Resistência do governo do Rio a ordem do STF pode gerar responsabilidade penal

No dia 5 de junho deste ano, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, manteve a ordem de uso de câmeras corporais por policiais do Rio de Janeiro. Na ocasião, o magistrado lembrou que o prazo de 180 dias concedido pelo Plenário do STF ao governo fluminense, em fevereiro do ano passado, já havia se esgotado e questionou quanto tempo mais seria necessário para que fosse cumprida a determinação do Supremo, garantindo-se, assim, que todas as unidades de operações especiais estivessem usando as câmeras.

Polícias Civil e Militar do Rio não usam as câmeras como foi determinado pelo STF
Tânia Rêgo/Agência Brasil 

A ordem do ministro se deu na apreciação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 — conhecida como ADPF das favelas —, que tramita no STF desde 2019. A ação foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e questiona decretos estaduais relacionados à segurança pública frente às recorrentes violações de direitos humanos pelas forças policiais nas favelas do Rio. 

Uma das decisões provocadas pela ADPF ocorreu em 2020. Na ocasião, o Supremo impôs novas restrições à atuação dos agentes de segurança pública fluminenses, como veto ao uso de helicópteros blindados como plataforma de tiros e às operações em perímetros escolares e hospitalares. 

Essa decisão também foi desrespeitada pelo governo do Rio. Em maio de 2021, uma operação policial deixou 28 mortos na Favela do Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro.

Na esteira das decisões que visavam a combater a letalidade policial no estado, Fachin determinou o uso de câmeras corporais (as bodycams) pelas forças de segurança fluminenses. Países como Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, Chile e China utilizam o equipamento. No Brasil, o estado de São Paulo adotou a ferramenta e o resultado foi uma redução de 85% nas mortes em confrontos com policiais nas 18 unidades em que a novidade foi implantada, na comparação com o mesmo período de 2020.

Resistência
Por meio de ofícios, representantes das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro se opuseram de forma clara ao uso de câmeras corporais. E, de 2019 para cá, a administração estadual do Rio têm adotado um comportamento, no mínimo, errático frente ao que foi determinado pelo ministro.

Em abril deste ano, o governador Cláudio Castro afirmou que não pretende obrigar forças especiais de segurança a utilizar o equipamento. Ele alegou que o uso do equipamento pode colocar em risco a segurança dos policiais. 

“Sou contra nas questões específicas, de estratégia policial. Você mostra por onde anda, por onde entra. Enquanto eu não garantir essa segurança, e hoje não há como garantir, continuo sendo contra.”

Operação no Jacarezinho, em 2021, já havia desrespeitado decisões do ministro Fachin
Reprodução/TV Globo

Desde dezembro do ano passado — quando Fachin determinou pela primeira vez o uso das câmeras pelas forças policiais fluminenses —, houve muitos recursos do governo do estado contra a decisão e poucos atos administrativos para cumpri-la. Assim, a revista eletrônica Consultor Jurídico procurou juristas e advogados para entender as possíveis consequências jurídicas da “rebeldia” do Rio. 

O jurista Lenio Streck explica que, ao se negar a cumprir ordem do STF, o gestor público pode responder pelo crime de desobediência, descrito no artigo 330 do Código Penal. 

“Em caso de reiteração de condutas, pode-se aplicar as regras de concurso de crimes, notadamente o concurso material (artigo 69, CP), quando há uma somatória das penas aplicadas; ou crime continuado (artigo 71, CP), que ocorre quando se aplica a pena e dela se aumenta até 2/3. Há de se pensar ainda acerca da possibilidade de responsabilizar o gestor público por omissão imprópria.” 

O advogado Geraldo Barchi, do escritório MFBD Advogados, diz que, no caso em questão, o governador pode responder por improbidade administrativa, conforme indica a atual redação do artigo 11 da Lei 8.429/1992, que foi inserida no ordenamento jurídico por meio da Lei 14.230/2021.

Na mesma toada, Mozar Carvalho, sócio fundador do escritório Machado de Carvalho Advocacia, afirma que, além de responder por ato de improbidade, o governador pode cometer crime de responsabilidade ao descumprir determinação judicial. 

“Em algumas situações, é possível que a recusa em cumprir uma ordem judicial seja caracterizada como crime de responsabilidade, previsto na Constituição Federal. Nesse caso, o governador poderia ser alvo de um processo de impeachment e até mesmo sofrer as consequências políticas e jurídicas decorrentes.”

O advogado Caio Almeida, do escritório Lopes & Almeida Sociedade de Advogados, também entende que a conduta do governador pode configurar crime de responsabilidade e que o caso deve ser apurado segundo o regramento legal estadual que estabelece o procedimento do impeachment.

Imagens apagadas
No último dia 26 de agosto, o jornalista Guilherme Amado, do portal Metrópoles, informou que um levantamento da Defensoria Pública do Rio de Janeiro apontou que a PM fluminense apagou e manipulou imagens das câmeras corporais. 

Segundo a Defensoria, entre abril e julho deste ano, o órgão fez 90 pedidos de acesso a imagens de câmeras corporais e de viaturas. Desses, apenas oito foram atendidos. Mesmo assim, desses oito, três deram acesso a links sem imagens e quatro eram gravações manipuladas. 

A revelação adicionou uma nova camada ao imbróglio, já que, além de não cumprir o determinado pelo STF em sua totalidade, as forças de segurança do Rio de Janeiro podem estar trabalhando contra a transparência nas ações policiais, objetivo da adoção das câmeras corporais.

