O consumo imprudente de álcool e o estado de embriaguez voluntária não servem de excludente de culpabilidade da pessoa que, de forma imponderada e impulsiva, pratica o crime de injúria racial.
Ré praticou injúria racial em estado de embriaguez durante evento público
Com esse entendimento, a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma mulher por injúria racial praticado em uma edição da “Virada Cultural”, enquanto estava bêbada.
Ela foi processada porque ofendeu um segurança quando foi impedida de pular as grades no local de uma das apresentações. A pena de dois anos em regime aberto foi substituída por prestação de serviços à comunidade por igual prazo.
Na apelação, a defesa pediu a absolvição pela ausência de dolo decorrente do estado de embriaguez. A argumentação foi rejeitada por unanimidade de votos, conforme a posição do relator, desembargador Luís Geraldo Lanfredi.
Ele explicou que tratamento da embriaguez no Código Penal orienta-se pela teoria da actio libera in causa. A culpabilidade do réu passa a existir na medida em que ele se coloca em estado de incapacidade para praticar o ilícito ou sabendo que, nessas condições, poderia praticá-lo.
No caso, a ré colocou-se em estado de intensa embriaguez, a ponto dela não se recordar de suas ações, e foi essa situação que lhe moveu a desrespeitar as regras do evento em que estava.
“Considerando a progressão de condutas antissociais proporcionadas pela apelante, resta evidenciado o caráter imprudente de seu consumo de álcool e, portanto, o estado de embriaguez voluntária, o qual não constitui excludente de culpabilidade jurídico-penal”, concluiu.
O acordo de colaboração premiada pode prever que a pena privativa de liberdade do acusado seja executada logo após sua homologação pelo juízo. Nesse caso, não será necessário aguardar a sentença ou o trânsito em julgado da ação penal.
Acordo entre MP e colaborador previu execução da privativa de liberdade após homologação
A conclusão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que, por 7 a votos a 6, negou recurso da defesa de um empresário que firmou acordo de colaboração premiada e concordou em cumprir 15 anos de pena em condições francamente favoráveis.
Uma das cláusulas do acordo fixou que a pena seria cumprida “imediatamente após a homologação do acordo” e de forma progressiva.
Para a defesa, feita pelo advogado Edward Rocha de Carvalho, a medida fere o princípio do processo legal, a presunção de inocência e a necessidade do processo penal.
O tema dividiu o colegiado. Venceu a posição do relator, ministro Raul Araújo, para quem o cumprimento da pena de forma imediata é possível por se tratar mera condição do acordo com o qual o colaborador concordou.
Formaram a maioria de sete votos com ele os ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Isabel Gallotti, João Otávio de Noronha, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sérgio Kukina.
A divergência foi inaugurada pelo ministro Mauro Campbell, que defendeu a necessidade de aguardar o trânsito em julgado da ação penal para o cumprimento da pena. Votaram com ele Nancy Andrighi, Humberto Martins, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves e Antonio Carlos Ferreira.
É pena? A insurgência da defesa se deu após a homologação do acordo, quando o ministro Raul Araújo determinou o início do cumprimento da pena. Ela foi fixada no acordo mediante sanções atípicas, não previstas expressamente em leis, mas passíveis em acordo, conforme a própria Corte Especial.
No primeiro ano, o réu estará no regime semiaberto diferenciado: preso em casa das 20h às 6h durante a semana e o dia todo nos feriados e finais de semana.
Nos 18 meses seguintes, cumprirá regime aberto diferenciado, ainda em prisão domiciliar, com recolhimento integral apenas aos finais de semana e feriado.
E nos 12 anos e 6 meses seguintes, deverá apenas informar semestralmente seu endereço e contato, além de fornecer relatório sobre suas atividades.
Para Raul Araújo, esse tema não pode ser abordado sob os aspectos do Direito Penal clássico, pois envolve um novo modelo de justiça penal negocial, no qual se insere o acordo de colaboração premiada.
Para ministro Raul Araújo, punição acordada não é pena no sentido estrito
Isso porque não há previsão das penalidades como reprimenda estatal. A lei brasileira, por exemplo, não permite que uma pena de 15 anos seja cumprida no regime inicial semiaberto diferenciado. Para punições de mais de oito anos, o regime, em regra, é o fechado.
O descumprimento das condições combinadas, por outro lado, não vai gerar o recrudescimento do regime de pena. Em vez disso, haverá a rescisão do acordo, com o consequente oferecimento da denúncia e instauração da ação penal.
Assim, aplicar o devido processo legal no caso do acordo de colaboração levaria não apenas a alterar o momento do cumprimento da pena, mas alterar o próprio regime fixado.
Que sentença? Para reforçar essa compreensão, Raul Araújo destacou na quarta-feira que o acordo de colaboração premiada não necessariamente vai levar a prolação de uma sentença. É o caso dos autos, em que o colaborador sequer foi denunciado.
O artigo 4º, parágrafo 4º da Lei das Organizações Criminosas, por exemplo, permite que o MP deixe de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração referir-se a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento e o colaborador não for líder do grupo.
“Apenas o reconhecimento de que não se trata de pena, mas de condição do acordo sujeito ao controle do juiz responsável pela homologação é capaz de garantir a utilidade prática a colaboração, pois oportunizará aos autores estabelecer benefícios adequados e momento oportuno de execução”, disse.
