O Dia Internacional dos Direitos Humanos celebrado em imagens e decisões do STJ

Neste 10 de dezembro, o STJ apresenta uma reflexão sobre os direitos humanos a partir de decisões históricas e da imagem de pessoas que têm razões muito especiais para comemorar a data.
Se a pauta dos direitos humanos carrega um elemento de força e resistência, na medida em que estiveram no centro de lutas históricas em sucessivas gerações, também há nesse tema um aspecto de fragilidade, pois sua conquista não é definitiva, e sua violação é uma ameaça real e diária. Os direitos humanos, afinal, são feridos a cada criança morta em uma guerra, a cada família que sofre sem comida ou um lugar para morar, a cada pessoa que padece sem atendimento médico adequado.

Direitos humanos queimam com incêndios criminosos na floresta, naufragam em barcos de refugiados à deriva, silenciam com o tolhimento da liberdade de expressão, têm as letras embaralhadas pela falta de educação.

Contra todas essas ameaças, pessoas e instituições têm o papel diário de proteger e reafirmar os direitos conquistados ao longo de gerações, cada qual em seu âmbito de atuação. Ao Poder Judiciário, cabe a função de resguardar tais direitos quando se pronuncia em litígios que envolvam a sua violação – e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi responsável por diversas decisões que os colocaram em primeiro lugar.

Neste 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, o STJ apresenta uma reflexão sobre o tema a partir de pessoas que têm razões muito especiais para comemorá-lo – retratadas em fotos e no vídeo comemorativo produzido pela Secretaria de Comunicação Social do tribunal dentro do projeto Transformando Direitos: Justiça & Direitos Humanos, que integra as ações do programa Humaniza STJ.

Terra para indígenas é proteção de direitos fundamentais

Quando os direitos humanos encontram as questões indígenas, há um olhar que se volta ao passado e evoca a ancestralidade dos povos originários, suas lutas pela própria existência e suas perdas irreparáveis. O passado, contudo, está fadado a se repetir no presente e no futuro se não houver a intervenção da Justiça para que crianças como Lene Marya, de três anos, do povo Tapuia, possam continuar sorrindo e mantendo as suas tradições, como no registro feito na sala de julgamentos da Corte Especial do STJ.

Direitos humanos, passado e futuro foram temas do REsp 1.623.873, no qual a Primeira Seção garantiu ao grupo indígena Fulkaxó o direito de ver concluído, em prazo razoável, o processo administrativo para que o poder público lhe destinasse uma área específica para ocupação, em razão de conflitos existentes com o grupo Kariri-Xocó (do qual os primeiros se originam).

Segundo o processo, os conflitos entre os grupos decorriam não só da insuficiência de terras, mas de problemas na partilha de recursos e de desavenças sobre decisões políticas, costumes e tradições.

Relator do recurso da União, o ministro Gurgel de Faria lembrou que os conflitos entre os dois povos se mantinham desde 2006 e envolviam questões humanitárias e culturais. De acordo com o ministro, uma vez configurada demora injustificada do poder público para resolver controvérsias como a dos autos, o Judiciário pode determinar que o Executivo adote medidas para dar cumprimento aos direitos e às garantias fundamentais previstos na Constituição.

“Embora se reconheça a complexidade do procedimento de criação de reservas indígenas, a fixação de prazo pelo Poder Judiciário justifica-se pela urgência da solução dos conflitos e pela demora da administração pública na conclusão do processo administrativo em apreço, instaurado há anos”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso da União.

Dedos para a música e para ver o mundo

Se a luz escapa aos olhos, o corpo se reinventa, aprimorando os demais sentidos. Dedos como o do pianista Daniel Cardoso, de 11 anos, são usados para a arte da música – como na foto tirada no Salão de Recepções do STJ – e também para enxergar o mundo pelo tato.

Essa percepção diferente da vida, que transforma as atividades básicas da pessoa com deficiência, deve ser levada em consideração para que ela possa exercer plenamente as suas capacidades.

Para garantir o direito de quem precisa enxergar de outras maneiras, a Terceira Turma, no REsp 1.315.822, decidiu que as instituições financeiras devem utilizar o sistema braille na confecção de contratos bancários a serem firmados por pessoas com deficiência visual (a Quarta Turma firmou entendimento semelhante no REsp 1.349.188).

O relator do recurso especial analisado pela Terceira Turma, ministro Marco Aurélio Bellizze, lembrou que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – adotada pelo Brasil com status de emenda constitucional – impõe a obrigação de assegurar a essas pessoas o exercício pleno e equitativo de todos os direitos, os quais incluem a acessibilidade física, a comunicação e a informação, além da autonomia e da independência.

Para o ministro, a não adoção do braille no processo de contratação bancária impedia as pessoas com deficiência de exercer, em igualdade de condições com os demais indivíduos, os direitos básicos de consumidor, caracterizando-se como discriminação intolerável.

No caso do consumidor com deficiência visual, segundo Bellizze, “a consecução desse direito, no bojo de um contrato bancário de adesão, somente é alcançada (de modo pleno, ressalta-se) por meio da utilização do método braille, a facilitar, e mesmo a viabilizar, a integral compreensão e a reflexão acerca das cláusulas contratuais submetidas a sua apreciação, especialmente aquelas que impliquem limitações de direito, assim como dos extratos mensais, dando conta dos serviços prestados, taxas cobradas etc.”

Futebol e outras terapias para pessoas com Down

Crianças são crianças, sejam quais forem suas condições de vida. Não surpreende, portanto, que o garoto Gustavo Chebli, de oito anos, tenha pegado sua bola ao ouvir que iria brincar em um gramado parecido com o dos estádios de futebol – ainda que esse campo fosse o jardim do STJ.

Para garantir que Gustavo e outras crianças com síndrome de Down possam continuar brincando, a Terceira Turma decidiu que os planos de saúde devem custear para elas terapias multidisciplinares sem limite de sessões (processo em segredo de Justiça).