Para Fernando Gardinalli, sócio do Kehdi Vieira Advogados, a prática — se comprovada — poderia ser enquadrada no crime de fraude processual, previsto no artigo 347 do Código Penal (“Inovar artificiosamente (…) o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito”).

“Já se a manipulação da gravação tiver sido realizada com o objetivo de dificultar a investigação sobre um fato (isto é, não tiver havido alteração da cena do crime; a câmera, por exemplo, ficou dentro da viatura policial, sem filmar uma abordagem violenta ou mesmo ilegal), a hipótese seria de prevaricação, prevista no artigo 319 do Código Penal: ‘Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal'”, sustenta o advogado.

Lenio Streck entende que o caso pode ser enquadrado no crime de “supressão de documento” (artigo 305, CP), que, se público, pode chegar a uma pena de até seis anos de reclusão. “Porém, penso que somente poderia se falar na existência de tal delito em caso de destruição ou ocultação das imagens das câmeras. Isso por questão de taxatividade do tipo penal. Também entendo que, se a intenção do agente é apagar imagens de uma execução ou algo do gênero, também poderá se falar no crime de fraude processual (artigo 347, CP, com o aumento de pena previsto em seu parágrafo único)”, explica ele. 

No último dia 15 de agosto, o jornal O Globo informou que, enquanto as ordens para redução da letalidade policial são discutidas no bojo da ADPF 635, ao menos dez crianças morreram no Rio de Janeiro vítimas da violência armada — três em operações policiais. 

Em janeiro, já havia sido divulgado estudo do Instituto de Segurança Pública (ISP) que informou que as forças de segurança do Rio mataram 1.327 pessoas no ano passado. O número representa 29,7% de todas as mortes violentas no estado. Ainda assim, as imagens das ações da polícia fluminense continuam escassas.

Fonte: Conjur

Recomendações da Iosco sobre plataformas DeFi

International Organization of Securities Commissions (Iosco) é uma associação de reguladores do mercado de capitais, com mais de 200 membros de mais de 100 jurisdições. Suas publicações, consultas e recomendações têm orientado a evolução das normas do mercado brasileiro, influenciando as regras da CVM, BSM e B3.

Neste mês, foi publicado um relatório com recomendações para a regulação do mercado de finanças descentralizadas (DeFi). Anteriormente, a Iosco já havia publicado estudos sobre DeFi (2022), educação de investidores em matéria de criptoativos (2020), stablecoins (2022 e 2020) e ambientes de negociação de criptoativos (2020). Em breve, será publicado mais um relatório, fruto da consulta pública específica sobre criptoativos, iniciada em maio.

A Iosco não utiliza o conceito genérico de ativo virtual contido na Lei nº 14.478/2022, destacando o uso da tecnologia blockchain na emissão e negociação de ativos, uma ideia adotada pelo regulador brasileiro no Parecer de Orientação CVM nº 40/2022.

O relatório tem como foco os ativos depositados em plataformas DeFi, assim definidas como aquelas que não se valem de um intermediário central (tais como as exchanges tradicionais de criptoativos) para a oferta de serviços financeiros semelhantes aos do mercado tradicional.

Dentre esses serviços encontramos as exchanges descentralizadas (DEX), onde ocorre a permuta entre criptoativos, pela existência de um livro de ofertas ou, então, por um mercado de provisão automatizada de liquidez (liquidity pools). Também há serviços de empréstimos de criptoativos, nos quais o depositante recebe uma espécie de recibo de depósito na forma de outro criptoativo, com medidas de mitigação de risco programáveis com base nas garantias exigidas (e prestadas por meio de criptoativos). Há ainda serviços de agregação, que buscam facilitar as transações por meio de múltiplas plataformas em uma única inteface.

Uma visão geral desse mercado pode ser vista no portal DeFi Llama, onde percebemos uma queda drástica dos valores a partir de meados de 2022, de um patamar de US$ 200 bilhões para cerca de US$ 40 bilhões em setembro de 2023, em termos de total equivalente de criptoativos depositados (total value locked — TVL), métrica usual de estoque nessas plataformas.

Além dos colapsos da stablecoin Terra Luna e de empresas como Celsius, BlockFi e FTX no passado recente, outros eventos recentes que impactaram negativamente este mercado foram ataques que, apenas em 2023, resultaram em perdas de mais de US$ 4 bilhões a investidores, de acordo com a Chainalysis.

Diante desse quadro, a Iosco fez uma consulta pública para mapear os riscos associados e propor diretrizes para a eventual regulação desse mercado.  

Recomendações
O relatório traz nove recomendações, descritas a seguir.

1) Compreensão do mercado: É preciso compreender quais são os modelos de negócios, os produtos e serviços oferecidos em suas dimensões funcionais e técnicas, para definir critérios claros de incidência da regulação.

2) Identificação de entidades responsáveis: Apesar do caráter descentralizado das soluções DeFi, os reguladores devem procurar identificar que pessoas proveem ou facilitam o acesso aos serviços, exercendo algum tipo de controle (financeiro, jurídico, técnico, marketing etc.), para que sejam os responsáveis pelo cumprimento de eventuais regras a serem propostas.

