Comissão aprova projeto que torna ato ilícito o abandono afetivo

A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família aprovou o Projeto de Lei 3012/23, da deputada Juliana Cardoso (PT-SP) que torna ato ilícito o abandono afetivo de filhos por pai, mãe ou representante legal, desde que efetivamente comprovadas as consequências negativas do abandono.

Os Impactos para os Setores de Turismo, Hotéis e Eventos com as Publicações das Medidas Provisórias 1.202/2023 e 1.208/2024. Dep. Laura Carneiro (PSD - RJ)
Laura Carneiro: “Abandono afetivo é grave, mesmo com ajuda financeira” – Mário Agra/Câmara dos Deputados

Segundo o Código Civil, o ato ilícito é uma ação ou omissão que viola a lei e causa dano a alguém, com possibilidade de ser preciso reparar o dano. A proposta traz alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código Civil para prevenir e compensar o abandono afetivo.

A possibilidade de penalizar também o representante legal (que pode ser o avô, a avó, o tio, a tia, o irmão) pelo dano causado pelo abandono afetivo foi incluída por recomendação da relatora da proposta, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ).

Ela também inclui no texto a necessidade de comprovar as consequências negativas do abandono para que seja considerado ato ilícito. “É preciso que o magistrado tenha cautela ao decidir e veja cada caso de forma específica, para que a indenização não seja vista apenas como uma ‘monetarização do afeto’”, disse.

Segundo a deputada, o abandono afetivo é grave, mesmo com a ajuda financeira. “O menor necessita de amor e carinho tanto quanto necessita de dinheiro para seu sustento, visto que ele pode crescer com os melhores bens materiais, mas não tem o afeto que precisa do genitor para crescer de maneira saudável.”

Conselho tutelar
O conselho tutelar deverá adotar medidas para prevenir o abandono afetivo de crianças e adolescentes por seus pais. Os conselheiros poderão notificar pai ausente para aconselhamento ou outro encaminhamento, inclusive indenização por danos pelo abandono afetivo.

Pela proposta, o Poder Público promoverá campanhas de conscientização e prevenção do abandono material e afetivo, com ênfase na responsabilidade compartilhada e na participação ativa de ambos os pais na criação dos filhos.

Próximos passos
A proposta ainda será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Câmara dos Deputados

Dívida prescrita deve ser averbada na matrícula de imóvel, decide juiz

Por entender que os réus admitiram o não pagamento das taxas de condomínio, o juiz Mucio Monteiro Magalhães Junior, da 3ª Vara Cível da Comarca de Betim (MG), julgou procedente uma ação ajuizada por um residencial para declarar a existência de dívida prescrita e ordenar sua inclusão na matrícula de um apartamento.

Segundo os autos, os proprietários do apartamento deixaram de pagar as taxas de condomínio entre maio de 2015 e março de 2016.

Após cinco anos, as dívidas prescreveram, encerrando a possibilidade de cobrança judicial das taxas. Houve uma tentativa de negociação, que não prosperou. Diante disso, o condomínio levou o caso à Justiça.

Na ação, o residencial pediu que, apesar da prescrição, a existência da dívida fosse reconhecida judicialmente e, na sequência, averbada na matrícula do apartamento junto ao cartório de registro de imóveis. Os proprietários foram citados no processo, mas não se manifestaram. Com isso, foram julgados à revelia.

Silêncio eloquente

Para o juiz Magalhães Junior, a falta de resposta dos réus leva à conclusão de que eles reconheceram a existência da dívida e que os fatos alegados pelo autor são verdadeiros.

Em seguida, o juiz analisou a convenção do condomínio e uma planilha que detalhou a situação dos réus. Segundo ele, os débitos não só ficaram comprovados como, de fato, estavam prescritos.

Magalhães Junior também deu razão ao residencial ao lembrar que o Supremo Tribunal Federal entende que é válida a cobrança de “contribuições associativas” pelo condomínios, mesmo em relação a proprietários que não estejam associados.

“Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, julgo procedente o pedido inicial”, completou ele, ordenando o envio de ofício ao cartório de imóveis para que a existência do débito prescrito seja registrada na documentação do apartamento.

