Corregedoria-Geral da Justiça Federal conduz ações para aperfeiçoamento da segurança institucional da Justiça Federal

As ações educacionais continuarão, presencialmente, em março de 2025

A Corregedoria-Geral da Justiça Federal (CG) iniciou uma série de ações voltadas ao aperfeiçoamento da segurança institucional, especialmente focadas na prevenção e na ruptura do planejamento de atos criminosos destinados a vulnerar os ativos da Justiça Federal. Entre as atividades previstas na iniciativa está o curso Proteção de Dados e Privacidade na Era Digital, promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF). 

A capacitação de hoje (27), ministrada por Luciano Kuppens, chefe da Divisão de Segurança da Informação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e perito da Polícia Federal, foi destinada para as magistradas e os magistrados, e contou com a participação do vice-presidente do CJF e corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Luis Felipe Salomão. A ação seguirá amanhã, na quinta-feira (28), para servidoras e servidores.    

Os encontros objetivam introduzir as magistradas e os magistrados na temática da autoproteção em ambiente virtual e busca preparar as pessoas para subsequentes cursos práticos presenciais de autoproteção programados para março de 2025. 

O objetivo desse conjunto de ações educacionais é capacitar magistradas, magistrados, servidoras e servidores no planejamento e implementação de estratégias de proteção contra ameaças, incluindo a segurança de familiares.  

Fonte: CJF

Posted in CJF

Comissão de Constituição e Justiça aprova aumento de pena para contrabando de equipamento médico

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou, em caráter conclusivo, o  Projeto de Lei 907/24, que aumenta em 1/3 a pena para o contrabando de equipamentos médicos e hospitalares. 

Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR)
Zé Haroldo Cathedral: aparelho contrabandeado pode colocar vida do paciente em risco – Mario Agra / Câmara dos Deputados

O texto altera o Código Penal, que hoje estabelece pena de 2 a 5 anos de prisão para contrabando, ou seja, importar ou exportar mercadoria proibida. 

Pela proposta, do deputado Defensor Stélio Dener (Republicanos-RR), no caso de contrabando ou descaminho de equipamentos médicos e hospitalares, essa pena será aumentada em 1/3. Ou seja, a pessoa que cometer o crime poderá pegar de 2 anos e 8 meses a 6 anos e 8 meses de prisão. Descaminho é o desvio de mercadoria para não serem tributadas.

Conforme o autor do projeto, nos últimos anos, foram várias as operações da Polícia Federal que apreenderam equipamento médicos e hospitalares. “Estima-se que aproximadamente 40% dos aparelhos de videolaparoscopia e endoscopia para exames e cirurgias minimamente invasivas no Brasil sejam ilegais”, apontou.

Caso não haja recurso para votação pelo Plenário da Câmara, o projeto seguirá direto para análise do Senado. 

Falta de segurança
O parecer do relator, deputado Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR), foi favorável à proposta. Segundo ele, entre os possíveis problemas de um aparelho contrabandeado está a falta de garantia de qualidade e segurança. “Esses equipamentos podem provocar desde imprecisões no exame até mesmo infecções e queimaduras causadas por falta de manutenção adequada”, disse. 

O relator citou também o prejuízo para a indústria nacional, que produz o mesmo equipamento de forma legal e certificada e tem de competir com o contrabando.

Fonte: Câmara dos Deputados

Decisão da Justiça brasileira que manda retirar conteúdo da internet pode ter efeitos internacionais

A empresa vítima de conteúdo ofensivo publicado no YouTube demonstrou que, embora a ordem para retirá-lo tenha sido cumprida no Brasil, ele continuava acessível em outros países.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, considerou possível atribuir efeitos extraterritoriais à decisão da Justiça brasileira que determina ao provedor de internet a retirada de conteúdo considerado ofensivo. Para o colegiado, embora a ordem para tornar o conteúdo indisponível seja baseada nas normas brasileiras, sua efetivação em outros países é um efeito natural do caráter transfronteiriço e global da internet.

Com esse entendimento, o colegiado negou provimento a recurso da empresa Google Brasil Internet contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, ampliando os efeitos da sentença de primeiro grau, determinou ao provedor que retirasse da rede, em nível global, certo conteúdo difamatório contra uma empresa, postado originalmente no YouTube.

No recurso especial, o Google alegou, entre outras questões, que a atribuição de efeitos extraterritoriais à ordem judicial de remoção de conteúdo violaria a limitação da jurisdição brasileira e seria incompatível com os procedimentos específicos de cada país para validação das decisões judiciais estrangeiras.

Segundo o provedor, o Judiciário brasileiro não poderia impor “censura” de discursos para além do território nacional, porque determinado conteúdo pode, ao mesmo tempo, ser considerado ofensivo pela legislação brasileira e ser aceito em outros países.

Lei brasileira busca permitir efeitos extraterritoriais das ordens judiciais

A ministra Nancy Andrighi, relatora, citou precedentes de tribunais de diversos países ao comentar que a preocupação com a efetividade das decisões judiciais na proteção de vítimas de difamação na internet é um “fenômeno de jurisdição global”, comparável ao próprio alcance da rede mundial de computadores.

No âmbito do STJ, a relatora também apontou precedentes que, sobretudo em ações de natureza penal, entenderam não haver violação da soberania de país estrangeiro em situações como a quebra de sigilo e a ordem para fornecimento de mensagens de correio eletrônico.

Também no direito civil – apontou a ministra –, o Marco Civil da Internet adotou mecanismos como a aplicação do direito brasileiro nos casos em que a coleta de dados ocorra em território nacional, ainda que o seu armazenamento ou tratamento se dê por meio de provedor sediado no exterior (artigo 11 da Lei 12.965/2024).

“A intenção do legislador é, portanto, claro indicativo de permitir efeitos extraterritoriais de ordens judiciais de indisponibilidade proferidas pelos tribunais brasileiros, especialmente, quando o conteúdo infrator ainda está disponível fora dos limites territoriais tradicionais”, afirmou.

Empresa comprovou que conteúdo ainda estava disponível em outros países

No caso dos autos, Nancy Andrighi observou que a empresa vítima do conteúdo ofensivo demonstrou que, apesar de a decisão judicial ter sido cumprida no Brasil, ainda era possível encontrar o material difamatório em países como a Colômbia e a Alemanha.

Para a ministra, enquanto o Google não demonstrar a existência concreta de um conflito entre o direito brasileiro e o direito de país estrangeiro, “não cabe a este STJ emitir juízo de valor sobre violação de soberania de outros países de forma abstrata”.

“Provimentos jurisdicionais com efeitos globais nessas particulares circunstâncias estão presentes em outros continentes e evidenciam uma tendência mais proativa da comunidade judicial internacional em conferir maior efetividade à resolução de controvérsias que não mais se limitam aos conceitos tradicionais de territórios ou fronteiras”, concluiu a relatora.

Fonte: STJ

Posted in STJ

‘Uruguay nomás’: a democracia plena na América do Sul

O Uruguai está localizado estrategicamente posicionado no centro entre Brasil e Argentina, sendo o segundo menor território de um país sul-americano depois do Suriname. Com população de aproximadamente 3,4 milhões de habitantes, o Uruguai é terceiro país menos populoso da América do Sul, perdendo apenas para o Suriname e a Guiana.

O Uruguai é o único país da América do Sul que ostenta a condição de full democracy (democracia plena) de acordo com Índice de Democracia publicado pela unidade de inteligência da revista The Economist [1]. Segundo o ranking, o Uruguai é o país mais democrático da América do Sul com pontuação média de 8.66 sobre 10. Essa pontuação inclui quatro categorias: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis. Na categoria processo eleitoral e pluralismo, o Uruguai alcança impressionantes 10 pontos! Na categoria liberdades civis, recebeu 9.71, o que, novamente, impressiona.

Mas como podemos traduzir esses números?