3) Convergência de padrões regulatórios: Para promover a proteção dos investidores e a integridade do mercado, os mecanismos regulatórios devem envolver uma combinação de instrumentos tradicionais (quando aplicáveis) e novos padrões, para equiparar os modelos inovadores a emissores de valores mobiliários, intermediários, instrumentos de financiamento coletivo, bolsas e infraestruturas de mercado já regulados.

4) Identificação de conflitos de interesses: Em cada modelo de negócio, é fundamental mapear os conflitos de interesse na oferta de produtos e serviços financeiros, de modo a preveni-los e evidenciá-los aos investidores.

4) Gestão de riscos: É necessário identificar e priorizar os riscos, especialmente operacionais e tecnológicos, bem como avaliar as alternativas para sua mitigação — nesse ponto, a Iosco dá destaque aos serviços de oráculos (oracles) e conexões (bridges), mais suscetíveis a ataques e falhas.

5) Transparência:Como no mercado tradicional, convém exigir o acesso aos custos dos serviços e aos parâmetros de formação de preços e quaisquer outras informações necessárias para a tomada de decisão pelos investidores e sua compreensão adequada dos riscos.

6) Cooperação internacional e compartilhamento de informações:Para evitar arbitragem regulatória (fuga para regiões mais flexíveis), todas as entidades devem cooperar entre si para definir um padrão regulatório mínimo.

7) Efetividade na aplicação das normas: Os reguladores devem se valer de mecanismos consistentes com os objetivos pretendidos e capazes de lhe permitir a fiscalização e a aplicação de sanções, se necessário. Assim, podem ser exigidos requisitos para a obtenção de licenças e acesso a dados e outros recursos necessários para assegurar a adequação do enforcement.  

8) Compreensão das conexões entre o mercado DeFi, o mercado cripto como um todo e o mercado tradicional:Os reguladores devem investigar as relações entre esses mundos, tais como a oferta de soluções DeFi por instituições tradicionais, o lastro de criptoativos em instrumentos regulados, reservas de ativos para emissão de stablecoins, investimentos de fundos de venture capital ou institucionais em projetos cripto, derivativos de criptoativos e prestação de garantias em ativos tradicionais em plataformas DeFi, dentre outros.

Alguns ingredientes para evitar uma regulação ineficaz
A proximidade com os agentes de mercado é fundamental para o desenvolvimento de instrumentos efetivos, em um diálogo constante. A regulação não pode sufocar a inovação, devendo reconhecer os benefícios potenciais das soluções DeFi para o desenvolvimento do mercado. O impacto da regulação deve atender a critérios de relação proporcional entre custos de observância e resultados desejados.

Nesse contexto, a análise de impacto regulatório desempenha um papel relevante. Na eventualidade de mais de um regulador, o regime a ser criado deve ser racional e deve conter limites bem definidos — vide o caso brasileiro em que a matéria poderá ser tratada pela CVM, pelo Banco Central e pela Receita Federal.

Idealmente, os mecanismos regulatórios não devem ser rígidos e precisam ser constantemente revisitados e reajustados para lidar com as rápidas mudanças do mercado.

O que vem depois?
Um ponto central tratado pela Iosco é o fato de que os serviços prestados não diferem substancialmente daqueles oferecidos no mercado tradicional, a despeito da utilização de tecnologias emergentes. Assim, os riscos envolvidos e as responsabilidades regulatórias não tendem a ser diferentes, por mais disruptivo que seja este mercado. O grande desafio consiste em fazer valer a regulação.

O mercado de plataformas DeFi é global e, a depender do grau de descentralização, é inviável definir um centro de imputação de deveres e responsabilidades. Além disso, a velocidade com a qual novas soluções são desenvolvidas é incompatível com o processo regulatório, desafiando não apenas a criação de normas, mas também sua efetiva aplicação.

Porém, a liberdade potencial oferecida pela tecnologia tem seu preço. Vamos observar se, nos próximos anos, como a combinação entre facilidade de uso dessas plataformas, valorização dos criptoativos de um modo geral e ausência de regulação efetiva resultará no efetivo desenvolvimento do mercado DeFi ou se, por outro lado, não haverá adoção em massa, quer por investidores de varejo, quer por investidores institucionais, sobretudo em razão da insegurança jurídica em torno das relações estabelecidas.

Fonte: Conjur

TSE discute se pode instaurar inquérito de ofício para apurar ameaças às eleições

Está em discussão no Superior Tribunal de Justiça a atualização de uma normativa que permitirá à Corregedoria-Geral Eleitoral instaurar, de ofício, inquérito administrativo para elucidar fatos que possam representar risco à normalidade eleitoral no país.

Relator do processo administrativo, ministro Benedito Gonçalves recomendou aprovação das novas regras para Corregedoria Eleitoral
Antonio Augusto/Secom/TSE

A regra está no artigo 6º, incisos III e IV da proposta que atualiza a Resolução 23.338/2011, que reorganiza os serviços da Corregedoria-Geral, da Justiça Eleitoral e redefine as atribuições das subunidades e dos titulares de cargos e funções.

O caput do artigo 6º indica que cabe ao corregedor e à Corregedoria zelar pela normalidade eleitoral, pela isonomia, legitimidade do pleito e pela liberdade do voto. Os incisos listam de que maneira isso pode ser feito.

O inciso III diz que o corregedor pode instaurar, de ofício ou por determinação, no sistema eletrônico de informação (SEI) do TSE, procedimento destinado a elucidar fatos que possam representar risco à normalidade eleitoral do país.

