Plenário da Câmara aprovou 87 propostas no 1º semestre; reforma tributária foi maior destaque

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Discussão e votação de propostas.

Câmara fez esforço concentrado para concluir  a votação da reforma tributária

Após anos de debate na Casa em várias versões, a Câmara dos Deputados aprovou neste semestre a reforma tributária (Proposta de Emenda à Constituição 45/19) para simplificar a tributação sobre consumo e serviços, reunindo tributos estaduais e municipais em um único imposto. Outros dois tributos federais também são criados para substituir os já existentes. A matéria está agora em análise no Senado.

Também na área de economia, os deputados aprovaram projeto de lei complementar (PLP 93/23) com novas regras para substituir o atual teto de gastos. A ideia é garantir correções da despesa em razão do crescimento real da receita e do cumprimento de metas de resultado fiscal. A votação das mudanças feitas pelo Senado à proposta ficou para agosto.

Outra matéria polêmica aprovada foi o projeto (PL 2384/23) que dá ao representante da Fazenda Nacional o voto de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), última instância de julgamento de questões tributárias na administração federal. O texto seguiu para exame do Senado.

Ao todo, o Plenário da Câmara aprovou no primeiro semestre do ano 46 projetos de lei, 17 medidas provisórias, 18 projetos de decreto legislativo, 3 projetos de resolução, 2 projetos de lei complementar e 1 proposta de emenda à Constituição (PEC).

Direitos sociais
Várias proposições com direitos sociais foram também aprovadas, como a que muda os estatutos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência (PL 4438/21) para incluir medidas protetivas a serem decretadas pelo juiz no caso de violência ou da iminência dela. Essas medidas são semelhantes às constantes da Lei Maria da Penha.

Para pessoas com deficiência permanente ou Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Plenário aprovou projeto de lei (PL 507/23) que torna indeterminado o prazo de validade de laudo atestando essas condições.

Por meio da Medida Provisória 1164/23, já transformada em lei, a Câmara dos Deputados aprovou a retomada do programa Bolsa Família, garantindo o valor mínimo de R$ 600 por família com renda mensal familiar per capita igual ou menor a R$ 218, além de R$ 150 por criança entre zero e seis anos e R$ 50 para cada integrante familiar gestante, nutriz, criança entre 7 e 12 anos ou adolescente de 12 a 18 anos.

Educação
Na área de educação, o destaque ficou por conta do Programa Escola em Tempo Integral (PL 2617/23), que repassará recursos federais a estados e municípios para estimular a abertura de novas matrículas na educação básica com carga horária de sete horas diárias.

Meio ambiente
Um dos temas objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o marco temporal da ocupação de terras por povos indígenas foi proposto com a aprovação do Projeto de Lei 490/07, restringindo a demarcação dessas terras àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Constituição federal.

Já as florestas públicas concedidas para exploração com planos de manejo foram tema da Medida Provisória 1151/22, convertida na Lei 14.590/23. As concessionárias poderão explorar outras atividades não madeireiras e aproveitar e comercializar créditos de carbono.

Mulher
Quanto aos direitos da mulher, a Câmara aprovou, por exemplo, projeto que institui uma pensão especial aos filhos e outros dependentes menores de 18 anos de mulheres vítimas de feminicídio (PL 976/22) se a renda familiar mensal per capita for igual ou inferior a 25% do salário mínimo (R$ 330).

O combate ao assédio sexual e outros crimes sexuais é tema do Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual, à Violência Sexual e aos demais Crimes contra a Dignidade Sexual. A iniciativa estava prevista na Medida Provisória 1140/22, aprovada pelos deputados, e convertida na Lei 14.540/23.

O programa abrangerá toda a administração pública direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal, além do ambiente escolar.

Saúde
Outro programa nacional, de prevenção da depressão, consta do Projeto de Lei 4712/19. Entre os objetivos da iniciativa, estão combater o preconceito social contra as pessoas com depressão por meio de diferentes mecanismos e da participação de instituições sociais e outros agentes que atuem na proteção da saúde mental.

Por meio da Medida Provisória 1165/23, convertida na Lei 14.621/23, a Câmara dos Deputados aprovou mudanças no Programa Mais Médicos para permitir a prorrogação de contratos e criar indenizações de incentivo ao exercício da atividade em áreas de difícil fixação dos profissionais.

FONTE: Câmara Notícias

Sistema eletrônico deu celeridade a processos, mas ainda há riscos

Foi muito significativa a evolução observada na dinâmica dos processos com a implantação do sistema eletrônico. Além dos ganhos práticos e da redução do uso de papel, o que resultou em benefício para o meio ambiente, o andamento das ações tornou-se mais célere. No entanto, ainda é preciso ter muito cuidado com o risco de ataques cibernéticos e de acesso indevido a dados.

Essa conclusão foi apresentada durante a mesa de discussões “Tokenização: o impacto digital na atividade cartorária”, que fez parte do XI Fórum Jurídico de Lisboa, evento que reuniu no fim de junho vários dos mais importantes nomes do Direito do Brasil e da Europa. O debate foi mediado pelo ministro Antonio Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça.

Sócio do escritório Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), o advogado Luiz Rodrigues Wambier ressaltou as vantagens apresentadas pelo processo judicial eletrônico.

“O processo está mais célere, embora isso não deva ser o objetivo central. O processo eletrônico democratizou, simplificou e desburocratizou as ações judiciais. Ele deixou de ter aquele peso cartorial do passado. Essa evolução demorou, mas chegou à atividade notarial e registral. Foi um passo longo e difícil, mas que vem sendo paulatinamente implantado”, disse Wambier.