Em análise do recurso da operadora do plano, a ministra Nancy Andrighi esclareceu que, segundo a posição mais recente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o fato de a síndrome de Down não estar enquadrada na Classificação Internacional de Doenças F84 (transtornos globais do desenvolvimento) não afasta a obrigação de cobertura do tratamento multidisciplinar prescrito para o beneficiário – e de forma ilimitada.

No caso específico da equoterapia – um dos tratamentos pleiteados pelo paciente na ação –, Nancy Andrighi também lembrou que a Lei 13.830/2019 reconheceu o método como eficaz na reabilitação e no desenvolvimento biopsicossocial da pessoa com deficiência.

“Ao assim fazê-lo, o legislador concretiza o fim do Estatuto da Pessoa com Deficiência, de assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania (artigo 1º da Lei 13.146/2015)”, afirmou a ministra, ressaltando que o direito de gozar do estado de saúde mais elevado possível está contemplado na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Idosos em movimento, nos salões ou nas estradas

Se as crianças devem ser livres e saudáveis para brincar, os idosos também têm o direito de se manterem felizes e ativos, e a dança parece ser um excelente aliado nesse objetivo. Deixando o sedentarismo de lado, o casal Ana Lúcia Fleury, de 72 anos, e Elizeu Rocha, de 71, aproveitou a oportunidade de dançar no salão do Pleno do STJ e desfilou sincronia em um ambiente normalmente ocupado pelos ministros nas sessões solenes ou administrativas.

Como não é só nos passos da dança que as pessoas da terceira idade precisam se movimentar, a legislação lhes assegura o direito ao transporte gratuito – ou com redução tarifária – em várias situações. Para dar efetividade a esse direito, a Primeira Turma definiu que, no transporte coletivo interestadual, a reserva de duas vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos – prevista no artigo 40, inciso I, do Estatuto da Pessoa Idosa – abrange não só o valor das passagens, mas os custos relacionados diretamente ao serviço de transporte, como as tarifas de pedágio e de utilização de terminais (REsp 1.543.465).

Como destacou o relator do caso julgado pela turma, ministro Napoleão Nunes Maia Filho (aposentado), a gratuidade do transporte rodoviário interestadual para os idosos não advém apenas da Lei 10.741/2003, pois tem base eminentemente constitucional.

“Nota-se, nesse particular, que o constituinte teve especial atenção ao transporte dos idosos, considerando tratar-se não só de um direito, mas de verdadeira garantia, que tem por escopo, além de facilitar o dever de amparo ao idoso, assegurar sua participação na comunidade, bem-estar e dignidade, conforme o disposto nos artigos 229 e 230 da Constituição Federal“, apontou.

De acordo com o ministro, ao reservar duas vagas por veículo para passageiros idosos de baixo poder aquisitivo, o Estatuto da Pessoa Idosa excluiu a possibilidade de cobrança de taxas adicionais dos beneficiados pela gratuidade.

A dança que evoca a luta contra o preconceito

Motivo de saúde e longevidade para o casal de idosos, a dança ganha um elemento adicional nos movimentos de Júlio Cesar: o combate ao preconceito. Com os pés descalços e trazendo na roupa símbolos da luta antirracista, o professor de dança negra contemporânea apresentou uma coreografia diante das colunas criadas pela artista plástica Marianne Peretti para a fachada do STJ.

Nos últimos anos, a luta pela equidade racial teve avanços importantes no ordenamento jurídico, como em 2021, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a injúria racial ao crime de racismo, tornando-a imprescritível, e neste ano, com a edição da Lei 14.532/2023, que definitivamente tipificou a injúria racial como racismo.

Antes desses marcos mais recentes, contudo, o STJ já havia se manifestado pela possibilidade de equiparação entre a injúria e o racismo. Um desses precedentes foi o AREsp 686.965, de 2015, no qual a Sexta Turma afastou a prescrição em crime de injúria racial.

Segundo o relator, desembargador convocado Ericson Maranho, a injúria racial é imprescritível por ser um delito que traduz preconceito relacionado à cor e leva à segregação, somando-se, portanto, à lista das condutas definidas na Lei de Crimes Raciais (Lei 7.716/1989), que não é taxativa.

Fonte: STJ

Repetitivo vai discutir dedução de contribuições extraordinárias à previdência complementar no IRPF

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 2.043.775, 2.050.635 e 2.051.367, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos.

A controvérsia, registrada como Tema 1.224 na base de dados do STJ, é sobre a “dedutibilidade, da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), dos valores correspondentes às contribuições extraordinárias pagas a entidade fechada de previdência complementar, nos termos da Lei Complementar 109/2001 e das Leis 9.250/1995 e 9.532/1997“.

O relator destacou que o tema dos recursos especiais é apresentado de forma reiterada no STJ. Segundo Benedito Gonçalves, a corte registrou, entre fevereiro de 2020 e abril de 2023, 51 processos sobre a mesma questão. Nos Tribunais Regionais Federais, já em segundo grau de jurisdição, a pesquisa realizada pela Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas identificou mais 4.188 processos semelhantes.

“O requisito da multiplicidade recursal, portanto, está preenchido diante do elevado número de processos com idêntica questão de direito, a justificar a afetação da temática sob o rito dos recursos repetitivos“, observou o ministro.

Com base nesses dados, Bendito Gonçalves determinou a suspensão, em todo o território nacional, de todos os processos que tratem da mesma matéria, conforme previsão do artigo 1.037, II, do Código de Processo Civil (CPC).

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O CPC regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

Fonte: STJ

Leis municipais, retrofit e reabilitação dos centros históricos

Em um artigo anterior, abordamos a aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável ao meio ambiente cultural material. Naquela ocasião, indicamos que o termo é abrangente, e envolve técnicas de conservação, proteção à natureza, geração de impactos econômicos positivos e desenvolvimento econômico.

Diversas iniciativas implementadas pelos municípios visam promover a sustentabilidade cultural do patrimônio edificado, especialmente ao lidarem com a reabilitação de áreas degradadas, notadamente os centros históricos.

O retrofit, também denominado reconversão, destaca-se dentre as técnicas que podem ser utilizadas para reabilitar essas áreas, pois proporciona a restauração de imóveis antigos, adaptando-os para atender às demandas contemporâneas do mercado imobiliário, possibilitando o investimento para usos tanto comerciais quanto habitacionais.

