Aconteceu na semana passada o 3º Congresso do IAT (Instituto de Aplicação do Tributo), presidido pelo incansável professor Tácio Lacerda Gama. Muitas opiniões surgiram nos diversos painéis do evento em decorrência das inúmeras modificações tributárias ocorridas em nosso ordenamento jurídico, no âmbito da tributação do consumo, da renda e da propriedade, com destaque para a recente EC 132, que ainda ocasionará muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais.
Um dos debates envolveu a possibilidade de superposição entre a incidência da CBS e do IBS (que, simplificadamente já grafo como CIBS) e o ITBI em operações de compra e venda de imóveis.
A hipótese é simples. Uma construtora vende um imóvel para um indivíduo e as normas municipais preveem a incidência de ITBI, por força do artigo 156, II, CF. Ocorre que também está prevista a incidência de IBS (artigo 156-A, parágrafo 1º, I, CF), embora esteja sujeito a regime específico de tributação (artigo 156-A, parágrafo 6º, II, CF), o que também se aplica à CBS (artigo 195, parágrafo 16).
O PLP 68 prevê a incidência da CIBS sobre a alienação de bens imóveis, inclusive em caso de incorporação imobiliária (artigo 234), tendo por base de cálculo o valor da operação (artigo 239), que é o mesmo utilizado para o ITBI. Observa-se, contudo, que a base de cálculo da CIBS é até mesmo mais ampla do que a do ITBI, pois prevê sua incidência inclusive sobre os juros do financiamento imobiliário (artigo 239, parágrafo 1º, I). Identifica-se um enorme âmbito de superposição, mas a base de cálculo da CIBS é mais ampla que a do ITBI.
Há inconstitucionalidade? Entendo que sim, de forma ainda potencial, pois o PLP 68 é, por ora, apenas um projeto de lei complementar. Caso aprovado tal qual proposto, diversas normas constitucionais e jurisprudência assente do STF ampararão tal arguição de inconstitucionalidade.
Como corrigir isso durante a tramitação do PLP? Uma hipótese é a de abater o que for pago de ITBI do montante de CIBS, uma vez que a base de cálculo desta é mais ampla do que daquela. Existem precedentes nesse sentido no âmbito das taxas ambientais.
Logo, dá para corrigir, pois ainda há tempo
O que não pode ocorrer é o terrorismo verbal que vem grassando, sob o argumento de que “caso alguma coisa seja alterara no PLP, a alíquota será maior do que 26,5%”. Ora, nenhum cálculo — absolutamente nenhum — foi disponibilizado de forma oficial para debate sobre essa alíquota. Da mesma maneira, nenhuma demonstração de impacto econômico foi feito sobre o projeto de reforma — mas, como já foi aprovada e transformada na EC 132, trata-se de página virada.
No mesmo sentido, não dá para se jogar fora toda a doutrina tributária “sob pena de acabar com a reforma aprovada”, como ouvi em um dos painéis. O orador se referia à doutrina sobre competência tributária, dizendo-a ultrapassada, e, se acatada, seria o “fim de tudo”. Puro terrorismo verbal.
Não podemos colocar nos debates técnicos a polarização que se vê na sociedade, criando tributaristas do bem e tributaristas do mal, como muito bem expôs Raquel Preto, no painel em que participei.
Sigo na torcida para que esta reforma tributária dê certo, e estou colaborando, como se vê, na medida do possível.
E parabenizo o Tácio Lacerda Gama e sua equipe pelo evento, sucesso de público e de crítica, que ainda renderá muitos bons debates.
Violência doméstica, lesão corporal, estupro, estupro de vulnerável, feminicídio. De acordo com o DataJud, painel de estatísticas do Conselho Nacional de Justiça, esses e outros crimes reconhecidos no arcabouço legal brasileiro representaram em 2023 21% do total de demandas na área penal em apreciação pelo Judiciário brasileiro. No período de 2020 a 2023, o volume de demandas sobre o tema evoluiu 51% — mais que o dobro do incremento constatado por todas as demandas do Direito Penal juntas, que no mesmo intervalo de tempo cresceram 23%.
Um outro dado alarmante dos riscos de nascer mulher em um país profundamente machista como o Brasil foi identificado pela ministra Daniela Teixeira em novembro de 2023, assim que ela tomou posse no Superior Tribunal de Justiça. “No meu gabinete havia 511 processos relacionados a crimes de estupro de vulneráveis, ou seja, cometidos contra pessoas com menos de 14 anos. Esse dado foi o que mais me chocou desde a minha chegada na corte”, afirmou a ministra, mãe de uma menina de 10 anos e uma das cinco mulheres no universo de 31 ministros que atualmente integram a corte.
O volume escandaloso de demandas na Justiça relacionadas à violência contra a mulher reflete o cotidiano de uma população que é numericamente maioria no Brasil, mas que apesar disso sofre a cólera da minoria empoderada por séculos de patriarcado. De acordo com a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo Instituto DataSenado em 2023, 30% das mulheres com 16 anos ou mais já foram vítimas de algum tipo de violência doméstica ou familiar praticada por homens. Conforme outro levantamento sobre o tema, “Feminicídios em 2023”, divulgado em março pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), um total de 1.463 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil em 2022, um crescimento de 1,6% quando comparado ao ano anterior e maior número da série monitorada pela organização desde a tipificação do crime pela Lei 13.104, de 2015. O feminicídio é uma qualificadora do homicídio doloso, quando o crime decorre de violência doméstica e familiar em razão do menosprezo e da discriminação à condição feminina.