“Além disso, o processo eletrônico trouxe vantagens periféricas interessantes, secundárias, mas não menos relevantes, como, por exemplo, a atenção com o meio ambiente. Nós eliminamos o uso das montanhas de papel. Provavelmente toneladas de árvores que passaram a ser e que podem ser conservadas em função do uso mais restrito do papel”, complementou o advogado.

Por outro lado, o presidente do Colégio Notarial do Brasil da Seção do Distrito Federal, Hércules Benício, chamou a atenção para os problemas surgidos com a novidade tecnológica. “Nós temos os riscos dos ataques cibernéticos e em relação à confidencialidade e à assimetria informacional entre as partes. Assim, é importante a definição de token e suas espécies, e o que há de nova regulação para o país.”

Tokens
Tabeliã no 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro e ex-procuradora do estado do Rio, Fernanda Leitão explicou que o token cartorial é diferente do bancário. Como um código hash (usado para fazer o depósito de registro de programa de computador), o token é um bem, seja ele tangível ou não. “Pode ser imóvel, direito autoral, tela de arte ou qualquer outro tipo de bem de valor econômico que não seja fungível, como é o caso do dinheiro e dos bitcoins”.

token, disse Fernanda, só existe quando há blockchain, que é um conjunto de tecnologias já conhecidas de criptografia, um banco de dados centralizado. A grande novidade é que com o blockchain é possível tornar um arquivo digital íntegro, ou seja, não se pode copiá-lo, multiplicá-lo ou editá-lo.

“Esse registro é imutável, transparente, descentralizado. Ou seja, ele parte de um consenso. Não existe uma só autoridade certificadora, o que dá uma segurança a mais para esses procedimentos.”

Fernanda destacou ainda que, caso o primeiro registro dentro do blockchain seja falso, ele vai contaminar todo o sistema e todos os demais registros, afetando a segurança do sistema imobiliário. “Então, é essencial essa intervenção dos notários para que toda essa tokenização seja feita de forma transparente e segura.”

Presidente do Colégio Notarial do Brasil e 23ª Tabeliã de Notas de São Paulo, Giselle Oliveira de Barros apresentou o conceito de smart escrituras (contratos inteligentes): “Contratos inteligentes são programas que se executam de forma automática assim que certas condições acordadas previamente pelas partes são atendidas. Não há necessidade de intermediários, como bancos ou entidades reguladoras, para garantir a execução das cláusulas.”

Segundo Giselle, todo o processo é feito de forma automática, usando códigos que executam as regras pré-definidas pelas partes assim que os contratos são publicados. Dessa forma, eles são inseridos em uma rede de blockchain, não sendo mais possível alterar ou manipular as disposições contratuais.

“Quando formalizada por um tabelião de notas, constitui-se a smart escritura, que representa, a meu modo de ver, um mundo perfeito. Isto é, uma vez que temos a imutabilidade do blockchain, acrescida da segurança decorrente da fé pública de um notário, conseguimos juntar na smart escritura a humanização e a expertise do atendimento notarial, a gestão automatizada e a tecnologia do blockchain.”

Diretor-geral da Faculdade Baiana de Direito e sócio da banca Didier, Sodré e Rosa Advocacia e Consultoria, Fredie Didier disse que o token funciona como um avatar para os imóveis. “É preciso lembrar que o Brasil possui um sistema de serventias amplo, estrutura tecnológica muito forte e normas que permitem que negócios sejam criados.”

O senador Wilder Morais (PL-GO) levou ao debate o projeto de lei de sua autoria que trata da prestação de serviços de ativos virtuais e que determina que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) seja a responsável pelo monitoramento de ativos passíveis de tokenização.

“Nós temos de ter um processo que tenha certificação e que dê garantia de que aquele título tenha um procedimento e um acompanhamento. É muito importante que o sistema imobiliário e os cartórios participem diretamente para que a gente possa ter a origem de cada um desses empreendimentos.”

O evento
Esta edição do Fórum Jurídico de Lisboa, que aconteceu entre 26 e 28 de junho, teve como mote principal “Governança e Constitucionalismo Digital”. O evento foi organizado pelo IDP, pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ/FGV)

Ao longo de três dias, a programação contou com 12 painéis e 22 mesas de discussão sobre temas da maior relevância para os estudos atuais do Direito — entre eles debates sobre mudanças climáticas, desafios da inteligência artificial, eficácia da recuperação judicial no Brasil e meios alternativos de resolução de conflitos.

Fonte: Conjur

Credor individual de herdeiro não tem legitimidade para pedir habilitação em inventário, decide Terceira Turma

No processo, o credor alegou que uma das herdeiras cedeu a ele 20% do total de seu quinhão hereditário, o que o tornaria equiparado à condição de herdeiro do falecido.

​O credor individual de herdeiro inadimplente não possui legitimidade para solicitar a habilitação de seu crédito em inventário, tendo em vista que o artigo 642 do Código de Processo Civil de 2015 autoriza apenas que os credores exclusivos do espólio – e não de herdeiros específicos – busquem a habilitação do crédito.

O entendimento foi estabelecido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar pedido de habilitação de crédito no qual o credor alegou que uma das herdeiras, por meio de instrumento particular, cedeu a ele 20% do total de seu quinhão hereditário. O pedido foi apresentado com base no artigo 1.017, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 1973 (atual artigo 642 do CPC/2015).

Em primeiro grau, o juiz extinguiu o pedido de habilitação por ilegitimidade ativa, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Para o tribunal, o pleito tinha por objeto dívida contraída pela herdeira e não pelo espólio, condição que não preenchia as disposições do CPC/1973.