O condomínio foi representado pelo escritório Carneiro Advogados.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 5003925-92.2023.8.13.0027

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Com texto defasado, prisão temporária envelhece mal e desafia sistema cautelar

A mudança legislativa promovida em 2019 pelo pacote “anticrime” igualou, na prática, duas possibilidades de detenção no curso da investigação policial: a prisão preventiva e a temporária. Isso porque o artigo 311 do Código de Processo Penal passou a ter a seguinte redação:

Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Prisão temporária segue sendo criticada por parte da comunidade jurídica – Freepik

Dessa forma, nas apurações policiais cabe tanto o pedido de prisão temporária quanto o de preventiva. Há, porém, um grave problema: além de idêntica a um tipo de preventiva, a lei de prisões temporárias (Lei 7.960) se tornou obsoleta e inaplicável em determinados crimes, em razão de nomenclaturas antigas e das determinações impostas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de uma ação que questionou sua constitucionalidade.

Em 2022, o STF delimitou a aplicação desse instituto, que era — e continua sendo — visto por parte da comunidade jurídica como uma extensão legal da “prisão para averiguações”. No julgamento, a corte rechaçou essa hipótese e reafirmou as semelhanças entre a preventiva e a temporária, utilizando critérios da primeira para formatar a segunda.

 

 

 

A principal crítica, todavia, ainda é sobre a “razão de existir” da prisão temporária. Para seus detratores, ela é incompatível com o conceito de sistema cautelar, que é baseado na presunção de inocência, ainda que se preserve a possibilidade de um indivíduo ser preso antes do fim do processo.

Nas análises mais otimistas coletadas pela revista eletrônica Consultor Jurídico, especialistas dizem que a prisão temporária ainda tem sua importância no decorrer da investigação, mas reconhecem que as mudanças no texto da lei diminuíram seu alcance.

 

Justificativas genéricas

Regulamentada pela Lei 7.960, que vigora desde 1989, a prisão temporária teve origem em uma medida provisória assinada pelo então presidente José Sarney. A norma foi inserida no ordenamento brasileiro com justificativas genéricas como o combate à criminalidade e o suposto aumento do número de crimes à época.

“A prisão temporária já surge com a marca da inconstitucionalidade, pois nasce de uma medida provisória, um meio ilegítimo de criar norma processual penal. Mas acabou se consolidando, em que pese o vício formal. Sem embargo, materialmente ela também se mostrou inconstitucional, pois virou uma prisão para obter confissão/colaboração do investigado, em flagrante violação da presunção de inocência e do direito de não autoincriminação”, afirma o criminalista Aury Lopes Jr., um crítico da prisão temporária.

O presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Renato Stanziola Vieira, segue pelo mesmo caminho: “Nós temos um vício de origem, de inconstitucionalidade formal. Ao meu juízo, isso não está superado.”

“Trata-se de um instituto ultrapassado, que mesmo quando introduzido no ordenamento sempre pareceu um ‘corpo estranho’, porque não é um instituto compatível com a presunção de inocência e com o direito a não se autoincriminar, garantias constitucionais consagradas”, diz o vice-presidente da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Leonardo Sica.

 

A origem e os vícios

Antes da Carta de 1988, a prática da prisão “para averiguações” era comum nas polícias — para elas, nada mais era do que uma forma de detenção para pressionar o indivíduo a “colaborar” com a investigação, seja com um depoimento, seja para produção de provas ou outra finalidade policial. A doutrina, todavia, diverge quanto à institucionalização da prisão “para averiguações” por meio da sanção da lei da prisão temporária, em 1989.

 

 

No Supremo, mesmo antes da tese firmada em 2022, houve diversos questionamentos à validade da norma. A decisão mais detalhada, no entanto, foi mesmo a de dois anos atrás, quando prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin, que determinou que a prisão temporária tem de seguir cinco requisitos cumulativos:

“1) For imprescindível para as investigações do inquérito policial; 2) Houver fundadas razões de autoria ou participação nos crimes dispostos na lei aprovada em 1989; 3) Justificativa de fatos novos; 4) For adequada à gravidade concreta do crime; e 5) Quando não for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas”.

Na ação que tramitou no STF, houve discussões sobre a compatibilidade do instituto com a Constituição e, no final, a solução foi torná-lo “mais rígido”, adotando requisitos que eram típicos das prisões preventivas.

O professor e procurador da República Andrey Borges de Mendonça, estudioso do tema, tem ressalvas à argumentação de que a prisão temporária fere a presunção de inocência, mas acha a discussão válida. Ele cita outro ponto importante do debate: o standard (qualidade) das provas, fragilidade constante no Direito Penal brasileiro que fica mais evidente nos casos de prisão temporária.

