Continuidade delitiva não impede celebração de ANPP, diz STJ

A continuidade delitiva não impede a celebração do acordo de não persecução penal, já que não consta como óbice no artigo 28-A do Código de Processo Penal, nem se confunde com a habitualidade delitiva.

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial para permitir que um homem acusado de peculato negocie o acordo com o Ministério Público Federal.

Ele foi condenado em continuidade delitiva, por ter praticado o crime 16 vezes. Funcionário da Caixa Econômica Federal, apropriou-se de valores pertencentes à instituição mediante fraudes e manipulação de contas bancárias.

A pena final, de 3 anos, 8 meses e 13 dias em regime aberto, foi substituída por duas restritivas de direitos. O montante permitiria, em tese, a celebração do ANPP, por estar abaixo de quatro anos.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no entanto, entendeu que o acordo não seria possível porque a condenação em continuidade delitiva por 16 vezes indicaria dedicação à atividade criminosa.

Ao STJ, a Defensoria Pública da União apontou que o TRF-3 acrescentou requisito para o ANPP que não está previsto em lei. Relator na 5ª Turma, o ministro Ribeiro Dantas deu razão e foi acompanhado à unanimidade.

Continuidade x habitualidade

O caso envolve a intepretação do artigo 28-A, parágrafo 2º, inciso II do Código de Processo Penal, que veda o oferecimento do ANPP se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual do investigado.

O ministro Ribeiro Dantas destacou que crime continuado e habitualidade criminal são coisas diferentes que não se confundem.

A figura do crime continuado foi criada para evitar a exacerbação das penas em razão de infrações similares que resultam de um plano comum. Serve para tornar a pena menos rigorosa.

Na hipótese da habitualidade delitiva, a posição é exatamente contrária: existe uma reincidência de crimes já consumados, a indicar que o acusado faz do delito seu meio de subsistência.

Assim, a lei em nenhum momento teve a intenção de incluir a continuidade delitiva como causa impeditiva para a celebração do ANPP.

“A inclusão da continuidade delitiva como óbice à celebração do acordo constitui, conforme indicado no acórdão recorrido, uma interpretação que extrapola os limites impostos pela norma, inserindo um requisito que o legislador, de forma deliberada, optou por não contemplar”, concluiu.

Com o provimento do recurso especial, a 5ª Turma do STJ determinou a remessa dos autos ao Ministério Público Federal para que se manifeste sobre a possibilidade de oferecimento do ANPP, no prazo de 15 dias.

AREsp 2.406.856

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MPs discutem desafios digitais e mudanças climáticas

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) se reúne, entre os dias 27 e 29 de outubro, no Rio de Janeiro para discutir a atuação do MP diante das transformações globais. Entre os assuntos que serão discutidos estão os desafios da era digital e as mudanças climáticas.

O encontro destaca a prioridade de promover o desenvolvimento de estratégias inovadoras para o Ministério Público, alinhadas a transformações globais e tecnológicas, com o objetivo de garantir a efetividade da Justiça e o benefício à sociedade.

Em relação aos desafios digitais, haverá discussões de temas como instrumentos de investigação, prevenção e repressão de crimes cibernéticos e crime organizado na era digital, inteligência artificial e proteção de dados.

Em relação às mudanças climáticas, os debates deverão girar em torno de questões como litigância climática, prevenção, mitigação, preparação e resposta a desastres, a experiência do Rio Grande do Sul.

Fonte: EBC

AGU apresenta a movimentos sociais nova proposta para repactuação do acordo de Mariana

O advogado-geral da União, Jorge Messias, apresentou à comunidade de Mariana (MG), na sexta-feira (18/10), a proposta do Poder Público para repactuação do acordo pelo rompimento da Barragem de Fundão (MG), em 2015, totalizando investimentos de R$ 167 bilhões, dos quais R$ 130 bilhões serão recursos novos. A apresentação ocorreu durante reunião no auditório do Ministério da Agricultura e Pecuária, em Belo Horizonte.