Para fazer o levantamento, o FBSP coleta e consolida as bases de dados dos feminicídios registrados pelas Polícias Civis dos Estados e do DF, que incluem informações detalhadas sobre o perfil das vítimas, dos autores e as características do crime. Assim, é possível traçar o perfil das mulheres que tiveram a vida ceifada em função de gênero. Entre elas, 72% tinham entre 18 e 44 anos, 61% eram negras. Morreram assassinadas em 73% dos casos pelo parceiro ou ex-parceiro, 70% em sua própria residência, fatalmente feridas, em metade dos registros, por golpes de armas brancas. “O espaço da casa, ‘o asilo inviolável’ do qual a Constituição fala, não se apresenta como um espaço do lar, é um espaço de insegurança”, lamentou a secretária-geral do CNJ, juíza federal Adriana Alves do Santos Cruz em palestra para juízes e servidores do STJ no final de 2023. “Quando esses casos chegam à Justiça é porque tudo deu errado”, diz.
Não é por carência de legislação que o Brasil não consegue mitigar a violência cometida contra a população feminina. “A Lei 11.340/2006, batizada em homenagem a Maria da Penha, traduz a luta das mulheres por reconhecimento, constituindo marco histórico com peso efetivo, mas também com dimensão simbólica, e que não pode ser amesquinhada, ensombrecida, desfigurada, desconsiderada. Sinaliza mudança de compreensão em cultura e sociedade de violência que, de tão comum e aceita, se tornou invisível – ‘em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher’, pacto de silêncio para o qual a mulher contribui, seja pela vergonha, seja pelo medo”, disse a ministra Rosa Weber na ocasião de seu voto na ADC 19, julgada procedente por unanimidade do STF para declarar a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da lei, que vinha sofrendo resistência por uma parte de juízes e desembargadores.
Depois da Lei Maria da Penha, o Brasil ganhou uma série de outras normas concebidas a partir do debate entre a sociedade civil, o parlamento e o Judiciário, caso da Lei do Minuto Seguinte (Lei 12.845/2013), que oferece garantias a vítimas de violência sexual, como exames preventivos e informações sobre seus direitos, a lei que tipificou o crime de Violência Psicológica contra a Mulher (Lei 14.188/2021), a Lei do Feminicídio (Lei 1.463/2022), entre outras.
Mais recentemente duas importantes ferramentas foram adotadas no dia a dia do Judiciário brasileiro na busca por diminuir o número de casos de violência contra a mulher e como forma de evitar que ameaças, agressões atinjam um caminho sem volta. A primeira delas nasceu em 2020 numa parceria do CNJ com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP): o Formulário Nacional de Avaliação de Risco (Fonar) – Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. As 27 perguntas do documento ajudam a entender a situação da vítima, do agressor e o histórico de violência na relação entre ambos.
“O formulário retira muito da subjetividade. Às vezes, a mulher vai numa delegacia e nem mesmo ela lembra nem tem condições de saber se determinado episódio foi importante. O formulário auxilia a identificar os sinais mais evidentes de risco de violência”, explica Alice Bochini, vice-presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas (ABMCJ) e membra do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM). “Adotado pelo Judiciário e pelo MP em 2021 o Fonar transformou-se na Lei 14.149”, tendo sua aplicação estendida a delegacias e entidades que integram a rede de apoio no atendimento a mulheres. Com as respostas do questionário, a autoridade policial e todo o Sistema de Justiça têm condições de requerer ou determinar, por exemplo, a concessão de medidas protetivas.
Segundo a juíza Adriana Cruz, entre as vítimas de feminicídio, em 2022, apenas 11% tinham medidas protetivas deferidas. “Precisamos pensar por que essa política pública judiciária não chegou para essas mulheres.” A medida protetiva de urgência foi criada no escopo da Lei Maria da Penha e é um meio importante para garantir uma proteção emergencial à mulher em situação de risco. No entanto, como demonstram dados dos últimos quatro anos, a concessão de medidas protetivas aponta tendência de queda. Segundo números do Painel de Monitoramento das Medidas Protetivas de Urgência da Lei Maria da Penha, ferramenta do DataJud/CNJ, em 2020, do total de 347 mil solicitações feitas por mulheres em todo o Brasil, perto de 78% foram concedidas. Em 2023, as solicitações saltaram para 704 mil e as concessões caíram para 68% do total.
Na tentativa de garantir a efetividade destas medidas, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão colegiado ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, publicou em abril recomendação de uso de tornozeleira eletrônica nos agressores denunciados por violência doméstica e familiar contra a mulher. “Magistrados e magistradas deverão, ao determinar o monitoramento eletrônico, fundamentar a decisão, definir o perímetro de circulação, os horários de recolhimento e o prazo para reavaliação do uso. É mais um equipamento que permite manter os agressores distantes das vítimas”, explica a advogada Alice Bochini.
Outro importante instrumento estabelecido recentemente pelo Judiciário na luta para reduzir a violência contra a mulher é o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pelo CNJ como recomendação em 2021 e convertido em resolução em 2023 após o Brasil ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no paradigmático ‘caso Márcia Barbosa de Souza e outros vs. Brasil’.
Márcia Barbosa de Souza, uma jovem de 20 anos, negra e moradora de Cajazeiras, município a cerca de 450km de João Pessoa, vivia com o pai e uma irmã pequena na periferia da cidade. Em 1997, em uma viagem à capital paraibana em busca de trabalho, conheceu Aércio Pereira de Lima, 54 anos, casado e no exercício do quinto mandato como deputado estadual. No ano seguinte, de volta à João Pessoa, reencontrou o parlamentar. Estavam em um motel, de onde a moça falou pelo celular do deputado com diversas pessoas.
Apareceria morta no dia seguinte nos arredores de um bairro chique da cidade, com diversas escoriações e hematomas na região da cabeça e no dorso. Causa mortis, segundo laudo pericial: asfixia por sufocamento, resultante de ação mecânica.