Essas quatro categorias são decorrentes de uma cultura uruguaia de respeito a sua democracia constitucional, desde a redemocratização em 1985, assim entendida como uma democracia liberal representativa com ampla participação popular.

No início do ano de 2024, os deputados do Partido Nacional [2], de centro direita, apresentaram um projeto de lei para combater os chamados “deepfakes”, um acrônimo usado para se referir a áudios, imagens ou vídeos gerados por edição ou por meio de inteligência artificial (IA), que imitam a aparência e a voz característica de uma pessoa.

No projeto, buscaram garantir que a campanha eleitoral não seja contaminada por anúncios e notícias enganosas, e propõe penas de um a seis anos de prisão para quem gerar vídeos falsos sobre políticos ou pré-candidatos presidenciais de diferentes partidos.

Na véspera das eleições presidenciais, os partidos políticos uruguaios firmaram com as principais lideranças de imprensa um pacto onde se comprometeram a “não gerar ou promover notícias falsas ou campanhas de desinformação em detrimento de oponentes políticos” [3].

As eleições presidenciais de 2024, tanto no primeiro, como no segundo turno, transcorreram sem intercorrências relevantes, tendo sido Yamandú Orsi, da Frente Ampla, eleito no segundo turno, por pequena margem de diferença em relação ao candidato do Partido Nacional, Álvaro Delgado.

No último mês, além da eleição presidencial, os uruguaios também foram as urnas para decidir duas questões: uma relativa a direitos sociais sobre a forma de previdência social, em plebiscito impulsionado pela central única sindical (PIT-CNT) [4], onde se propunha a redução da idade mínima para aposentadoria de 65 para 60 anos e a abolição da previdência privada, alterando o art. 67 da Constituição; e  outra relativa às liberdades individuais, em plebiscito sobre a autorização de operações policiais nas residências durante a noite, modificando o artigo 11 da Constituição. Ambos foram rejeitados.

Na forma do artigo 331 da Constituição uruguaia, uma reforma constitucional pode ser iniciada por participação popular direta, desde que seja alcançado o percentual mínimo de 10% dos cidadãos, por iniciativa de dois quintos dos membros da Assembleia Geral (Poder Legislativo). Em ambos os casos, a reforma só se efetivará se alcançada a maioria absoluta em votação popular ou plebiscito.

Além disso, também podem os poderes legislativo e executivo iniciarem uma reforma constitucional, cujo projeto deve ser aprovado pela maioria absoluta dos membros da Assembleia Geral e, nesse caso, deve o poder executivo convocar uma Convenção Nacional Constituinte que deliberará sobre a reforma da Constituição e submeterá o projeto ao referendo popular.

Por fim, as leis constitucionais (ou de hierarquia constitucional) podem ser aprovadas por dois terços do total de membros de cada casa legislativa, mas para efetivamente modificarem a Constituição precisam de concordância da maioria absoluta do eleitorado, que deve ser convocado especialmente para votação das referidas leis.

Essa complexa fórmula integrada de máxima participação popular direta, em sinergia com a democracia representativa, para decidir temas estruturais da democracia constitucional uruguaia já levou a população a decidir sobre temas capitais e sensíveis como: a derrogação da lei de anistia; a independência do orçamento do Poder Judiciário; estatização da água potável; monopólio da empresa nacional de petróleo (Ancap); reformas eleitorais; reformas previdenciárias; diminuição da idade penal, entre outras.

Com os exemplos atuais e das práticas democráticas constantes, desde que o Uruguai recuperou sua democracia constitucional em meados dos anos 80 do século passado, é possível ver um processo eleitoral limpo e democrático, que garante eleições autênticas no país, associada a uma cultura de democracia e de participação popular constante na tomada de decisões políticas fundamentais.

A rejeição dos uruguaios pelo modelo de polarização e a preferência por moderação fazem o país avançar com largos passos de vantagem relativamente as liberdades civis, políticas e econômicas em relação aos demais países da região.

A título de exemplo, o Uruguai foi o primeiro país sul-americano a estabelecer o aborto legalizado e seguro, desde 2012.  É o primeiro país a prever a isenção de pena no caso do chamado homicídio piedoso, quando o autor do homicídio comete o crime em razão de reiteradas súplicas da vítima, isso desde 1934. Em 2013, o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a legalizar e regulamentar a produção e o consumo da cannabis.

A condição de democracia plena do Uruguai é condizente com outra conquista do país: o primeiro colocado no Índice de Estado de Direito do World Justice Project [5].

Bons perdedores

Toda essa prosperidade de direitos políticos e civis faz com que o Uruguai receba ainda outro título: o de sexto país mais livre do mundo, obviamente o mais livre da América do Sul, de acordo com o Freedom in the World, da ONG americana Freedom House [6].

Com isso, lembro a música de Jorge Drexler que diz “¿quién le roba un beso a Maracaná? Uruguay nomás. Uruguay nomás…”, que faz alusão aos gritos da torcida da garra charrúa pela seleção de futebol, a celeste, quando comemora o feito histórico de ter ganhado a Copa do Mundo do Brasil em pleno Maracanã, em 1950.

Precisamos reconhecer racionalmente nossa derrota em relação aos uruguaios no futebol e na vida democrática, como um incentivo a aprimorarmos o nosso Estado Democrático de Direitos e as suas liberdades de forma plena na América do Sul. Quem sabe assim, poderíamos deixar essa derrota de 7×1 para traz, dessa vez não contra a Alemanha, mas contra o Uruguai, que nos dá uma goleada de democracia constitucional na prática. Até que consigamos, vamos seguir a música orgulhosa da torcida e dizer: “Uruguay nomás, Uruguay nomás”! … é o Uruguai e nenhum mais [7].


[1] https://www.eiu.com/n/campaigns/democracy-index-2023/

[2] http://www.diputados.gub.uy/data/docs/LegActual/Repartid/R1098.pdf

[3] https://www.undp.org/es/Firma_reafirmacion_pacto_etico_desinformacion

[4] https://ladiaria.com.uy/politica/articulo/2024/4/el-pit-cnt-alcanzo-el-minimo-de-270000-firmas-para-realizar-el-plebiscito-sobre-seguridad-social/

[5] https://worldjusticeproject.org/sites/default/files/documents/WJP-Global-ROLI-Spanish.pdf

[6] De acordo com os parâmetros o Uruguai alcança 96 pontos sobre 100 no medidor de respeito as liberdades https://freedomhouse.org/

[7] “Uruguai nomás” é uma expressão uruguaia que significa “Uruguai e nada mais” ou “Vamos, Uruguai!”. É usada para celebrar vitórias, conquistas e outras alegrias, e é considerada um ícone nacional. A expressão é uma abreviação de “Uruguai no más”, que por sua vez é uma abreviação de “Uruguai y nada más”.

O post <i>‘Uruguay nomás’</i>: a democracia plena na América do Sul apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Distrito Federal e Terracap fazem acordo no STJ e encerram litígio sobre imunidade tributária

Após quase três anos imersos em uma disputa judicial sobre o pagamento de impostos distritais e a possibilidade de reconhecimento de imunidade tributária, o Distrito Federal e a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) chegaram a um acordo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para encerrar o processo, que já estava em fase de recurso especial.

O acordo foi homologado pelo ministro Paulo Sérgio Domingues, que ressaltou a importância da conciliação realizada entre o ente público e a Terracap – empresa pública constituída pelo DF e pela União.

“O diálogo e a boa vontade das partes nas negociações permitiram que, em pouco tempo, chegasse ao fim um litígio que ainda poderia ser objeto de outras ações e recursos no Judiciário por vários anos”, enfatizou o ministro.