Por meio de recurso especial, o credor alegou que, a partir do instrumento particular de cessão de crédito, ele foi sub-rogado no direito da herdeira cedente, equiparando-se à condição de herdeiro do falecido.

Cessão de herança a terceiros não resulta em transferência da qualidade de herdeiro

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator, afirmou que, em regra, a cessão de direitos hereditários constitui negócio jurídico aleatório, tendo em vista que, até o momento da partilha, o seu objeto é indeterminado.

No caso dos autos, o ministro ponderou que a herdeira cedeu parcela do seu quinhão hereditário por meio de instrumento particular de cessão de herança, ato que não resulta na transferência da qualidade de herdeiro, nos termos do artigo 5º, inciso XXX, da Constituição.

Segundo o relator, o artigo 642 do CPC/2015, ao prever procedimento próprio para os credores do espólio, buscou exclusivamente a quitação das dívidas do falecido, não dos herdeiros.

“Desse modo, o credor de herdeiro necessário não é parte legítima para habilitar crédito em inventário, tendo em vista não se relacionar com a dívida do falecido ou do espólio. Assim sendo, o ora recorrente não tem interesse direto na herança objeto do processo, nem tem sua esfera jurídica atingida pela partilha realizada no inventário”, esclareceu.

Como consequência, Villas Bôas Cueva apontou que o credor deve ajuizar ação própria contra a cedente do crédito ou aguardar a finalização da partilha para, depois, buscar a adjudicação de seu direito ou adotar outras medidas judiciais cabíveis.

Fonte: STJ

Regime aberto é suficiente em caso de tráfico de pequena quantidade

O regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade são suficientes para a repressão e prevenção do crime de tráfico de drogas quando a quantidade apreendida é pequena, o tráfico privilegiado é reconhecido e o réu não é reincidente.

Com essa fundamentação, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, fixou o regime inicial aberto para um homem condenado pelo tráfico de 0,59 grama de crack e ainda converteu a pena em medidas restritivas de direitos, cujas condições devem ser estabelecidas pelo juízo de origem.

O réu foi condenado em primeira instância a dois anos e três meses de prisão em regime semiaberto. Mais tarde, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reduziu a pena para um ano e 11 meses.

A defesa, então, impetrou pedido de Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, mas ele foi negado pelo relator, desembargador convocado Jesuíno Rissato.

Ao STF, o advogado Geazi Fernando Ribeiro pediu a aplicação do princípio da insignificância. Ele também alegou que não ficou claro o envolvimento do acusado com o tráfico e que não houve prova da destinação da droga apreendida a atividades ilegais.

Na visão de Alexandre, os elementos apontados pelas instâncias antecedentes “não se mostram aptos a justificar o agravamento do regime prisional”.

Ele destacou a pequena quantidade de droga, indicou que foi aplicada a minorante do tráfico privilegiado em seu patamar máximo e observou que não há registro de reincidência.

“Presentes essas circunstâncias”, o magistrado considerou que o regime aberto era adequado. E, “considerando que os vetores para a substituição da pena são basicamente os mesmos para o estabelecimento do regime prisional”, ele também autorizou a conversão da pena em medida restritiva de direitos.

Fonte: Conjur

Algoritmos são alternativa para otimizar decisões da Justiça Criminal

A adoção de algoritmos é uma alternativa para otimizar o trabalho matemático da Justiça Criminal e criar obstáculos para o hiperencarceramento, principalmente quando envolve a dosimetria de penas, na opinião do ministro Joel Ilan Paciornik, do Superior Tribunal de Justiça.

O magistrado falou sobre o tema durante a mesa “Impacto do mundo digital no Direito Penal”, que fez parte do XI Fórum Jurídico de Lisboa, evento que reuniu no fim de junho vários dos mais importantes nomes do Direito do Brasil e da Europa. O debate foi mediado pelo juiz Atalá Correia, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF) e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

Paciornik lembrou os desafios enfrentados pelos Estados Unidos décadas atrás quando não viu sua população carcerária diminuir apesar de investimentos robustos do Departamento de Justiça.

“Quando os americanos viram que esse investimento não reduziu a criminalidade nem diminuiu os níveis de incidência, começaram a pensar em fórmulas matemáticas buscando a máxima eficiência para ver como se poderia arrefecer o problema do hiperencarceramento.”

Os algoritmos, lembra o ministro, são combinações de programas de ferramentas através do uso de inteligência artificial e que forneceram instrumentos de avaliação sobre, por exemplo, probabilidade ou não de reincidência de réus.

“Todas as circunstâncias que estão no nível de análise cognitiva profunda do juiz criminal. Esses instrumentos foram crescendo. Criaram alguns softwares nos Estados Unidos”, argumenta. “A utilização dessas ferramentas promove uma nova realidade racional, permite uma padronização de critérios decisórios e visa diminuir os níveis de encarceramento.”

Conselheira do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Marina Coelho disse que o avanço digital tem “efeitos brutais” para as estruturas democráticas. “O Direito Penal vai ter que se reinventar nessa linha. Reinventar dentro de uma democracia.”

Coelho se mostra preocupada com o avanço da digitalização sobre o direito de defesa de réus. “A desigualdade no Brasil é aprofundada pelo sistema penal. É uma máquina de moer pessoas. A digitalização potencializa isso porque o direito de defesa fica totalmente junto com uma estrutura que não tem efetividade nenhuma. Eu sou uma entusiasta da tecnologia, mas a gente precisa pensar em critérios.”