Ao conferir novas funções à edifícios antigos, existe uma grande economia de insumos, pois há o reaproveitamento dos recursos já utilizados anteriormente na construção da edificação.

Surge, ainda, a oportunidade para introduzir equipamentos de segurança e acessibilidade nesses prédios, além de introduzir novas tecnologias benéficas ao meio ambiente natural, como, por exemplo, o reaproveitamento de água da chuva e o uso de energia solar.

Os benefícios não se limitam às construções individualmente consideradas, há ainda ganhos no aspecto urbanístico. As intervenções propiciam um melhor aproveitamento dos equipamentos urbanos já instalados nos centros, como, por exemplo, a infraestrutura de transporte e de fornecimento de água e de energia elétrica.

O modelo tradicional de oferta de novas áreas edificáveis nas cidades acarreta diversos impactos negativos, os quais podem ser mitigados através do incentivo à ocupação dos centros históricos. Além do impacto ambiental, a expansão territorial urbana onera demasiadamente o erário, pois diversos equipamentos precisam ser instalados nessas novas áreas, sendo que os centros já contam com essa infraestrutura.

Portanto, o retrofit é uma técnica que pode contribuir com a sustentabilidade do patrimônio cultural material, pois permite o uso mais eficiente dos imóveis e da infraestrutura localizados nos centros urbanos.

Nesse sentido, muitos municípios têm concedido benefícios fiscais para aqueles que adquirem e reformam imóveis nos centros históricos, buscando tornar essas áreas atrativas para investimentos privados, pois o poder público não possui recursos para arcar com todos os custos envolvidos na reabilitação dessas áreas.

Através da lei municipal nº 9.767/2023, o município de Salvador lançou o “Renova Centro”, que é um programa de incentivo a empreendimentos e moradias, através, por exemplo, da concessão de isenção do ITIV, e de IPTU pelo adquirente de imóvel edificado no âmbito do programa por um prazo de 10 anos contados da aquisição do imóvel.

Adicionalmente, através do Decreto nº 36.870/23, foi criado o Distrito Cultural do Centro Histórico e Comércio de Salvador, que busca a centralização, organização e governança dos serviços públicos na região.

No caso do município de São Paulo, foi publicada a lei 17.577/2022, que ficou conhecida como “Lei do Retrofit”. Tal norma, que foi regulamentada pelo Decreto nº 61.311/2022, faz parte do “Programa Municipal Requalifica Centro”. Esse programa estabelece incentivos à prática do retrofit, como a remissão dos créditos de IPTU, redução para 2% da alíquota de ISS para os serviços relativos à obra de requalificação, Isenção de ITBI aos imóveis objetos de requalificação e Isenção de taxas municipais para instalação e funcionamento por cinco anos.

Em Recife, a lei municipal nº 18.869/21, regulamentada pelo Decreto nº 35.876/22, instituiu o “Recentro”, que é um plano de incentivos fiscais para fomentar as obras destinadas à recuperação, renovação, reparo ou manutenção de imóveis localizados nos sítios históricos do município.

Dentre os incentivos fiscais concedidos pela legislação do município pernambucano, destaca-se a isenção de até 100% do IPTU, restituição do ITBI, redução da alíquota do ISS para prestação de serviços de construção, recuperação, renovação, reparo ou manutenção de imóveis nas áreas selecionadas.

No Rio de Janeiro, destaca-se o programa “Reviver Centro”, que estabelece diretrizes para a requalificação urbana da área central do município através de incentivos ao retrofit e conservação das edificações existentes, aproveitando-as para a produção de unidades residenciais (artigo 1º da Lei Complementar nº 229/21).

Portanto, os municípios têm reconhecido o retrofit como uma alternativa viável para reabilitar seus centros históricos, tanto é que têm concedido isenções e benefícios fiscais para os empreendedores interessados em investir nessas regiões. O uso dessa técnica, aliada aos benefícios fiscais apontados anteriormente, podem servir como um importante estímulo para o investimento e aprimoramento do uso dessas áreas, contribuindo assim para a preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Fonte: Consultor Jurídico

Declaração Universal dos Direitos Humanos: um novo direito

O processo que levou à reação jurídica ao mal por meio da plena internacionalização dos direitos humanos tem, entre seus marcos, o discurso do presidente Roosevelt, dos Estados Unidos, de 6 de janeiro de 1941. Neste discurso, pronunciado perante o Congresso do seu país, Roosevelt afirmou a importância, para o futuro, de um mundo fundado em quatro liberdades: a liberdade da palavra e de expressão; a liberdade de religião, a liberdade de viver ao abrigo da necessidade e a liberdade de viver sem medo. Estas duas últimas foram reiteradas na Carta do Atlântico de agosto de 1941, aprovada por Churchill e Roosevelt, que indicava, em plena Segunda Guerra Mundial, uma visão de futuro para o mundo.

A Declaração das Nações Unidas, assinada em 1 de janeiro de 1942 pelos representantes dos 26 países em guerra com as potencias do Eixo, ao secundar a Carta do Atlântico, expressa convicções sobre a preservação dos direitos humanos nos seus respectivos países, bem como em outros. No mesmo sentido, a Declaração de Filadélfia de 1944, que emanou da Conferencia Internacional do Trabalho da OIT e que tratou dos objetivos desta organização, ao traçar os princípios do Direito Internacional do Trabalho, proclamou a relevância dos direitos humanos ao afirmar: “Todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou sexo, têm o direito de assegurar o bem estar material e o desenvolvimento espiritual dentro da
liberdade e da dignidade, da tranquilidade económica e com as mesmas possibilidades”.

Esta sensibilidade em relação à internacionalização dos direitos humanos não transparece com tanta clareza nas propostas para o estabelecimento de uma organização internacional geral, que emanaram da Conferência de Dumbarton Oaks de 1944, da qual participaram representantes dos EUA, da Grã-Bretanha e subsequentemente da União Soviética e da China e que serviram de base para a negociação do texto da Carta das Nações Unidas. Foi na sua negociação conclusiva, na Conferência de São Francisco de 1945, que ocorreu a efetiva inserção dos direitos humanos no que veio a ser o texto da Carta da ONU.