O conflito entre as partes teve início em processo administrativo sobre o reconhecimento de imunidade tributária, em favor da Terracap, quanto ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). A empresa pública levou o caso à Justiça, com o pedido para que fosse declarada nula uma decisão administrativa e restabelecido o julgamento que reconheceu a imunidade. O DF, por sua vez, tentou manter a decisão segundo a qual a Terracap, por atuar em livre concorrência com outros agentes imobiliários, não teria direito ao benefício tributário.   

Espaço para conciliação só surgiu quando ação já estava no STJ

Para a celebração do acordo, foram consideradas algumas premissas, como a de que a Terracap presta serviços públicos essenciais de natureza obrigatória e exclusiva do Estado, representando o Distrito Federal na proteção do interesse público. A conciliação também levou em consideração que a Terracap é gestora das terras públicas do DF e, como tal, viabiliza a implementação de políticas públicas para atender às demandas sociais.

Como consequência, o Distrito Federal concordou em reconhecer a imunidade tributária e cancelar débitos em aberto, ao passo que a Terracap aceitou não questionar impostos distritais já recolhidos aos cofres públicos.

Segundo a procuradora-geral do Distrito Federal, Ludmila Lavocat Galvão, a oportunidade para que as partes resolvessem divergências e encontrassem uma solução negociada surgiu apenas no STJ. Para aderir à conciliação – disse ela –, o DF sopesou a probabilidade de êxito no processo, a viabilidade jurídica da solução negociada e a vantagem econômica trazida pelo acordo.

Já na perspectiva da Terracap, o diretor jurídico da companhia, Fernando de Assis Bontempo, comentou que foram avaliados os impactos permanentes da consolidação do reconhecimento da imunidade tributária, que tem consequências positivas para a empresa tanto em suas atividades de gestão imobiliária quanto no seu papel de agência de desenvolvimento do DF.

“Aquilo que se deixa de recolher de impostos distritais permite à empresa incrementar os necessários investimentos em infraestrutura na cidade, função essencial que lhe foi confiada por lei”, afirmou.

Tribunal e partes voltados para as soluções alternativas de conflitos

Além de mostrar que é possível oferecer incentivos e um ambiente propício à busca de soluções consensuais mesmo quando o processo já está no STJ, o acordo entre o DF e a Terracap evidenciou o empenho das partes – e da própria corte – em reverter a lógica de litigância que ainda predomina na Justiça brasileira.

Fernando de Assis Bontempo destacou que, nas situações de conflitos com particulares, a Terracap dispõe de um núcleo específico para buscar a melhor solução possível, evitando a intervenção administrativa ou judicial.

“No âmbito judicial, a constante análise do contingenciamento da empresa permite visualizar as ações mais relevantes e impactantes, de modo a se estimular a solução destas por meio do diálogo”, resumiu o diretor jurídico.

Na esfera do Distrito Federal, Ludmila Lavocat Galvão citou diversas iniciativas recentemente adotadas para ampliar a conciliação, como o Decreto Distrital 43.357/2022 e sua regulamentação, a Portaria 600/2022 da Procuradoria-Geral do DF. Os normativos trazem procedimentos para a solução negociada de litígios envolvendo o DF, suas autarquias e fundações públicas.

“Além disso, é importante salientar a realização de acordos diretos para quitação de precatórios, com a participação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios e do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região”, ressaltou a procuradora-geral. 

Fonte: STJ

Posted in STJ

Ainda sobre a Súmula Carf 210: do Tema nº 13 do STF e do apelo às consequências

Há um par de semanas, nesta Direto de Carf, foi publicada outra coluna (aqui) abordando temática de que tratamos no derradeiro do mês de outubro (aqui): a recém-aprovada Súmula Carf nº 210.

Além do respeitoso debate de ideias ser salutar, impossível deixar de destacar ter sido para este espaço convocado nome de peso para advogar contra o verbete sumular chancelado pela 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF): ao lado do meu estimado colega colunista, a professora Livre Docente coloca a termo todas as interessantíssimas ponderações declinadas no X Seminário Carf. A leitura instigou novas reflexões [1], razão pela qual o elejo (mais uma vez) como objeto do ensaio desta semana.

Passos para trás: a solidariedade no CTN

Curioso pensar como nosso CTN, editado em atroz regime, não só veio a ser materialmente recepcionado pela pródiga Carta de 1988, como mantém sua higidez, malgrado as alterações sofridas nestes seus quase 60 anos.

São dois os incisos do artigo 124 que arrolam aqueles solidariamente obrigados ao recolhimento do tributo:

– o inciso I que menciona “as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal”; e,

– o inciso II que indica “as pessoas expressamente designadas em lei.

Como bem esclarece a ex-conselheira do Carf Junia Sampaio,

“[a] doutrina majoritária classifica as hipóteses acima mencionadas de solidariedade de fato (inciso I) e solidariedade jurídica (inciso II). No entanto, (…), embora o CTN tenha utilizado a expressão “designadas por lei” apenas na hipótese do inciso II, não é possível admitir que a situação prevista no inciso I estivesse fora de uma previsão legal, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade estrita (artigo 150, I, CF/88)” [2].

O inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91, que não foi afastado por ilegalidade ou inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário, determina que “as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta lei”. O que pretende aclarar o verbete sumular Carf de nº 210 é que a hipótese de solidariedade trazida no inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91 vincula-se ao inciso II do artigo 124 do CTN (pessoa expressamente designada em lei) – e não ao inciso I do artigo 124 do CTN (interesse comum no fato gerador). Esta é a primeira premissa que há de ser repisada.

Caracterização de grupo econômico: a súmula como um cheque em branco à fiscalização?

Da doutrina e da jurisprudência colhem-se outros valiosos ensinamentos para a interpretação do disposto no inciso II do artigo 124 do CTN: o primeiro é que, como bem ensina a professora Misabel Derzi, em suas notas de atualização à obra de Baleeiro, solidariedade “não é forma de inclusão de um terceiro no polo passivo da obrigação tributária, apenas forma de graduar a responsabilidade daqueles sujeitos que já compõem o polo passivo” [3]. O segundo é que não poderia o legislador ordinário imputar solidariedade a devedores que, por disposição do Digesto Tributário, devam responder subsidiariamente. O terceiro é que “[o] art. 124, II, do CTN não autoriza o legislador a criar, a título de solidariedade, novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN” [4].

Este terceiro ponto que pretendemos melhor abordar na tentativa de agregar às considerações trazidas na coluna publicada mais recentemente (aqui).

Valendo-me novamente das palavras da caríssima Junia Sampaio, “a imputação do vínculo de solidariedade pressupõe que o sujeito mantenha relação, ainda que indireta, com o fato gerador tributário ou com a pessoa que o realizou (art. 128 do CTN)” [5]. O artigo 128 do CTN não aborda a necessidade de demonstração de “interesse comum no fato gerador” – ex vi do inciso I do artigo 124 do CTN –, e sim apenas uma vinculação, ainda que singela, do responsável ao fato gerador da obrigação tributária.

A segunda premissa importante a ser frisada é a de que não tem a Súmula Carf nº 210 a pretensão de definir qual grupo econômico é passível de responsabilização solidária, como insistimos noutra oportunidade (aqui). Tanto é assim que, na data de ontem [6], a CSRF houve por bem não conhecer de recursos especiais versando sobre o tema, justamente por dissidência na caracterização dos grupos, deixando de aplicar o verbete sumular. Ora, se estivéssemos diante de uma “responsabilidade objetiva”, por qual motivo atentar-se para os fatos caracterizadores do grupo econômico? E, não menos salutar é pontuar não ser o verbete de observância obrigatória à fiscalização fazendária – ex vi do §13 no artigo 25 do Decreto nº 70.235/73.

Tampouco trouxe a Lei nº 8.212/91 quaisquer contornos para melhor delimitar a responsabilidade solidária das empresas que integram o grupo econômico de qualquer natureza. No âmbito da Receita Federal tal lacuna é suprida pela Instrução Normativa RFB nº 2.110/2022, que inclusive replica, no inciso I do seu artigo 136, a hipótese de responsabilidade ora abordada.