Distrito de Bento Rodrigues em 2016, um ano após o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG)
Distrito de Bento Rodrigues em 2016, um ano após o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG) – Léo Rodrigues/Agência Brasil

Os valores deverão ser custeados pelas empresas responsáveis pelos danos causados à região da bacia do Rio Doce (Vale, BHP e Samarco). Do conjunto de investimentos previstos, R$ 640 milhões serão destinados ao fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nos municípios da Bacia do Rio Doce. Já a saúde coletiva será contemplada com R$ 12 bilhões, sendo que R$ 3,6 bilhões serão destinados à infraestrutura e equipamentos.

Também foram destacados R$ 7,09 bilhões às ações previstas para a retomada econômica. Entre outros pontos, constam ainda, na nova proposta de repactuação, auxílio financeiro de R$ 1 bilhão às mulheres que foram vítimas de discriminação de gênero durante o processo reparatório; R$ 17,8 bilhões para projetos socioambientais dos Estados; R$ 11 bilhões para um amplo programa de saneamento básico; e R$ 4,6 milhões para recuperação de rodovias, como a BR-262 e BR-365.

O montante total dos investimentos é quatro vezes maior do que os R$ 37 bilhões que as empresas afirmam já ter gasto por meio da Fundação Renova, criada para reparar os impactos negativos causados pelo rompimento da barragem.

“Viemos de forma respeitosa dialogar com os movimentos sociais. Eles precisam ser ouvidos e terem seus pleitos contemplados. Apresentamos um conjunto de investimentos que serão feitos e que vão atender e transformar profundamente a região. Tratamos de olhar em primeiro lugar para as pessoas, em segundo lugar para o meio ambiente e em terceiro lugar para um programa de retomada econômica na região. A repactuação fará uma transformação de verdade na vida das pessoas” disse o advogado-geral da União, Jorge Messias.

Pela nova proposta, parte das obrigações relativas à reparação pela tragédia passa ao Poder Público (União, estados de Minas Gerais, Espírito Santo e municípios), que implementarão ações e programas em prol dos atingidos e para reparar o meio ambiente na região da bacia do Rio Doce com os recursos que serão repassados pelas empresas. Essas últimas permanecem com a obrigação de implementar medidas diversas de caráter reparatório. Dentre elas estão a de finalizar reassentamentos, implantar sistema indenizatório para parte dos atingidos que não conseguirem comprovar documentalmente os danos sofridos, retirar rejeitos, recuperar a floresta nativa e nascentes na Bacia do Rio Doce, dentre outras.

Participantes

Participaram da reunião membros da sociedade civil, representantes dos movimentos sociais organizados, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e os próprios atingidos da bacia do Rio Doce.

Pelo governo federal, além do advogado-geral da União, participaram do encontro o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macedo; o adjunto do advogado-geral da União, Junior Fideles; e representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, do Ministério da Saúde e do Ministério das Minas e Energia.

Os representantes dos movimentos sociais tiveram a oportunidade de avaliar os pontos apresentados e fizeram observações que serão avaliadas e poderão eventualmente integrar o acordo. Com informações da assessoria de imprensa da AGU.

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Comissão aprova aumento de pena para quem oferece bebida alcoólica a criança e adolescente

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou projeto que aumenta a pena para quem fornecer ou servir álcool ou outro produto que possa causar dependência física ou psíquica a crianças e adolescentes.

Deputada Maria Arraes fala ao microfone. Ela é clara, tem cabelos escuros, lisos e compridos; e usa um blazer cinza
Maria Arraes: proposta sugere punição proporcional ao dano dela decorrente – Mário Agra / Câmara dos Deputados

Pelo texto, a pena atual de detenção de 2 a 4 anos poderá ser aumentada de 1/3 à metade se a criança ou o adolescente consumir o produto.

O Projeto de Lei 942/24, da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), inclui a medida no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Parecer favorável
A relatora, deputada Maria Arraes (Solidariedade-PE), recomendou a aprovação do texto com uma mudança feita anteriormente pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família: em vez de dobrar a pena, como prevê o texto original, ela ampliou-a de 1/3 à metade.

Maria Arraes observou que o aumento proposto reforça e coíbe ainda mais a conduta no caso em que há um dano decorrente, ou seja, o consumo do produto pela criança ou pelo adolescente. “A proposição corrige uma lacuna indevida e promove pena condizente com a lesão”, afirmou.

Próximos passos
O projeto ainda será analisado pelo Plenário da Câmara. Para virar lei, a medida precisa ser aprovada pelos deputados e pelos senadores.