O inciso IV permite determinar a atuação e o processamento desses procedimentos na classe “inquérito administrativo” no PJe quando houver necessidade de inquirir pessoas ou requisitar documentos.

A proposta é fruto de estudos e análises feitas pelo setor técnico do TSE. Em 5 de maio, o relator do processo, ministro Benedito Gonçalves, apresentou voto e recomendou a aprovação sem maiores detalhes.

Pediu vista o ministro Raul Araújo, que ocupará o cargo de corregedor a partir de 9 de novembro. Nesta terça-feira (19/9), ele apresentou suas conclusões e divergiu. O julgamento foi mais uma vez interrompido por pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.

Sem previsão
Para Araújo, o uso da expressão “fatos que possam representar risco à normalidade eleitoral no país” vai permitir ao corregedor atuação mais ampla e estranha aos limites das funções administrativas que lhe cabem, voltadas para condução de serviços correicionais e na gestão do Cadastro Nacional de Eleitores.

Para ministro Raul Araújo, ampliação vai dar à Corregedoria atuação mais ampla e estranha aos limites das funções permitidas
Antonio Augusto/Secom/TSE

Quanto à atuação judicial, não há previsão para que a Corregedoria instaure tais investigações de ofício. Assim, a aprovação do texto da resolução demandaria, segundo o ministro Raul Araújo, um “esforço interpretativo desafiador”.

Primeiro porque o artigo 22 da Lei Complementar 64/1990 elege um amplo rol de atores que podem ajuizar ação para tratar de fatos que possam representar risco à normalidade eleitoral, como abuso de poder econômico e político ou uso indevido dos meios de comunicação.

A representação pode ser feita à Corregedoria por partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral. Não há previsão de atuação de ofício, em respeito ao princípio da inércia do Poder Judiciário.

Também não é possível creditar essa atuação ao poder de polícia que justificou diversos atos praticados pelo TSE durante a campanha eleitoral de 2022. A norma está no artigo 41 da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e é destinada aos juízes responsáveis pela propaganda eleitoral.

Assim, a ampliação pretendida vai gerar “hipóteses frequentes de supressão de garantias inerentes ao devido processo legal e do sistema acusatório, com rompimento da inércia que assegura isenção do magistrado no processo judicial, maculando o próprio processo justo”, segundo o ministro.

O voto-vista propõe a supressão dessas normas e traz uma proposta alternativa, de correção de rumo: delegar ao Ministério Público Eleitoral a possibilidade de pedir essas investigações. “A instauração de inquérito para aferir violações não incumbe a órgão do Judiciário”, resumiu.

Fonte: Conjur

Princípio da insignificância pode ser aplicado a contrabando de até mil maços de cigarro, define Terceira Seção

Em julgamento de recursos repetitivos (Tema 1.143), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a tese de que o princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar mil maços, seja pela baixa reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão do contrabando de grande vulto.

No entanto, segundo o colegiado, o princípio da insignificância poderá ser afastado nas apreensões abaixo de mil maços se houver reiteração da conduta criminosa, pois tal circunstância indica maior reprovação e periculosidade social.

Ao fixar o precedente qualificado por maioria de votos, o colegiado modulou os efeitos da decisão para definir que a tese deve ser aplicada apenas aos processos ainda em trâmite na data do julgamento (13 de setembro) – sendo inaplicável, portanto, às ações penais já transitadas em julgado. Não havia determinação de suspensão de processos em razão da afetação do tema.

Aplicação pontual do princípio da insignificância já é adotada pelo MP

No voto que prevaleceu na seção, o ministro Sebastião Reis Junior explicou que a conduta de introduzir cladestinamente cigarro pela fronteira brasileira constitui crime de contrabando, tanto no caso de cigarro produzido no Brasil para exportação quanto nas hipóteses em que a importação do produto é expressamente proibida (artigo 18 do Decreto-Lei 1.593/1977).

O ministro ainda lembrou que o Brasil é signatário da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, cujo artigo 15 determina a repressão do comércio ilícito de produtos de tabaco, inclusive o contrabando.

Sob essa perspectiva, e como forma de proteção à saúde pública, Sebastião Reis Junior afirmou que, em regra, deve prevalecer o entendimento de que o contrabando de cigarros não comporta a aplicação do princípio da insignificância.

“Por outro lado, entendo que a posição adotada pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, no sentido da aplicação do princípio da insignificância para a hipótese de contrabando de cigarros em quantidade que não ultrapassa mil maços, não só é razoável do ponto de vista jurídico como ostenta uma base estatística sólida para sua adoção”, afirmou.

Apreensões de até mil maços são poucas em relação ao volume total

Para embasar esse posicionamento, o ministro apontou que as apreensões de até mil maços, embora correspondam à maioria das autuações, representam muito pouco em relação ao volume total de cigarros apreendidos. De acordo com as informações estatísticas do ano passado, a maior quantidade se verifica em autuações superiores a dez mil maços, com a concentração mais expressiva (73,41%) nas apreensões entre cem mil e um milhão de maços.

Dessa forma, para o ministro, impedir a aplicação do princípio da insignificância nas apreensões de até mil maços de cigarro seria ineficaz para a proteção da saúde pública, além de sobrecarregar indevidamente os entes estatais encarregados da persecução penal, “sobretudo na região de fronteira, com inúmeros inquéritos policiais e outros feitos criminais derivados de apreensões inexpressivas, drenando o tempo e os recursos indispensáveis para reprimir e punir o crime de vulto”.