O § 2º do seu artigo 275, curvando-se às alterações inseridas na CLT pela reforma trabalhista de 2017, determina que

“[n]ão caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes (CLT, artigo 2º, § 3º).

Em que pese ser despicienda a demonstração do “interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal” (inciso I do artigo 124 do CTN), a leitura do dispositivo denota ser essencial a comprovação de um plus, de algo além do mero fato de ostentarem idêntico quadro societário para fazer atrair a responsabilidade.

Esclareço que, embora  mencionado (aqui) que a Súmula Carf nº 210 afrontaria o Parecer Normativo Cosit/RFB nº 4/18, seu escopo é a responsabilidade solidária fundada no inciso I do artigo 124 do CTN [7] – e não na do inciso II do artigo 124 do CTN, como a prevista no inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91. Apesar de o parecer não se prestar interpretar quaisquer dos dispositivos indicados no verbete sumular, podemos dele coletar importante conclusão:

“[A] terminologia ‘grupo econômico’ deve ser lida com cuidado, pois é plurívoca. (…). Pode ocorrer de em uma determinada situação os requisitos para a configuração do que se denomina ‘grupo econômico’ sejam mais restritos, ou mesmo distintos, do que em outra.”

O “interesse comum”, na forma exigida no inciso I do artigo 124 do CTN é inaplicável para a configuração da responsabilidade prevista no inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91; contudo, reconhece a própria Receita Federal que, para a configuração do grupo econômico pode haver requisitos “mais restritos, ou mesmo distintos” a depender da situação configurada.

Essas constatações me parecem sinalizar para a insubsistência do receio de que autos de infração sejam lavrados contra todo e qualquer integrante de grupo econômico. Não deu a súmula um “cheque em branco” às auditoras e auditores fiscais: a uma, pelo enunciado não definir os elementos caracterizadores do grupo econômico sobre o qual recairá a responsabilidade; a duas porque os auditores sequer são obrigados a observar súmula do Carf, diferentemente do que ocorre com os pareceres e instruções exarados pela própria RFB – vide inciso I do artigo 100 do CTN e inciso I do artigo 33 da IN RFB nº 2.058/21. Ressalve-se que a força vinculante existe apenas em situações idênticas: ao lavrar uma autuação com base no inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91 c/c o inciso II do artigo 124 do CTN não devem obediência ao Parecer Normativo Cosit/RFB nº 4/18 que, como esperamos ter demonstrado, trata exclusivamente do inciso I do artigo 124 do CTN.

As distintas nuances do Tema nº 13 do STF

Indagado (aqui) “o que distingu[iria] o artigo 13 da Lei 8.620/1993, julgado pelo STF sob regime de recursos repetitivos, do caso concreto?” com a conclusão de que “[a]penas os termos “sócios” e ‘grupo econômico’, uma vez que todo fundamento de decidir (ratio decidendi) é exatamente o mesmo”. Com todo o respeito, entendo de modo diverso.

A constitucionalidade da norma veio a ser desafiada por extrapolação do disposto no inciso III do artigo 135 do CTN, que versa sobre responsabilidade pessoal, com consequente afronta à alínea “b” do inciso III do artigo 146 da CRFB/88 (matérias reservadas à lei complementar). O debate, com a devida vênia, não guarda relação com o objeto da Súmula Carf nº 210. Peço licença para transcrever, a meu aviso, o ponto nodal do desate do Tema de nº 13 do STF, colhido da ementa de seu leading case:

“O art. 13 da Lei 8.620/93 não se limitou a repetir ou detalhar a regra de responsabilidade constante do art. 135 do CTN, tampouco cuidou de uma nova hipótese específica e distinta. Ao vincular à simples condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da sociedade limitada perante a Seguridade Social, tratou a mesma situação genérica regulada pelo artigo 135, III, do CTN, mas de modo diverso, incorrendo em inconstitucionalidade por violação ao artigo 146, III, da CF”.

Diferentemente do artigo 13 da Lei nº 8.620/93, que imputava responsabilidade às pessoas físicas extrapolando as balizadas do artigo 135 do CTN, o inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91 traz a responsabilidade solidária de pessoas jurídicas. A ratio decidendi do Tema de nº 13 é outra, eis que “as normas previstas nos artigos 134 e 135 não se referem a responsabilidade tributária das pessoas jurídicas” [8], como há muito alertou Junia Sampaio.

O apelo às (supostas) consequências e ao terror

Por derradeiro, muitos dos opositores da Súmula Carf nº 210 filiam-se ao entendimento de que, “(…) infelizmente a [sua] aplicação (…) acabará por contribuir para o desnecessário aumento de litigiosidade, e não nos parece haver qualquer possibilidade de manutenção da responsabilidade tributária objetiva no Judiciário” (aqui).

A preocupação parece flertar com o argumentum ad consequentiam (apelo às consequências) e, em certa medida, com o argumentum in terrorem (apelo ao terror). Este diz respeito ao uso de um temor, não baseado em evidências, como motivador para que uma ideia ou uma proposição seja aceita; ao passo que o primeiro se atrela à conclusão de que uma ideia seria verdadeira ou falsa porque as consequências de sua verdade ou falsidade seriam desejáveis ou indesejáveis [9].

Concordo que “[p]onderações críticas acerca do modelo da ‘sumularização’ do Direito” (aqui) são imprescindíveis; entretanto, exercícios de previsão de catastrófico futuro não escorado em dados pode acabar por precipitar desconfortos com algo que pode sequer vir a se materializar. Não detenho a certeza de qual postura será tomada pelo Poder Judiciário, caso provocado a se manifestar sobre controvérsias envolvendo o enunciado da Súmula Carf nº 210.

Isso porque, parcos são os recursos especiais, que versam especificamente sobre a responsabilidade atribuída ao grupo econômico pela Lei nº 8.212/91, apreciados pelo colendo STJ. Transcrevo, no que importa, excertos de precedentes daquela corte que, a meu ver, chancelam o que dispõe a legislação – e a súmula editada:

“Quando se sabe que a solidariedade fixada na legislação previdenciária é bastante amplaa ponto de bastar que uma das componentes do grupo não cumpra suas obrigações fiscais, para que outra as assuma, é de extrema importância que o acórdão estabeleça se, no caso concreto, ficou configurado a existência de grupo empresarial.[10]

[O] caso em apreço versa sobre a solidariedade estipulada no inc. II do art. 124 do CTN (…). A lei invocada pela origem para a aplicação dessa regra foi o art. 30, inc. IX, da Lei n. 8.212/91 (…).

[N]ão se aplica no caso concreto a jurisprudência desta Corte de que inexiste solidariedade passiva em execução fiscal apenas por pertencerem as empresas ao mesmo grupo econômico, já que tal fato, por si só, não justifica a presença do “interesse comum”, tendo em vista que essa locução – interesse comum – é oriunda no inc. I do art. 124 do CTN e não do inc. II, sob análise [11].

Os limites do contencioso administrativo fiscal

Para a pergunta de “se existe sequer um argumento capaz de afastar a inconstitucionalidade e a ilegalidade do artigo 30, IX, da Lei nº 8.212/91” (aqui) – caberá ao Poder Judiciário responder, caso venha futuramente a ser provocado.

No atual estado da arte, permanece no ordenamento o inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91, razão pela qual são as conselheiras e os conselheiros do Carf, no estrito exercício do controle de legalidade do lançamento, obrigados a observá-lo. Inexiste precedente vinculante apto a afastar a aplicação da norma de responsabilidade prevista na Lei nº 8.212/91, de modo a autorizar a invocação do parágrafo único do artigo 98 do RICarf.