Fonte: Câmara dos Deputados

TST cita negativa de prestação e reconhece necessidade de reanálise de horas extras

Alegando negativa de prestação jurisdicional, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho ordenou que um processo retorne à segunda instância para que as horas extras trabalhadas por um empregado de banco sejam devidamente recalculadas.

O autor juntou à ação recibos salariais e prints dos cartões de ponto que mostravam que ele fazia duas horas extras por dia durante determinado período, o que não foi levado em conta pelo tribunal de segundo grau.

No caso em discussão, o bancário alegou que, no primeiro dia na função, firmou acordo para trabalhar duas horas extras diárias, fazendo o turno das 9h às 18h. Já o banco sustentou que esse acordo foi firmado um ano depois da contratação, ou seja, ele só teria direito às horas extras pleiteadas depois desse período.

Provocado pelo autor, o tribunal regional não se pronunciou sobre os documentos que mostravam as horas extras devidas e afirmou que os recibos salariais indicados no processo não eram suficientes para comprovar suas alegações.

Ainda na decisão de segundo grau, o relator afirmou que as horas extras requeridas já haviam sido quitadas, e disse que a natureza extraordinária do recurso de revista não permite reexame das provas. O autor, então, ajuizou no TST ação de nulidade por negativa de prestação jurisdicional.

“Diante da afirmação anterior, no sentido de que não seria possível apurar a habitualidade apenas pelos recibos salariais, passou a ser crucial a resposta da Turma Regional para que o autor possa defender a tese de que, apesar da contratação formal apenas no ano seguinte, desde o início do pacto laborativo já havia pactuação de labor em oito horas diárias”, escreveu o ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, relator do caso na corte superior.

Silêncio total

O autor ainda rebateu o argumento de que a sede recursal escolhida não foi a correta, porque mesmo após propor embargos de declaração o referido juízo não se pronunciou sobre as horas extras.

Pinto Junior concordou com o trabalhador. “A omissão impede que o autor defenda sua tese em sede extraordinária, motivo pelo qual é suficiente para caracterizar negativa de prestação jurisdicional.”

“É necessário, portanto, que sejam expressamente extirpadas as omissões apontadas, de forma a esclarecer, nos moldes provocados nos embargos de declaração e reiterados na arguição de nulidade por negativa de prestação jurisdicional, se a jornada de trabalho consignada nos controles de frequência do período anterior ao acordo de prorrogação de jornada é, em média, das 9 às 18 horas de segunda a sexta-feira, conforme alegado pelo demandante”, escreveu o ministro.

Atuou no caso a advogada Tayane Dalazen, sócia do escritório Dalazen, Pessoa & Bresciani Sociedade de Advogados.

Clique aqui para ler a decisão
Processo TST-RR 1000713-76.2019.5.02.0012

Fonte: Conjur

Dino suspende regra sobre aposentadoria de policiais homens e mulheres

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta quinta-feira (17) suspender a regra que igualou em 55 anos a idade mínima para aposentadoria de homens e mulheres que são policiais civis e federais.

A decisão do ministro foi motivada por uma ação protocolada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil) para suspender a regra da Emenda Constitucional 103/2019, aprovada durante o governo de Jair Bolsonaro, que fixou a idade mínima de 55 anos para homens e mulheres.

A entidade alega que o Congresso desconsiderou a diferenciação de gênero entre homens e mulheres para concessão de aposentadoria especial.

Ao analisar o caso, Flávio Dino decidiu suspender a regra por entender que a diferenciação no tempo de aposentadoria entre homens e mulheres sempre vigorou desde a Constituição de 1988. Segundo Dino, a Reforma da Previdência aprovada em 2019 deixou de assegurar o benefício para as mulheres.

“Concluo que os dispositivos impugnados se afastam do vetor constitucional da igualdade material entre mulheres e homens, a merecer a pecha da inconstitucionalidade pela não diferenciação de gênero para policiais civis e federais”, justificou o ministro.

Com a decisão, a idade para aposentadoria para mulheres policiais civis e federais deverá seguir o critério de três anos de redução em relação ao período dos homens. A medida deverá ser adotada até o Congresso votar nova regra.