A cautela, em Dumbarton Oaks, dos que, na condição de potências vitoriosas, depois passariam a integrar o Conselho de Segurança como membros permanentes, explica-se, pois eles tinham, na época, suas próprias vulnerabilidades no campo dos direitos humanos. Os EUA viviam ainda os problemas da discriminação racial legalizada que, sobretudo no Sul do país, vitimava a população negra; a Grã-Bretanha ainda era um império colonial e a União Soviética de Stalin carregava a sombria realidade dos seus Gulags (campos de prisioneiros) (1).

Leia também
A história da Declaração Universal dos Direitos Humanos

A inserção mais abrangente dos direitos humanos na Carta da ONU ocorreu na Conferência de São Francisco. Deve-se em grande medida aos países que não eram tidos como grandes potências e, em especial, aos países latino-americanos que, na Conferência de Chapultepec (21/2 a 8/3/45) sobre os problemas da guerra e da paz, que a antecedeu, manifestaram a sua intenção de aperfeiçoar as propostas do projeto de Dumbarton Oaks. Tambem no item 12 da Declaração do México, em oposição ao magma da negatividade vigente no período entre as duas guerras, afirmaram: “A finalidade do Estado é a felicidade do ser humano dentro da sociedade. Os interesses da coletividade e os direitos do indivíduo devem ser harmonizados. O homem americano não concebe viver sem justiça, nem tampouco viver sem liberdade”.

Daí iniciativas do Brasil, do México, do Chile, do Panamá, da República Dominicana, do Uruguai na Conferência de São Francisco, que acabaram contribuindo — também com o trabalho de organizações não governamentais que atuaram como consultoras da Delegação norte-americana — para que a Carta da ONU inserisse, de forma abrangente, a temática dos direitos humanos (2).

A Carta da ONU, como a expressão de um novo pactum societatis distinto do Pacto da Sociedade das Nações, trata dos direitos humanos em várias partes. No preâmbulo, “refere-se à fé nos direitos fundamentais do homem, da dignidade, e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres”. No artigo 1º, 3, inclui nos propósitos da ONU conseguir uma cooperação internacional “para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. O artigo 13, 1, b, dá à Assembleia Geral competência para proceder a estudos e recomendações e promover a cooperação internacional favorecedora do “pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção
de raça, língua ou religião”.

O artigo 55, c, no trato da cooperação internacional, registra que uma de suas funções é a de criar condições para favorecer “o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. O artigo 62, 2, diz que, entre as atribuições do Conselho Econômico e Social, estão as de “fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos”.

O artigo 68 dá ao Conselho Econômico e Social a competência para criar comissões destinadas, inclusive, à proteção dos direitos humanos. Esta foi a base jurídica da Comissão de Direitos Humanos, no âmbito da
qual foi elaborada a Declaração Universal.

Como se vê, sob o impacto das fontes materiais descritas no correr deste texto, a Carta da ONU tem, em matéria de direitos humanos, referências de amplitude. Estas são, no plano do Direito Internacional Público, a expressão de um “direito novo”, axiologicamente sensível a uma visão kantiana, seja na sua abertura a uma razão abrangente da humanidade, seja por desenhar a possibilidade de efetivar um jus cosmopoliticum ao conjeturar uma contenção da prévia discricionariedade da “razão de Estado” das soberanias, impeditivas de uma ampla tutela jurídica internacional da pessoa humana.

A Carta da ONU é um pactum societatis de vocação universal, com características constitucionais, que não têm um enunciado de direitos na forma de uma Declaração, como é usual nas constituições. É certo, no entanto, que o princípio de igualdade e da não discriminação, ponto de partida da generalização dos direitos humanos, nela foi claramente afirmado nos dispositivos acima mencionados. Promover e estimular universalmente o respeito aos direitos humanos em cooperação com as Nações Unidas é a obrigação jurídica interestatal prevista na Carta da ONU. É a esta obrigação que o sexto considerando da
Declaração explicitamente se refere, agregando, no sétimo e último considerando, “que uma
compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno
cumprimento desse compromisso”.

Em síntese, a Carta da ONU inova ao relativizar o clássico princípio da soberania em relação àqueles que vivem no âmbito da sua soberana competência territorial, ao estipular a cooperação entre os seus Estados-membros voltada para o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais. Neste sentido, o que a Carta da ONU de 1945 foi a vis directiva da função promocional do Direito Internacional Público no campo dos direitos humanos, que teria como locus a própria ONU, como “um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução de objetivos comuns”. A Declaração Universal de 1948 é a primeira e admirável expressão desta vis directiva, harmonizada no seio da ONU.

A Declaração Universal foi elaborada no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da ONU, tendo como base o mandato a ela atribuído na primeira sessão do Conselho Econômico e Social por resolução de 16 de fevereiro de 1946. O mandato era mais amplo e contemplava a elaboração de outros textos, mas a Comissão logo se deu conta, à luz das tensões internacionais da época, inclusive o início da Guerra Fria e de sua confrontação ideológica, que o foco apropriado era o de concentrar o trabalho na elaboração de uma Declaração que proclamasse os direitos humanos de maior relevância.

A elaboração da Declaração teve início na primeira sessão plenária da Comissão em janeiro/fevereiro de 1947, tendo como método de trabalho um comitê de redação de oito membros escolhidos com base de representação geográfica (Austrália, Chile, China, EUA, França, Líbano, Reino Unido e União Soviética) incumbidos de redigir uma minuta com base num modelo proposto pelo secretariado. Na segunda sessão, em dezembro de 1947, a Comissão produziu uma minuta da Declaração que foi submetida aos Estados-membros para comentários. Em maio de 1948, o comitê de redação reviu a minuta à luz dos comentários recebidos. De 24 de maio a 16 de junho de 1948, fez novas revisões da minuta antes de
submetê-la ao Conselho Econômico e Social que, em agosto de 1948, a encaminhou à Assembleia Geral da ONU.