A jovem Márcia é a personificação de incontáveis mulheres vítimas de feminicídio no Brasil. Teve a vida esmiuçada, foi julgada e até condenada como se fosse ela a criminosa. Protegido pelas garantias do mandato existentes na época, seu algoz só iria a júri popular em setembro de 2007, sendo condenado a 16 anos de reclusão. Ainda em liberdade, em meio ao recurso contra a sentença, teve um infarto e morreu. Mesmo não sendo mais deputado, recebeu homenagens de seus pares. Foi velado na sede da Assembleia Legislativa da Para-íba como se herói fosse.
Paradigma
“Foi a primeira condenação da corte ao Estado brasileiro concernente integralmente à temática de violência contra a mulher”, escreveu em artigo na revista eletrônica ConJur a delegada da Polícia Civil de Pernambuco Bruna Cavalcanti Falcão. “Não se pode ignorar que as decisões proferidas nesse caso e em outros que tramitaram perante a comissão e a corte refletiram em relevantes transformações sociais, notadamente no fortalecimento do sistema de enfrentamento à violência contra a mulher. Isoladamente, no entanto, não se prestam a revoluções”, analisou.
A partir da condenação na Corte Internacional, o protocolo passou a ser um imperativo legal. “De observância por toda a magistratura”, salienta a secretária-geral do CNJ, Adriana Cruz, que atua em alguns momentos como uma porta voz da norma, elaborada por um grupo de trabalho com juízes e juízas de diferentes segmentos do Judiciário, tendo como modelo o protocolo sobre o mesmo tema feito pelo México, também condenado pelo tribunal interamericano. Além de um chão teórico, o protocolo é composto por um banco de decisões com aplicação da norma, uma espécie de “boas práticas” para inspirar integrantes do Judiciário na tomada de decisões. A ideia do Comitê para Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero, encampado pelo CNJ desde a gestão do ministro Luiz Fux, é sensibilizar e capacitar juízes para a incorporação do protocolo no seu dia a dia.
Na primeira reunião do comitê, em dezembro de 2023, uma das informações registradas na ata do encontro não era das mais alvissareiras: “Sobre a capacitação da magistratura, foi relatado que a Enfam possui um curso básico sobre o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero e que realizou essa capacitação para 25 juízes e juízas de diversos locais do país, em turma formada majoritariamente por mulheres, consignando-se que as vagas inicialmente oferecidas não foram todas preenchidas.”
Priorizar o julgamento dos processos relacionados ao feminicídio e à violência doméstica e familiar contra as mulheres é o item 8 das metas nacionais aprovadas durante o 17º Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado em dezembro de 2023 em Salvador. Coube no planejamento para 2024 atribuir ao STJ o julgamento de 100% dos casos relativos aos temas distribuídos até 2022, enquanto na Justiça Estadual a apreciação de 75% dos processos de feminicídio distribuídos até 31/12/2022.
Em 1º de agosto de 2023, coube ao STF, por unanimidade, pôr a pá de cal que faltava numa daquelas excrescências que perduravam em decisões judiciais Brasil afora: a tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres. “Hoje, é preciso que isso [matar ou agredir em legítima defesa da honra] seja extirpado inteiramente”, afirmou em seu voto a ministra Cármen Lúcia. “Como disse, mais do que uma questão de constitucionalidade, tendo como base exatamente a dignidade humana, conforme aqui sustentado como fundamento dos votos até agora exarados, estamos falando de dignidade humana no sentido próprio, subjetivo e concreto de uma sociedade ainda hoje machista, sexista, misógina e que mata mulheres apenas porque elas querem ser o que são: mulheres donas de suas vidas”, resumiu a ministra.
JURISPRUDÊNCIA
TESES COM PERSPECTIVA DE GÊNERO DEFINIDAS PELO STJ
1 OITIVA DA VÍTIMA A vítima de violência doméstica deve ser ouvida para que se verifique a necessidade de prorrogação/concessão das medidas protetivas, ainda que extinta a punibilidade do autor. AgRg no REsp 1.775.341/SP Relator: Sebastião Reis Julgado em 12/4/2023 na 3ª Seção
2 PROTEÇÃO INDISPONÍVEL A medida protetiva de urgência, que busca resguardar interesse individual da vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher, tem natureza indisponível e poderá ser requerida pelo Ministério Público. REsp 1.828.546/SP Relator: Jesuíno Rissato Julgado em 12/9/2023 na 6ª Turma
3 PALAVRA DA VÍTIMA No contexto de violência doméstica contra a mulher, a decisão que homologa o arquivamento do inquérito deve observar a devida diligência na investigação e os aspectos básicos do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, em especial quanto à valoração da palavra da vítima. RMS 70.338/SP Relatora: Laurita Vaz Julgado em 22/8/2023 na 6ª Turma
4 CORPO DE DELITO No contexto de violência doméstica, é possível a dispensa do exame de corpo de delito em crime de lesão corporal na hipótese de subsistirem outras provas idôneas da materialidade do crime. AgReg no AREsp 2.078.054/DF Relator: Messod Azulay Julgado em 30/5/2023 na 5ª Turma
5 AGRAVANTE A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal em condenação pelo delito de lesão corporal no contexto de violência doméstica (art. 129, § 9º, do CP), por si só, não configura bis in idem. AgRg no REsp 2.062.420/MS Relator: Joel Paciornik Julgado em 20/12/2023 na 5ª Turma
6 INTENÇÃO DE MATAR A qualificadora do feminicídio, art. 121, § 2º-A, II, do Código Penal, deve incidir nos casos em que o delito é praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar por possuir natureza de ordem objetiva, o que dispensa a análise do animus do agente. AgRg no AREsp 2.358.996 Relatora: Laurita Vaz Julgado em 20/10/2023 na 6ª Turma