Não se nega que os desafios são muitos e a realidade constantemente cambiante é assaz complexa; contudo, nem todas as situações são complicadas como a priori parecem ser. Como bem aclara o ministro Mauro Campbell Marques,

“à luz do art. 124, inc. II, do CTN e do art. 30, inc. IX, da Lei nº 8.212/91, basta aferir se, a partir do contexto fático-probatório dos autos, há elementos suficientes para caracterizar a existência de ’empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza’, para, em caso positivo, concluir pela existência de solidariedade” [12].

O fato de a súmula, editada com respaldo em norma ainda vigente, desagradar não significa estar eivada de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade. E, ainda que esteja, só ao Poder Judiciário compete expurgar do ordenamento jurídico a norma que a ampara, caso vislumbre as indigitadas afrontas à Carta Constitucional e/ou ao Digesto Tributário. Agradando ou não há de ser a Súmula Carf nº 210, no âmbito do contencioso administrativo fiscal federal, observada.


[1] Por falar em reflexões, não posso deixar de agradecer aos meus eternos – e queridíssimos – Presidentes da 2202, MÁRIO HERMES S. CAMPOS, RONNIE S. ANDERSON e SONIA ACCIOLY pelas considerações que contribuíram para a redação do texto final. Neste mês, em que completo seis anos junto ao Carf, registro toda minha gratidão por, com eles, e com tantos outros, ter aprendido e aprender tanto.

[2] SAMPAIO, Junia R. G. A Responsabilidade Tributária nos Grupos Econômicos. In: MACHADO SEGUNDO, Hugo de B.; MURICI, Gustavo L.; RODRIGUES, Raphael S.. O Cinquentenário do Código Tributário Nacional, V. 1. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017, p. 581/598.

[3] Cf. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,2007, p. 729.

[4] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. São Paulo: Saraiva Educação, 2020 [e-book].

[5] SAMPAIO… Idem.

[6] Cf. processos nºs 10166.724557/2014-12, 10166.724560/2014-28 e 10166.724917/2014-78.

[7] Cf. o objeto do parecer: “A consulente informa que se trata da ‘possibilidade de atribuição de responsabilidade ao terceiro que praticou atos ilícitos em conjunto com o contribuinte, com fundamento no art. 124, I, do Código Tributário Nacional (CTN)”.

[8] Cf. SAMPAIO … Idem.

[9] Cf. BENNETT, Bo. Logically Fallacious: The Ultimate Collection of Over 300 Logical Fallacies. Sudbury: eBookIt, 2012 [e-book].

[10] STJ. AgRg no REsp nº 1.097.173/RS, julgado em 23/4/2009.

[11]STJ. REsp nº 1.144.884/SC, julgado em 7/12/2010.

[12] Idem.

O post Ainda sobre a Súmula Carf 210: do Tema nº 13 do STF e do apelo às consequências apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

STF julga nesta quarta-feira (27/11) o Marco Civil da Internet; saiba o que está em jogo

Corte julga a partir desta quarta três ações que envolvem o MCI e discute futuro de artigo sobre responsabilização das plataformas digitais

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira (27/11) o conjunto de ações que discutem a constitucionalidade do Marco Civil da Internet, especialmente de seu artigo 19. O dispositivo prevê que as plataformas, provedores de internet e sites só podem ser responsabilizados civilmente caso não removam o conteúdo ilícito após ordem judicial.

O Marco Civil da Internet, sancionado em 2014, disciplina o uso da Internet no Brasil. A lei foi concebida para estabelecer deveres e direitos de plataformas digitais, provedores de internet e usuários. No entanto, apesar de avanços significativos, uma década depois, parte da legislação enfrenta questionamentos quanto à responsabilidade de plataformas por conteúdo ilícito de terceiros.

Entre os principais, estão as alegações de que a evolução tecnológica e o crescimento da audiência digital colocam à prova a sua adequação frente ao cenário atual. Nesse contexto, uma década depois, o Supremo discute a eficácia da legislação diante de um cenário tecnológico muito mais complexo.

Ações pautadas

Estão na pauta do STF três ações, o recurso extraordinário 1.037.396, (tema 987) discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, de relatoria do ministro Dias Toffoli, o RE 1.057.258 (tema 933), que também trata de moderação de conteúdo, refere-se a fatos anteriores à edição do Marco Civil da Internet, de relatoria do ministro Luiz Fux, e a ADPF 403, de relatoria do ministro Edson Fachin. 

Esta ADPF foi ajuizada por conta das decisões judiciais em diferentes tribunais de Justiça brasileiros que determinaram a suspensão do aplicativo WhatsApp, após a empresa informar que não poderia fornecer os dados requisitados pelos magistrados por conta da segurança da criptografia. Em agosto deste ano, os três relatores pediram ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Casa, para que as pautasse juntas.

Em setembro, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo para ingressar como amicus curiae nos dois recursos extraordinários que estão em pauta. À época, a AGU defendeu que, “em casos específicos, há a possibilidade de as plataformas digitais serem responsabilizadas, independentemente de haver ordem judicial prévia para a remoção do conteúdo, considerando o dever de precaução que devem ter as empresas, por iniciativa própria ou por provocação do interessado”.

“Não é razoável que empresas que lucram com a disseminação de desinformação permaneçam isentas de responsabilidade legal no que tange à moderação de conteúdo. Essas plataformas desempenham um papel crucial na veiculação de informações corretas e na proteção da sociedade contra falsidades prejudiciais. A ausência de uma obrigação de diligência nesse processo permite que a desinformação se propague de forma descontrolada, comprometendo a confiança pública e causando danos consideráveis”, ressalta trecho do documento enviado ao STF.

O caput do artigo 19 tem a seguinte redação: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

Liberdade de expressão

“O artigo 19, hoje, é a regra básica a respeito da responsabilidade das plataformas”, explica o advogado especialista em direito digital Marcelo Crespo, coordenador do curso de direito da ESPM. A norma se relaciona diretamente com a licitude de conteúdo na internet. Crespo, no entanto, considera que o dispositivo tende a ser usado pelas empresas como meio de se esquivar de responsabilizações. “O artigo 19 é bastante conveniente para as empresas e plataformas de tecnologia”, afirma.

Segundo ele, por causa da redação do dispositivo, “existe uma narrativa” de se falar que o artigo 19 quer proteger a liberdade de expressão, embora, para ele, esse não seja exatamente o interesse das empresas com a não responsabilização dos conteúdos.. “As plataformas têm interesses próprios em ganhar dinheiro com alguns conteúdos, inclusive com fake news, porque elas geram engajamento, geram receita”, declara.

Antes do Marco Civil da Internet, diz Crespo, havia uma relação “mais equilibrada” entre as empresas e as vítimas online, já que caso alguém se sentisse ofendido por um conteúdo publicado na internet, não era necessário, inicialmente, recorrer à Justiça. O procedimento comum era realizar uma notificação extrajudicial, exigindo que o conteúdo fosse retirado do ar por causar ofensa.

“Nesse cenário, as plataformas não tinham obrigação legal de remover o material, mas o processo era, de certa forma, mais equilibrado. Por um lado, a plataforma poderia optar por não remover o conteúdo; por outro, ela não gostaria de ter que ficar respondendo várias ações judiciais”, declara.

Um dos principais questionamentos sobre a moderação de conteúdos pelas plataformas é o risco de censura. O advogado Renato Opice Blum, do escritório Opice Blum, rebate as críticas que equiparam a remoção de discursos de ódio à restrição da liberdade de expressão.

“Bloquear discurso de ódio é censura? Aí, vamos para o conceito de censura que está ligado diretamente à liberdade de expressão. […] Quando se tem identificação de discurso de ódio, não é liberdade de expressão, o propósito é outro. Você não quer falar, você quer atacar”, afirmou o advogado.

No entanto, ele reconhece que os algoritmos das plataformas podem cometer erros ao remover conteúdos legítimos. Opice Blum refuta a ideia de que os algoritmos tenham vieses intencionais, os atribuindo a falhas de programação.