“Acredito que nós estamos diante de uma oportunidade de recolocação histórica do nosso país. Temos que fazer, sim, essa reanálise histórica da nossa sociedade. Não podemos mais deixar que o Direito Penal aprofunde o racismo, a misoginia, a desigualdade social e econômica.”

Advogado e ex-procurador regional da República no Distrito Federal, Eugênio Pacelli de Oliveira destacou que, pela perspectiva do processo penal, o Supremo Tribunal Federal tem acentuado que a competência por prerrogativa de função segue o raciocínio de que a relatoria nestes casos tem justificativa racional.

“Nosso compromisso é tentar demonstrar o que é possível justificar racionalmente. Não é por que estamos em um bom combate, enfrentando um grande problema, que nós também devemos desprezar os nossos comprometimentos mínimos com a essência civilizatória do processo penal.”

Projeto
Juíza do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT) e juíza auxiliar da Presidência do Supremo Tribunal Federal, Amini Haddad Campos levou ao debate o programa “Spotlight”, uma ferramenta que usa inteligência artificial para auxiliar juízes que lidam com casos de feminicídios. O software foi desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O modelo está em processo de implantação no Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE).

“O ‘Spotlight’ vai auxiliar os magistrados no reconhecimento de ocorrências de abusos no curso do processo. Recordamos o porquê da existência da Lei Mariana Ferrer. É inconcebível que possamos lidar com situações dentro do sistema de Justiça que sejam violadoras se é exatamente o Judiciário que deve preservar esse núcleo de direitos fundamentais, na projeção dos direitos humanos. Há um dever a ser alcançado.”

Pedro Ivo Velloso, advogado e professor do IDP, destacou que, quando se fala em impacto da tecnologia no Direito Penal, deve-se lembrar que o Brasil aderiu à Convenção sobre o Crime Cibernético, firmada em Budapeste (Hungria), apenas em 2021 — 20 anos após o tratado ser promulgado.

“Se fez com certo atraso. Depois a gente levou mais dois anos para poder concluir esse processo de adesão. Hoje, a Convenção de Budapeste está internalizada em nosso direito. Tem que ser discutido agora — e, de fato, com urgência — como vamos internalizar isso no aspecto penal, no aspecto processual. A gente conhece um pouco discussões e experiências do passado em que os problemas não levaram a sério o cumprimento de convenções internacionais.”

Professor na Faculdade de Direito da Universidade Humboldt, Alaor Leite abordou a proteção da honra em sociedades digitais. Ele destacou três níveis de proteção de honra: instituições, grupos (principalmente os mais vulneráveis) e a individual.

“A construção da proteção da honra no Código Penal brasileiro. sobretudo da honra de funcionários públicos, foi construída a partir de outra premissa, a autoritária. Ela foi construída a partir de uma premissa de proteção da honra individual de funcionários públicos enquanto proteção da autoridade, e não da pessoa. Esse foi o caminho seguido pela Lei de Segurança Nacional que protegia pessoas, não instituições.”

O evento
Esta edição do Fórum Jurídico de Lisboa, que aconteceu entre 26 e 28 de junho, teve como mote principal “Governança e Constitucionalismo Digital”. O evento foi organizado pelo IDP, pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ/FGV)

Ao longo de três dias, a programação contou com 12 painéis e 22 mesas de discussão sobre temas da maior relevância para os estudos atuais do Direito — entre eles debates sobre mudanças climáticas, desafios da inteligência artificial, eficácia da recuperação judicial no Brasil e meios alternativos de resolução de conflitos.

Fonte: Conjur

Cabe à Justiça estadual julgar superendividamento, mesmo com ente federal no polo passivo

O caso julgado pela Segunda Seção envolvia um consumidor que ajuizou ação de repactuação de dívidas contra várias instituições financeiras, entre elas a Caixa Econômica Federal.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a competência da Justiça estadual (ou distrital) para julgar processos de repactuação de dívidas previstos no artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mesmo nas hipóteses de um ente federal integrar o polo passivo da demanda.

Para o colegiado, a situação configura uma exceção e não atrai a regra de competência da Justiça Federal prevista no inciso I do artigo 109 da Constituição Federal.

O relator do conflito, ministro João Otávio de Noronha, explicou que as mudanças introduzidas no CDC pela Lei 14.181/2021, entre elas o conceito de superendividamento, exigem uma visão global da pessoa envolvida no ato de consumo, não apenas focando no negócio jurídico em exame.

Ele explicou que a natureza do processo por superendividamento tem a finalidade de preservar o mínimo existencial e, mesmo antes da introdução deste conceito no CDC, o STJ já acentuava a imprescindibilidade de preservação do mínimo existencial nos casos de renegociação de dívidas, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana.

O ministro citou precedentes segundo os quais, nos casos de processos de superendividamento, as empresas públicas, excepcionalmente, estão sujeitas à competência da Justiça estadual, em razão do caráter concursal e da pluralidade de partes envolvidas.

“A despeito de o processo por superendividamento não importar em declaração de insolvência, a recente orientação firmada na Segunda Seção do STJ é no sentido da fixação da competência da Justiça estadual ou distrital mesmo quando figure como parte ou interessado um ente federal, dada a natureza concursal”, comentou o ministro ao fundamentar seu voto.

Superendividamento e a necessidade de renegociação de dívidas

No caso analisado, o consumidor ajuizou uma ação de repactuação de dívidas com base no conceito de superendividamento previsto no CDC. A demanda envolveu várias instituições financeiras, entre elas a Caixa Econômica Federal, e requereu a limitação dos descontos em R$ 15 mil por mês.