7 QUALIFICAÇÃO DE FEMINCÍDIO É inviável o afastamento da qualificadora do feminicídio pelo Tribunal do Júri mediante análise de aspectos subjetivos da motivação do crime, dada a natureza objetiva da qualificadora, ligada à condição de sexo feminino. AGRG NO HC 808.882/SP Relator: Rogerio Schietti Julgado em 30/8/2023 na 6ª Turma
8 DEVER DE CUIDADO Não há bis in idem pela incidência da agravante do art. 61, II, “e”, do Código Penal – que tutela o dever de cuidado nas relações familiares -, e a qualificadora do feminicídio. AgRg no REsp 2.007.613/TO Relator: Ribeiro Dantas Julgado em 10/03/2023
9 CUSTÓDIA CAUTELAR A manifestação da ofendida sobre a revogação de medidas protetivas de urgência é irrelevante para a manutenção da prisão preventiva do acusado, pois a custódia cautelar, fundada na gravidade concreta da conduta, não está na esfera de disponibilidade da vítima de violência doméstica. AGRG NO HC 768.265/MG Relator: Rogerio Schietti Julgado em 21/12/2023
10 AUMENTO DE PENA No contexto de violência doméstica contra a mulher, é possível a exasperação da pena-base quando a intensidade da violência perpetrada contra a vítima extrapolar a normalidade característica do tipo penal. AGRG NO ARESP 2.384.703/SP Relator: Reynaldo Soares da Fonseca Julgado em 27/11/2023, na 5ª Turma
11 MAL DO CIÚME O ciúme é fundamento apto a exasperar a pena-base, pois é de especial reprovabilidade em situações de violência de gênero, por reforçar as estruturas de dominação masculina. AGRG NO ARESP 2.398.956/SP Relator: Sebastião Rei Julgado em 28/11/2023, na 6ª Turma
12 VEDAÇÃO DE MULTA A vedação constante do art. 17 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) obsta a imposição, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de pena de multa isoladamente, ainda que prevista de forma autônoma no preceito secundário do tipo penal imputado. REsp 2.049.327/RJ Relator: Sebastião Reis Julgado em 14/6/2023 na 3ª Seção
13 PRISÃO DE GESTANTE O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho. AGRG NO HC 805.493/SC Relator: Antonio Saldanha Palheiro Julgado em 20/6/2023 na 6ª Turma
14 CIRURGIA TRANS É obrigatória a cobertura, pela operadora do plano de saúde, de cirurgias de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de próteses em mulher transexual, pois se trata de procedimentos prescritos por médico assistente, reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e listados no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS). REsp 2.097.812/MG Relatora: Nancy Andrighi Julgado em 21/11/2023 na 3ª Turma
Para a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministério Público não é parte legítima para ajuizar ação com o propósito de impedir a cobrança de tributo, mesmo que ele tenha sido declarado inconstitucional.
O entendimento foi estabelecido em ação civil pública na qual o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) buscava impedir que uma concessionária continuasse cobrando dos consumidores a alíquota de ICMS de 25% aplicada sobre as contas de energia elétrica. Segundo o MPRJ, a alíquota já havia sido declarada inconstitucional pelo órgão especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
A ação foi extinta sem resolução de mérito em primeiro grau, com sentença mantida pelo TJRJ.
Em recurso especial, o MPRJ alegou que, por meio da ação civil pública, tentava assegurar tratamento igualitário a todos os consumidores, inclusive àqueles que não ajuizaram ação contra a concessionária. Para o órgão, como a matéria teria implicações no direito do consumidor, estaria justificada a sua legitimidade no caso.
Natureza tributária da demanda impede MP de atuar no caso
Relator do recurso no STJ, o ministro Afrânio Vilela apontou que, ainda que o objetivo do MPRJ seja dar efetividade ao julgado que reconheceu a inconstitucionalidade do tributo, fazendo cessar a sua cobrança, o processo tem natureza essencialmente tributária, o que afasta a legitimidade do órgão para ajuizá-lo.
Ao negar provimento ao recurso, o ministro citou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 645 da repercussão geral, segundo o qual o MP não possui legitimidade ativa para, em ação civil pública, ajuizar pretensão tributária em defesa dos contribuintes, buscando questionar a constitucionalidade ou legalidade do tributo.
A regulamentação da recuperação judicial no ordenamento jurídico pátrio se embasou fortemente no artigo 170 da Constituição (CF/88), na medida em que prevê que a ordem econômica será regida pela função social da propriedade, pela valorização do trabalho humano e pela livre iniciativa.
Nesse sentido, no direito pátrio, as empresas devem ser vistas não apenas como um mecanismo da livre iniciativa destinadas exclusivamente à obtenção de lucro, posto que também servem para a geração de empregos e renda, para a sociedade e para o poder público por intermédio do pagamento dos tributos relacionados com a atividade explorada.
Na Lei Federal nº 11.101/05, vislumbra-se a concretização dessas normas no princípio da preservação da empresa, consagrado no seu artigo 47, que aduz:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
A leitura desse dispositivo permite concluir que a recuperação judicial não tem por objetivo único tutelar os interesses dos credores, devendo esses se adequarem à manutenção da fonte produtiva e dos empregos dos trabalhadores, dentre outros.
Marcelo Sacramone [1] aduz que a Lei Federal nº 11.101/05 rompe com a tradição eminente liquidatória das legislações pretéritas para estabelecer uma visão conciliatória de defesa dos credores, com a preservação das empresas e os interesses de terceiros, consumidores, empregados e outros.
