Volume de prisões preventivas mantém execução antecipada viva no Brasil

Especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico afirmaram que parte das prisões preventivas decretadas no país funcionam na prática como um substitutivo da execução antecipada da pena.

Segundo especialistas, em alguns casos prisões preventivas servem como substitutivo de execução antecipada

Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), 213 mil pessoas que estavam presas no Brasil até o fim de 2023 não tinham sido condenadas. Há 20 anos, em 2003, o número de presos provisórios era consideravelmente menor: 67 mil.

De acordo com especialistas, o dado pode ser explicado a partir de diversos fatores, como a insistência de juízes em decidir de forma contrária aos precedentes firmados por tribunais superiores e a mentalidade punitivista que se reflete na legislação e no dia a dia do Judiciário.

A maioria, no entanto, aponta para a Lei de Drogas (Lei 11.343/06) e para a falta de distinção objetiva entre porte e tráfico como os maiores problemas.

A diferenciação está em discussão no Supremo Tribunal Federal. Uma proposta de emenda à Constituição aprovada pelo Senado na terça-feira (16/4), no entanto, pode deixar a definição do assunto em suspenso. O texto considera crime o porte de drogas de qualquer quantidade.

Execução antecipada

Desde que assumiu o posto no Superior Tribunal de Justiça, em novembro de 2023, a ministra Daniela Teixeira diz que tem julgado uma média de 100 pedidos de Habeas Corpus por dia, grande parte deles envolvendo prisões por porte de drogas ou crimes patrimoniais, como o furto.

“O que eu tenho observado é uma imensa quantidade de preventivas equivocadas. A prisão é decretada como uma pena antecipada, em que se prende para dar à sociedade uma sensação de segurança, porque a punição poderia demorar”, disse à ConJur.

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Por vezes, afirma, as preventivas são decretadas até quando a conclusão do caso dificilmente levaria à prisão. “Há casos envolvendo pessoa presa por furto sem violência, de bens de mínimo valor, processos aos quais ela não precisaria responder presa porque ao fim ela não será presa”, diz.

Ela cita como exemplo casos recentes que chegaram ao seu gabinete, como prisões por furto de moletom usado, shampoo e fraldas, em que, em julgamento, a tendência é a aplicação do princípio da insignificância.

“Muitas das preventivas se dão ao arrepio da lei, sem requisitos de prisão antes da sentença, o que deveria ser excepcional. Nesses casos, em média, a cada sete HCs, um eu defiro”, disse.

Prisão como ‘benefício social’

Diego Polachini, que atua no Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, tem interpretação semelhante. De acordo com ele, parte das prisões servem para “mandar um recado” à sociedade, mesmo que se saiba desde o início que depois da sentença a pessoa será solta.

“Me parece que a polícia e o Judiciário acreditam que a prisão provisória traz algum benefício social, pois utilizam esse instrumento como uma solução para todos os problemas. A prisão funciona como um suposto combate à criminalidade, sem ao menos pensarmos sobre as violações e a eficiência dessa política”, afirma.

Segundo ele, a discussão em torno das prisões provisórias é complexa para que se aponte apenas um problema. No entanto, diz, a Lei de Drogas e a falta de critérios objetivos para diferenciar tráfico e porte para consumo tem se mostrado um problema.

“A guerra às drogas é utilizada como uma desculpa para uma encarceramento de uma população preta e pobre, focando na prisão de uma população já muito vulnerável. Normalmente sem a demonstração concreta da necessidade da prisão provisória, que deveria ser algo extraordinário.”

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Segundo o ministro Rogerio Schietti, do STJ, apesar de o número de prisões preventivas ser alto, ele vem diminuindo proporcionalmente nos últimos anos.

“Além da revisão a cada 90 dias, considero que a jurisprudência dos tribunais superiores exigindo maior rigor no exame das cautelas, além das alterações legislativas trazidas pela Lei 11.964/2019, foram determinantes”, disse.

“Há uma falácia no discurso geral, de que temos um número de presos provisórios de 40%. Há anos que estamos nos afastando desse percentual elevado. Hoje está na faixa dos 25%. Mas vejo pessoas insistindo em falar em quase metade de presos provisórios”, concluiu.

Tema recorrente

No STJ, discussões envolvendo prisões preventivas estão entre as mais recorrentes. Segundo dados do Boletim Estatístico da corte, 9.141 casos envolvendo esse tipo de prisão despontaram no tribunal em 2023.

Na lista de assuntos mais recorrentes, ficou atrás somente de tráfico de drogas (43.117 casos), homicídio qualificado (13.670) e roubo majorado (13.529).

Quanto aos casos de tráfico, afirmam especialistas, uma definição por parte do Supremo sobre para diferenciar tráfico e porte seria muito bem-vinda. O plenário do STF discute o tema no RE 635.659.

Até o momento, a corrente com o maior número de votos entende que devem ser presumidos como usuários aqueles que guardam, adquirem, têm em depósito, transportam ou trazem consigo até 60 gramas de maconha, ou seis plantas fêmeas.

Cerca de um terço dos casos em que há condenação por apreensão de maconha envolvem pessoas que portavam até 40 gramas da droga, segundo levantamento feito pelo Ipea em 2023. Assim, eventual decisão do Supremo poderia impactar não só preventivas, mas também casos em que já há sentença.

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Como resposta ao julgamento, o Congresso começou a analisar uma proposta de emenda à Constituição que considera crime o porte de qualquer quantidade de droga. O texto foi aprovado pelo Senado na terça-feira.

Segundo ministros do Supremo ouvidos em reserva pela ConJur, no entanto, o julgamento poderia prosseguir mesmo com a eventual promulgação da PEC.

Isso porque o texto que está no Legislativo não trata de quantidade para diferenciar tráfico e porte, nem altera o dispositivo da Lei de Drogas que é analisado pela Corte.

Fonte: Conjur

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