Fonte: STJ

Mercado Livre não pode ser obrigado a fiscalizar produtos anunciados, diz STJ

O conteúdo de terceiro veiculado em site de vendas só pode ser removido se for previamente identificado por meio de URLs ou links, de forma a individualizá-lo e localizá-lo. E não cabe ao Judiciário obrigar a plataforma a fazer prévia fiscalização sobre a legalidade dos produtos anunciados.

Usuários do Mercado Livre estavam anunciando venda de material de instituição especializada de ensino de forma ilegal
123RF

Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça não conheceu do recurso especial ajuizado por uma instituição de ensino especializado que tinha como objetivo impor que o Mercado Livre derrubasse todo anúncio de materiais didáticos de sua marca.

Esses anúncios feitos por usuários foram considerados ilegais porque tais materiais só são vendidos pela própria instituição. As instâncias ordinárias, porém, entenderam que só seria possível obrigar a plataforma a derrubar aqueles anúncios devidamente individualizados pela autora da ação.

A posição foi firmada com base no artigo 19, parágrafo 1º, do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), segundo o qual a ordem judicial de retirada de conteúdo deve conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica que permita a localização inequívoca do material.

Ao STJ, a instituição de ensino afirmou que, como não anuncia no Mercado Livre, a retirada de todo e qualquer anúncio com materiais de sua marca é medida que se impõe, sendo desnecessária a indicação de URLs ou de links.

Relator na 4ª Turma, o ministro João Otávio de Noronha entendeu que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao julgar a apelação, adotou correta interpretação acerca da aplicação da lei, a qual trata especificamente das hipóteses de responsabilização de provedores de internet.

Isso porque o Mercado Livre, enquanto provedor de aplicação de internet, só pode ser responsabilizado em caso de descumprimento de ordem judicial específica, que deve conter, sob pena de nulidade, identificação clara do conteúdo apontado como infringente.

“Não se exige, até pela inviabilidade da medida, o controle prévio dos anúncios publicados na plataforma digital”, afirmou o relator. Nesse contexto, é ônus da instituição identificar quais anúncios devem especificamente ser derrubados.

A posição do TJ-SP é a mesma do STJ, o que levou o ministro João Otávio de Noronha a não conhecer do recurso com base em óbices processuais, entre eles a Súmula 83, segundo a qual “não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”.

“Logo, para ser removido o conteúdo de terceiros veiculado em site de vendas enquadrado pelo legislador como provedor de aplicações de internet, é necessário ser previamente identificado, de forma clara e precisa, por meio de URLs ou links, justamente para permitir sua individualização e localização e, consequentemente, a adequada remoção, não sendo viável impor à parte recorrida prévia fiscalização sobre a origem ou a legalidade dos produtos anunciados”, concluiu ele. A votação foi unânime.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 1.763.517

Fonte: Conjur

Jurisprudência em Teses divulga entendimentos sobre princípio da insignificância

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou a edição 221 de Jurisprudência em Teses, com o tema Princípio da Insignificância III. A equipe responsável pelo produto destacou duas teses.

A primeira estabelece que a lesão jurídica decorrente de furto, em regra, não pode ser considerada insignificante quando o valor dos bens furtados for superior a 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos.

O segundo entendimento aponta que não se aplica o princípio da insignificância em casos em que o agente introduz no território nacional medicamentos não autorizados pelas autoridades competentes, devido à potencialidade de causar lesão à saúde pública.

A ferramenta

Lançada em maio de 2014, Jurisprudência em Teses apresenta diversos entendimentos do STJ sobre temas específicos, escolhidos de acordo com sua relevância no âmbito jurídico.

Cada edição reúne teses identificadas pela Secretaria de Jurisprudência após cuidadosa pesquisa nos precedentes do tribunal. Abaixo de cada uma delas, o usuário pode conferir os precedentes mais recentes sobre o tema, selecionados até a data especificada no documento.

Para visualizar a página, clique em Jurisprudência > Jurisprudência em Teses, na barra superior do site.

Fonte: STJ

Exclusão digital e insegurança jurídica corroem opção de WhatsApp para citação

A despeito de decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça dando certo contorno à possibilidade de citação por aplicativos de mensagens instantâneas — em especial o popular WhatsApp —, o informe de ato processual por esse tipo de meio de comunicação tem gerado desconforto em advogados e outros profissionais do Direito. A aflição é de que, ao invés de gerar celeridade aos trâmites processuais, a prática acabe por criar insegurança jurídica e impulsionar nulidades.

Hipótese de citação por WhatsApp gera temor em advogados; PL tramita na Câmara
Reprodução

Na decisão mais recente sobre o tema, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em processo relatado pela ministra Nancy Andrighi, indicou possíveis balizas a serem adotadas pelo Judiciário no uso de aplicativos para informe de atos processuais. A prática, no entanto, não está prevista em lei, e apenas alguns tribunais têm regulamentações nesse sentido, a maior parte resquício do período de pandemia.

O tema é espinhoso porque envolve uma das principais críticas ao Judiciário (a suposta morosidade das sentenças e do próprio andamento processual) e, concomitantemente, coloca em xeque as garantias individuais, já que a citação é, como repete o clichê em latim, o “fundamento de todo direito”.  