“Acresço que o Congresso Nacional, ao legislar para corrigir a inconstitucionalidade quanto às mulheres, deve adotar a diferenciação que considerar cabível em face da discricionariedade legislativa”, completou o ministro.

Fonte: EBC

Comissão aprova projeto que dispensa de revisão pericial aposentado com sequelas de poliomielite

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2641/21, do deputado Luiz Lima (PL-RJ), que dispensa da avaliação pericial os aposentados por incapacidade permanente ou pensionistas do INSS com sequelas de poliomielite.

Intercâmbio Legislativo. Dep. Laura Carneiro (PSD - RJ)

Laura Carneiro: texto respeita a Constituição e a técnica legislativa – Bruno Spada / Câmara dos Deputados

A medida beneficia aqueles que obtiveram o benefício por via judicial ou administrativa. Hoje essa regra de dispensa existe apenas para pessoas com pessoas com HIV/Aids.

Por tramitar em caráter conclusivo, o projeto segue para análise dos senadores, a menos que seja aprovado pedido para que seja votado também pelo Plenário da Câmara.

A relatora, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), apresentou parecer favorável. A análise na CCJ ficou restrita aos aspectos constitucionais, jurídicos e de técnica legislativa da matéria.

O texto foi aprovado com uma alteração feita anteriormente pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, para deixar claro que a dispensa da reavaliação beneficia apenas aposentados e pensionistas com “sequelas” de pólio.

A poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, é uma doença contagiosa causada por vírus e transmitida por meio do contato direto com fezes ou secreções das pessoas doentes. Em casos graves, pode acarretar paralisia nos membros inferiores.

Regra atual
O projeto altera a Lei de Benefícios da Previdência Social. Atualmente, o INSS pode convocar aposentados por invalidez ou pensionistas, cujos benefícios tenham sido concedidos judicial ou administrativamente, para avaliação pericial, sob pena de suspensão do pagamento.

Fonte: Câmara dos Deputados

Nulidade de interrogatório no Júri: renovação apenas do ato ou de toda a instrução?

Partamos de uma hipótese e da consequente indagação: se reconhecida a nulidade do interrogatório no Tribunal do Júri, por ter sido o réu impedido de responder parcialmente às perguntas, deve-se anular todos os atos da sessão ou somente o referido interrogatório?

De maneira bem direta, a anulação somente do interrogatório acarretará sua renovação, mas perante um conselho de sentença diferente daquele perante o qual foi realizada a produção da prova testemunhal da sessão de julgamento anterior, criando a curiosa, mas também ilegal oportunidade, de sete pessoas leigas julgarem com base em prova oral não produzida em suas presenças.

Esta hipótese é objetável porque a sessão de julgamento é una e os jurados que votam os quesitos — que também prestam compromisso de agir com imparcialidade e de acordo com os ditames da Justiça (CPP, artigo 472) — têm de ser os mesmos que acompanham a produção da prova oral, composta pela inquirição do ofendido, se possível, testemunhas arroladas pela acusação (CPP, artigo 473), testemunhas arroladas pela defesa (CPP, artigo 473, §1º), e o interrogatório do acusado (CPP, artigo 474).

A lógica protege-nos neste ponto, já que os jurados agem também como fiscais da produção da prova oral e nesta finalidade podem requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento aos peritos (CPP, artigo 473, §3º), bem como fazer perguntas às testemunhas por intermédio do juiz presidente (CPP, artigo 474, §2º). Assim, é até prosaico que não pode o novo conselho de sentença, formado em nova sessão de julgamento, participar apenas da realização do interrogatório para, após os debates, votar os quesitos.

Deve este novo conselho poder exercer o direito que legalmente lhe cabe na produção da prova para, com isso, afastar o odor da parcialidade e do completo desconhecimento sobre a totalidade da prova e da causa.

Nem se argumente que diante do novo conselho de sentença poderia ser exibida, aos jurados, em áudio e vídeo, a prova produzida na sessão anterior.

Esse expediente é uma maneira dúbia e inexitosa de tentar reverter a burla procedimental, já que, como apontado, o novel conselho de sentença estaria impedido de fiscalizar a prova oral cujas audições foram realizadas na sessão anterior, prova esta que, também, estaria validando eventual condenação.