O ministro Og Fernandes concordou a destacou que o cumprimento antecipado da pena é alternativa que integra domínio da negociação das partes. “Cabe ao Judiciário assegurar que sua pactuação decorre da manifestação de vontade do colaborador”, disse.
Para Mauro Campbell, execução imediata da pena causaria avocação de poder por parte do MP
Presunção de inocência Para a divergência inaugurada pelo ministro Mauro Campbell, o cumprimento imediato da pena alvo de acordo de colaboração premiada viola a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e causa uma a uma avocação de poder por parte do Ministério Público.
Se o órgão tem permissão de determinar a execução da pena antes da sentença condenatória, ele se transforma em investigador, acusador e julgador, o que não se admite. Seria o mesmo de retirar do Estado-juiz os contornos normativos da sanção penal.
Isso faria com que, na eventual prolação da sentença, o juiz não tivesse o que fazer senão concordar com a situação de que a reprimenda penal já foi cumprida, independentemente do desfecho da ação penal, a qual segue indispensável no caso.
O ministro Campbell destacou ainda que o pacote “anticrime” (Lei 13.964/2019) introduziu a possiblidade de questionar judicialmente acordos de colaboração premiada ou mesmo a decisão de sua homologação, como é o caso dos autos.
Em voto na quarta, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que o que se exige para cumprimento da pena é a sentença penal transitada em julgado. Não há qualquer previsão nesse sentido em relação à homologação do acordo de colaboração premiada.
“Aqui, o que está em jogo, no final das contas, é a garantia da jurisdição. Não é só do jurisdicionado. Não posso imaginar um processo penal onde o juiz não tenha o verdadeiro controle da situação. Não me parece que seja possível a homologação substituir o controle judicial que será feito por ocasião da sentença.”
Não é possível aplicar a estabilidade provisória à empregada gestante no regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei 6.019/74.
Esse foi o fundamento adotado pelo ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho, para anular decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) que reconheceu a garantia de estabilidade de uma trabalhadora gestante, cujo contrato de trabalho era temporário.
A decisão foi provocada por recurso em que a empresa condenada pelo TRT-1 sustenta que a estabilidade provisória da autora não se estende aos trabalhadores contratados por prazo determinado, o que engloba o contrato temporário.
Ao analisar o caso, o ministro lembrou que o TST já havia fixado tese sobre a inaplicabilidade da estabilidade gestante ao regime de trabalho temporário.
Ele argumentou que uma das características dessa modalidade de contratação é a intermediação de mão de obra, em que as empresas de trabalho temporário fornecem a tomadoras de serviço trabalhadores para atender a uma necessidade sazonal, ou substituir funcionários permanentes.
Segundo o ministro, essa característica inviabiliza a estabilidade da gestante, já que essas empresas de trabalho temporário não poderiam arcar com esse ônus, uma vez encerrado o contrato com as empresas tomadoras de serviços.
“Ademais, nem a Constituição Federal, nem a referida lei de regência conferiu às trabalhadoras temporárias direito à estabilidade provisória de emprego em virtude de gravidez, razão pela qual não se justifica o ativismo judiciário criador de direito não previsto em lei, a onerar indevidamente o empregador, em nítida invasão da atividade legislativa”, finalizou.
A empresa foi representada pela advogada Silmara Lino Rodrigues.
Clique aqui para ler a decisão Processo 100771-42.2017.5.01.0032
Aprovadas em março deste ano, durante a 3ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça, as diretrizes obrigatórias para aplicação do protocolo de perspectiva de gênero no Poder Judiciário têm influenciado casos que vão de decisões societárias a episódios de assédio moral e sexual na Justiça do Trabalho, passando por penas de aposentadoria compulsória a juízes acusados de violência sexual contra advogadas e servidoras de tribunais.
Desde março, magistrados do país têm de adotar perspectiva de gênero nos julgamentos
Desde o dia 14 daquele mês, tribunais do país têm de observar uma série de critérios em relação às matérias julgadas. O protocolo estabelece, por exemplo, que não se pode aplicar o Direito igualmente, de forma abstrata, em situações em que há desigualdades estruturais, como as que envolvem violência doméstica, e que, em situações em que há aparente “neutralidade” na influência do gênero, como em indenizações trabalhistas ou inventários, há a necessidade de observar se a mulher está sendo preterida em vários sentidos.
De forma resumida, a resolução norteia os magistrados para que desconhecimentos sociais não influenciem suas sentenças. Questões societárias, de herança, indenizatórias e familiares, diz o protocolo, podem parecer, à primeira vista, alheias às desigualdades de gênero — a prática, todavia, mostra o contrário. Há casos no Direito das Sucessões em que mulheres são preteridas em função de herdeiros homens; na Justiça do Trabalho, existem desigualdades históricas dos salários de homens e mulheres, o que afeta diretamente as indenizações posteriormente reconhecidas; e assim por diante.
Em maio, o CNJ registrou pela primeira vez o uso da Resolução 492 como fundamentação em sentença. No caso, o juiz substituto Marcos Scalercio, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e interior paulista), foi condenado à aposentadoria compulsória por causa de uma série de denúncias de assédio e violência sexual contra advogadas e servidoras.
A corregedoria do TRT-2 chegou a abrir duas sindicâncias para apurar a situação, que envolveu dezenas de acusações contra o magistrado, com uma série de prints de conversas expondo seu comportamento. As duas apurações foram arquivadas. O CNJ instaurou, então, procedimento administrativo disciplinar (PAD) para apurar a conduta do juiz. Na manhã de 23 de maio, a relatora da matéria, conselheira Salise Sanchotene, proferiu seu voto e foi seguida de forma unânime pelo plenário do Conselho.