A tese formulada por Andrighi e aprovada pela Turma é fundamentada com base no objetivo final da citação; se a mensagem instantânea cumpriu seu objetivo, ou seja, se houve certeza de ciência, ela é válida. Para a ministra, a “forma [da citação] não poderá se sobrepor à efetiva cientificação que indiscutivelmente ocorreu”.

O colegiado, no final do julgamento, acabou anulando as sentenças anteriores (em que uma mãe fora destituída do poder familiar sem saber que estava respondendo ao processo) porque não ficou comprovada a ciência da mulher intimada. O tema, no entanto, foi alçado ao debate. 

Os argumentos genéricos da tese encontram pouco respaldo na complexidade e na liquidez da comunicação instantânea. A crítica mais contundente dos opositores da medida é sobre impossibilidade de o Judiciário conseguir comprovar que a mensagem foi efetivamente lida, em uma espécie de responsabilização excessiva dos “tiques azuis”.

Uma alternativa seria a confirmação de recebimento, mas ainda assim seria impraticável provar que a mensagem fora enviada pela pessoa citada.

Hoje, a citação pode ser feita pelo correio, por meio de carta precatória ou rogatória, por oficial de Justiça, em cartório judicial ou por publicação de edital (quando o paradeiro do citando é desconhecido). Em 2015, foi acoplada ao Código de Processo Civil a hipótese de citação por meio eletrônico (e-mail), mas não existe obrigatoriedade e há uma série de regulamentações que têm de ser cumpridas

“A citação por WhatsApp é uma possibilidade desastrosa. Isso vai gerar muita insegurança jurídica, muitos processos serão anulados, com maior frequência do que vemos hoje. Essas tecnologias não têm condições de confirmar a identidade de uma pessoa. Isso vai destruir a credibilidade do processo. Ainda não temos maturidade para lidar com isso” diz a advogada Tarsila Machado Alves, sócia do VRMA Advogados. 

Ela afirma que o instituto da citação por e-mail, relativamente novo, funciona bem para grandes corporações, mas faz pouco sentido para a maioria dos litigantes (pessoas físicas e pessoas jurídicas de médio e pequeno porte). Ou seja, é difícil estabelecer parâmetros sobre a real efetividade das tecnologias em relação aos atos processuais.

Uma única possibilidade em que a citação por mensagem de aplicativo poderia ser aceita, diz Alves, seria se houvesse uma confirmação por meio do aplicativo de que se trata realmente da pessoa intimada. Ainda assim, seria um instrumento com pouca segurança. “O chip é vendido na banca, colocar isso como ferramenta permanente de atos jurídicos chega a ser surreal.”

Uma espécie de mito sobre a celeridade processual em casos de execução — talvez o principal gargalo do Judiciário brasileiro — ganhou força a partir das decisões do STJ. A citação por WhatsApp poderia acelerar o trâmite e saciar mais rapidamente dívidas e congêneres.

Mas a própria insegurança causada pela forma de citação poderia gerar um efeito rebote. 

“Para os credores, à primeira vista, os precedentes e a matéria podem soar como óbices à tão desejada agilidade, mas parecem atuar exatamente em sentido oposto, na medida em que afastam eventuais lacunas que poderiam fazer com que tudo demorasse mais tempo, desafiando eventuais pretensões em sede de ação rescisória”, escreveu o defensor público do Rio de Janeiro Rogério Devisate em recente artigo publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico.

Exclusão digital
Um ponto uníssono citado pelos entrevistados pela ConJur  é a desigualdade digital no país, que corrói o próprio debate em questão. O smartphone faz parte da vida da maioria dos brasileiros, mas o acesso às redes móveis (4G, 5G, etc) é escasso em determinados territórios e há um contingente considerável de pessoas que não acessam a rede. 

Dados da pesquisa TIC Domicílios 2022, lançada em maio, mostram que 36 milhões de brasileiros não utilizam a internet. O número está concentrado em áreas urbanas (29 milhões). A maior parte dessas pessoas tem grau de instrução até o Ensino Fundamental (29 milhões), são pretos e pardos (21 milhões) e das  classes “D” e “E” (19 milhões).

“Há também um alto índice de desconhecimento dos próprios direitos fundamentais, as pessoas não sabem como lidar com um processo judicial”, pondera Alves. 

Outro ponto levantado pela advogada é a proliferação de golpes por meio de aplicativos, o que evidencia mais uma desproporcionalidade do instrumento. “Temos uma gama muito grande, uma alta taxa de fraudes que vêm sendo praticadas por aplicativos de mensagens. Como é possível garantir a segurança de que aquela citação é verdadeira?”

À ConJur, o defensor público Rogério Devisate, que também é crítico da medida, mas enxerga com relativos bons olhos a discussão que avança no Congresso Nacional por meio de Projeto de Lei (leia mais abaixo), concorda que a desigualdade é o principal fator negativo das “novas formas” de citação. 

“Existe uma massa de pessoas com dificuldade de acesso, embora haja associações de moradores com disponibilização de equipamentos. Não é algo impossível ou absurdo que todos de alguma forma consigam acesso. Só que ninguém é obrigado, por lei, a ter um computador ou um celular com internet. E mesmo que a lei crie uma regularização de citação por WhatsApp, isso não gera obrigação para que todos tenham aplicativo desse tipo.”

O problema, dizem os especialistas consultados pela reportagem, é ainda mais complexo em casos de processo penal — ponto que também já foi discutido no STJ, mas igualmente em sede especulativa. Os prejuízos da falta de ciência de atos processuais, em casos que poderiam envolver réus privados de liberdade, seriam incalculáveis. 