A Assembleia Geral da ONU, na sua terceira sessão, realizada em Paris (setembro a dezembro de 1948) examinou minuciosamente o texto, no âmbito de sua terceira comissão, votando cada um dos seus dispositivos num processo que requereu 1.400 votações. Em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral proclamou a versão final da Declaração dos Direitos Humanos por 48 votos, nenhum contra e oito abstenções (Arábia Saudita, Bielo-Rússia, Tchecoslováquia, Polônia, Ucrânia, União Sul Africana, União Soviética e Iugoslávia). Duas delegações (Honduras e Iêmen) não participaram da votação e por isso os seus votos não foram computados (3).

A Declaração logrou um surpreendente consenso interestatal sobre a relevância dos direitos humanos, considerando a diversidade dos regimes políticos, dos sistemas filosóficos e religiosos e das tradições culturais dos Estados-membros da ONU que a proclamaram na Resolução 217-A (III) da Assembleia Geral. Na sessão de aprovação realizada em 10 de dezembro de 1948, o delegado brasileiro Austregésilo de Athayde, na qualidade de orador escolhido por seus pares, ressaltou que a Declaração era o produto de uma cooperação intelectual e moral das nações. Não resultara da imposição de “pontos de vista particulares de um povo ou de um grupo de povos, nem doutrinas políticas ou sistemas de filosofia”.

Sublinhou que “a sua força vem precisamente da diversidade de pensamento, de cultura e de concepção de vida de cada representante. Unidos, formamos a grande comunidade do mundo e é exatamente dessa união que decorre a nossa autoridade moral e política” (4).

Fonte: Consultor Jurídico

STJ No Seu Dia fala sobre cidadania ambiental

​O mais novo episódio do podcast STJ No Seu Dia traz o tema cidadania ambiental. No bate-papo com os jornalistas Fátima Uchôa e Thiago Gomide, a redatora do portal de notícias do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Júlia Azambuja conta detalhes de uma reportagem especial que escreveu sobre o assunto.

Júlia aponta que, diante dos eventos climáticos extremos vividos em 2023 e de previsões de impactos ainda mais intensos em 2024, a preservação do meio ambiente se firmou entre as maiores preocupações mundiais, convidando cada um a refletir sobre a própria responsabilidade nesse tema.

Segundo ela, “a proteção do meio ambiente é uma das faces do exercício da cidadania. O cumprimento dos deveres individuais e coletivos em favor do desenvolvimento sustentável, fruto da consciência sobre o direito desta e das futuras gerações a um ambiente saudável e equilibrado, tem nome: cidadania ambiental”.

A redatora lembra que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente ecologicamente equilibrado foi erguido ao patamar de um verdadeiro direito fundamental.

“Na esteira das diretrizes constitucionais, surgiram diversas leis que disciplinam temas sobre o meio ambiente, como a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997) e o Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/2012)”, acrescenta.

Fonte: STJ

A tributação da atividade pecuária é sempre pior na pessoa jurídica?

É muito comum que o produtor rural pessoa física questione advogados e contadores sobre as vantagens tributárias de passar a exercer a atividade rural como pessoa jurídica. Inicialmente, se pode pensar que a resposta é simples. Porém, a atividade rural tem regras muito particulares e sua tributação tem regramento específico, não só para fins de declaração do Imposto de Renda, como também quanto ao cálculo do ganho de capital na venda de imóvel rural, por exemplo. E esse raciocínio não é somente aplicável quando nos referimos à sucessão no agro e holding rural, pois não necessariamente essa pessoa jurídica vai ter como objeto a participação no capital social de outras empresas ou o regramento interno de uma determinada família.

Há que se avaliar aspectos culturais, familiares, de governança, sucessório e protetivo para se criar uma holding rural. Esses são aspectos fundamentais quando da elaboração de um planejamento patrimonial e sucessório, mas neste artigo pretende-se tratar exclusivamente do aspecto tributário de exercer a atividade rural de criação de gado na pessoa jurídica ou na física, e para essa avaliação, primeiramente, deve-se mencionar os tributos que incidem sobre a operação e não sobre aqueles da propriedade imobiliária rural em si.

Primeiramente, é crucial notar quais tributos têm alíquotas distintas na pecuária e precisam ser analisados para se responder à pergunta do título do artigo. São eles: IR (Imposto de Renda), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural) e a contribuição ao Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural).

Há, também, formas diversas de tributar a pessoa física e a pessoa jurídica. A ideia é cingir a análise aos formatos mais comuns e padronizados. Imagina, por exemplo, que quem está obrigado a tributar pelo lucro real, não só não tem muita margem de escolha, como já passou por essa análise em algum momento.

Portanto, vamos avaliar a hipótese da cria e recria de gado. Trata-se de situação isenta de Funrural. Na pessoa física, pode-se pagar 5,5% IRPF + 0,2% de Senar, ou seja, um total de 5,7% do faturamento. Já a pessoa jurídica, no lucro presumido, tem tributação a 3,08% IRPJ/CSLL + 3,65% PIS/Cofins + 0,25% Senar = 6,98% do faturamento.  Ou seja, tributar essa forma de pecuária na pessoa física é melhor.

Por outro lado, quando se trata de engorda do gado e venda para frigorífico sem tributação de Funrural, sobre a receita bruta, na pessoa física há os mesmos 5,7% do faturamento, e na pessoa jurídica 3,33% do faturamento, porque neste caso, a venda para frigorífico é isenta de PIS/Cofins. Na mesma situação de engorda e venda para frigorífico, havendo tributação do Funrural, já que o gado na venda na etapa final para frigorífico não está isento deste tributo, na pessoa física será 5,5% IRPF + 1,3% Funrural + 0,2% de Senar, o que alcança um total de 7% do faturamento. Na pessoa jurídica, 3,08% IRPJ/CSLL + 1,8% Funrural + 0,25% Senar, ou seja, 5,13% do faturamento. Nesse sentido, com ou sem incidência do Funrural, temos situação de atividade pecuária com menor tributação na pessoa jurídica.