Por outro lado, o artigo 45 da Lei de Falência e Recuperação de Empresas (LFRE) aduz a forma como o plano de recuperação judicial (PRJ) será devidamente aprovado, exigindo-se o alcance dos quóruns da maioria dos presentes de cada uma das quatro classes, bem como mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia, para os titulares de créditos com garantia real e quirografários.
Esse dispositivo é o responsável por corporificar o princípio da soberania da vontade dos credores na recuperação judicial.
Aprovação forçada de PRJ
Ainda que não atinja esse quórum, o artigo 58, parágrafo 1º da LFRE previu a possibilidade da aprovação forçada do PRJ mediante o “cram down” à brasileira, desde que preenchidos critérios mais brandos, como voto favorável de mais da metade de todos os créditos presentes à assembleia, reprovação em apenas uma das classes de credores votantes e voto favorável de 1/3 dos credores na classe que houver a rejeição.
Ainda assim, pode-se imaginar situações em que a não aprovação do plano decorra exclusivamente da arbitrariedade de algum(ns) dos credores, o que poderia macular o postulado da preservação da empresa do artigo 47 da LFRE.
Marcelo Sacramone [2] esclarece que a aprovação por intermédio do quórum alternativo previsto no artigo 58, parágrafo 1º da LFRE não se confunde com o “cram down” americano, já que a legislação brasileira previu um conjunto de requisitos mais brandos para que o plano fosse aceito pela própria assembleia de credores, segundo o seu juízo de conveniência e oportunidade, não havendo a interferência do magistrado nessa situação.
Já o “cram down” americano ocorre quando o próprio juiz aprova o PRJ apresentado pelo credor, mesmo não tendo havido o preenchimento dos requisitos legais, havendo nitidamente uma aprovação “goela abaixo” do planejamento formulado pela recuperanda. Esse instituto se aproxima do “cram down” mitigado, que vem sendo autorizado, em situações excepcionais, pelo STJ.
A Lei Federal nº 14.112/20 incluiu o parágrafo 6º no artigo 39 da LFRE, que previu expressamente a nulidade do voto abusivo, quando exercido pelo credor com um propósito manifestamente ilícito para si ou para terceiro.
A lógica da abusividade [3] caminha no sentido de que o credor deve demonstrar que a proposta exposta no PRJ seria mais desvantajosa de que eventual situação sua diante de uma virtual falência, sob pena de não se mostrar razoável o seu voto contrário à aprovação, já que a decretação da falência é a decorrência lógica da rejeição do plano, situação essa que também se denomina de irracionalidade econômica do voto.
Outra situação que demonstra o abuso do direito de voto do credor ocorre quando há o manifesto desinteresse em se debater os termos do PRJ, com a ausência de questionamentos ou oposição de contrapropostas por parte do titular do direito, evidenciando a ilicitude da finalidade do ato do titular do direito.
Por oportuno, verifica-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) já declarou a nulidade do voto do credor em situações semelhantes, confira-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. Nulidade de voto, determinada a realização de nova AGC. Decisão mantida. Ausência de racionalidade econômica e interesse em negociar. Voto meramente emulativo. §6º do art. 39 da LRF. Prevalência do princípio da preservação da empresa. Art. 47 da LRF. Doutrina e precedentes. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2144262-09.2023.8.26.0000; Relator (a): AZUMA NISHI; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Especializado 1ª RAJ/7ª RAJ/9ª RAJ – 2ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem; Data do Julgamento: 13/12/2023; Data de Registro: 13/12/2023)
Agravo de Instrumento. Recuperação judicial. Insurgência contra a decisão que declarou nulo o voto da agravante/credora, fundado no abuso de direito. Direito ao voto que não é absoluto. Aprovação do plano que, no caso, dependia, exclusivamente, do voto favorável da recorrente. Agravante que se opôs à aprovação por mero desinteresse, sequer apresentando fundamentos jurídicos ou questionando as suas cláusulas. Opção pela quebra, defendida pela recorrente, que, além de revelar comportamento excessivamente individualista, vai de encontro com os princípios da função social, preservação da empresa e estímulo à atividade econômica, frustrando o próprio objetivo da lei de regência. Decisão mantida. Agravo desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2208230-13.2023.8.26.0000; Relator (a): Natan Zelinschi de Arruda; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Especializado 1ª RAJ/7ª RAJ/9ª RAJ – 1ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem; Data do Julgamento: 18/11/2023; Data de Registro: 18/11/2023) (grifei).
Ou seja, o credor tem o dever de cooperar com as negociações ainda que se oponha ao PRJ, apresentando contrapropostas, fundamentos jurídicos explicitando a sua contradição a proposta apresentada pelo devedor, demonstrando interesse na negociação, sob pena do seu comportamento ser tido como abusivo, resultando na nulidade do seu voto contrário.
Onde pode estar o veto ao PRJ
A situação se agrava mais quando o credor que atua abusivamente possui mais de 50% de determinada classe, o denominado supercredor [4], de modo que o seu posicionamento contrário possa implicar em um verdadeiro veto ao PRJ, em uma atuação que simplesmente nega a vigência do princípio da função social em âmbito empresarial, previsto no artigo 170 da CF/88.
O que se percebe é que a aprovação do PRJ “goela abaixo” pode ocorrer tanto mediante a flexibilização dos requisitos do artigo 58, parágrafo 1º da LFRE, quanto mediante a declaração da abusividade dos votos dos credores, acarretando a aceitação do plano, dando-se preponderância ao princípio da preservação da empresa [5].
Efetivamente esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que orienta que os juízes pautem os seus posicionamentos na apreciação da rejeição do PRJ com prudência e moderação, verificando-se a possibilidade efetiva do soerguimento das empresas, tendo em conta o princípio da preservação das cooperações.