“Em apuração de condutas com conotação sexual, que normalmente acontecem às ocultas, a jurisprudência é firme em conferir especial relevo ao depoimento da vítima. E, portanto, não há como destacar de pronto as mensagens juntadas aos autos pelo simples fato de não terem sido periciadas, pois se a fala da vítima é prestigiada, com mais razões devem ser examinados os documentos juntados que possam comprovar ou ao menos compor o conjunto de indícios da prática do ilícito”, disse Sanchotene.
“É a análise de todo o conjunto probatório que produz a convicção do julgador com a aglutinação das provas documentais e testemunhais arrecadadas, isso tudo em consonância com o nosso protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, que afirma que a valoração das provas e identificação dos fatos devem assim considerar o primeiro passo, quando da análise de provas produzidas na fase de instrução, questionar se uma prova faltante poderia de fato ter sido produzida. É o caso, por exemplo, de pessoas que presenciam atos e casos de assédio sexual no ambiente de trabalho, mas que têm medo de perder o emprego se testemunharem. Em um julgamento atento ao gênero, esses questionamentos são essenciais e a palavra da mulher deve ter um peso elevado”.
“Ainda que os dados das violências sejam alarmantes, ainda que a subnotificação dos casos de violência contra a mulher, contra grupos historicamente minorizados, seja também alarmante, nós temos uma sociedade que se nega a enxergar a violência contra a mulher, contra as pessoas negras. Ela não só existe, como é aceita. E temos um sistema de Justiça que é composto por pessoas que não fazem parte, majoritariamente, desses grupos, então nunca foram forçados a direcionar o olhar para esses marcadores sociais”, diz a professora, pesquisadora e advogada Luanda Pires, que atuou no caso julgado pelo CNJ.
“O julgamento tem de se dar de forma que a lei seja aplicada de forma adequada, como determina o ordenamento jurídico, sem os vieses que são naturalmente ainda executados pelas pessoas que compõem a magistratura, o Judiciário e o sistema de Justiça.”
Em termos de fundamentação nos casos de violência doméstica, o ponto da resolução que é mais recorrente é a valoração da palavra da vítima, incluindo situações em que os magistrados decidem pela inversão do ônus da prova, ou seja, fica decidido que cabe à parte acusada provar que não cometeu o ato ilícito. Já havia jurisprudência nesse sentido, mas o protocolo tornou esta perspectiva obrigatória no Judiciário.
Somente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), há quase uma dezena de precedentes, desde março deste ano, registrando que “em se tratando de violência praticada no âmbito doméstico e familiar, o relato da vítima assume especial relevância, podendo, em consonância com os demais elementos probatórios, amparar decreto condenatório, nos termos da Recomendação nº 128 do CNJ, do Julgamento sob Perspectiva de Gênero, de 15/02/22 e com efeito vinculante da Resolução nº 492 do CNJ, de 17/03/23”.
Violência irrestrita Os casos de violência doméstica, assédio e importunação sexual já têm jurisprudências consolidadas na Justiça, a despeito de certos preconceitos persistirem, segundo as advogadas e especialistas no assunto entrevistadas pela revista eletrôncia Consultor Jurídico. A resolução do CNJ, todavia, jogou luz sobre violências veladas, como a patrimonial e a psicológica, além de suscitar importantes nuances às sentenças, como os estereótipos nos quais as mulheres estão submersas e debates como o da dupla (ou tripla) jornada.
As discussões, após a edição da resolução pelo CNJ, tornaram-se mais frequentes em processos de família, cíveis e, principalmente, trabalhistas. Em agosto, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Pará e Amapá) utilizou o protocolo para afastar a justa causa de uma mulher grávida que foi demitida com a alegação de ato de improbidade na empresa em que trabalhava. Além de anular a demissão, o colegiado ainda majorou a indenização pelo fato de a mulher ter sido demitida grávida.
“A imputação indevida de prática de ato de improbidade pela empregada durante seu estado gravídico, a qual ensejou sua demissão por justa causa, configura conduta ilícita praticada pela ré, considerando-se ainda a relevância social da proteção ao nascituro e da maternidade, além da dificuldade de reinserção de mães trabalhadoras no mercado de trabalho em uma comunidade historicamente patriarcal, onde o feminino, por apenas ser feminino, enfrenta vários tipos de discriminações, dentre elas, que somente cabem às mulheres as tarefas de cuidados da família, e que por isso mesmo tais tarefas atrapalham seu desempenho profissional, aplicando-se, ao caso concreto, as diretrizes traçadas no Protocolo Para Julgamento Com Perspectiva de Gênero”, escreveu a desembargadora Nazaré Medeiros Rocha.
Em outro caso nesse sentido, mas de natureza previdenciária, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), por unanimidade, rejeitou apelação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que tentava anular a aposentadoria concedida a uma trabalhadora rural. Os desembargadores refutaram a argumentação da autarquia de que não havia documentos suficientes da autora para concessão do benefício.
“Nesse contexto, e em consonância com a Resolução 492 do CNJ, DE 17 DE MARÇO DE 2023, que trata sobre o ‘Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero’, cumpre salientar as dificuldades enfrentadas pela mulher residente no interior do Nordeste brasileiro para coligir documentos que comprovem o exercício de atividade rural”, escreveu a desembargadora federal Cibele Benevides Guedes da Fonseca, acompanhada de forma unânime em seu voto.