Constada a presença da Caixa Econômica Federal no polo passivo, o juízo distrital declinou a competência do caso para a Justiça Federal. Por sua vez, o juízo federal suscitou o conflito e destacou que a demanda de repactuação de dívidas diz respeito à situação de insolvência civil, o que seria uma exclusão à regra prevista na Constituição para a competência federal.

Ao analisar o conflito de competência, o ministro João Otavio de Noronha elencou semelhanças entre o processo de renegociação de dívidas com base em superendividamento e o de recuperação de empresas regrado pela Lei 11.101/2005.

Para o ministro, assim como no caso das empresas, a definição de um juízo universal se faz necessária no caso da pessoa física superendividada, pois, ao longo do procedimento, será possível relacionar todos os débitos e os respectivos credores, estabelecendo-se um único plano de pagamento.

“Não há dúvida quanto à necessidade de fixação de um único juízo para conhecer do processo de superendividamento e julgá-lo, ao qual competirão a revisão e a integração dos contratos firmados pelo consumidor endividado e o poder-dever de aferir eventuais ilegalidades nessas negociações”, concluiu Noronha.

Fonte: STJ

A reforma tributária precisa ser aprimorada pelo Senado

A aprovação-relâmpago da reforma tributária na Câmara dos Deputados só se explica pela ocorrência de uma raríssima combinação simultânea de três fatores: econômicojurídico e político, condições sine qua non para concretizar tão ambicioso e disruptivo projeto de remodelação do sistema de tributação do consumo atualmente em vigor.

No plano econômico, há tempos existe consenso quanto à ineficiência do sistema atual, apenas parcialmente não-cumulativo, oneroso e complexo, governado por uma miríade de normas federais, estaduais e municipais, instáveis e inseguras, interpretadas sem coordenação e sempre com um viés arrecadatório, provocando um estado permanente de litigiosidade entre fiscos e contribuintes.

No plano jurídico, as propostas de emenda constitucional (PEC 45 e PEC 110) já vinham sendo debatidas em diversos fóruns faz alguns anos e, muito embora não tenha havido consenso doutrinário quanto a algumas questões, especialmente a sua adequação ao pacto federativo, cláusula pétrea da Constituição de 1988, sempre houve inegável consenso quanto à obsolescência do sistema anterior e a necessidade de sua modernização e aprimoramento.

No plano político, foi o “alinhamento” de forças, resultante dos acordos alcançados pelos principais atores da cena política atual — Arthur Lira, presidente da Câmara, Fernando Haddad, ministro da fazenda, e Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo —, que deu “luz verde” para levar o projeto à votação plenária com a certeza da sua aprovação.

Mas não bastaria a combinação dos três fatores, não fosse a aprovação da reforma um desejo muito bem incutido na sociedade. Com a opinião pública favorável, mesmo desconhecendo o texto final do projeto, engendrado nos bastidores do Congresso, sob a forma de emenda aglutinativa de plenário, a ampla maioria dos deputados não titubeou em aprovar a emenda em dois turnos.

Agora inicia-se uma nova etapa, não menos importante, mas fundamental.

Com efeito, caberá, doravante, ao Senado assumir o protagonismo e, com a experiência e lucidez que se espera da casa revisora, chegar a uma união propositiva de aprimoramentos técnico-jurídicos em um ambiente de debate mais reflexivo e menos açodado.

E como fazer isso? Quais são os aperfeiçoamentos e correções de rumos sugeridas?

Longe de querer esgotar o tema e cansar o leitor, indicamos alguns pontos que se nos afiguram merecer uma revisão cuidadosa do Senado.

Em primeiro lugar, embora tenha havido certa evolução na redação do dispositivo, que passou a consagrar expressamente a não-cumulatividade como corolário do princípio da neutralidade, o certo é que o texto ainda deixa margens para o estabelecimento, por lei complementar, de restrições ao creditamento nas aquisições de bens, materiais ou imateriais, inclusive direitos ou serviços, pois segue permitindo ressalvar as aquisições consideradas de uso ou consumo pessoal.

Ora, deixar novamente ao livre alvedrio do legislador complementar o poder de estabelecer restrições à compensação de créditos nas aquisições para uso e consumo pessoal das empresas é simplesmente manter a atual sistemática proibitiva que tem sido indefinidamente prorrogada por sucessivas leis complementares. Atualmente a proibição estende-se até 2033, o ano seguintes à extinção do ICMS. Ou seja, tais créditos jamais serão tomados.

Além da inexistência de uma garantia constitucional de não-cumulatividade irrestrita, o projeto permite que a lei complementar condicione o direito de creditamento ao efetivo pagamento do tributo na cadeia anterior, não bastando o seu mero destaque. Trata-se de uma condição que não existe no direito comparado e, mesmo com a ressalva de aplicação restrita aos casos de ser viável o recolhimento do tributo pelo próprio adquirente (split payment), poderá dar margens à imposição de restrições e limites ao creditamento, geradores de mais dúvidas e insegurança aos investidores.

Acresce que a emenda aglutinativa deu ao legislador complementar carta branca para regular a forma e o prazo da restituição ao contribuinte dos créditos acumulados, deixando tal direito — um dos pilares básicos de um tributo do tipo IVA — sujeito a exigências de chancelas e do estabelecimento de prazos sempre prorrogáveis, em gravíssimo prejuízo ao setor produtivo.