A partir dessa análise tributária, é possível concluir que, quando a atividade pecuária é de cria e recria de gado, a incidência de tributos é menor na pessoa física, pois não há incidência de PIS/Cofins. Contudo, se o produtor rural lida com a engorda e venda para frigorífico, a pessoa jurídica trará maior vantagem tributária. E daqui vemos que, diferente de várias outras análises tributárias mais padronizadas (prestação de serviços, venda de imóveis etc.) não há uma resposta única e padronizada. É sempre necessária a análise do tipo de atividade pecuária.

E, como mencionado antes, há diferentes formas de tributação, para além dessa análise comparativa. Isto porque, assim como a definição da tributação da pessoa jurídica pelo regime do lucro real ou presumido (quando há opção) depende da ciência da rentabilidade da operação, o mesmo ocorre na pessoa física.

No que tange ao Imposto de Renda, há que se verificar também a lucratividade da atividade rural. O artigo 4º da Lei nº 8.023, de 12 de abril de 1990, que altera a legislação do Imposto de Renda sobre o resultado da atividade rural, dispõe que: “Considera-se resultado da atividade rural a diferença entre os valores das receitas recebidas e das despesas pagas no ano-base”. O artigo seguinte, 5º, assim continua: “A opção do contribuinte, pessoa física, na composição da base de cálculo, o resultado da atividade rural, quando positivo, limitar-se-á a vinte por cento da receita bruta no ano-base”.

Diante dessa disposição legal e de uma simulação do resultado do Imposto de Renda a ser pago comparando-se a margem de lucratividade (1) na pessoa física cuja apuração se dá com livro caixa, (2) na pessoa física cuja apuração se dá no lucro presumido, (3) na pessoa jurídica cujo regime tributário é o lucro presumido e (4) na pessoa jurídica cujo regime tributário é o lucro real, conclui-se que a tributação do Imposto de Renda é sempre mais vantajosa na pessoa física, independentemente da margem de lucratividade. No entanto, a opção pelo regime tributário de livro caixa ou aquele presumido pelo artigo 5º da Lei nº 8.023 dependerá exclusivamente da margem, pois acima de 20% claramente o legal, pode-se dizer presumido, é melhor.

Portanto, ao se tentar responder ao título deste artigo, percebe-se que é fundamental olhar para o negócio do produtor rural. Qual é o objeto da pecuária, afinal? Qual foi a sua receita bruta total? E as despesas de custeio e investimentos? E o prejuízo, teve? O que restou de lucratividade?

Dessa forma, conclui-se que o exercício da atividade de pecuária, seja engorda e venda para frigorífico ou cria e recria, na pessoa jurídica ou na física, dependerá de uma apurada análise.

Fonte: Consultor Jurídico

Pesquisa Pronta destaca responsabilidade por vazamento de dados de instituição financeira

A página da Pesquisa Pronta divulgou três novos entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Produzida pela Secretaria de Jurisprudência, a nova edição aborda, entre outros assuntos, a responsabilidade por vazamento de dados de instituição financeira; hipótese de crime de redução à condição análoga à de escravo, e liquidação do seguro-garantia ou da carta de fiança antes do trânsito em julgado dos embargos à execução fiscal.

O serviço tem o objetivo de divulgar as teses jurídicas do STJ mediante consulta, em tempo real, sobre determinados temas, organizados de acordo com o ramo do direito ou em categorias predefinidas (assuntos recentes, casos notórios e teses de recursos repetitivos).

Direito civil – responsabilidade civil

Dano moral. Banco de dados pessoais. Vazamento de informações.

“Se comprovada a hipótese de vazamento de dados da instituição financeira, será dela, em regra, a responsabilidade pela reparação integral de eventuais danos. Do contrário, inexistindo elementos objetivos que comprovem esse nexo causal, não há que se falar em responsabilidade das instituições financeiras pelo vazamento de dados utilizados por estelionatários para a aplicação de golpes de engenharia social (REsp 2.015.732/SP, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023).

Para sustentar o nexo causal entre a atuação dos estelionatários e o vazamento de dados pessoais pelo responsável por seu tratamento, é imprescindível perquirir, com exatidão, quais dados estavam em poder dos criminosos, a fim de examinar a origem de eventual vazamento e, consequentemente, a responsabilidade dos agentes respectivos. Os nexos de causalidade e imputação, portanto, dependem da hipótese concretamente analisada.

Os dados sobre operações bancárias são, em regra, de tratamento exclusivo pelas instituições financeiras. No ponto, a Lei Complementar 105/2001 estabelece que as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados (artigo 1º), constituindo dever jurídico dessas entidades não revelar informações que venham a obter em razão de sua atividade profissional, salvo em situações excepcionais. Desse modo, seu armazenamento de maneira inadequada, a possibilitar que terceiros tenham conhecimento de informações sigilosas e causem prejuízos ao consumidor, configura defeito na prestação do serviço (artigo 14 do CDC e artigo 44 da LGPD).

No particular, não há como se afastar a responsabilidade da instituição financeira pela reparação dos danos decorrentes do famigerado ‘golpe do boleto’, uma vez que os criminosos têm conhecimento de informações e dados sigilosos a respeito das atividades bancárias do consumidor. Isto é, os estelionatários sabem que o consumidor é cliente da instituição e que encaminhou e-mail à entidade com a finalidade de quitar sua dívida, bem como possuem dados relativos ao próprio financiamento obtido (quantidade de parcelas em aberto e saldo devedor do financiamento).

O tratamento indevido de dados pessoais bancários configura defeito na prestação de serviço, notadamente quando tais informações são utilizadas por estelionatário para facilitar a aplicação de golpe em desfavor do consumidor.

Entendimento em conformidade com Tema Repetitivo 466/STJ e Súmula 479/STJ: ‘As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias’.”

REsp 2.077.278/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/10/2023, DJe de 9/10/2023.

Direito penal – tipicidade penal

Redução à condição análoga à de escravo. Análise da circunstância relacionada à restrição à liberdade de locomoção.