O ponto de partida do protocolo, diz a advogada Fernanda Perregil, sócia do escritório Donelli, Abreu Sodré e Nicolai Advogados e professora do Insper, é fazer com que as desigualdades não interfiram no andamento do processo. “Há uma preocupação, nas mulheres que buscam o Judiciário, de que não haja revitimização na condução de um processo, na análise do seu direito.”
A advogada atuou em mais de um caso de assédio sexual no ambiente de trabalho em que houve sentença fundamentada na perspectiva de gênero. “Muitas vezes essa vítima não vai ter prova, porque o crime foi cometido de forma clandestina, entre quatro paredes, sem testemunhas, e muitas vezes não existem outros meios de prova. Então o que o juiz ou a juíza pode fazer? Redistribuir o ônus probatório, para que o ônus dessa prova não seja da pessoa assediada.”
Ela cita ainda outros mecanismos que podem ser suscitados para evitar desproporcionalidades e constrangimentos às vítimas, como por exemplo estabelecer audiências separadas para a mulher que relata abuso, assédio ou violência e para o acusado. “Tudo isso é muito importante para que seja de fato construído um processo que consiga absorver o que aconteceu, e proteja a vítima.”
Assinada em 17 de outubro pelo juiz Gilberto Schafer, da Vara Regional Empresarial de Porto Alegre, uma sentença sobre Direito Societário mostrou outra perspectiva da aplicação do protocolo de gênero no Judiciário, com o magistrado reconhecendo sexismo no pedido de um homem para destituir sua ex-cônjuge da sociedade de uma farmácia.
A ação, que corre sob sigilo, tem como pano de fundo outro litígio, de divórcio, em que ficou decidido que a mulher era responsável pela empresa, enquanto o homem ficou responsável por uma outra companhia. Ambos detêm metade das quotas de cada firma.
Segundo o autor, a mulher não tem capacidade de gerir a farmácia. O juiz, entretanto, utilizou os protocolos de perspectiva de gênero brasileiro e mexicano para argumentar contra a proposição do ex-marido e, na sentença, manteve a farmácia sob controle da mulher. O magistrado afirmou que se trata de um “projeto de vida” da mulher, pouco depois de citar especificamente o trecho do protocolo que versa sobre partilha de bens:
“Na partilha dos bens, a ideia preconceituosa e equivocada acerca da divisão sexual do trabalho, na qual homens são sempre os provedores e as mulheres cuidadoras, pode acarretar distorções indesejáveis. Sendo as mulheres ‘incapazes’ de ‘performar’ no mundo dos negócios, durante o desenvolvimento do litígio, muitas vezes pode-se acreditar na impossibilidade de gerir aluguéis, de ter participação nos lucros em sociedades empresariais ou mesmo de administrá-las”.
O magistrado ainda complementou dizendo, em relação à suposta incapacidade de gestão da mulher e às acusações graves feitas pelo seu ex-marido, que “nas questões de gênero e antidiscriminação, com o julgador atento à produção das provas, (o juízo tem de exigir) modelo de constatação e a carga probatória adequados para cada uma das situações, de modo a justamente não reforçar a discriminação e atentar contra a igualdade”.
Para a advogada Maiara Paloschi, da banca Zulmar Neves Advocacia, ainda que já houvesse jurisprudência consolidada sobre perspectiva de gênero em casos de violência, nas questões cíveis (patrimoniais, por exemplo) foi necessária a orientação do protocolo para que a magistratura soubesse se posicionar nesse tipo de litígio.
“A partir dessa resolução do CNJ, vão se iniciar os precedentes, e essa decisão é importante por conta de já ter se tornado um precedente. Nesse caso, pela sentença, é possível dizer que ela merecia permanecer na gestão da farmácia por mérito próprio, não houve favorecimento por ela ser mulher. E o juiz reconhece que o processo foi utilizado como instrumento de opressão.”
Clique aqui para ler o protocolo obrigatório PAD 0006667-60.2022.2.00.0000 Processo 0000593-13.2022.5.08.0001 Processo 5154765-44.2021.8.21.0001 Processo 0000288-09.2019.8.17.3210
A 15ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo concedeu uma liminar, na última terça-feira (14/11), que permite a uma empresa a transação de débitos em dívida ativa com o Fisco paulista mesmo antes do início da vigência da lei que prevê tal possibilidade.
Lei foi publicada no início deste mês, mas maioria de suas regras só entrarão em vigor 90 dias após a publicação
A Lei Estadual 17.843/2023 foi sancionada no último dia 7/11, mas prevê que a maioria de suas regras só entrarão em vigor 90 dias após a data de pubilicação. Esse período é chamado de vacatio legis (vacância da lei).
A decisão interrompe os protestos feitos no tabelionato da comarca de Bariri (SP) em nome da empresa referentes a diversas certidões de dívida ativa (CDAs) do estado. Também suspende a exigibilidade das CDAs até que o prazo de vacatio legis termine e a empresa apresente o parcelamento da dívida nos autos.
A juíza Gilsa Elena Rios explicou que “o protesto inviabiliza a empresa de obter crédito no mercado, o que impacta no desempenho de sua atividade”. Além disso, a autora demonstrou interesse em aderir ao parcelamento estabelecido pela lei.