Apoio ao artigo 19

Por outro lado, estudo conduzido pelo Reglab, think tank especializado em mídia e tecnologia, mostrou que 48% das manifestações coletadas defenderam a manutenção do artigo, argumentando que ele equilibra a liberdade de expressão e responsabilidade das plataformas. O apoio veio de setores diversos, incluindo organizações que tradicionalmente divergem das grandes empresas de tecnologia, como algumas ONGs e instituições acadêmicas. A academia frequentemente adota posições críticas às big techs, especialmente em questões relacionadas à privacidade e regulação de mercado. Entidades da sociedade civil e academia representaram 50% da amostra, com mais da metade desses se manifestando a favor da constitucionalidade (59%).

A análise indica que os argumentos favoráveis à constitucionalidade “apresentaram uma variedade argumentativa maior que outras posições. Embora essa multiplicidade também possa refletir a necessidade de uma defesa mais robusta, isso também pode sugerir que o art. 19 possui um caráter mais estruturante, adaptável e democrático”.

Entre os argumentos mais citados pelos grupos que apoiam a constitucionalidade, estão a preservação da liberdade de expressão e o estímulo à inovação tecnológica. Para empresas, como afirmou a Meta em sua manifestação, o artigo reduz riscos jurídicos e mantém custos operacionais previsíveis. Já a sociedade civil e a academia destacam que o modelo atual protege direitos fundamentais e previne a censura prévia.

“Não é correto afirmar que o artigo 19 serve como escudo para provedores evitarem remoções de conteúdos ilegais. Ele apenas estabelece regras para garantir a proporcionalidade e evitar a censura prévia”, afirmou o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em manifestação. Para defensores da constitucionalidade, a decisão judicial como pré-requisito para a remoção de conteúdos é apontada como um mecanismo que respeita o devido processo legal e garante a liberdade de expressão.Os processos são: Recurso Extraordinário (RE) 1037396 (Tema 987 da repercussão geral), Recursos Extraordinários (RE) 1057258 (Tema 533 da repercussão geral) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403.

Fonte: Jota

Jogos de azar: a aposta na regulação das promessas sem futuro e o paradoxo da transparência

As reflexões aqui presentes visam desmistificar a pseudoidentidade e a consequente propriedade de igual prevenção e tratamento entre o fenômeno das bets e os contratos do consumidor. Embora seja certo que de fato geram consequências similares às do fenômeno social do superendividamento.

A Teoria Contratual, graças à plasticidade, atravessou séculos se mantendo íntegra quanto aos seus pressupostos, apesar das concessões feitas aos conflitos sociais [1]. No campo do Direito do Consumidor, essa dimensão de plasticidade ganha amplitude na perspectiva de enfrentar os desafios dos conflitos plurais, difusos e imprevisíveis. Em consonância com a força do microssistema [2], incide sobre novas relações contratuais.

As bets são as casas de apostas esportivas online de quota fixa, que estão em processo de regulamentação no país. A oferta de sites de apostas esportivas é liberada no Brasil desde 2018, no Governo Temer, segundo a Lei Federal nº 13.756, que autorizou as apostas esportivas de quota fixa [3], criando um marco legal que as diferencia das atividades de jogo de azar não regulamentadas, que são, de fato, contravenções penais de acordo com o artigo 50 da Lei de Contravenções Penais.

Em verdade, o que temos é um veículo de transferência direta de valores que assume, por força da relação imediata com a necessidade de contorno jurídico, uma roupagem contratual. Noutra dimensão de análise, a essa roupagem contratual adiciona-se a presunção de vulnerabilidade de um dos polos da relação imediata, que situa o “apostador” mais próximo à condição de consumidor, em razão da iniquidade.

No que tange às construções normativas sobre a matéria, registramos: em 29 de dezembro de 2023, foi editada a Lei Federal nº 14.790. Apesar de ficar conhecida como a “Lei das Bets”, a legislação ampliou a possibilidade de jogos de apostas para além das esportivas e estabeleceu critérios de tributação, requisitos para exploração do serviço e destinação das receitas arrecadadas, determinando também as sanções em caso de descumprimentos e definindo as competências do Ministério da Fazenda na regulamentação, na autorização, no monitoramento e na fiscalização das atividades relacionadas ao mercado de apostas de quota fixa.

Posteriormente, a Portaria nº 1.330/23 do Ministério da Fazenda “dispõe sobre as condições gerais para exploração comercial da modalidade lotérica de aposta de quota fixa no território nacional” e estabelece critérios técnicos para jogos de apostas online, nos quais os resultados são aleatórios, criados a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definido no sistema de regras, como o “Jackpot”.

A referida regulamentação ficou conhecida como “Portaria do Jogo Responsável” e define medidas como: limites de tempo e de perda por apostador e elaboração de um cadastro para proteger os jogadores, incluindo períodos de pausa e autoexclusão. Em relação às ações de comunicação, de publicidade e de marketing, a portaria estabelece regras como, por exemplo, a transferência para as próprias empresas do setor a responsabilidade de “conscientizar” os apostadores sobre a importância do “jogo responsável”.

Em linha de continuidade com a “Portaria do Jogo Responsável”, cumpre destacar duas subsequentes portarias do Ministério da Fazenda: Em agosto, a Portaria nº 1.231/24, que estabelece “regras e diretrizes para o jogo responsável e para as ações de comunicação, de publicidade e propaganda e de marketing”, além de regulamentar “os direitos e deveres de apostadores e de agentes operadores”. Em setembro, a Portaria nº 1.475/24, que dispõe sobre as condições e os prazos de adequação para as pessoas jurídicas (“operadoras”) que exploram a modalidade lotérica de apostas de quota. E regula a permissão para operação legal das plataformas no Brasil, as “bets autorizadas”. As que não se adequarem às novas exigências da regulamentação e as que não solicitarem permissão ao Ministério da Fazenda até 17 de setembro de 2024 serão proibidas de operar no Brasil (artigo 2º, §1º) e terão o prazo até o dia 10 de outubro para permitir o resgate dos valores depositados pelos apostadores (artigo 2º, §2º).

Para as autorizadas, então, cumpre a observância do disposto na primeira Portaria, de nº 1.231/24, que considera jogo responsável (artigo 2º, I) o que está sujeito ao conjunto de regras – no contexto da modalidade lotérica de aposta de quota fixa – que visa garantir duas linhas principiológicas aparentemente paradoxais: a) exploração econômica, promoção e publicidade saudável e socialmente responsável dessa modalidade (artigo 2º, I, a); e b) prevenção e mitigação de malefícios individuais ou coletivos decorrentes da atividade (artigo 2º, I, b), cujas consequências afetam negativamente a saúde física e mental do apostador em virtude de dependência, compulsão, mania ou qualquer transtorno associado ao jogo ou apostas e violam direitos do consumidor, especialmente os associados a problemas financeiros, de endividamento e de superendividamento.

A primeira portaria estabelece deveres do “Agente Operador de Apostas para Garantia do Jogo Responsável”; destaca-se, mormente, o dever de informação (artigo 4º), isto é, a transparência a todo momento quanto aos riscos de dependência, de transtornos do jogo patológico e de perda dos valores das apostas (artigo 4º, I). Além disso, destaca-se o dever de fornecer alguma medida do risco em que o apostador incorre, proporcionando-lhe recursos para optar ou não por determinado jogo, ao informar o “retorno teórico ao jogador” de cada jogo online disponibilizado no sistema de apostas (artigo 4º, II).