“É uma decisão valorativa do legislador. Eles pensaram: ‘Como estamos no início de uma investigação, não temos provas suficientes em princípio, (temos) menos indícios de autoria’. Faz parte de uma investigação. Mas a prisão pode se tornar necessária por um determinado período de tempo”, diz Mendonça.

“É uma discussão. Se pode prender alguém com uma prova (com padrão) ‘mais baixa’ do que da prisão preventiva? Isso não é uma forma de burlar a temporária? Eu não defenderia isso, mas compreendo que é uma argumentação razoável.”

 

É raro, mas acontece muito

Na prática, no entanto, há uma quantidade considerável de casos em que não são observadas todas essas condições impostas pelo STF de forma cumulativa. Além disso, os requisitos são subjetivos e carecem de maior fiscalização (como no caso das preventivas), resultando inevitavelmente em ilegalidades.

“Hoje, o Estado possui inúmeros instrumentos para que se possa fazer uma investigação bem mais adequada sem a necessidade da prisão temporária. Essa medida é nada mais, nada menos do que um instrumento intimidador”, diz o advogado Fabio Menezes Ziliotti.

Um caso recente ilustra esse problema: em abril, um professor foi preso por um crime que havia sido cometido a 200 quilômetros de sua casa e de seu trabalho. A prisão temporária foi decretada apenas com base no reconhecimento fotográfico do homem pela vítima, e o Tribunal de Justiça de São Paulo soltou o acusado após pedido de Habeas Corpus.

Como se nota em outros casos semelhantes (HC 192.778, por exemplo), o reconhecimento pessoal ou fotográfico, que não tem eficácia comprovada e é questionado inclusive por membros do Ministério Público, é utilizado como “fundada razão de autoria” e respalda detenções temporárias.

Outra situação criticada por advogados é a prisão temporária que visa ao depoimento, o que é considerado ilegal. No dia a dia, todavia, é difícil fiscalizar se, de fato, o investigado é instado a depor logo após o cumprimento da medida cautelar.

Ziliotti propõe uma reflexão para demonstrar o tamanho do problema e a ineficácia da prisão temporária: “Quando o acusado é preso temporariamente, ele tem direito ao silêncio. E esse silêncio não pode ser utilizado em prejuízo do mesmo. Por isso a prisão temporária é desnecessária no Estado de Direito”.

Mesmo com o respaldo da lei pelo Supremo, “acredito que ela tem uma convivência que não merece prestígio porque não traz, concretamente, juízo de cautelaridade”, afirma Renato Vieira.

“O Supremo Tribunal Federal, para dizer que a lei de prisão temporária é constitucional, teve de se valer de argumentos próprios e específicos de prisão preventiva”, complementa o presidente do IBCCRIM.

A ideia da prisão para averiguação acabou rechaçada pela corte, mas a sua natureza cautelar e a própria eficácia do instituto não foram devidamente esclarecidas. “Se desde 1989 havia um vício de origem por ela suceder uma medida provisória, e havia o risco de ela ser vista como sucedâneo de prisão para averiguação, no frigir dos ovos, a prisão temporária não tem autonomia para subsistir em um regime de cautelaridade”, diz Vieira.

 

Útil, porém defasada

Logo que o Supremo estabeleceu as novas diretrizes para a prisão temporária, de certa forma tentando afastar do mecanismo a pecha de “prisão para averiguações”, o procurador Galtiênio da Cruz Paulino questionou, em artigo publicado na ConJur“Afinal, ainda existe prisão temporária?”.

Para Paulino, que também é membro-auxiliar na Assessoria Criminal do Superior Tribunal de Justiça, a existência de uma vertente da prisão preventiva “muito parecida” com a temporária esvaziou o instituto, mas ele ainda permanece com suas funções.

“Em determinados casos é necessária a prisão do investigado para colheita de provas relacionadas àquele fato, tanto que a prisão temporária tem tempo, e se o objetivo é atendido, a pessoa pode sair. A intenção em si não é forçar que alguém venha a tomar alguma outra atitude”, diz ele, discordando da argumentação de que o instituto é utilizado para coagir os investigados.

Paulino, no entanto, endossa a crítica de que o texto está defasado. Para ficar em um exemplo, a lei cita “quadrilha e bando” quando já há lei específica sobre organizações criminosas.

“O instituto e as nomenclaturas dispostas na lei são arcaicos”, diz o advogado Eugênio Malavasi, que não entende por que a prisão temporária permanece no ordenamento e sendo aplicada pelos juízos.

