Se há dúvida sobre indícios de autoria, réu não deve ser pronunciado, diz STJ

Embora a decisão de pronúncia de uma pessoa acusada de cometer crime contra a vida não dependa de prova cabal de sua participação nos fatos, a dúvida quanto à própria existência de indícios de autoria deve sempre ser resolvida a favor do réu.

Risco para o réu de ser julgado por leigos é muito alto para permitir que a dúvida seja resolvida a favor da acusação na pronúncia 123RF

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reforçou a posição segundo a qual, na decisão que define se alguém deve ser julgado pelo Tribunal do Júri, deve-se aplicar o princípio in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu).

A posição se contrapõe à interpretação bastante difundida de que, como a pronúncia do acusado pode ser feita a partir da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, qualquer duvida deve ser resolvida a favor da sociedade (in dubio pro societate).

Isso porque o artigo 413, parágrafo 1º do Código de Processo Penal, ao tratar da pronúncia, exige apenas a certeza de que o fato — o crime contra a vida — ocorreu. Em relação à autoria e à participação, caberá aos jurados populares definir a demonstração plena.

Na visão do relator, ministro Rogerio Schietti, o fato de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria nessa fase do processo não implica que toda e qualquer dúvida seja dirimida pelo Tribunal do Júri.

Ele defende que se faça uma distinção entre a dúvida que recai sobre a autoria e a dúvida quanto à própria presença dos indícios suficientes de autoria. No segundo caso, ela deve ser sempre resolvida pela rejeição da pronúncia.

“Não pode o juiz, na pronúncia, ‘lavar as mãos’ — tal qual Pôncio Pilatos — e invocar o in dubio pro societate como escusa para eximir-se de sua responsabilidade de filtrar adequadamente a causa, submetendo ao Tribunal popular acusações não fundadas em indícios sólidos e robustos de autoria delitiva”, afirmou o relator.

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No caso concreto julgado, a aplicação dessa posição levou à despronúncia do réu, acusado por homicídio ao lado de outras duas pessoas. Ele foi denunciado porque dirigiu o carro que levou a dupla ao local dos fatos, onde um homem foi morto a tiros por vingança.

A defesa alegou que o réu foi contratado para transportar duas pessoas até uma farmácia, esperar alguns minutos e traze-los de volta. Não há indicativos de que ele conhecia os corréus. Ele não tentou fugir da abordagem policial após o crime. E há testemunhas que indicam que trabalhava com transporte de passageiros.

“Uma vez que não foi apontada a presença de indícios suficientes de participação do recorrente no delito que pudessem demonstrar, com elevada probabilidade, o seu envolvimento no crime, a despronúncia é medida de rigor”, concluiu o ministro Schietti.

Para o ministro Schietti, não pode o juiz “lavar as mãos” como Pôncio Pilatos e filtrar adequadamente a causa na falta de indícios
Lucas Pricken/STJ

Standards probatórios
Para o ministro Rogerio Schietti, a aplicação do in dubio pro reo no julgamento da pronúncia não viola o princípio da soberania dos vereditos do Júri, nem usurpa a competência dos jurados para julgar a causa, a qual só se inaugura posteriormente.

Ela decorre do grau de exigência probatória, que no momento da pronúncia deve ser mais elevado do que em momentos anteriores. Isso é necessário para distribuir os riscos de erro judicial. A ideia é que, quanto mais embrionária a etapa da ação penal, mais tolerável é o risco de um eventual falso positivo.

Por outro lado, quanto mais se avança na persecução penal e mais invasiva, restritiva e severa se torna a medida ou decisão a ser adotada, menos tolerável é o risco de atingir um inocente e, portanto, é mais atribuível à acusação suportar o risco desse erro.

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“Ser alvo da abertura de uma investigação é menos grave para o indivíduo do que ter uma denúncia recebida contra si, o que, por sua vez, é menos grave do que ser pronunciado e, por fim, do que ser condenado”, explicou o relator.

“Como a pronúncia se situa na penúltima etapa (antes apenas da condenação) e se trata de medida consideravelmente danosa para o acusado — que será submetido a julgamento imotivado por jurados leigos —, o standard deve ser razoavelmente elevado e o risco de erro deve ser suportado mais pela acusação do que pela defesa, ainda que não se exija um juízo de total certeza para submeter o réu ao Tribunal do Júri”, acrescentou.

Fonte: Conjur

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