Ainda no plano da tributação de mercadorias, se nos afigura uma deturpação absurda, um gravíssimo retrocesso, a ressurreição da tributação de produtos primários e semielaborados pelos Estados estabelecida no artigo 20 da emenda aglutinativa. De volta para o passado, de volta aos tempos do Convênio ICMS 66/88, que tributava as exportações de produtos dessa natureza[1] e trazia uma definição tão ampla que causou incontáveis litígios fiscais.

Já no domínio da tributação dos serviços a reforma ampliou o espectro de incidência, passando a conferir embasamento constitucional para que possa alcançar todas as operações envolvendo o consumo de bens imateriais. Porém, houve uma desmedida, desequilibrada e injustificada exoneração, pela previsão de regras especiais de creditamento e alíquotas reduzidas, para certos setores, como é o caso dos serviços de hotelaria, parques de diversão, parques temáticos, concursos de prognósticos, entre outras exceções.

Não se atentou, porém, para o significativo acréscimo de carga tributária dos serviços profissionais, de contadores, advogados, médicos, engenheiros, arquitetos, dentistas etc. que, além de não envolverem dispêndios geradores de créditos, não se integram em uma cadeia produtiva, destinando-se na maioria das vezes a um consumidor final pessoa física. Nesses casos, o prestador de serviços se verá onerado de forma brutal, sacrificando os prestadores e os tomadores e inflacionando o mercado.

Essas são apenas algumas breves e pontuais reflexões sobre aperfeiçoamentos que podem ser feitos ao texto pelos senadores, especialmente a introdução de limites à liberdade de ação do legislador complementar e o ajuste quanto à tributação de certos serviços.

Somente assim o Parlamento poderá realmente se vangloriar de ter entregado à sociedade uma reforma tributária do consumo verdadeiramente libertadora das amarras que cerceiam o crescimento do setor produtivo.


[1] 1º Para efeito do inciso I, semielaborado é:
I – o produto de qualquer origem que, submetido a industrialização, se possa constituir em insumo agropecuário ou industrial ou dependa, para consumo, de complemento de industrialização, acabamento, beneficiamento, transformação e aperfeiçoamento;
II – o produto resultante dos seguintes processos, ainda que submetidos a qualquer forma de acondicionamento ou embalagem:
a) abate de animais, salga e secagem de produtos de origem animal;
b) abate de árvores e desbastamento, descascamento, esquadriamento, desdobramento, serragem de toras e carvoejamento;
c) desfibramento, descaroçamento, descascamento, lavagem, secagem, desidratação, esterilização, prensagem, polimento ou qualquer outro processo de beneficiamento, de produtos extrativos e agropecuários;
d) fragmentação, pulverização, lapidação, classificação, concentração (inclusive por separação magnética e flotação), homogeneização, desaguamento (inclusive secagem, desidratação e filtragem), levigação, aglomeração realizada por briquetagem, nodulação, sinterização, calcinação, pelotização e serragem para desdobramento de blocos, de substâncias minerais, bem como demais processos, ainda que exijam, adição de outras substâncias;
e) resfriamento e congelamento.

Fonte: Conjur

Justiça Federal libera fretamento por plataforma de intermediação

Valer-se de plataformas digitais para organizar a demanda de viagens de seus clientes não é o mesmo que prestar serviço clandestino de transporte de passageiros.

Esse entendimento é do juiz Ricardo de Castro Nascimento, da 17ª Vara Cível Federal de São Paulo, que liberou o funcionamento da Style Bus sem a exigência de viagens em circuito fechado — quando o mesmo grupo de passageiros deve ser transportado em trajeto de ida e volta.

A empresa sustentou que presta serviços de intermediação, conectando pessoas interessadas em viagens com fretadoras parceiras, e que não vende passagens individuais.

O juiz concordou com a argumentação da Style Bus e anulou dois atos de infração aplicados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que considerou que a empresa faz transporte clandestino de passageiros.

“Reveste-se de flagrante ilegalidade a atuação da ANTT, ao restringir a atuação da impetrante, pois a lei não prevê a diferença entre transporte por circuito aberto ou fechado. A diferenciação promovida pela ANTT por atos normativos infralegais (resoluções) carece de amparo legal, pois confere tratamento diferenciado para situações tratadas de idêntica forma”, argumentou o magistrado.

Ainda segundo o juiz, proibir a fretadora de agenciar clientes por meio de plataformas digitais, com o fundamento de exercício não autorizado de transporte, é impedir o uso de novas tecnologias criadas para incrementar e melhorar os serviços prestados, tanto para empresas quanto para usuários.

“A respeito do tema, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se na ADPF 449 no sentido de permitir o transporte individual remunerado de passageiros por aplicativos de mobilidade urbana. Na oportunidade, em juízo de ponderação de princípios, a corte privilegiou a liberdade de profissão e de livre concorrência sobre medidas desproporcionais e injustificadas a respeito da vedação do uso de aplicativos no transporte individual urbano.”

Para Marcelo Nunes, presidente da Associação Brasileira de Fretamento Colaborativo (Abrafrec), a decisão “é mais um aval da Justiça ao modelo de fretamento”.

Segundo ele, o setor “têm obtido liminares explicitamente favoráveis para funcionar usando plataformas e aplicativos, garantindo segurança jurídica à operação”.

Fonte: Conjur

Regra da irretratabilidade da CPRB vale apenas para beneficiário

Em julgamento sob o rito dos repetitivos (Tema 1.184), a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que:

Revogar escolha de contribuição pelo sistema CPRB não fere direitos, diz STJ
Marcelo Camargo/Agência Brasil

“1) A regra da irretratabilidade da opção pela Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB), prevista no parágrafo 13 do artigo 9º da Lei 12.546/2011, destina-se apenas ao beneficiário do regime, e não à administração pública; 2) a revogação da escolha de tributação da contribuição previdenciária pelo sistema da CPRB, trazida pela Lei 13.670/2018, não feriu direitos do contribuinte, tendo em vista que foi respeitada a anterioridade nonagesimal”.

