Desde os anos 1990, o Brasil tem avançado na pauta sobre validade jurídica de documentos eletrônicos, para atender à grande mudança social e econômica trazida pela internet e novas tecnologias digitais. O país saiu de um modelo baseado no papel e no carimbo, para uma realidade atual na qual a maioria das transações ocorre através de telas e com uso de algum tipo de assinatura eletrônica.
Esta transição só foi possível por estar acompanhada de um profundo lastro jurídico regulatório e jurisprudencial, a partir da premissa da liberdade das formas prevista nos artigos 104 e 107 do Código Civil.
Sendo assim, o entendimento doutrinário e dos tribunais evoluiu junto com a própria tecnologia, o que permitiu ampliar o alcance da contratação eletrônica, diminuir custos, garantir agilidade e desburocratização, trazendo melhoria para toda a população.
Um passo fundamental neste sentido se deu com a promulgação da Medida Provisória nº 2.200-2/2001, que trouxe os requisitos para uso de assinatura eletrônica plenamente válida e estabeleceu, ainda, um mecanismo para que as partes pudessem pactuar entre si o método a ser utilizado (artigo 10, §1º e §2º).
Desde então, o Judiciário brasileiro, em diversos julgados, tem ratificado a validade das contratações eletrônicas, desde que sejam capazes de apresentar evidências para comprovar a autenticidade e integridade do documento, conforme o meio que foi utilizado para a sua realização.
Outro fator que contribuiu para mudança da “cultura do papel” foi a implementação do processo eletrônico judicial devido a entrada em vigor da Lei nº 11.419/2006, também conhecida como Lei do Processo Eletrônico.
Como consequência, nos anos seguintes a contratação eletrônica substituiu ainda mais a contratação em papel, se tornando o novo modelo de documentação das relações entre indivíduos e instituições.
Em 2018, a decisão do REsp 1.495.920 de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a 3ª Turma do STJ reconheceu a força executiva de contratos eletrônicos. Na ocasião, o ministro asseverou que os contratos eletrônicos só se diferenciavam dos demais em seu formato, possuindo requisitos de segurança e autenticidade.
Ainda, merece destaque a decisão do Superior Tribunal de Justiça, de 2024, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma entendeu, por unanimidade, que a presunção de veracidade de uma assinatura eletrônica, certificada por pessoa jurídica de direito privado, não pode ser afastada pelo simples fato da entidade não estar credenciada na Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), sobre o assunto a ministra relatora ainda pontuou que a exigência de tal seria considerado um “excessivo formalismo diante da nova realidade do mundo virtual” (REsp 2.159.442).
Assim, a análise da ministra relatora destacou que a certificação via ICP-Brasil, embora comum, não é a única forma de validar documentos e assinaturas eletrônicas, conforme já expresso no § 2º do artigo 10 da Medida Provisória 2.200-2/2001. Em complemento, pontuou que a Lei 14.063/2020 estabeleceu diferentes níveis de força probatória para assinaturas eletrônicas, dependendo do método de autenticação, mas, ao mesmo tempo, validou juridicamente qualquer tipo de assinatura eletrônica, respeitando a autonomia privada e a liberdade de manifestação de vontade das partes.
Além disso, em decisão recente do TJ-SP com a participação dos desembargadores Carlos Eduardo Pachi, Inah de Lemos e Silva Machado e Marcos de Lima Porta (Apelação Cível Nº 1077003-68.2024.8.26.0100) a contratação eletrônica de empréstimo consignado foi considerada plenamente válida, com sua comprovação baseada na apresentação do instrumento assinado eletronicamente, dados pessoais, selfie, IP, geolocalização e comprovante de transferência do valor para a conta da consumidora.
Adicionalmente, o tribunal manteve a condenação da autora por litigância de má-fé, por considerar que ela alterou a verdade dos fatos ao negar a contratação e o recebimento dos valores. Decisão convergente com o entendimento do Enunciado nº 10 da Escola de Magistratura do Maranhão, o qual afirma: “É indicativo de litigância de má-fé, a negativa, pelo autor, de contratação de empréstimo consignado, restando provado, no curso da ação a realização do negócio jurídico e a disponibilização do seu numerário“.
Cabe ressaltar, ainda, que a validade da contratação eletrônica realizada em terminal de autoatendimento também é plenamente reconhecida, como disposto em decisão do TJ-SP de junho desse ano de relatoria do desembargador Paulo Sergio Mangerona (Apelação Cível nº 1018542-16.2024.8.26.0032), na qual restou comprovada pelo uso de cartão magnético e senha pessoal, junto ao recebimento dos valores contratados. Nesse sentido, a decisão reforça o dever do contratante tomar ciência das condições às quais se vincula quando da assinatura do contrato, não havendo que se flexibilizar seu cumprimento pelo simples fato de se tratar de um contrato de adesão.
Integração transfronteiriça
Portanto, a regra geral é clara, a contratação eletrônica é juridicamente válida diante da legislação brasileira vigente, devendo atender os requisitos de autenticidade e da integridade.
Hoje, a discussão vai além, busca-se uma maior integração de assinaturas eletrônicas e serviços digitais transfronteiriços, de maneira a fomentar a economia digital entre os países. Esse tema foi discutido no evento “Workshop Regional sobre Aprofundamento dos Serviços Digitais Transfronteiriços” organizado pela Rede Interamericana de Governo Digital (Rede Gealc) em 2024 que reuniu 12 países da América Latina.
Também merecem destaque as ferramentas de gestão de contratos e de assinatura eletrônica, que passaram cumprir um papel essencial para manter uma governança mais robusta das contratações e garantir a preservação das evidências. Para que sejam eficazes, essas ferramentas passaram a coletar dados como detalhes cruciais, como o endereço IP dos signatários, informações do dispositivo utilizado, e o registro exato de data e hora de cada acesso, visualização e assinatura, com toda uma cadeia de custódia que permite garantir a integridade documental.
Por todo exposto, tendo em vista que os atos realizados em ambiente digital são uma extensão dos atos da vida civil, só que realizados em outro meio, igualmente válido, a contratação eletrônica, já está amplamente consolidada e é um caminho sem volta. Qualquer movimento contrário a isso representaria um grande retrocesso para a Sociedade e para o Brasil.
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