“Já se pode decretar prisão preventiva no curso das investigações, para garantir a investigação. Portanto, tornar-se-á despiscienda a lei da prisão temporária.”

Galtiênio Paulino cita mais um exemplo de obsolescência: “Se pegarmos na literalidade em si, alguns dispositivos já não poderiam ser aplicados. Se a gente pegar a decisão do Supremo, em tese, não caberia mais prisão temporária para crimes de organização criminosa, por exemplo”.

O procurador também destaca que, após a decisão do Supremo, não cabe mais o uso do mecanismo em determinados crimes que não têm pena maior do que quatro anos, tendo em vista que o tribunal determinou a aplicação do artigo 313 do Código de Processo Penal (que estabelece os parâmetros da prisão temporária).

“Tem alguns crimes na Lei 7.960 em que a pena é menor do que quatro anos. Ou seja, em tese, já que o Supremo mandou aplicar o artigo 313, não caberia mais a temporária para esses crimes”, diz Paulino, citando o caso do crime de sequestro e cárcere privado, que, pela lei, também não é passível de decretação de temporária.

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Juiz reconhece direito de dependente químico a auxílio do INSS

O trabalhador que tem dependência química e desenvolve transtornos mentais e comportamentais por causa do uso de drogas tem direito ao auxílio por incapacidade temporária, desde que seja segurado e esteja dentro da carência necessária no momento do requerimento do benefício.

Com base nesse entendimento, o juiz José Luis Luvizetto Terra, da 4ª Vara Federal de Passo Fundo (RS), reconheceu o direito de um segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ao benefício desde a data em que fez o requerimento administrativo.

No caso concreto, o autor da ação estava internado em um hospital psiquiátrico para reabilitação e não teve condições de comparecer à perícia médica marcada pelo INSS — que deve ser feita presencialmente.

Uma perícia posterior constatou que o trabalhador sofre de transtornos mentais e comportamentais provocados pelo uso de cocaína — síndrome de dependência. Em razão dessa patologia, ele estava temporariamente incapacitado para o trabalho desde 10 de maio 2023.

Ausência justificada

Na decisão, o juiz destacou que o autor comprovou que não compareceu à perícia por estar internado e que, por isso, deveria receber os valores referentes ao benefício desde 17 de maio de 2023 — quando fez o requerimento administrativo.

O julgador também entendeu que a data indicada pela perícia para o fim do pagamento do benefício (10 de janeiro de 2024) vedou o direito do autor de pedir a prorrogação do auxílio administrativamente. Por isso, ele determinou a sua implantação e manutenção por mais 60 dias.

“Registro que é facultado à parte demandante, caso entenda persistir sua incapacidade para o trabalho, requerer a prorrogação do auxílio por incapacidade temporária, na forma prevista no regulamento, ocasião em que será submetida a uma nova perícia administrativa, ficando o amparo automaticamente prorrogado até o dia da avaliação médica.”

O autor foi representado pelos advogados Jane Marisa da SilvaGuilherme Henrique Santos da Silva e Luccas Beschorner de Souza, do escritório JMS Advogados.

Processo 5005900-49.2023.4.04.7104

Fonte: Conjur

Dia das Mães trabalho invisível e dupla jornada

A ideia de comemorar o Dia das Mães surgiu nos Estados Unidos, no início do século 20, com Anna Jarvis, cujo intento era homenagear a sua mãe, Ann Jarvis, conhecida por realizar trabalho social com outras mães, no período da Guerra Civil Americana [1].

No Brasil, o dia foi oficializado na década de 1930, pelo Decreto nº 21.366/32, instituído por Getúlio Vargas, ao considerar que “um dos sentimentos que mais distinguem e dignificam a espécie humana é o de ternura, respeito e veneração, que evoca o amor materno”.

Mas será que esse amor materno, muitas vezes chamado de instinto maternal, que designa um amor puro e incondicional, realmente existe, ou é uma invenção moderna, construído a partir de uma sociedade patriarcal, que impõe às mulheres a obrigação e a responsabilidade pelos cuidados com os filhos e a família?

Frases frequentemente ouvidas, como “mãe só tem uma” ou “ser mãe é padecer no paraíso”, valorizam a importância materna, como se a mãe fosse insubstituível no dever de amar os filhos e na obrigação de realizar todas as tarefas decorrentes dessa “atribuição natural”, que ao final, só lhe trará felicidade!

