outra, que, em decorrência da firme crença na duração dessa situação desencadeada pela confiança criada, foi levada a agir manifestar-se externamente, fundada em suas legítimas expectativas, que não podem ser frustadas”. (DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009. pag. 378).

[2] Neste mesmo sentido são os acórdãos nº 9101-006.678, 1201-006.149, 1402-006.381 e 1201-006.195

[3] Art. 8º-A.  O sujeito passivo que deixar de apresentar o livro de que trata o inciso I do caput do art. 8o, nos prazos fixados no ato normativo a que se refere o seu § 3o, ou que o apresentar com inexatidões, incorreções ou omissões, fica sujeito às seguintes multas:

I – equivalente a 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento), por mês-calendário ou fração, do lucro líquido antes do Imposto de Renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, no período a que se refere a apuração, limitada a 10% (dez por cento) relativamente às pessoas jurídicas que deixarem de apresentar ou apresentarem em atraso o livro; e

II – 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor omitido, inexato ou incorreto.

[4] TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e segurança jurídica. São Paulo: RT, 2011. p. 224 .

Fonte: Conjur

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