Lições da doutrina

Mittermaier ensina que como, em geral, a prova testemunhal não tem tanto crédito de per si, segue-se que a testemunha deve ser indagada “sobre o fundamento de seu conhecimento dos fatos” [1], ou seja, das razões, subjetivas e objetivas que a levaram a ter ciência do ocorrido, o que só é possível se quem indaga puder acompanhar o depoimento de quem será indagado.

Também pontifica o professor Tedesco que a convicção de quem julga a causa só pode amparar-se na prova oral prestada “em pessoa perante o tribunal [ou juiz] competente”, pois somente assim “se pode e deve-se supor que foram satisfeitas todas as prescrições indispensáveis da lei e da prudência” [2].

Aliás, a doutrina especializada de Mascarenhas Nardelli assevera que o modelo mais adequado de produção de prova oral perante os jurados é o de inquirição cruzada e direta (cross examination e direct examination) — conforme a inspiração da dinâmica anglo-americana em nossa legislação [3] — a qual só é possível se a testemunha for inquirida na presença de quem for lhe julgar e em tempo real.

Consequentemente, percebe-se que o contato extemporâneo dos jurados com a prova oral transforma o depoimento da sessão anterior de julgamento numa espécie de depoimento de primeira fase, já que este sim é que pode ser exibido ao júri para que conheçam do que ocorreu antes da decisão de pronúncia, contudo, veja: mesmo nesta hipótese não está dispensada a obrigatoriedade da repetição do ato testemunhal na segunda fase, ocorrida perante o conselho de sentença e não mais diante do juiz togado.

O destinatário da prova é o juiz, mas não qualquer juiz, e sim aquele que efetivamente irá julgar (CPP, artigo 399, §2º). Há, no júri, a aplicação inconteste do princípio da identidade física, pois se de acordo com a reforma de 2008 a prova a ser valorada pelo juiz é aquela produzida em contraditório, fortalece-se a regra da imediatidade, reforçando-se o sistema da oralidade [4].

Badaró, inclusive, já alertava para a correta interpretação do artigo 399, §2º, do CPP, a fim de que não parecesse haver apenas a vinculação do juiz da instrução à sentença. Diz o mestre paulista que a efetiva oralidade só será permitida, com todas as vantagens dela decorrentes, na interpretação segundo a qual “toda a instrução deve se desenvolver perante um único juiz, que deverá ser o mesmo que sentenciará o feito”.

E quando a concentração dos atos se realizar na forma de sessões consecutivas, “o princípio da oralidade exigirá que se mantenha a identidade física do juiz durante todas as sessões de julgamento, porque senão o ocorrido perante o primeiro juiz chegaria ao conhecimento do segundo somente através das peças escritas nos autos” [5].

O ministro Francisco Campos também alertava nos idos de 1939 sobre a imediatidade e identidade física na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil: “O juiz que dirige a instrução do processo há de ser o juiz que decida o litígio. Nem de outra maneira poderia ser, pois o processo visando à investigação da verdade, somente o juiz que tomou as provas está realmente habilitado a apreciá-las do ponto de vista do seu valor ou da sua eficácia em relação aos pontos debatidos” [6].

Percebe-se que o exame direto e cruzado da prova oral, a oralidade e a imediatidade na construção probatória não são possíveis se o ato processual de inquirição da testemunha se desenvolver perante pessoas física diversa daquela que irá julgar [7] e por isso não há cumprimento do devido processo legal quando, nulificado o interrogatório no júri, renove-se apenas este ato e não toda a instrução plenária, perante o novo conselho sentença.


[1] Mittermaier, Carl Joseph Anton. Tratado da prova em matéria criminal. 5 ed. São Paulo: Campinas, 2008, p. 356.

[2] Idem, p. 360.

[3] Mascarenhas Nardelli, Marcella. A prova no tribunal do júri. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 475.

[4] Badaró, Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 217.

[5] Idem, p. 217-218.

[6] Maya, Andre Machado. Oralidade e Processo Penal. Tirant Brasil, p. 144, 29 dez. 2020. Disponível em: <https://biblioteca.tirant.com/cloudLibrary/ebook/info/9786559080328>

[7] Maya, André Machado. Oralidade e Processo Penal. Tirant Brasil, p. 145, 29 dez. 2020. Disponível em: <https://biblioteca.tirant.com/cloudLibrary/ebook/info/9786559080328>

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STF adia julgamento sobre quebra de sigilo de buscas na internet

O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou nesta quarta-feira (16) a conclusão do julgamento que vdecidir se é constitucional a quebra de sigilo do histórico de buscas feitas por um grupo indeterminado de usuários da internet.