Para a magistrada, apesar do período de vacatio legis, a liminar não traz prejuízo ao Fisco estadual. Isso porque, caso não seja demonstrada a adesão ao parcelamento, “o título poderá ser apresentado a protesto novamente e a execução fiscal seguirá tramitação regular”.
Clique aqui para ler a decisão Processo 1076872-74.2023.8.26.0053
O Supremo Tribunal Federal retoma nesta sexta-feira (17/11), no Plenário virtual, o julgamento que busca definir o cabimento do acordo de não persecução penal nos processos que estavam em andamento quando o pacote “anticrime” (Lei 13.964/2019) entrou em vigor.
Ministro Gilmar Mendes votou por permitir o ANPP até o trânsito em julgado da ação penal
Até o momento, o Judiciário brasileiro tem registrado três posições possíveis. Uma delas foi aderida pelo relator do Habeas Corpus em julgamento, ministro Gilmar Mendes. Para ele, o ANPP é cabível até o trânsito em julgado daquelas ações.
A 1ª Turma do Supremo e as duas turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça defendem que a retroação seja possível enquanto o caso estiver na fase pré-processual — ou seja, até o recebimento da denúncia.
A posição mais flexível até o momento foi manifestada pela 2ª Turma do STF, que admitiu o ANPP até em casos em que a condenação já se tornou definitiva.
O Habeas Corpus em análise no STF tem dois votos acompanhando a proposta do relator, pelos ministros Luiz Edson Fachin e Dias Toffoli. O julgamento foi retomado com voto-vista do ministro Alexandre de Moraes, que abriu divergência.
Para Alexandre, vale o entendimento da 1ª Turma: “Nas ações penais iniciadas antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019, é viável o acordo de não persecução penal, desde que não exista sentença condenatória e o pedido tenha sido formulado na primeira oportunidade de manifestação nos autos após a vigência do art. 28-A do CPP.”
Inicialmente, o ministro retirou o caso do Plenário virtual com pedido de destaque, formulado em setembro de 2021. Assim, o julgamento seria reiniciado presencialmente. Após meses de inclusão e retirada na pauta do Supremo, o destaque foi cancelado em agosto de 2023.
Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o uso do acordo de não persecução penal vem ganhando força no Brasil, apesar da retroatividade ainda estar em disputa. Ele oferece uma resposta rápida ao Estado e ao acusado, com reparação do dano e fuga da morosidade judicial.
Está previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal, incluído pelo pacote “anticrime”. Pode ser oferecido pelo Ministério Público ao réu que praticou infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, desde que tenha confessado a conduta.
No STF, o Ministério Público Federal defende que o ANPP possa ser aplicado retroativamente até o trânsito em julgado da condenação. Isso porque tem como objetivo abreviar o processo-crime. Logo, não faria sentido reabrir as ações em que já há condenação definitiva.
Em manifestação recente nos autos do HC, a Defensoria Pública da União propôs aumentar o escopo do ANPP mediante a autorização para que a autoridade policial possa oferecer o acordo quando se deparar com o preenchimento das condições necessárias ainda durante as investigações.
Nesse caso, o referendo do acordo ficaria sob o crivo do juízo e posterior homologação judicial. “Se a autoridade policial pode o mais, que é a colaboração premiada, poderá de mesmo modo, ofertar proposta de acordo de não persecução penal”, diz a manifestação, assinada pelo defensor público Esdras dos Santos Carvalho.
As gorjetas ou taxa de serviço cobradas pelos restaurantes, as quais integram a remuneração dos empregados, não compõem a receita bruta da empresa para fins de incidência da alíquota de tributação pelo Simples Nacional.
Gorjetas e taxa de serviço compõem remuneração do empregado, segundo a CLT
Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado pela Fazenda Nacional, que buscava aumentar a base de cálculo do Simples Nacional cobrado de uma pizzaria.
Segundo a Fazenda, isso seria possível porque a Lei Complementar 123/2006 previu taxativamente as hipóteses de exclusão do conceito de receita bruta. Nessa listagem não está incluída a taxa de serviço, que portanto deve compor a base de cálculo para a tributação.
Relator, o ministro Mauro Campbell explicou que a gorjeta, mesmo a inserida na nota de serviço, compõe o salário do empregado, conforme previsão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Portanto, não se trata de renda, lucro ou receita bruta da empresa.
Consequentemente, esse montante pode sofrer a aplicação apenas de tributos e contribuições que incidem sobre o salário. Isso exclui a incidência de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL sobre a referida taxa de serviço.
“Do mesmo modo e pelas mesmas razões, não há que se falar em inclusão das gorjetas na base de cálculo do regime fiscal denominado “Simples Nacional”, que incide sobre a receita bruta na forma do art. 18, § 3º, da LC 123/2006”, apontou o ministro Mauro Campbell.
A conclusão foi referendada em voto-vista da ministra Assusete Magalhães. Também votou com eles o ministro Herman Benjamin. Esteve ausente o ministro Francisco Falcão.
Um painel na 24ª edição da Conferência Nacional da Advocacia vai debater a advocacia cível na prática. Organizado pela OAB Nacional e pela seccional mineira da entidade, o evento acontecerá entre 27 e 29 de novembro, no Expominas, em Belo Horizonte.
Debates acontecerão no segundo dia da Conferência Nacional da Advocacia
O painel acontecerá às 14h do segundo dia. As discussões envolverão boa-fé processual, ações rescisórias, tutela executiva, flexibilização procedimental, sistema probatório, polêmicas entre apelação e agravo, juizados especiais e os avanços e retrocessos das tutelas provisórias no processo civil brasileiro.