“O entendimento adotado pelo egrégio tribunal de origem diverge da orientação firmada por esta corte, segundo a qual ‘o crime de redução a condição análoga à de escravo pode ocorrer independentemente da restrição à liberdade de locomoção do trabalhador, uma vez que esta é apenas uma das formas de cometimento do delito, mas não é a única. O referido tipo penal prevê outras condutas que podem ofender o bem juridicamente tutelado, isto é, a liberdade de o indivíduo ir, vir e se autodeterminar, dentre elas submeter o sujeito passivo do delito a condições degradantes de trabalho’ (REsp 1.223.781/MA, Quinta Turma, rel. min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 29/8/2016).”

AgRg no REsp 1.969.868/MT, relator ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 18/9/2023.

Direito tributário – execução fiscal

Liquidação do seguro-garantia ou carta de fiança antes do trânsito em julgado dos embargos à execução fiscal.

“O STJ considera possível a liquidação da carta de fiança e do seguro-garantia antes do trânsito em julgado dos Embargos à Execução Fiscal, porém ressalva que o levantamento do depósito realizado pelo garantidor fica condicionado ao trânsito em julgado, nos termos do artigo 32, § 2°, da Lei de Execução Fiscal (LEF).”

AgInt no REsp 1.968.437/SC, relatora ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 19/10/2023.

Fonte: STJ

TSE e Anatel assinam acordo para combater fraudes feitas com IA

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, assinou um acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para combater a reprodução de desinformação produzida por inteligência artificial (IA).

De acordo com o TSE, as determinações do tribunal para retirada de conteúdos prejudiciais ao processo eleitoral deixarão de ser enviadas por oficial de Justiça. Elas passarão a ser comunicadas por um sistema eletrônico, com objetivo de acelerar o cumprimento do bloqueio de sites que divulguem fake news durante as eleições.

Na última segunda-feira (4), Moraes afirmou que a Justiça Eleitoral vai regulamentar o uso de inteligência artificial nas eleições municipais de 2024.

“Com a inteligência artificial é possível, por exemplo, modificar vídeos de candidatos adversários, fazendo-os dar declarações que nunca deram. Essa agressão, principalmente com a utilização da inteligência artificial, pode realmente mudar o resultado eleitoral, pode desvirtuar o resultado eleitoral em eleições polarizadas”, afirmou o ministro.

Segundo o TSE, a parceria entre os órgãos está justificada pelo Marco Civil da Internet, que responsabiliza usuários ilegais nas redes sociais.

Fonte:

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Cuidados com a guarda unilateral e uso indevido da Lei Maria da Penha

A guarda compartilhada quebra hierarquias e uma estrutura de poder. “A guarda não é sua, nem minha. É nossa.” Isto por si só, já é um avanço, um grande passo em direção ao princípio de melhor interesse da criança e adolescente.  Em 2014, a Lei 13.058 estabeleceu como regra geral a guarda compartilhada. Mas de fato, ela ainda não se efetivou, verdadeiramente, no Brasil.

Para entender as dificuldades de implementação da cultura do compartilhamento da “guarda” de filhos, é preciso refletir sobre o sistema patriarcal em que estamos inseridos. As mulheres é que criam os filhos, e os homens pagam as contas. Os mais compreensivos “ajudam” em tarefas domésticas e cuidados rotineiros. Mesmo com o acesso da mulher ao mercado de trabalho, esta situação ainda permanece na maioria das famílias brasileiras. Há sinais de mudança. Os homens vêm incorporando uma participação mais efetiva no compartilhamento dos cuidados diários com os filhos. Em um futuro, que espero esteja próximo, não precisaremos mais falar de “guarda”, que traz consigo o significante de objeto e não de sujeito. Passaremos a falar apenas de convivência e autoridade parental.

Quando os pais se separam, muitas mulheres ainda têm medo de dividir, e delegar, ao ex-marido/companheiro os cuidados diários com os filhos, ainda que isto signifique uma sobrecarga de trabalho. Muitas acham que a guarda compartilhada não funciona e resistem a compartilhar essa exaustiva e árdua rotina de cuidados.

A estrutura e ideologia patriarcal, endossadas pelo sistema de justiça, nos faz acreditar que quem sabe criar e cuidar dos filhos é a mãe, e o pai é mero coadjuvante. Por isto, muitas ainda dizem, “eu deixo você visitar” o filho tal dia, tal hora. É preciso atualizar esse discurso. Primeiro, porque não se trata de deixar, mas de exercício de direitos.  Depois, um pai não deveria nunca ser um “visitante” de seus filhos. A expressão “visita” também, traz consigo o significante de frieza, formalidade. Pais, salvo raras exceções, não visitam, mas sim, convivem com os filhos.

Muda-se as palavras e ressignifica-se seu conteúdo. E assim, vai se desprendendo da ideologia patriarcal, que inseriu o machismo estrutural em todos nós, homens e mulheres. Aos poucos, as mulheres vão reconhecendo que a quebra desse paradigma é importante para elas próprias e vão retirando os homens do lugar de “ajudantes” da criação dos filhos para, também, serem protagonistas. Aos poucos, vamos entendendo que o filho ter duas casas, pode ser melhor do que uma. E esta será a rotina que ficará incorporada na vida deles. É importante que eles entendam que casa do pai, e da mãe, também são deles.

Uma questão palpitante e que pode interferir, drasticamente, no sistema de guarda e consequentemente da convivência, é quando há violência doméstica. Foi neste sentido que a Lei 14.713 de 30/10/23 fez significativa alteração no sistema de cuidados com os filhos. Ela alterou o artigo 1.584 do Código Civil, que passou a vigorar com a seguinte redação:

§ 2° Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente, ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar. (Grifamos)

A Lei Maria da Penha é um instrumento importantíssimo no combate à violência doméstica e vem sendo aprimorada, constantemente, no sentido de melhorias, inclusive, para as políticas públicas neste sentido. A violência contra as mulheres é uma realidade cruel, e precisamos todos, homens e mulheres, reconhecer e enfrentar os vários tipos de violência, não somente física, mas também, a psicológica e a patrimonial. A igualdade de direitos entre homens e mulheres só será efetivada a partir do reconhecimento das diferenças, químicas, físicas e biológicas, e que há um invisível trabalho doméstico, necessário de ser revalorizado. É preciso entender isso para avançar e efetivar o princípio constitucional da igualdade.