A quebra do sigilo do histórico é um procedimento usado em investigações policiais para descobrir a identidade de usuários que praticam crimes pela internet. Pela legislação, as conexões telemáticas dos cidadãos são sigilosas e só podem ser acessadas mediante autorização judicial.

O julgamento foi suspenso por um pedido de vista feito pelo ministro André Mendonça. Não há data definida para a retomada. O placar para validar o acesso a históricos suspeitos está em 2 a 1.

A Corte vai decidir se é constitucional a requisição judicial de registros de conexão à internet de um grupo indeterminado para fins de investigações criminais.

O julgamento é motivado por um recurso do Google contra decisões de outras instâncias do Judiciário que autorizaram a quebra de sigilo de todas as pessoas que realizaram buscas na plataforma nos dias anteriores ao assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018, no Rio de Janeiro.

As determinações intimaram o Google a fornecer os dados dos usuários que pesquisam pelos termos Marielle Franco, vereadora Marielle, agenda vereadora Marielle, Casa das Pretas, Rua dos Inválidos, 122 e Rua dos Inválidos – endereços onde a vereadora e o motorista estiveram antes de serem baleados.

Votos

O julgamento começou em setembro do ano passado no plenário virtual da Corte. Na ocasião, a ministra Rosa Weber (aposentada) aceitou recurso para impedir o acesso aos dados sigilosos requisitados de forma genérica no caso Marielle.

Após o voto da ministra, Moraes pediu vista do processo e trouxe o caso para julgamento presencial nesta quarta-feira.

Na sessão desta tarde, o ministro disse que o tema preocupa as polícias civis dos estados e a Polícia Federal. Em caso de restrição da investigação, apurações em casos de pornografia infantil e pedofilia seriam impactados, segundo Moraes.

Alexandre de Moraes também disse que o Google tem todas as informações sobre os usuários e possui um banco de dados para proveitos econômicos. Além disso, o ministro disse que não houve abusos na utilização dos dados no caso Marielle, que foram utilizados para apuração do crime.

“Muito impressiona que o Google entre com mandado de segurança para impedir uma investigação importantíssima do assassinato de uma vereadora, dizendo que isso fere a intimidade,  quando o Google usa os dados de todos nós, sem autorização, para mandar para nós mesmos uma propaganda”, afirmou.

Em seguida, o ministro Cristiano Zanin acompanhou o entendimento de Moraes, e André Mendonça pediu mais tempo para analisar o caso.

Fonte: EBC

Problema não é o reconhecimento por foto, mas o modo de sua apresentação

O reconhecimento de suspeitos de crimes por fotografias, por si só, não diminui a confiabilidade do resultado. É preciso garantir que a forma de apresentação seja a mais adequada para permitir o procedimento sem sugestionar a vítima.

William Cecconello 2024
William Cecconello defendeu que fotografia é alternativa válida para o reconhecimento de suspeitos de crime – Gustavo Lima/STJ

Essa conclusão é do professor de Psicologia e coordenador do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Cognição e Justiça, William Cecconello, que falou sobre o tema no Seminário Internacional Provas e Justiça Criminal, sediado pelo Superior Tribunal de Justiça na semana passada.

O uso de fotos para o procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal foi o que primeiro motivou uma virada jurisprudencial do STJ.

Em 2020, a corte concluiu que essa prática teria de ser vista como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não poderia servir para embasar condenações.

A jurisprudência evoluiu para anular provas em casos de total desrespeito ao artigo 226 do CPP, que traz um rito: a vítima deve descrever o suspeito e reconhecê-lo ao lado de outras pessoas que com ele tenham semelhança.

O tema motivou a criação de um grupo de trabalho no Conselho Nacional de Justiça, resultou na edição de uma resolução para orientar juízes e atores do sistema de Justiça e levou à publicação recente de um manual de procedimentos.

Dados do advogado e pesquisador David Metzker mostram que, neste ano, o STJ concedeu ordem em Habeas Corpus para anular provas por desrespeito ao artigo 226 do CPP em 174 processos. Deles, 141 tratam de reconhecimento feito por fotografia (81% do total).