Seguindo essa linha de entendimento, cita-se o AgInt no AREsp 1551410/SP, da relatoria do ministro Antônio Carlos Ferreira:
1. A jurisprudência do STJ entende pela possibilidade de se mitigar os requisitos do art. 58, § 1º, da LRJF, para a aplicação do chamado ‘cram down’ em circunstâncias que podem evidenciar o abuso de direito por parte do credor recalcitrante.
“Assim, visando evitar eventual abuso do direito de voto, justamente no momento de superação de crise, é que deve agir o magistrado com sensibilidade na verificação dos requisitos do ‘cram down’, preferindo um exame pautado pelo princípio da preservação da empresa, optando, muitas vezes, pela sua flexibilização, especialmente quando somente um credor domina a deliberação de forma absoluta, sobrepondo-se àquilo que parece ser o interesse da comunhão de credores” (REsp 1337989/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 04/06/2018). […]. (AgInt no AREsp n. 1.551.410/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 29/3/2022, DJe de 24/5/2022.).
Posicionamento semelhante também foi manifestado pelo STJ no AREsp 1.551.410, em que o Banco do Brasil detinha 56% de uma das classes, vetando a aceitação do PRJ em situação de abusividade, o que acarretou na atuação do judiciário pela aprovação do plano mediante um autêntico “cram down” ao estilo americano, com a flexibilização das regras do artigo 58, parágrafo 1º do PRJ.
Portanto, o que se conclui diante do estudo apresentado é que um dos nortes mais importantes do instituto da recuperação judicial é o princípio da preservação da empresa, de modo que deve haver uma racionalidade na apreciação da rejeição do PRJ, impondo-se a aprovação por “cram down” por abusividade ou por flexibilizações brandas dos requisitos do artigo 58, parágrafo 1º da LFRE.
[1] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência – 3. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. P. 387.
[2] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência – 3. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. P. 523.
Para a Segunda Seção, a competência do juízo da recuperação, diante das execuções fiscais, se limita à substituição dos atos de constrição que afetem bens de capital essenciais à atividade empresarial.
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, entendeu que é competência do juízo da execução fiscal determinar o bloqueio de valores pertencentes a empresa em recuperação judicial. A decisão veio na análise de um conflito de competência instaurado entre o juízo de direito da 20ª Vara Cível de Recife e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5).
Após ter seu plano de recuperação aprovado e homologado pelo juízo recuperacional, uma empresa se tornou ré em execução fiscal movida pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que busca receber dívida de aproximadamente R$ 30 milhões – montante discutido em ação anulatória que tramita na 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.
Segundo a empresa, mesmo com a discussão acerca da existência da dívida, o juízo da 33ª Seção Judiciária Federal de Pernambuco determinou o prosseguimento dos atos executivos, sendo efetivado o bloqueio de cerca de R$ 60 mil em conta bancária. Diante disso, a empresa ingressou com pedido de tutela de urgência perante o juízo da recuperação judicial, que deferiu liminar para que o valor fosse desbloqueado imediatamente e requereu ao administrador que indicasse bens em seu lugar. Contra essa decisão, o DNIT interpôs agravo de instrumento, que foi provido pelo TRF5.
No STJ, a empresa sustentou que o juízo onde se processa a recuperação teria competência exclusiva para decidir sobre as disputas que envolvem o seu patrimônio, especialmente quando se trata de atos constritivos que podem inviabilizar por completo o seu funcionamento.
Valores em dinheiro não constituem bem de capital
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do processo no STJ, observou que, conforme o artigo 6º, parágrafo 7º-B, da Lei 11.101/2005 – introduzido pela Lei 14.112/2020 –, a competência do juízo da recuperação diante das execuções fiscais se limita a determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, indicando outros ativos que possam garantir a execução.
Segundo o relator, o termo “bens de capital” presente no dispositivo deve ser interpretado da mesma forma que o STJ interpretou o artigo 49, parágrafo 3º, da Lei 11.101: são bens corpóreos, móveis ou imóveis, não perecíveis ou consumíveis, empregados no processo produtivo da empresa. “Por estar inserido na mesma norma e pela necessidade de manter-se a coerência do sistema, deve-se dar a mesma interpretação”, disse.
O ministro ressaltou que, ao incluir artigo o 6º, parágrafo 7º-B, na Lei 11.101/2005, a Lei 14.112/2020 buscou equalizar o tratamento do débito tributário, pois o princípio da preservação da empresa está fundado em salvaguardar a atividade econômica que gera empregos e recolhe impostos. Além disso, segundo o magistrado, objetivou incentivar a adesão ao parcelamento do crédito tributário, valendo destacar que foi dispensada, no caso, a apresentação de certidões negativas de débitos tributários.
Para Cueva, se o pagamento do crédito tributário com a apreensão de dinheiro – bem consumível – for dificultada, há o risco de a quantia desaparecer e o crédito ficar sem pagamento, já que o devedor não apresentou nenhum outro bem em garantia do valor total da execução e o crédito tributário não está inserido na recuperação judicial.
“Assim, partindo-se da definição já assentada nesta corte, os valores em dinheiro não constituem bem de capital, de modo que não foi inaugurada a competência do juízo da recuperação prevista no artigo 6º, parágrafo 7º-B, da Lei 11.101/2005 para determinar a substituição dos atos de constrição”, concluiu ao declarar a competência do juízo da 33ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, e, por consequência, do Tribunal Regional Federal em âmbito recursal.
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou desnecessário o ajuizamento de ação autônoma pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra ente federativo para o ressarcimento dos honorários periciais adiantados pela autarquia em processo cujo autor, beneficiário da gratuidade de justiça, teve o pedido julgado improcedente.