Dentre os especialistas presentes estarão o secretário-adjunto da Comissão Especial do Código de Processo Civil, Welder Queiroz; o co-fundador do Meu Curso Educacional, Darlan Barroso; o juiz de Direito e professor Maurício Cunha; e os professores Ronaldo Cramer, Flávia Hill, Rosalina Moitta Pinto da Costa, Paula Sarno e William Santos Ferreira.
A discussão será conduzida pela vice-presidente da Comissão Especial do Código de Processo Civil, Graciela Marins. A relatora será a conselheira federal do Rio Grande do Sul Mariana Melara Reis. O secretário será Maurício Silva Leahy, coordenador do Concad Saúde.
A Conferência terá como tema “Constituição, Democracia e Liberdades”. Serão 50 painéis com temas variados, especialmente questões atuais do país. O Conselho Federal da OAB estima receber cerca de 400 palestrantes e 20 mil profissionais.
A 24ª edição da Conferência Nacional da Advocacia terá um painel para discutir o protagonismo da mulher no universo jurídico. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a seccional mineira da entidade promoverão o evento entre 27 e 29 de novembro, no Expominas, em Belo Horizonte.
O painel “Justiça de Gênero: Protagonismo da Mulher e as Carreiras Jurídicas” acontecerá do primeiro dia, a partir das 14h, e contará com a participação da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal.
A mesa será presidida por Rejane da Silva Sanchez, conselheira federal de Santa Catarina e vice-presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada. Sinya Simone Gurgel Juarez, conselheira federal do Amapá e secretária adjunta da mesma comissão, ficará a cargo do secretariado. A relatora será Silvana Cristina Oliveira, conselheira federal do Paraná.
O painel também terá a ministra Edilene Lobo, substituta do Tribunal Superior Eleitoral; a secretária adjunta da OAB-SP, Dione Almeida; a juíza Luciana Nepomuceno, do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais; a conselheira federal de Goiás Ariana Garcia; a conselheira federal de Alagoas Cláudia Lopes Medeiros; a procuradora de Justiça de Goiás Ivana Farina Navarrete Pena; e a advogada Raquel Cândido.
A Conferência terá como tema “Constituição, Democracia e Liberdades”. Serão 50 painéis com temas variados, especialmente questões atuais do país. O Conselho Federal da OAB estima receber cerca de 400 palestrantes e 20 mil profissionais.
As inscrições podem ser feitas clicando aqui. Para ver a programação completa, clique aqui.
O agronegócio é historicamente um setor de destaque na economia nacional, tendo sido responsável por 24,8% do PIB brasileiro no ano de 2022 [1]. Criando uma complexa interface com sua importância econômica, o setor é também marcado pela suscetibilidade a ciclos biológicos que afeta diretamente a atividade rural e espraia seus efeitos para os demais agentes de cada cadeia agroindustrial, fenômeno chamado pela doutrina de agrariedade [2].
Observando essa interface e as preocupações determinantes para a própria definição do termo agronegócio, cunhado por John H. Davis e Ray A. Goldberg para definir o conjunto de operações anteriores, internas e posteriores à porteira (sem as quais não é possível garantir o suprimento de alimentos em uma economia global marcada pela especialização funcional e produção em larga escala) [3], a legislação tributária instituiu diversos mecanismos de adequação da tributação da renda ao setor, sempre orientada pelo vetor de neutralização dos efeitos da agrariedade por meio de instrumentos fiscais estabelecido, na Constituição [4] e na Lei nº 8.171/91 [5].
Dentre esses mecanismos encontra-se a depreciação acelerada incentivada prevista no artigo 6º da MP nº 2.159/70/2001, que permite ao produtor rural pessoa jurídica optante pelo Lucro Real a dedução integral de determinados investimentos no próprio ano de sua aquisição [6].
É sabido que as culturas vegetais demandam diversos gastos para sua formação, como a adubação, semeadura, irrigação e aragem do solo. Nas culturas permanentes, esses gastos, a priori, não devem ser registrados como despesas do período em que incorridas, incorporam-se ao valor da própria cultura como ativos da empresa, sujeitos à perda de valor dedutível do resultado tributável da pessoa jurídica em quotas proporcionais reconhecidas ao longo dos períodos pelos quais estima-se que o ativo contribuirá para as receitas da entidade.
Contrariando essa lógica e assim conferindo inegável efeito benéfico ao setor, o artigo 6º da MP nº 2.159/70/2001 permite que tais ativos sejam depreciados integralmente no período em que os gastos foram incorridos. Assim, os gastos corresponderão a despesas imediatamente dedutíveis do resultado tributável, ainda que contribuam para a geração de receitas em períodos futuros.
O tratamento, se isoladamente concedido, poderia colocar o contribuinte em verdadeira armadilha caso ao produtor rural fosse aplicável a chamada trava dos 30% da qual trata os artigos 15 e 16 da Lei nº 9.065/1995. Felizmente, consolidou-se a visão de que essa limitação é inaplicável ao produtor rural tanto tratando-se do IRPJ quanto da CSLL [7], como decorrência da ausência de restrição no artigo 14 da Lei nº 8.023/90.