Importante atentar ao que a portaria apresenta como este “retorno teórico ao jogador” (RTP, como em theoretical return to player), que deveria ser informado. RTP seria o

“percentual de ganho programado pelo agente operador de apostas para o sistema de apostas, em relação ao valor total de apostas feitas em certa quantidade de eventos ou período, e que serve de medida de retorno agregado e teórico do sistema de apostas, não podendo ser interpretado como expectativa de ganho individual do apostador por aposta.” (Artigo 2º, XX)

A regulação, então, aposta na transparência e na informação como meios de prevenção e mitigação dos malefícios individuais ou coletivos já causados pela própria atividade cuja exploração econômica deseja seguir promovendo e publicizando de maneira “saudável e socialmente responsável”. O paralelismo acaba por descortinar o paradoxo em que mira a produção legislativa: da impossibilidade de coexistência de uma “informação clara e precisa” e oposição de deveres da boa-fé com o modelo dos jogos de azar/Bets.

É preciso garantir que o consumidor compreenda o que está sendo informado

O caso é que esse paradoxo abre outra discussão, qual seja, a da natureza jurídica dessa relação. É certo que o “ganho” e a “promessa de ganho” configuram algo de natureza distinta do crédito, tal como a vantagem auferida pelas plataformas é diversa de juros, o que complexifica a discussão sobre a responsabilidade. Isto é, o conceito de crédito pode ser concebido próximo ao de responsabilidade, seja para credor ou devedor (contrato). É o caso do crédito tomado para produção de outros produtos e serviços que, adiante, cobra os juros. É diverso, também, dos serviços que envolvem álea como seguros e planos de saúde, em que há um bem “segurança/tranquilidade” sendo preservado, serviços cuja viabilidade estaria na diluição da álea em um modelo de mútuo.

O fenômeno das bets gerou malefícios individuais e coletivos tão logo se instaurou, criando alarmante quadro crítico. Em recente decisão, o ministro Luiz Fux ressalta a urgência:

“o atual cenário de evidente proteção insuficiente, com efeitos imediatos deletérios, sobretudo em crianças, adolescentes e nos orçamentos familiares de beneficiários de programas assistenciais, configura manifesto periculum in mora, que deve ser afastado de imediato, sob pena de a inaplicação de normas já editadas, até janeiro de 2025, agravar o já crítico quadro atual” (STF, ADI 7.721 MC / DF, ministro Luiz Fux, j. 12/11/2024).

Em referida cautelar, o ministro determinou a aplicação imediata de duas medidas previstas na Portaria 1.231/2024 do Ministério da Fazenda: medidas de fiscalização e controle voltadas para crianças e adolescentes e medidas imediatas de proteção especial que impeçam a participação nas apostas de quota fixa com recursos provenientes de programas sociais e assistenciais. A despeito da limitação à aplicação imediata de parte da portaria, reconheceu “os efeitos imediatos deletérios” que vêm ocorrendo por conta da proteção insuficiente.

apostas bets futebol
freepik

O caso é que, na melhor das hipóteses, a portaria tornaria as apostas menos obscuras, fornecendo outra resposta insuficiente para uma atividade que tem apresentado consequências fisiológicas no corpo social de magnitude semelhante às de saúde pública – a exemplo das políticas públicas relativas ao cigarro e ao álcool. Estudos apontam para o desenvolvimento de condições complementares como a ludopatia e, inclusive, o neurodano [4].

Ludopatia, condição médica caracterizada pelo desejo incontrolável de continuar jogando, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde. No Brasil, CID 10-Z72.6 (mania de jogo e apostas) e CID 10-F63.0 (jogo patológico). E o neurodano, em absoluta complementaridade, consiste na lesão à capacidade de manter a atividade mental protegida hígida, gerando alto grau de dependência do apostador. Assim, paulatinamente, retira do apostador a possibilidade de tomada de decisões racionais capazes de controlar sua integridade mental e identidade digital [5].

O paradoxo da transparência está justamente na tentativa de dar “informação clara e precisa” a um apostador que tem a visão turva por “efeitos imediatos deletérios”. E, ainda que estivesse plenamente livre desses efeitos e capaz, “o fornecedor somente se desincumbe de forma satisfatória do dever de informar quando os dados necessários à tomada de decisão pelo consumidor são por ele cognoscíveis” (TJ-RS, ACív nº 70044971505, des. Túlio de Oliveira Martins, j. 5/10/2011).

Isto é, não basta simplesmente disponibilizar a informação, mas garantir que o consumidor efetivamente compreenda o que está sendo informado [7]. Logo, as medidas como as de obrigatoriedade de informação pelas operadoras sobre o “retorno teórico ao jogador” (RTP) não são suficientes para que um apostador possa compreender o grau de risco que aquele jogo pode impingir-lhe.

O RTP representa, em média – na medida em que é reforçado com o tempo e o número de jogadas (fatores que também podem ser modulados pelas casas de aposta) –, a fração/parte da aposta que “retorna” ao apostador, considerando uma perspectiva de retorno a longo prazo para cada tipo de jogo específico. O RTP é calculado pela razão entre o valor total ganho por jogadores e o valor total apostado por eles após várias jogadas, refletindo, portanto, uma perspectiva de longo prazo.

Suponhamos que o percentual de RTP de um jogo seja 100%. Então, a cada vez que um jogador aposta R$ 30, é esperado que receba de volta esses R$ 30 Nesse exemplo hipotético, a operadora de apostas de um jogo cujo RTP for igual a 100% tornará o jogo infinito; se for superior a 100%, a longo prazo, perderá dinheiro.

Como não se pode esperar que uma operadora que explora uma atividade com fins econômicos perca dinheiro, o RTP dos jogos que administra será necessariamente inferior a 100%. Caso contrário, não obteria margem de lucro necessária para viabilizar a exploração da atividade, e nosso problema com “efeitos imediatos deletérios” tomaria ares caritativos e de ludicidade. Em um exemplo mais “realista”, um jogo com RTP = 80% significa que a operadora reserva para si uma margem de lucro, a longo prazo, equivalente a 20% de todo o dinheiro apostado.

Retorno agregado não significa ganho por aposta, sequer qualquer retorno. Como diz o nome, jogos de azar lidam com infortúnios. “Retorno teórico ao jogador”, portanto, não mantém qualquer identidade com o princípio da boa-fé objetiva. Como a própria portaria estabelece, o RTP “serve de medida de retorno agregado e teórico do sistema de apostas, não podendo ser interpretado como expectativa de ganho individual do apostador por aposta” (artigo 2º, XX).

Logo, afora o problema de a taxa RTP não demonstrar o grau de retorno ou oferecer medida do risco inteligível e suficiente para que o apostador possa optar, a determinação de seu valor percentual deveria competir aos órgãos de proteção ao consumidor, por sua forma e linguagem protetiva. Dada a magnitude das consequências desses “efeitos imediatos deletérios”, o problema das bets adentra a esfera da saúde pública.

A aposta na regulação dos jogos de azar por meio de um “jogo responsável” e informado capaz de prevenir e mitigar os malefícios individuais e coletivos já causados pela própria atividade é uma aposta sem retorno. Criar uma atmosfera de jogo menos “desinformado” não o torna responsável, uma vez que não dá conta daqueles “efeitos imediatos deletérios” que vêm acometendo os apostadores há tempos.

É difícil dizer se o lobby e o poder econômico das casas de aposta superam os das partes prejudicadas (fornecedores). Espera-se que dessa luta de gigantes o “vencedor” não permaneça na posição de abuso contra os vulneráveis.

Por Bernardo Mercante Marques, Daniela Suarez Pombo, Ivan Cavallazzi da Silva, Rosângela Lunardelli Cavallazzi e Vivian Alves de Assis, pesquisadores do Laboratório de Direito e Urbanismo (Ladu) do Prourb/UFRJ e PPGD/PUC-Rio.


[1] Ver CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli. O Plano da Plasticidade da Teoria Contratual. Rio de Janeiro, 1993. Tese (Doutoramento) – UFRJ, Rio de Janeiro, 1993.