O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que manteve o indeferimento do pedido do INSS para que o Estado de São Paulo ressarcisse os honorários periciais antecipados em uma ação por acidente de trabalho julgada improcedente, na qual a autora tinha o benefício da justiça gratuita.
Para o TJSP, o INSS deveria ajuizar ação autônoma de ressarcimento contra o ente federativo, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Em repetitivo, STJ atribuiu ao estado o pagamento definitivo dos honorários
Relator do recurso do INSS, o ministro Afrânio Vilela lembrou que, em 2021, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.044), a Segunda Seção do STJ estabeleceu que, nas ações de acidente de trabalho, os honorários periciais adiantados pelo INSS constituirão despesa do estado nos casos em que o processo for julgado improcedente e a parte sucumbente for beneficiária da gratuidade de justiça.
Naquele julgamento, destacou o relator, a seção considerou que a presunção de hipossuficiência do autor da ação acidentária – prevista no artigo 129, parágrafo único, da Lei 8.213/1991 – não pode levar à conclusão de que o INSS, responsável pela antecipação dos honorários periciais, tenha que suportar a despesa de forma definitiva.
“Conclui-se que, nessa hipótese, referido ônus recai sobre o estado, ante a sua obrigação constitucional de garantir assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes, como determina o artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal de 1988”, completou.
Estado não precisa atuar diretamente na ação para restituir honorários posteriormente
Ainda de acordo com Afrânio Vilela, o acórdão repetitivo estabeleceu que o fato de o estado não ser parte no processo não impede que ele tenha de arcar com o pagamento definitivo dos honorários do perito judicial, tendo em vista que a responsabilidade do ente federativo decorre da sucumbência da parte beneficiária da gratuidade de justiça.
Para o relator, exigir a participação do ente federativo em todas as ações acidentárias em que fosse concedida a gratuidade de justiça inviabilizaria a prestação jurisdicional, prejudicando a celeridade dos processos e atingindo pessoas hipossuficientes.
“Merece prosperar a irresignação do recorrente, pois, sucumbente a parte autora, beneficiária da isenção dos ônus sucumbenciais, os honorários periciais, adiantados pelo INSS, constituirão despesa a cargo do Estado de São Paulo, em consonância com o Tema 1.044/STJ”, concluiu o ministro ao acolher o recurso do INSS.
Por maioria de votos, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho cassou liminar que impedia que o Banco Santander utilizasse prova digital de geolocalização para comprovar jornada de um bancário de Estância Velha (RS). Segundo o colegiado, a prova é adequada, necessária e proporcional e não viola o sigilo telemático e de comunicações garantido na Constituição Federal.
Numa ação trabalhista ajuizada em 2019, o bancário — que trabalhou 33 anos no Santander — pedia o pagamento de horas extras. Ao se defender, o banco disse que o empregado ocupava cargo de gerência e, portanto, não estava sujeito ao controle de jornada. Por isso, pediu ao juízo da 39ª Vara do Trabalho de Estância Velha a produção de provas de sua geolocalização nos horários em que ele indicava estar fazendo horas extras, para comprovar “se de fato estava ao menos nas dependências da empresa”.
O bancário protestou, mas o pedido foi deferido. O juízo de primeiro grau determinou que ele informasse o número de seu telefone e a identificação do aparelho (Imei) para oficiar as operadoras de telefonia e, caso não o fizesse, seria aplicada a pena de confissão (quando, na ausência da manifestação de uma das partes, as alegações da outra são tomadas como verdadeiras).
Violação de privacidade
Contra essa determinação, o bancário impetrou mandado de segurança no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) contra a determinação, alegando violação do seu direito à privacidade, “sobretudo porque não houve ressalva de horários, finais de semana ou feriados”. Na avaliação do trabalhador, o banco tinha outros meios de provar sua jornada, sem constranger sua intimidade.
O Santander, por sua vez, sustentou que a geolocalização se restringiria ao horário em que o empregado afirmou que estaria prestando serviços. Portanto, não haveria violação à intimidade, pois não se busca o conteúdo de diálogos e textos. O TRT-4 cassou a decisão, levando o banco a recorrer ao TST.
Sem quebra de sigilo
O ministro Amaury Rodrigues, relator do recurso, considerou a geolocalização do aparelho celular adequada como prova, porque permite saber onde estava o trabalhador durante o alegado cumprimento da jornada de trabalho por meio do monitoramento de antenas de rádio-base. A medida é proporcional, por ser feita com o menor sacrifício possível ao direito à intimidade.
O ministro lembrou que a diligência coincide exatamente com o local onde o próprio trabalhador afirmou estar, e só se poderia cogitar em violação da intimidade se as alegações não forem verdadeiras. Quanto à legalidade da prova, o relator destacou que não há violação de comunicação, e sim de geolocalização. “Não foram ouvidas gravações nem conversas”, ressaltou.
Em seu voto, o ministro lembra que a Justiça do Trabalho capacita os juízes para o uso de tecnologias e utiliza um sistema (Veritas) de tratamento dos relatórios de informações quanto à geolocalização, em que os dados podem ser utilizados como prova digital para provar, por exemplo, vínculo de trabalho e itinerário ou mapear eventuais “laranjas” na fase de execução.
“Desenvolver sistemas e treinar magistrados no uso de tecnologias essenciais para a edificação de uma sociedade que cumpra a promessa constitucional de ser mais justa, para depois censurar a produção dessas mesmas provas, seria uma enorme incoerência”, observou.
Ainda, segundo o relator, a produção de prova digital é amparada por diversos ordenamentos jurídicos, tanto de tribunais internacionais como por leis brasileiras, como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a Lei de Acesso à Informação e o Marco Civil da Internet, que possibilitam o acesso a dados pessoais e informação para defesa de interesses em juízo.