Até por isso, a Corte já fixou tese afirmando que a autenticação do réu nas citações em casos de processo penal só pode ocorrer por três meios: número de telefone, confirmação por escrito e fotografia do citando. No caso em questão (HC 641.877), que envolve uma acusação de violência doméstica contra a mulher, a citação foi cumprida por meio de ligação telefônica e a contrafé enviada pelo aplicativo WhatsApp — ato que foi anulado posteriormente e gerou concessão do HC ao réu. 

“Agilidade e pressa nem sempre se convertem em segurança. Por vezes, quanto mais se flexibilizar o sistema, mais vulnerável ele fica”, diz Devisate. 

Nas mãos do Legislativo
Gestado em 2018, o Projeto de Lei do Senado n° 176, de 2018, convertido posteriormente em PL 1595/ 2020, assinado pelo então senador Tasso Jereissati (PSDB), é mais um ingrediente no debate sobre a citação por aplicativo. O texto altera o CPC para dar a opção de intimação por mensagem.

Pela lei proposta, a citação deve ser respondida em até 24 horas com termos como “recebido” ou “confirmo recebimento”. A possibilidade seria semelhante ao uso do e-mail: as partes poderiam se cadastrar para receber as informações por meio de aplicativo, e a falta de resposta por três vezes consecutivas geraria a exclusão desse cadastro. O PL está parado na Mesa Diretora da Câmara desde julho de 2021. 

“Nós não temos, nos termos legais previstos ou no projeto de lei, uma forma muito clara de se garantir que a pessoa vai ser devidamente notificada da ocorrência da intimação. Preciamos pensar em alguma forma para fazer um regramento que efetivamente ofereça para a pessoa pelo menos uma previsão”, diz Dierle Nunes, advogado e professor de Direito Processual da UFMG e da PUC-Minas.

Para Nunes, que vê pontos positivos e negativos da prática, o debate em torno do PL é importante para delinear os detalhes em que se daria esse tipo de citação.

“Se eu tenho acesso a essa via, eu tenho a possibilidade de otimizar em muito a prática dos atos processuais  de cientificação. No entanto, existe um risco. E para esse risco ser dimensionado eu preciso ter critérios legislados muito claros que garantam efetivamente que o réu foi informado daquele processo.”

A advogada Tarsila Machado Alves é mais cética: “Um ponto positivo óbvio é uma aceleração na resolução dos casos. Têm casos que demora de dois a três anos só para citar. Mas meu papel, como advogada, é questionar a legalidade e a constitucionalidade dessas normas, e a citação é o principal ato de todo processo judicial. No fim, a PL pode até ser boa para discussão, mas pode não ser nem aprovada.”

REsp 2.045.63
HC 641.877

Fonte: Conjur

Comissão sobre direito digital debate identidade digital, cidadania e segurança

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Deputados discutirão assunto com representantes de ministérios

A Comissão Especial sobre Direito Digital da Câmara dos Deputados promove audiência pública na terça-feira (19) sobre o tema “Identidade digital, cidadania e segurança”. O debate atende a requerimento do relator, deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG).

O colegiado avalia propostas para adaptar a legislação brasileira ao mundo atual de avanços tecnológicos e estabelecer a Política Nacional de Desenvolvimento Econômico Digital.

“Nos últimos anos, estamos nos desenvolvendo e nos reinventando por meio da tecnologia, sejam as mídias sociais, a interconectividade fundamental e mais recentemente o uso de tecnologia de aprendizado para emular as capacidades humanas e nos auxiliar em nossa evolução técnica”, diz Lafayette de Andrada.

“Tais mudanças na conexão devem ser incorporadas ao direito, possibilitando a criação de novas leis, bem como a adaptação das já existentes, vez que situações antes complexas estão sendo incorporadas em nossas atividades diárias de maneiras anteriormente inconcebíveis”, defende o deputado.

A audiência está marcada para as 14 horas, em local a ser definido.

Fonte: Câmara Notícias

Programa de intercâmbio “Mulheres na Liderança” vai reunir auditoras para capacitação sobre diversidade, inclusão e equidade

O Tribunal de Contas da União (TCU), em parceria com o Pro PALOP-TL – iniciativa cofinanciada pela União Europeia e implementada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) –, promove o primeiro Programa de Intercâmbio (ProInter). A edição “Mulheres na Liderança” é voltada para auditoras em posições de chefia nas instituições superiores de controle (ISC) da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

O objetivo é viabilizar a troca de experiências e conhecimentos sobre diversidade, inclusão e equidade nas ISC. Além disso, a capacitação pretende desenvolver estratégias e disseminar boas práticas relacionadas ao controle de políticas públicas de direitos humanos e equidade. As vagas estão disponíveis para as ISC de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Cada país pode indicar até duas auditoras, de acordo o edital.

O programa será desenvolvido em três etapas, com reuniões virtuais e encontros presenciais, em Brasília. A preparação para o intercâmbio ocorre de 13 a 17 de novembro (on-line), a capacitação acontece de 27 de novembro a 1º de dezembro (presencial) e a consolidação, de 4 a 8 de dezembro de 2023 (on-line).

