Fomento da litigância predatória na Justiça do Trabalho

Quem atua na Justiça do Trabalho sabe da sobrecarga de serviço que castiga servidores e magistrados. São milhões de novas ações anualmente. O que apenas recentemente entrou no radar do cotidiano dos magistrados foi a percepção da chamada “litigância predatória”.

Trata-se de um abuso no exercício do direito de ação que, na área trabalhista, prolifera pela facilidade de acesso à justiça, necessário à parte mais vulnerável da relação de trabalho, o empregado.

Como se sabe, o ajuizamento de reclamação trabalhista prescinde de pagamento de custas, somente podendo a parte reclamante, geralmente o trabalhador, ser condenado em algum tipo de encargo financeiro quando não obtiver sucesso na demanda, total ou parcialmente.

Ainda assim o incentivo para utilização da Justiça do Trabalho é grande, já que se o reclamante for beneficiário de gratuidade de justiça, a eventual condenação em honorários sucumbenciais permanece com sua cobrança suspensa pelo prazo de dois anos, sendo dispensadas as custas.

Como boa parte dos reclamantes estão desempregados quando ajuízam ação trabalhista, outros tantos percebem salário inferior ao teto legal para o benefício, literalmente milhões de casos findam por não gerar qualquer tipo de custo em caso de perda, já que obtêm facilmente a gratuidade.

Além disso, há significativa parcela da magistratura, com a qual não concordo, que defere o benefício simplesmente pelo fato do interessado declarar a miserabilidade, embora a legislação específica exija comprovação dessa circunstância (artigo 790, §4º da CLT). Sei que existe uma longa fundamentação para não se aplicar a lei no particular, tema que não cabe ao presente artigo.

O importante é que permanece, mormente após da decisão do Supremo Tribunal Federal em sede da ADI 5.766, a sensação de facilidade de levar ao Judiciário qualquer tipo de demanda, gerando uma sensação de impunidade, que fomenta a litigância predatória.

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O que seria portanto este tipo de litigância? Conforme definido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), as características principais dessa forma de atuação seriam: quantidade expressiva e desproporcional aos históricos estatísticos de ações propostas por autores residentes em outras comarcas/subseções judiciárias; petições iniciais acompanhadas de um mesmo comprovante de residência para diferentes ações; postulações expressivas de advogados não atuantes na comarca com muitas ações distribuídas em curto lapso temporal; petições iniciais sem documentos comprobatórios mínimos das alegações ou documentos não relacionados com a causa de pedir; procurações genéricas; distribuição de ações idênticas.

O CNJ emitiu, ainda, a Diretriz Estratégica número 7 para o ano de 2023, que consiste em “Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”.

Há ainda, julgamento pendente junto ao Superior Tribunal de Justiça do Tema Repetitivo 1198, com audiência pública designada para 04 de outubro de 2023, tendo por questão submetida a julgamento a “possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários”.

Não há dúvidas, portanto, de que a magistratura entende como um grande mal  esse abuso no exercício do direito de ação, não apenas porque assoberba o serviço, comprometendo a celeridade e aumentando o custo do funcionamento do Judiciário, mas porque as vítimas da prática de litigância predatória sofrem imensamente, a ponto de necessitarem extinguir a atividade empresarial, de forma total ou parcial.

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Enquanto não existir uma regulamentação específica para o melhor combate à litigância predatória, além da possibilidade da determinação de emenda à inicial acima aventada no Tema Repetitivo 1.198, há outros mecanismos que podem coibir esta forma de atuação.

O primeiro, e talvez do ponto de vista ético mais relevante, é o juiz imediatamente cientificar a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para que, por seus tribunais de ética e disciplina, apliquem as sanções cabíveis ao advogados que mancham o nome da carreira, claro, desde que constatada a prática.

Segundo, a realização de inspeções judiciais, pois como a litigância predatória é marcada por petições iniciais praticamente idênticas, com circunstância fáticas uniformes que não diferenciam as centenas de reclamantes, facilmente consegue se identificar a distância do alegado para a realidade com referido expediente.

Importante observar que, neste caso, a prova testemunhal pode estar comprometida, uma vez que a testemunha possivelmente estará também litigando em face do mesmo reclamado, com petição inicial em quase tudo idêntica, querendo, por óbvio, confirmar o que ali está alegado para obter o mesmo ganho do autor.

Nessa seara da inspeção judicial, vale registar excelente sentença proferida pelo colega Marcelo Rodrigues Lanzana Ferreira, juiz do Trabalho Substituto do TRT-RJ, na ação 0100570-75.2021.5.01.0431, na qual utilizou de diversos expedientes em caso que apurou indícios de litigância predatória. Vale a consulta.

A meu ver, por ora, uma vez identificado o abuso no exercício do direito de ação pela distribuição em massa de ações praticamente idênticas, sem individuação dos fatos para cada reclamante, torna-se possível ao magistrado a extinção do feito sem exame do mérito para coibir o mal pela raiz, mediante aplicação do artigo 142 do CPC: “Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé”.

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Ora, se se justifica a extinção do feito quando ambas as partes utilizam do processo de forma abusiva, com mais razão deve o juiz impedir que uma ação em litigância predatória possa sequer atingir a vítima, impedindo ainda que o Poder Judiciário seja afetado por quem age maliciosamente para obter fim torpe.

Fonte: Conjur

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