Aliás, segundo a visão tradicional, a maternidade é elemento essencial da identidade feminina, de forma que a mulher só seria genuinamente plena ou conheceria o amor verdadeiro após ser mãe!!!

Trabalho invisível

No próximo domingo, dia 12 de maio, muitas famílias comemorarão o Dia das Mães, com almoços e presentes, sem, no entanto, lembrar que as mulheres são responsáveis por mais de 75% do trabalho não remunerado, conforme o relatório “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global de desigualdade”, realizado pela Oxfam Brasil[2].

Segundo a OIT, o trabalho de cuidado não remunerado, também conhecido como trabalho invisível, consiste na prestação de cuidados diretos, pessoais e relacionais, como alimentar uma criança ou cuidar de um familiar doente; e, no exercício de cuidados indiretos, como cozinhar, limpar e lavar.

A prestação desses cuidados não remunerados é considerada trabalho e contribui de maneira significativa para a economia do país, assim como para o bem-estar individual e da sociedade [3].

Portanto, o trabalho invisível, normalmente atribuído às mulheres, é aquele que garante a sobrevivência das pessoas, a manutenção do lar, e o apoio àqueles que dependem de suporte material ou emocional.

Dupla jornada e discriminação

A realização do trabalho invisível e a necessidade de garantir a subsistência própria e da família com o trabalho produtivo acarretam a conhecida dupla jornada, já que além de executar atividades remuneradas, as mulheres ainda acumulam a responsabilidade pelas atividades reprodutivas (de trabalhos domésticos e de cuidados).

A Convenção nº 156 da OIT, relativa à Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Homens e Mulheres [4], ainda não ratificada no país, determina que os trabalhadores com responsabilidades familiares e que possuam dependentes não sejam alvo de discriminação.

O objetivo principal da convenção é erradicar a exclusão de trabalhadoras e trabalhadores que enfrentam dificuldades para conciliar a vida familiar e o trabalho, além de criar políticas e medidas de igualdade de oportunidades de forma a evitar que os encargos familiares sejam um empecilho para a participação plena e equitativa no mercado de trabalho.

Diante dessa complexa realidade, que impõe às mulheres a felicidade plena com a maternidade, mas também o sacrifício com a sobrecarga de trabalho e a dupla jornada, compete às famílias, neste dia de comemoração, refletir sobre o verdadeiro papel de cada um no exercício do trabalho de cuidado.

Feliz Dia das Mães.


[1] https://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/dia-das-maes.htm

[2] https://www.oxfam.org.br/blog/o-papel-da-multiplicacao-de-riquezas-na-evolucao-das-desigualdades/

[3] https://webapps.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—europe/—ro-geneva/—ilo-lisbon/documents/publication/wcms_767811.pdf

[4] A Convenção n. 156 da OIT foi adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho na sua 67ª sessão, em Genebra, em 23 de junho de 1981, entrando em vigor na ordem internacional, em 11 de agosto de 1983. A referida Convenção ainda não foi ratificada pelo Brasil, mas já teve seu processo iniciado, em março de 2023, com a assinatura de mensagem do Presidente da República ao Congresso Nacional (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/despachos-do-presidente-da-republica-468754338)

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Comissão aprova projeto que torna crime prejudicar a fiscalização dos governos sobre barragens

A Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 5502/23, que torna crime o ato de obstar ou dificultar a atuação dos governos sobre segurança de barragens. A pena é de detenção, de um a três anos, e multa.

Discussão e votação de propostas. Dep. Gabriel Nunes (PSD - BA)
O deputado Gabriel Nunes recomendou a aprovação da proposta – Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

O relator, deputado Gabriel Nunes (PSD-BA), defendeu a aprovação da proposta. “A fiscalização das barragens é essencial para o acompanhamento de serviços e obras para recuperação e redução dos riscos”, afirmou ele no parecer aprovado.

Segundo o autor da proposta, deputado Daniel Freitas (PL-SC), a alteração na legislação permitirá que o Estado atue de forma mais rápida na fiscalização desses tipos de estrutura, sem depender de decisões do Poder Judiciário.

Daniel Freitas lembrou as dificuldades dos governos, após chuvas em 2023, para a operação das comportas da maior barragem de contenção de água em Santa Catarina, localizada em uma terra indígena. “A população ficou em risco”, disse.

O relator também comentou o episódio. “No caso, a comunidade indígena estava preocupada com o possível impacto do fechamento da barragem, receando inundações que poderiam atingir aldeias e residências”, observou Gabriel Nunes.