Segundo o relator, ministro Herman Benjamin, a contribuição previdenciária das empresas — estabelecida pelo artigo 22, I, da Lei 8.212/1991 — incidia originalmente sobre a folha de salários.

Essa previsão, explicou ele, foi modificada pela Medida Provisória 540/11, convertida na Lei 12.546/2011, que substituiu a base de cálculo do recolhimento pela receita bruta (CPRB), ao passo que, com a edição da Lei 13.161/2015, tais regimes passaram a coexistir, sendo facultado àqueles que contribuem a escolha do regime de tributação sobre a folha de salários ou sobre a receita bruta.

“Verifica-se que a CPRB é contribuição substitutiva, facultativa, em benefício do contribuinte, instituída como medida de política fiscal para incentivar a atividade econômica, cuja renúncia fiscal é expressiva, da ordem de R$ 83 bilhões no período de 2012 a julho de 2017. Contudo, não há direito adquirido à desoneração fiscal, a qual se constitui, no presente caso, como uma liberalidade”, disse ele.

Para o ministro, o mesmo raciocínio deve ser aplicado à desoneração por lei ordinária. Herman Benjamin esclareceu que a desoneração prevista na Lei 12.546/2011 não era condicional, nem por prazo certo, sendo que a sua revogação poderia ser feita a qualquer tempo, respeitando-se a anterioridade nonagesimal — o que ocorreu, pois a Lei 13.670/2018 foi publicada em 30 de maio de 2018 e seus efeitos apenas começaram a ser produzidos em setembro de 2018.

Na sua avaliação, não prospera a alegação de que a irretratabilidade da opção pelo regime da CPRB também se aplicaria à administração. “Isso porque seria aceitar que o legislador ordinário pudesse estabelecer limites à competência legislativa futura do próprio legislador ordinário, o que não encontra respaldo no ordenamento jurídico, seja na Constituição Federal, seja nas leis ordinárias.”

O relator ressaltou que a alteração promovida pela Lei 13.670/2018 não caracteriza violação à segurança jurídica, mas, sim, a exclusão de uma das opções de regime de tributação que a lei disponibilizava aos que contribuem.

“A regra da irretratabilidade da opção pela CPRB disposta no parágrafo 13 do artigo 9º da Lei 12.546/2011 destina-se apenas ao beneficiário do regime, não à administração, e tampouco fere direitos do contribuinte, pois foi respeitada a anterioridade nonagesimal”, concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Fonte: Conjur

Era digital traz novos desafios para a interpretação de contratos

O primeiro dia do XI Fórum Jurídico de Lisboa, evento que reuniu no fim de junho vários dos mais importantes nomes do Direito do Brasil e da Europa, teve uma importante discussão sobre contratos.

Moderador da mesa “Interpretação de contratos na era digital”, o ministro Marco Aurélio Bellizze, do Superior Tribunal de Justiça, ressaltou que tal interpretação representa uma dificuldade para os operadores do Direito, pois esses contratos são feitos “em silêncio” e o consumidor “ficou desprovido da possibilidade de dialogar” — não há outra opção senão falar com um robô.

Mesmo assim, seu colega de STJ, João Otávio de Noronha, afirmou que é possível regular todas as novas relações jurídicas materializadas na forma digital com base no ordenamento jurídico brasileiro atual.

Segundo ele, “o Direito evolui sem que o texto da lei mude”, pois os acontecimento sociais “estão na frente do legislador”. Assim, tais fatos “precisam ser normatizados, ainda que pelas decisões judiciais, até que o legislador tome a si esses fatos e os regule” — e isso vale para a contratação digital, que já é uma realidade.

Por isso, o magistrado disse, por exemplo, que “já é hora de acabar com a figura da testemunha” nos contratos. Ele apontou que, na prática, as partes não discutem os contratos com as testemunhas. Geralmente, as testemunhas são amigos das partes, chamados para assinar o contrato somente na intenção de agilizar o processo.

Noronha também defendeu a validade e a eficácia executiva das assinaturas digitais feitas por meio de sistemas eletrônicos. Para ele, quando uma parte negar a assinatura, é possível transferir o ônus da prova à outra parte. “Não é mais tolerável um país onde uma cobrança de um crédito demora 20, 30 anos”, pontuou. “Na hora de cobrar, nós anulamos pelas mais pueris alegações de invalidade”.

Assinatura digital
Este último apontamento foi um complemento à discussão trazida pelo advogado Ronaldo Cramer, doutor em Direito Processual Civil, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e vice-diretor de Ensino do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Ele listou os três tipos de assinatura digital presentes no atual mercado jurídico.

Um deles é a assinatura digital simples, feita por meio de uma mera marcação (um X) em um checkbox na internet. Os contratos com essa assinatura não são reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência como títulos executivos.

Já a assinatura digital avançada é aquela citada por Noronha, feita por meio de um sistema eletrônico com elevado padrão de segurança. Apesar da posição do ministro, Cramer explica que “não há uma opinião unânime sobre sua executividade”. Alguns precedentes confirmam sua validade, mas afastam sua eficácia executiva, já que “qualquer uma das partes tem a prerrogativa de apontar alguma falha de identificação”.