Corrente vencida
Ficaram vencidos os ministros Aloysio Corrêa da Veiga e Dezena da Silva e a desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa. Para Veiga, a prova de geolocalização deve ter ser subsidiária, e não principal. No caso, ela foi admitida como primeira prova processual, havia outros meios menos invasivos de provar as alegações do empregado.
Na sua avaliação, as vantagens da medida para provar a jornada não superam as suas desvantagens. “A banalização dessa prova de forma corriqueira ou como primeira prova viola o direito à intimidade”, concluiu”. Com informações da assessoria de imprensa do TST.
A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 811 do Informativo de Jurisprudência, com destaque para dois casos julgados.
No primeiro processo em destaque, a Quarta Turma, por maioria, decidiu que não configura prática abusiva a cobrança das taxas de conveniência, retirada e/ou entrega de ingressos comprados na internet, desde que o valor cobrado pelo serviço seja acessível e claro. A tese foi fixada no REsp 1.632.928, de relatoria do ministro Marco Buzzi.
Em outro julgado mencionado na edição, a Quinta Turma, por unanimidade, definiu que a falta de procedimentos para garantir a idoneidade e a integridade dos dados extraídos de um celular apreendido resulta na quebra da cadeia de custódia e na inadmissibilidade da prova digital. O HC 828.054 teve como relator o ministro Joel Ilan Paciornik.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.245), vai definir tese sobre a admissibilidade de ação rescisória para adequação de sentença transitada em julgado à modulação de efeitos estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 69 da repercussão geral, em que se definiu que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins.
Até o julgamento do repetitivo, o colegiado determinou a suspensão dos processos relativos ao tema em todas as instâncias.
A exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins foi definida com repercussão geral em 2017. Contudo, em 2021, o STF decidiu modular os efeitos da decisão para que só tivessem início na data da sessão que fixou a tese (15 de março de 2017).
Modulação de efeitos ocorreu mais de quatro anos após o julgamento do Tema 69
Relator dos recursos repetitivos, o ministro Mauro Campbell Marques comentou que a principal discussão jurídica dos recursos afetados é a aplicabilidade da Súmula 343 do STF às ações rescisórias propostas pela Fazenda Nacional, a fim de rescindir decisões transitadas em julgado que aplicaram o Tema 69 do Supremo sem levar em consideração a modulação de efeitos, em razão do grande intervalo entre a decisão na repercussão geral e a posterior limitação dos seus efeitos.
De acordo com o relator, nesse intervalo de mais de quatro anos em que não havia uma definição da jurisprudência sobre os marcos temporais, foram proferidas muitas decisões em desacordo com os parâmetros que viriam a ser fixados depois pelo STF na modulação de efeitos. “Nessa toada, a questão subjacente é a própria aplicação da Súmula 343/STF para o período”, explicou.
Segundo Mauro Campbell, o STJ tem precedentes no sentido de aplicação da Súmula 343 do STF como um dos requisitos de cabimento de ação rescisória, que está previsto, ainda que implicitamente, no artigo 966, inciso V, do Código de Processo Civil (CPC), o qual exige violação manifesta de norma jurídica.
“Compete a este Superior Tribunal de Justiça zelar pela interpretação dada à lei federal, notadamente ao disposto nos artigos 535, parágrafo 8º, e 966, parágrafo 5º, do CPC/2015, que têm sido constantemente prequestionados pelos tribunais em casos que tais, já que são os dispositivos normalmente invocados pela Fazenda Nacional para o ajuizamento de suas rescisórias, apontando ter havido julgamento do tema em caso repetitivo ou repercussão geral, o que teria constituído a norma jurídica manifestamente violada”, apontou o relator.
Milhares de ações foram ajuizadas após fixação da tese em repercussão geral
Ainda de acordo com o ministro, informações trazidas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional mostram que 78% dos mais de 56 mil processos mapeados sobre o tema decorrem de ações ajuizadas a partir de 2017, quando o STF fixou a tese em repercussão geral.
“Considerando as informações prestadas e por se tratar de tema que envolve interpretação e aplicação de procedimento padronizado adotado pela administração tributária federal, resta demonstrada a multiplicidade efetiva ou potencial de processos com idêntica questão de direito”, concluiu o ministro.
Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica
O CPC de 2015 regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.
A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.
A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão, por 60 dias, do processo que trata da desoneração de impostos sobre a folha de pagamento de 17 setores da economia e de determinados municípios, até 2027.
Na petição, o órgão argumenta que o governo federal fechou um acordo na semana passada com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para restabelecer a reoneração da folha de forma gradual, a partir de 2025.
Diante do acerto, a AGU pede que a liminar proferida pelo ministro Cristiano Zanin no dia 25 de abril, que suspendeu a desoneração a pedido do próprio órgão, tenha efeito em 60 dias para permitir a tramitação de projetos de lei que tratam da questão e de compensações financeiras para o governo federal.
“Ao priorizar soluções extrajudiciais por meio do processo político – estimulando decisões mais plurais e menos traumáticas – aplica-se o mesmo princípio que fundamenta a possibilidade de modulação dos efeitos de decisões em controle concentrado, que vem a ser o da preservação do interesse social e da segurança jurídica, bem como a manutenção da paz social”, argumentou a AGU.
No dia 25 de abril, Zanin entendeu que a aprovação da desoneração pelo Congresso não indicou o impacto financeiro nas contas públicas.
A liminar do ministro foi colocada para referendo no plenário virtual da Corte, mas um pedido de vista suspendeu o julgamento. O placar estava em 5 votos a 0 para confirmar a decisão de Zanin.
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Fonte: EBC Notícias
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