A Lei 14.713/23 também alterou o Código de Processo Civil introduzindo a cautela do convívio quando houver violência doméstica. In verbis:

Art. 699 – A – Nas ações de guarda, antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação de que trata o art. 695 deste código, o juiz indagará às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando o prazo de 5(cinco) dias para apresentação de prova ou de indícios pertinentes. (Grifamos)

Esta lei, nos remete a reflexões importantes: o pai, agressor da mãe, pode continuar convivendo com o(s) filho(s)em regime de guarda compartilhada? Depende do caso. Obviamente que nos casos mais drásticos, como os de feminicídio poderá até mesmo ser destituído do poder familiar. O pai que agride a mãe na frente do filho pode continuar convivendo com o(s) filho(s)?

Embora a Lei Maria da Penha seja aplicável somente quando a vítima é a mulher, é comum também mulheres agredirem o marido/companheiro, inclusive na frente do(s) filho(s). Neste caso, as mulheres deveriam sofrer restrição no convívio com o(s) filho(s)? O potencial de maldade e agressividade humana não tem gênero. Mas cerca de 90% da violência física é praticada por homens (of. Direito das Famílias — Ed. Forense, 4ª edição, p. 510). Nada justifica a violência. Por isto, o Direito deve interferir para “barrar os excessos gozosos”, ou seja, colocar limites externos em quem não os tem internamente. Eis aí a importante função do Direito, que é conter as pulsões inviabilizadoras do convívio familiar e social.

A importância desta lei é inegável na valorização do combate à violência doméstica. Entretanto, ela traz consigo o paradoxo de impedir ou restringir o pai de conviver com seu(s) filhos(s) no exercício da guarda compartilhada. Já vivemos esta história antes. Até a década de 1990, a mulher perdia a guarda de seu filho se tivesse traído o marido. Viu-se, depois, que ela poderia até não ser uma “boa” esposa no sentido moral, mas, poderia ser uma ótima mãe. Foi assim que começou a se distinguir a família conjugal da família parental.

Na violência doméstica, também, é preciso separar agressões à mãe e agressões ao(s) filhos(s). O homem pode ser um péssimo marido/companheiro e, no entanto, ser um bom pai. Assim como há casos em que ele pode ser um ótimo marido/companheiro e não ser um bom pai. Certamente, há casos em que o agressor da mãe é, também, agressor do(s) filho(s) na medida em que desrespeita a mãe, principalmente na frente do filho. É preciso separar o joio do trigo, ou seja, conjugalidade de parentalidade, sob pena de trazer graves prejuízos aos filhos, ou mesmo usar a Lei como instrumento de vingança quando, na verdade, o seu espirito é o de proteção às pessoas vulneráveis. Portanto, não é qualquer indício de violência contra a mãe que autoriza a guarda unilateral. A referida lei alterou foi o Código Civil não a Lei Maria da Penha. Ou seja, a caracterização da violência, para efeitos desta lei deve ser em relação à criança e adolescente.

Estabelecer a guarda unilateral e restringir o convívio do pai com o filho é uma medida extrema, que deve ser feita excepcionalmente, com a maior cautela, até porque, há casos de abuso e uso indevido de invocação da Lei Maria da Penha. De qualquer forma, o norte para a aplicação da Lei 14.713/23 será sempre a busca do princípio constitucional do melhor interesse da criança e do adolescente, que é também a pergunta que deve nos guiar sempre para o estabelecimento e reflexão de proteção às pessoas vulneráveis. Ver a família sob a perspectiva da conjugalidade, separadamente da parentalidade, é um importante ponto de partida, e de chegada, para interpretação da Lei 14.713/23 e proteção e atendimento do princípio do superior interesse desses sujeitos em desenvolvimento.

Fonte: Consultor Jurídico

Intempestividade do recurso deve ser afastada quando decorre de informação errada no sistema do tribunal

Diante do equívoco do tribunal, segundo o ministro Marco Aurélio Bellizze, é preciso prestigiar o princípio da boa-fé objetiva, que deve orientar a relação entre o poder público e os cidadãos.

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a intempestividade de um recurso ocasionada por indicação errônea da data final do prazo no sistema eletrônico do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). De acordo com o colegiado, em tal situação, reconhecer a tempestividade do recurso significa prestigiar o princípio da boa-fé objetiva.

Na origem do caso, o Ministério Público de Minas Gerais ajuizou ação de destituição do poder familiar e anulação de registro de nascimento contra a mãe e o suposto pai de uma criança.

O juízo de primeira instância julgou o pedido procedente e determinou o afastamento da criança do convívio familiar. As partes rés apelaram ao TJMG, mas o recurso não foi conhecido pelo tribunal sob o fundamento de que havia sido interposto fora do prazo legal.

Boa-fé objetiva deve orientar relação entre administração e administrados

O relator do caso na Terceira Turma, ministro Marco Aurélio Bellizze, esclareceu que o STJ confere às hipóteses previstas nos artigos 155 a 197 do Estatuto da Criança e do Adolescente –entre as quais está a destituição do poder familiar – o prazo recursal de dez dias corridos. No entanto, o prazo informado aos recorrentes pelo sistema do TJMG foi outro.

Embora o recurso de apelação tenha sido interposto após o prazo de dez dias corridos da publicação da sentença, isso ocorreu antes do vencimento do prazo informado pelo TJMG em seu sistema eletrônico (PJe).

Ao entender que os recorrentes foram levados a erro pelo próprio sistema judiciário, que contabilizou o prazo recursal de forma equivocada, o ministro determinou o retorno do processo ao tribunal de origem para que julgue o caso.

“Nessa situação, deve ser reconhecida a justa causa apta a afastar a intempestividade do recurso, em obediência à boa-fé objetiva que deve orientar a relação entre o poder público e os cidadãos”, afirmou o relator.

Fonte: STJ