Por fim, há a assinatura digital qualificada, feita com base em um certificado da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). A jurisprudência e a doutrina “são unânimes em admitir” que os contratos firmados com tal categoria de assinatura têm eficácia executiva. A 3ª Turma do STJ tem precedente nesse sentido, no qual até mesmo se entendeu que a presença das testemunhas pode ser dispensada nesses casos.

Cramer demonstrou uma preocupação: embora a executividade dos contratos com assinatura avançada não seja unanimidade, muitos escritórios brasileiros atualmente utilizam essa modalidade. “No mercado jurídico, a maioria dos contratos é firmada com a assinatura avançada”, indicou.

Dark patterns
Já a advogada Catarina Monteiro Pires, professora auxiliar da Universidade de Lisboa, chamou a atenção para os dark patterns: formas de manipulação que induzem as pessoas na internet a fazer determinadas coisas mesmo contra seus próprios interesses. Um exemplo disso está nos sites de comércio eletrônico em que o design destaca os produtos mais caros, ou nas sugestões de compras de outros itens.

Ela citou um estudo deste ano da Comissão Europeia, segundo o qual 40% das empresas usam tais técnicas de manipulação — “que não são ilegais, mas levam os consumidores a fazerem escolhas que não desejam”. Catarina ressaltou que nenhuma lei portuguesa ou brasileira trata desse problema em particular.

Segundo a advogada, os dark patterns podem causar uma “deturpação do próprio contexto da contratação”. Isso porque, nas concepções tradicionais do Direito Civil, “o axioma dos contratos está baseado na liberdade”. Tais formas de manipulação distorcem esse panorama, pois as pessoas deixam de saber qual atitude tomar e de perceber as dissimulações que as levam a contratar de determinada maneira.

Contratos coletivos
A advogada Marilda de Paula Silveira, doutora em Direito Administrativo e professora do IDP, destacou o “caráter quase normativo” de contratos que atingem “um volume muito relevante de pessoas” (na casa das dezenas de milhões) — como contratos de adesão ou termos de uso de redes sociais e outras plataformas.

Segundo ela, tais contratos não devem mais ser pensados “da perspectiva do indivíduo”, mas sim “da perspectiva da coletividade”, pois possuem um impacto social. “Não é uma relação entre o indivíduo e a plataforma. É uma relação da sociedade com esse negócio”, pontuou.

Marilda ressaltou que os contratantes e contratados não têm mais lugares fixos: “Esses negócios jurídicos são móveis. Cada pessoa ocupa uma posição em um determinado momento.”

Um influenciador digital, por exemplo, que aceitou os termos de uso da plataforma como usuário, presta serviços mesmo sem vender nenhum produto. Por outro lado, ele pode apresentar algum produto aos seus seguidores e algum deles pode ser lesado por essa compra. Ou seja, há uma relação do influenciador não só com a plataforma, mas também com os demais usuários.

Para ela, “o Estado precisa intermediar” esse tipo de relação: “É importante reconhecer que alguns papéis não estão definidos e de fato exigem regulação.”

Ainda de acordo com a advogada, tais “regulações de espectro multinível, que atingem, além do indivíduo, a composição social e a forma de lidar com a vida e a sociedade, extrapolam a interpretação de contratos e a regulação de um para um”.

Outras reflexões
O advogado José Roberto de Castro Neves, doutor em Direito Civil e professor da PUC-RJ e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirmou que o Código Civil brasileiro “não tem um sistema de interpretação” de contratos, mas apenas regras que não chegam a criar um sistema. “Isso exige de todos os aplicadores do Direito um estudo”, complementou.

Ele também defendeu que a interpretação nunca deve ser somente do contrato, mas sim da relação contratual, a partir de uma compreensão de elementos extrínsecos.

Castro Neves lembrou que “toda a teoria clássica do contrato se assenta no pressuposto de que as partes são iguais”. Porém, destacou que, na sociedade contemporânea, “há uma distância enorme entre as partes”. O grande desafio atual é chegar ao verdadeiro conteúdo do contrato quando alguma parte é “tolhida na forma de interpretar sua vontade” ou quando “essa vontade não foi expressa de uma forma adequada”.

Por fim, o advogado explicou que “a vulnerabilidade é a porta que permite um abuso” em uma relação contratual, mas ressaltou que essa porta nem sempre é aberta. “O fato de haver uma disparidade significa que esse abuso pode acontecer, mas, para saber se esse abuso aconteceu, é preciso analisar o caso concreto”, assinalou.

Já Paula Costa e Silva, professora catedrática na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, afirmou que “negociações automatizadas, nomeadamente as negociações algorítmicas, são extremamente perigosas quando atingem uma velocidade que impede a intervenção humana”.

Em meio às transformações do Direito Civil a partir da digitalização, a professora acredita que os juristas não vão dar um significado diferente à expressão “interpretar um contrato”. Ou seja, embora constate tal necessidade, ela crê que esses profissionais não se mostram dispostos a “alijar os critérios” desenvolvidos até o momento para “determinar o sentido juridicamente relevante de contratos em que há paridade” ou mesmo para “proteger partes vulneráveis”.

O evento
Esta edição do Fórum Jurídico de Lisboa, ocorrida entre 26 e 28 de junho, teve como mote principal “Governança e Constitucionalismo Digital”. O evento foi organizado pelo IDP, pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ/FGV)

Ao longo de três dias, a programação contou com 12 painéis e 22 mesas de discussão sobre temas da maior relevância para os estudos atuais do Direito — entre eles debates sobre mudanças climáticas, desafios da inteligência artificial, eficácia da recuperação judicial no Brasil e meios alternativos de resolução de conflitos.

Fonte: Conjur