[2] Ver CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli; LIMA, Clarissa Costa de. A força do microssistema do CDC: tempos de superendividamento e de compartilhar responsabilidades. In: MARQUES, Cláudia Lima. CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli. LIMA, Clarissa Costa de (Org.). Direitos do Consumidor Endividado II: vulnerabilidade e inclusão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 15-43.

[3] São jogos de quotas fixas aqueles cujo prêmio é predeterminado pelo empreendedor ao apostador em caso de acerto.

[4] MARTINS, Fernando Rodrigues. MARTINS, Guilherme Magalhães. MARQUES, Claudia Lima. Economia da atenção, gamificação e esfera lúdica: hipótese de nulidade e neurodano das apostas online. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-out-03/economia-da-atencao-gamificacao-e-esfera-ludica-hipotese-de-nulidade-e-neurodano-decorrentes-dos-abusos-em-apostas-e-jogos-on-line/?action=genpdf&id=818422>. Acesso em: 19 nov. 2024.

[5] Ibid.

[6] Ver MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: RT, 2019.

O post Jogos de azar: a aposta na regulação das promessas sem futuro e o paradoxo da transparência apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Avança na Câmara projeto que revoga integralmente Lei da Alienação Parental

A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados aprovou projeto que revoga integralmente a Lei da Alienação Parental.

Deputado Pastor Eurico fala ao microfone
Pastor Eurico recomendou a aprovação da proposta – Renato Araújo/Câmara dos Deputados

A alienação parental é a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou responsáveis por sua vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao vínculo com ele.

O texto aprovado é o substitutivo do relator, deputado Pastor Eurico (PL-PE), ao Projeto de Lei 2812/22, das deputadas do Psol Fernanda Melchionna (RS), Sâmia Bomfim (SP) e Vivi Reis (PA).

Segundo as autoras, a revogação da Lei da Alienação Parental já foi recomendada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, pelo Conselho Nacional de Saúde e pela Organização das Nações Unidas.

Sem efeitos esperados
O deputado Pastor Eurico destaca que agressores têm usado a hipótese de alienação parental para se defender de acusações de violência e abuso contra mulheres, crianças e adolescentes, que acabam desacreditados e acusados por denúncias falsas.

O relator afirma que, depois de 13 anos de vigência, a lei não gerou os efeitos esperados, que seriam a redução de atos abusivos de genitores no processo de separação e disputa por custódia. 

“Pelo contrário, o seu emprego tem sido utilizado de modo a gerar problemas ainda mais graves que aqueles que pretendia minimizar, uma vez que a acusação de alienação parental tornou-se a principal estratégia de defesa de agressores e abusadores sexuais intrafamiliares”, alerta Pastor Eurico. 

Discussão amadurecida
“Com todas essas considerações, é possível afirmar que a revogação da Lei de Alienação Parental é tema que se encontra amadurecido para a sua aprovação em curto prazo”, afirma o relator.

A revogação, segundo ele, “é defendida por diferentes correntes políticas que integram o Parlamento, e é também uma manifestação da vontade da sociedade”. 

O relator apresentou substitutivo para retirar as menções à alienação parental também do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Processo Civil

Próximos passos
O projeto ainda será analisado, em caráter conclusivo, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Riscos e cuidados na utilização das câmaras virtuais de arbitragem

Há algum tempo tem-se observado um movimento de criação de formas arbitrais mais informais e menos onerosas

Passados quase 30 anos da normatização da Arbitragem no Brasil (Lei 9.307/96), o método alternativo para resolução de conflitos (ADRs) tem passado por uma nova fase cheia de desafios, inclusive no âmbito judicial, decorrentes da onda de massificação do procedimento utilizado em grande escala para litígios envolvendo as mais variadas espécies de relações comerciais e segmentos de mercado.

A arbitragem, como sabido, é, originalmente, um meio extrajudicial para solução de conflitos que preza pela (e igualmente) se beneficia da celeridade, sigilosidade, autonomia das partes e acurada técnica empregada com a participação de árbitro(s), imparcial(is), que após o devido procedimento, proferirá(ão) sentença arbitral, que possui a mesma força executiva daquela proferida pelos juízes estatais. É, contudo, um procedimento, em geral, de significativo custo, o que acaba por torná-la mais seletiva.

A partir de tais características, e impulsionado pelas novas diretrizes do Código de Processo Civil de 2015, ao determinar que, entre outros, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por todos aqueles que compõe a cadeia de litígios no país, há algum tempo tem-se observado um movimento de criação de formas arbitrais mais informais e menos onerosas como forma de torná-la mais acessível àqueles que não conseguiriam, como regra, se valer dos procedimentos ofertados pelas tradicionais câmaras arbitrais, nem mesmo na modalidade de “arbitragem expedita”, que, por sua vez, é uma arbitragem mais simplificada e com menores custos envolvidos.

Com a criação e expansão de canais arbitrais virtuais para a solução de conflitos, que possuem regulamentos e dinâmicas mais simples, limitações aos desdobramentos admitidos, concentração de matéria tratada, árbitro único, observa-se um crescimento e surgimento de verdadeira indústria de câmaras arbitrais digitais capazes de absorver um alto número de procedimentos, mediante utilização de fluxos automatizados. Porém, no mais das vezes, sem a observação de normas internas ou externas de regulamentação ou da devida governança/compliance.

Vislumbra-se, portanto, a entrega de resultados céleres e menos custosos se comparado aos desdobramentos inerentes do processo judicial – o que, muitas vezes, é priorizado pelas empresas –, contudo, com um risco agregado que não pode ser descartado: a judicialização e potencial anulação das sentenças arbitrais por vícios procedimentais.

Na medida em que se populariza nas relações contratuais formalizadas por grandes empresas, a inserção da cláusula arbitral em seus contratos, em especial de consumo com os clientes finais, percebe-se que, muitas vezes, não são observadas regras como a necessidade legal desta cláusula estar destacada e ser assinada separadamente – o que, por si só, já é considerado vício procedimental passível de anulação e acesso direto ao Judiciário.

Com isso, embora tenha se notado uma crescente de utilização dessas câmaras com a tentativa de redução de custos e suposta agilização no encerramento de demandas, temos que essa prática acende um alerta no meio jurídico e nas empresas que estão se valendo de tais procedimentos, pois, apesar dos aparentes benefícios trazidos por essa “nova modalidade”, tem-se percebido brechas para anulações das sentenças arbitrais, o que pode gerar prejuízos temporais e financeiros às partes envolvidas pela indevida observação do procedimento arbitral, ou seja, sacrificando integralmente a celeridade desejada e colocando em cheque a suposta economia que se pensava obter.

Atualmente, a prolação de decisões afastando a aplicação da arbitragem em relações de consumo ou a ela comparadas já estão se tornando – a exemplo de relações locatícias com atuação das plataformas digitais – comuns no Poder Judiciário.

Os entendimentos trazem à tona a necessidade de adequação das empresas às peculiaridades trazidas pelo procedimento de arbitragem, caso desejem a utilizar como forma de resolução de conflitos. As referidas decisões reforçam a necessidade de celebração de contratos cristalinos e de fácil entendimento do consumidor, com destaque à cláusula arbitral, que deve ser clara e compreensível para todas as partes envolvidas, fazendo prevalecer o direito e facilitação da informação ao consumidor.

É interessante pensar, inclusive, na possibilidade de confecção de termo aditivo específico sobre a escolha arbitral, na medida que, inequivocamente, ter-se-á o destaque necessário à cláusula, conforme determina a lei, sendo, ainda, um documento apartado no qual é possível destrinchar e tornar o mais cristalina possível a arbitragem e o seu significado, cumprindo-se, portanto, os deveres legais de clareza e direito de informação das partes, em especial quando se trata de relações de consumo.

Sob a perspectiva jurídico-econômica, entendemos que os efeitos e aplicação da matéria devem ser analisados de acordo com a realidade de cada empresa e, ainda assim, caso a caso.

Fonte: Jota