Há, contudo, divergência sobre a aplicabilidade do instituto da depreciação acelerada incentivada aos gastos para a formação de canaviais, e a jurisprudência da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) é rica fonte de análise das nuances envolvidas em cada uma das principais vertentes jurisprudenciais.
As divergências sobre o tema são antigas no Carf [8].
Mas, recentemente, o Acórdão nº 9101-006.643 de 2023 deu nova vida ao assunto ao decidir, por 6 votos a 2, pela aplicabilidade do tratamento incentivado à lavoura canavieira, sendo de grande utilidade ao intérprete o estudo desse caso, no qual foram consignadas as três principais vertentes sobre o tema: depreciação acelerada incentivada na cana-de-açúcar produzida para comercialização a terceiros [9].
A primeira vertente consignada no acórdão, encampada pelo voto da conselheira relatora Lívia de Carli Germano, parte da distinção entre as três formas de registro da perda de valor dos bens, elencadas no §2º, artigo 183, da Lei nº 6.404/76 (depreciação, amortização e exaustão).
No voto vencedor, a relatora reiterou as razões já por ela encampadas no Acórdão 9101-004.305, posição vencida naquela ocasião por voto de qualidade. Para a relatora, a depreciação acelerada incentivada alcança os gastos com a formação da lavoura canavieira, pois tal cultura perde valor em virtude do desgaste sofrido pela planta ao longo do tempo e como decorrência das sucessivas colheitas que agridem a planta sem extingui-la. A vertente foi embasada em parecer técnico da Embrapa, bem como em diversos pareceres técnicos de renomadas entidades, como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), já analisados em casos anteriores.
A relatora também refutou a tese defendida pela PGFN, no sentido de que as culturas sujeitas à depreciação seriam apenas aquelas das quais se extrai frutos no sentido botânico do termo, asseverando que o conceito de fruto ao qual a legislação faz referência [10] deve ser o conceito jurídico da Doutrina Civilista, que avalia a presença de três características: “(i) periodicidade: são produzidos periodicamente pela coisa principal; (ii) inalterabilidade da substância da coisa principal: não diminuem a substância da coisa principal; e (iii) separabilidade da coisa principal” [11].
Para esta vertente, contudo, o tratamento particular previsto pelo art. 6º da MP nº 2.159-70 não se aplicaria a bens cuja perda de valor deve ser reconhecida pela forma da exaustão.
A posição foi acompanhada na íntegra por mais três votos, sendo que o conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli acompanhou o voto da Relatora pelas conclusões, e o conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado acompanhou a relatora por conclusões distintas, apresentando declaração de voto, na qual reiterou posicionamento já exposto no Acórdão nº 9101-005.919, de 2021.
Na declaração de voto do conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado, encontramos os fatores de delimitação da segunda vertente consignada no acórdão sob análise.
Esta segunda vertente faz leitura mais ampla da expressão “poderão ser depreciados” contida no artigo 6º da MP nº 2.159-70, vislumbrando na redação do artigo a adoção do termo “depreciados” com o sentido de “deduzidos” lato sensu, independentemente da forma contábil de reconhecimento da perda de valor.
Fazendo remissão ao voto proferido pelo então conselheiro Marcelo Cuba Neto no Acórdão nº 1201-001.243, de 10/12/2015, a declaração de voto esclarece que o artigo 6º da MP nº 2.159-70 nada mais é do que a reintrodução no ordenamento jurídico do artigo 12, §2º, da Lei nº 8.023/90, revogado em 1995 pela Lei nº 9.249, que visava conferir à Pessoa Jurídica o mesmo tratamento dado à Pessoa Física pelo artigo 6º da Lei nº 8.023/90.
A interpretação finalística se escora inclusive na exposição de motivos da Medida Provisória nº 167/90 [12], convertida na Lei nº 8.023/90 e posteriormente reintroduzida pela MP nº 2.159-70 sem significativa alteração redacional. Tal fundamento já foi inclusive encampado pelo Carf por unanimidade de votos, seguindo o voto condutor da relatora Sandra Maria Faroni, no Acórdão nº 101-94.597, de 2004.
A declaração de voto representativa da segunda vertente também afastou a tese de que o artigo111 do CTN deveria levar ao provimento do recurso, seja porque a depreciação acelerada incentivada não se enquadra dentre os benefícios listados no dispositivo, seja porque a interpretação literal por ele preconizada, ainda que limite a leitura ampliativa do dispositivo, tampouco deve levar a restrição maior do que a pretendida pela lei.
Já a terceira vertente exposta no voto divergente da conselheira Edeli Pereira Bessa, acompanhada pelo conselheiro Fernando Brasil de Oliveira Pinto, representa a corrente historicamente preponderante na jurisprudência da CSRF [13].
Esse voto divergente também reprisou o entendimento firmado pela Conselheira no Acórdão 9101-004.305 que, por sua vez, adotou o entendimento emanado pela conselheira Viviane Vidal Wagner no Acórdão nº 1202-000.794, de 2013.
Analisando as normas contábeis então vigentes sobre as formas de registro da perda de valor de bens do ativo não circulante, consignou que as culturas sujeitas à depreciação seriam apenas aquelas cuja exploração se dá mediante a colheita dos frutos no sentido botânico do termo, enquanto as culturas cuja exploração depende do corte da própria planta estariam sujeitas à exaustão. O fator distintivo vislumbrado pela vertente divergente foi também extraído da interpretação do artigo 307, II e do artigo 334, §1º do RIR/99 (Decreto-Lei nº 1.483, de 1976, artigo 6º, parágrafo único e artigo 42, §12), que atrelam a exaustão aos recursos florestais destinados a corte e a depreciação aos projetos florestais destinados à exploração dos respectivos frutos.