Ao citar os dados no evento, a ministra Daniela Teixeira, do STJ, deu exemplos que passaram por seu gabinete em que o uso de fotografia prejudicou o procedimento. “Em um deles a fotografia era preta e branca. Era impossível de saber de quem se tratava.”

Segundo Cecconelo, estudos científicos mostram que o uso de fotografia é alternativa válida para o reconhecimento de pessoas. O problema é a forma como essas imagens são apresentadas às vítimas.

 
Daniela Teixeira 2024
Daniela Teixeira citou casos em que a prova foi anulada porque o reconhecimento foi erroneamente feito por foto – Gustavo Lima/STJ

 

Show-up e álbum

Trata-se de uma questão de método. Um dos mais utilizados pelas polícias é o chamado show-up: a pessoa é apresentada isoladamente, por foto ou presencialmente, para que seja reconhecida de maneira informal.

Segundo o CNJ, essa apresentação isolada faz com que a vítima ou testemunha não tenha rostos para comparar, e essa falta de opções pode levá-la a reconhecer alguém inocente com muita confiança.

Outro método indevido é o uso do chamado álbum de suspeitos: um conjunto de fotografias de pessoas previamente investigadas que esteja nos arquivos policiais. Trata-se de um procedimento sugestivo e, portanto, parcial.

As pessoas apresentadas pela polícia, absolvidas ou não, tornam-se potenciais autoras do crime e ficam à mercê de um reconhecimento errôneo. A conduta também tem potencial para reforçar preconceitos e estereótipos raciais.

“O reconhecimento fotográfico não é o problema. O problema é usar álbum de suspeitos e show-up. É importante esclarecer isso, senão a gente elimina a foto e parece que resolveu o problema. Se, em vez de mostrar a foto, você apresentar a pessoa, o risco é o mesmo”, disse Cecconello.

“É importante que a gente olhe para os procedimentos, não só para o meio que é utilizado para o reconhecimento, porque senão talvez a gente não avance nessa questão”, acrescentou o pesquisador.

 
Evento reconhecimento pessoal
Anderson Giampaoli mostra fillers produzidos com ajuda de inteligência artificial – ConJur

 

Fillers

São vastos os exemplos de injustiças praticadas por meio do uso de álbuns ou show-ups. Eles são comuns porque permitem uma identificação rápida pela polícia, por vezes no momento da ocorrência, por meio do uso de aplicativos de mensagens ou redes sociais.

Um dos casos mais graves é o de um homem negro do Rio de Janeiro que teve a foto retirada do Facebook e exibida em álbum de suspeitos da polícia. Ele foi reconhecido por 70 vítimas, foi alvo de 62 ações e condenado 11 vezes até o STJ determinar o reexame dos casos.

Presidente da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha Filho destacou que esse tipo de conduta colabora para a ocorrência de erros judiciais.

“Mais grave é o reconhecimento fotográfico. Quando você apresenta uma foto, você induz a vítima. E quando apresenta várias, cria a possibilidade de eleger um suspeito errado.”

Responsável pela Secretaria de Cursos de Formação da Academia de Polícia Civil de São Paulo, o delegado de polícia Anderson Giampaoli destacou que o método show-up foi proibido em São Paulo e levantou uma reflexão: como e onde encontrar os fillers?

Fillers são as pessoas que aparecerão lado a lado com o suspeito, para o reconhecimento — seja pessoalmente ou por foto. Elas precisam ter semelhanças com a pessoa a ser reconhecida, sob risco de sugestionar a escolha da vítima.

Giampaoli apresentou no evento duas soluções tecnológicas possíveis. A primeira usa inteligência artificial para vasculhar os dados da polícia em busca de pessoas parecidas com o suspeito ou que se enquadrem na descrição dada pela vítima.

A segunda é usar a IA para criar imagens a partir do suspeito: pessoas parecidas, vestidas da mesma maneira, mas com semelhanças suficientes para dar à vítima a oportunidade de apontar quem, de fato, cometeu o crime.

“A reflexão que deixo é: diante dos avanços, a pergunta que São Paulo enfrenta é como encontrar e onde encontrar os fillers. São muitas iniciativas. Isso não está normatizado.”

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