A professora Gisèle Szczyglak estará à frente da capacitação das mulheres nesse projeto, que vai discutir o processo de construção da liderança para a formação de redes e alianças e o fortalecimento do papel de mulher e líder. Szczyglak é docente na École Nationale d’Administration (ENA) da França, fundadora e CEO da WLC Partners e da associação internacional Open Mentoring Network, especialista em mentoring, inteligência coletiva e liderança feminina. Também é doutora em Filosofia Política pela Universidade de Toulouse II e pós-doutora em Sociologia e em Ética Aplicada pela Universidade de Montreal.

Tema prioritário para o TCU

No comando da Organização Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai), o TCU tem como tema prioritário a questão de gênero e não-discriminação no âmbito do controle externo, em alinhamento aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Nesse sentido, a participação e engajamento das ISC é estimulada, no intuito de expandir a capacitação e o aprendizado mútuo nessas temáticas.

O programa “Mulheres na Liderança” representa oportunidade para troca de experiências, e disseminação de boas práticas para o avanço da igualdade de gênero no contexto do controle externo de políticas públicas.

Fonte: TCU

Repetição de indébito não deve seguir o rito dos precatórios

O STF (Supremo Tribunal Federal) jugou em agosto o RE 1.420.691, que se transformou no Tema 1.262, tendo sido fixada por unanimidade a seguinte tese: “Não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal”. O trâmite foi peculiar, pois na mesma sessão de julgamento foi reconhecida a repercussão geral e julgado o mérito, o que não é usual.

O caso foi relatado pela ministra Rosa Weber, revertendo o julgamento do TRF-3, que possui jurisprudência consolidada em sentido oposto, permitindo que se realize a repetição administrativa de indébito, reconhecido pela via judicial, sem a sistemática de precatórios. Na decisão foi mencionada a jurisprudência do STF a respeito e distinguido o Tema 1.262 do Tema 831, este relatado pelo ministro Fux prescrevendo que “o pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública entre a data da impetração do mandado de segurança e a efetiva implementação da ordem concessiva deve observar o regime de precatórios previsto no artigo 100 da Constituição Federal”.

A distinção se cinge ao fato de que no Tema 831/Fux se discutiu a possibilidade de restituição administrativa dos valores cobrados a maior nos cinco anos que antecederam a impetração de mandado de segurança, ao passo que no Tema 1.262/Weber, o debate se referiu ao necessário rito dos precatórios independentemente do tipo de ação interposto, impedindo a restituição administrativa dos valores reconhecidos como indevidos.

Não me parece que a solução encontrada pelo Tema 1.262/Weber tenha sido a melhor, em face de uma distinção básica: o sistema de precatórios foi criado para a realização de despesas públicas fruto de decisões judiciais, o que acarretou a criação de um procedimento para inserir previsão orçamentária específica para seu pagamento, isto é, o precatório.

No caso das repetições de indébito tributário a situação é diametralmente oposta, pois o dinheiro já havia ingressado nos cofres públicos, e a devolução não se caracteriza como uma despesa decorrente de ordem judicial, mas como o que realmente é: uma devolução de recursos que já haviam ingressado nos cofres públicos. Logo, não se trata de uma despesa, mas da devolução de recursos que não deviam ter sido recolhidos — daí a lógica da repetição de indébito, isto é, devolução de valores indevidamente carreados aos cofres públicos.

O limite de qualquer receita tributária é o Princípio da Estrita Legalidade, o que implica em dizer que deve ser devolvido tudo que tiver sido recolhido acima do limite legal estabelecido, pois inconstitucional. Logo, identificada cobrança a maior do que a legalmente devida, o Estado deve devolver aos contribuintes, sem maiores delongas, da forma menos onerosa possível, pois estes já foram apenados com o indevido recolhimento à margem da lei.

Se a decisão judicial for para ampliar o montante pago por uma desapropriação, ou pagar uma gratificação a servidor que a devesse ter recebido a seu tempo e modo, estaremos defronte a uma despesa, decorrente de ordem judicial, na qual cabe o sistema de precatórios. Sendo a decisão judicial para devolver tributo pago a maior, não cabe precatório, pois não se trata de despesa, mas de devolução, uma vez que o dinheiro ingressou irregularmente no Tesouro. Neste caso deveria até mesmo haver a imposição de multa pela conduta irregular do Fisco quando exigisse tributo indevido — claro que a multa se sujeitaria ao regime de precatórios, não o montante principal a ser devolvido.

É contra a lógica jurídica estabelecer o regime de precatórios para devolver o que foi recolhido a maior. Se fosse o caso de obrigar o Estado a pagar o que não pagou, a lógica precatorial seria plenamente adequada — mas não é o que ocorre nas repetições de indébito, que se referem à devolução do que foi pago à maior. Enfim, não se trata de despesa, mas de devolução.

É inadequada a lógica presente no Tema 831/Fux, pois coloca o rito processual do mandado de segurança acima do direito material.

Porém a situação se torna ainda pior no caso do Tema 1.262/Weber, pois aplica a dinâmica dos precatórios para toda e qualquer repetição de indébito tributário, seja qual for a via processual eleita. O prejuízo para a ordem jurídica é enorme.

Para tornar curta uma longa história, pode-se resumir a posição aqui exposta à seguinte afirmativa, quase que como uma Tese a ser discutida pelo STF: A sistemática de precatórios é indevida para a devolução de tributos que ingressaram nos cofres públicos à margem do Princípio da Estrita Legalidade, independentemente do meio processual utilizado para tanto.

Fonte: Conjur