O voto divergente reconhece que a cana-de-açúcar não é cultura florestal, mas interpretou o termo de maneira “abrangente”, encampando o racional do Parecer Normativo CST nº 18/79 e os exemplos de culturas sujeitas à exaustão contidos na consagrada obra do professor José Carlos Marion [14] que remonta ao conceito botânico de “frutos”.
Por fim, o voto divergente menciona que após a revogação do artigo 12 da Lei nº 8.023/90, o legislador renovou sucessivamente o tratamento fiscal diferenciado por meio da Medida Provisória nº 1.459/96 até Medida Provisória nº 2.158-70/2001, sem nunca ter expressamente expandido a abrangência da norma – via alteração do termo “depreciados” por outro mais amplo –, a despeito de já haver, à época, divergência interpretativa sobre o alcance do tratamento diferenciado da culturas sujeitas à exaustão.
Mas que conclusões o Acórdão nº 9101-006.643 nos permite firmar sobre a posição atualmente predominante na CSRF?
O grande mérito do acórdão, a par do sólido embasamento técnico de todas as vertentes nele expostas, parece ser justamente a união, em um mesmo documento, dos votos paradigmáticos representativos das principais correntes jurisprudenciais sobre o tema. Contudo, algumas ressalvas devem ser feitas sobre a representatividade de tal julgado como elemento preditivo do atual posicionamento da CSRF.
A jurisprudência administrativa recente encontrava-se dividida e o tema costumava ser decidido favoravelmente ao Fisco por aplicação do voto de qualidade, conforme verificou-se no Acórdão 9101-004.305. Com a introdução do artigo 19-E da Lei nº 10.522/2001 (não mais vigente), esperava-se que o tema passasse a ser decidido de maneira favorável aos contribuintes, ainda que por empate. Em 2021, sob nova composição, ao tratar da aplicação do tratamento para culturas florestais a CSRF entendeu, por 5 votos a 3, que a despeito de sujeita à perda de valor por exaustão, a depreciação acelerada seria aplicável às culturas florestais. Nessa ocasião, recobrou atenção a segunda vertente jurisprudencial sobre a qual tratamos, contudo, essa vertente foi encampada apenas pelo conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado, e o voto do relator Alexandre Evaristo Pinto sofreu também ressalva, por razões distintas, do conselheiro Caio Cesar Nader Quintella.
Finalmente, no acórdão sob debate, de nº 9101-006.643, a maioria do colegiado se formou por 6 votos a 2, sendo que os seis votos favoráveis se dividem entre três vertentes, uma das quais não foi consignada em declaração de voto, pouco tempo antes de nova alteração na composição do colegiado.
Assim, verificamos que a depreciação acelerada dos gastos para a formação da cultura canavieira é tema distante de ser pacificado. Ademais, muito embora haja uma tendência de prevalência do resultado favorável aos contribuintes sob o enfoque do mais recente julgamento sobre o tema, não é possível afirmar categoricamente a perenidade dessa solução no tempo.
[5] Lei nº 8.181/91, art. 2º, III: “como atividade econômica, a agricultura deve proporcionar, aos que a ela se dediquem, rentabilidade compatível com a de outros setores da economia”.
[6] “Art. 6o Os bens do ativo permanente imobilizado, exceto a terra nua, adquiridos por pessoa jurídica que explore a atividade rural, para uso nessa atividade, poderão ser depreciados integralmente no próprio ano da aquisição.”
[7] Vide a Medida Provisória no 1991-15/00 e Súmula Carf nº 53.
[8] Fazendo, inclusive, menções ao texto “Reconhecimento dos gastos com a formação de culturas para fins de tributação do IRPJ” (HALAH, Lucas Issa; MENDES, Guilherme Adolfo dos Santos. Reconhecimento dos gastos com a formação de culturas para fins de tributação do IRPJ. In: XII Congresso Nacional de Estudos Tributários, 2015, São Paulo. São Paulo, Editora Noeses, 2015. pp. 557-580). O artigo é referenciado nos Acórdãos nºs 9101-006.643 de 2023, 9101-005.919 de 2021, 9101-004.302 de 2019, 9101-004.305 de 2019, e no caso 1401-001.791 de 2017.
[9] A depreciação acelerada de gastos para a formação de culturas próprias de Agroindústrias é tema com matizes próprios que não serão tratadas no presente texto. Para mais sobre este tema, vide HALAH, Lucas Issa.; MENDES, Guilherme Adolfo dos Santos. Depreciação acelerada incentivada na tributação das agroindústrias. In: XI ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI CHILE – SANTIAGO, 2022, SANTIAGO – CHILE. XI ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI CHILE – SANTIAGO. Florinópolis-SC: Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, 2022. v. 1. p. 24-45. Disponível em: http://site.conpedi.org.br/publicacoes/129by0v5/0e4gxq08/J293GVKaPe17KcBe.pdf
[10] Decreto-Lei nº 1.483, de 6 de outubro de 1976, art. 6º, parágrafo único.
[14] Contabilidade rural – contabilidade agrícola, contabilidade da agropecuária, IRPJ, 4ª edição, São Paulo, Atlas, 1996, págs. 39, 41, 64, 65 e 71.
Fonte: Conjur
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