“Foi preciso intervenção do Judiciário para que a operação ocorresse conforme as orientações técnicas e para as medidas de proteção a todos os envolvidos”, afirmou o relator. “O Estado foi compelido a eliminar riscos e minimizar danos.”

O texto aprovado altera a Lei 12.334/10, que trata da Política Nacional de Segurança de Barragens. Entre outros pontos, essa norma determina que os empreendedores responderão pela segurança e inspeção periódica.

Próximos passos
O projeto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, seguirá para o Plenário.

Fonte: Câmara dos Deputados

Epistemologia, senso comum teórico no direito e o habitus dogmaticus

1. Por que paramos de perceber o que é terrível

Cass Sunstein e Tali Sharot cunharam o conceito de “habituação” no livro Olhe de Novo – O Poder de Perceber o que Sempre Esteve Lá (Look Again: The Power of Noticing What Was Always There). Ali, aconselham-nos a desabituar (dishabituate). Os autores mostram como as pessoas param de perceber o que há de mais maravilhoso em suas vidas… e também param de perceber o que é terrível. As pessoas se acostumam com o ar poluído, com a mediocridade, com as ficções, com as platitudes. Isso porque habitua(ra)m-se. Esse é o busilis.

Ainda nos primeiros anos de minha atividade acadêmica, aproveitando Warat e Bourdieu, criei o conceito de habitus dogmaticus, para criticar a trivialização da atividade jurídica. Quem sabe lá atrás estava algo parecido com o que Cass Sunstein e Tali Sharot hoje tratam por “habituação” e “desabituação”?

Desvelar as obviedades do óbvio – talvez aí esteja a tese central do enfrentamento do habitus dogmaticus. E, é claro, a crítica necessária à dogmática jurídica, que, criterialisticamente, cada vez mais substitui o próprio direito. É espantoso como esse fenômeno passa despercebido à comunidade jurídica. Daí o problema: se a dogmática é um discurso que tem a função de explicitar o direito, isto é, tem a função de ser o seu medium interpretandi e, se ela mesma substitui o direito, já não temos mais sequer como identificar o direito e nem aferir o seu grau de autonomia. E isso compromete a democracia. Como já vimos comprometer.

Fazer crítica do e no direito é uma tarefa difícil (se você chegou até aqui, alvíssaras!). Cada vez mais os conceitos ficam fluidos e simplificados. Fazer crítica no direito é descascar o fenômeno. É trazer a coisa à presença retirando de seu entorno todo o entulho semântico que o habitus dogmaticus produz, pela simples repetição acrítica daquilo que foi assentado como fala autorizada (ou fala de autoridade). Como em um palimpsesto, devemos retirar as camadas poluidoras. Aproximar-se da história institucional do direito reconstruindo espaços de experiências e articulando horizontes de expectativas. Fazer o revolvimento do chão linguístico, fazendo com que o direito possa (re)aparecer.

Não sei se há algum jeito de consertar o ensino jurídico e a dogmática jurídica tomados pelo senso comum e pelo criterialismo. Mas, se algo assim houver, ele necessariamente passará por pensar os diferentes modos-de-ser com os quais nos relacionamos com o direito em seu sentido histórico determinado, o que implica, necessariamente, um movimentar-se para além do habitus dogmaticus.

2. A “imediatez” do mundo? Por uma epistemologia da falta de epistemologia

Nestes tempos de comunicação instantânea, cai o número de leitores. De textos e de livros. Cai a venda de livros. As redes sociais estão repletas de malandros vendendo facilidades, algo como “aprenda a usar o ChatGPT”…  Como se diz no imaginário social, “quem sabe, sabe; quem não sabe, ensina”. E vira influencer. Ou “professor que ensina usucapião com Harry Potter”.

O manejo dos conceitos, em tempos de simplificação da linguagem (basta ver o projeto do CNJ), torna (ou quer tornar) o mundo em uma imediatez, naquilo que Hegel, na sua Fenomenologia do Espírito, criticava chamando de “certeza sensível”: uma apreciação ingênua do e sobre o mundo. Na filosofia hermenêutica isso é chamado de dimensão da curiosidade, do falatório e da queda junto ao presente, que nos faz ocuparmos daquilo que é habitual. Falta, pois, epistemologia no direito. O lidador mediano do direito possui “certezas sensíveis”.

Epistemologia: eis a palavra. Mas, antes disso, falta discutir a epistemologia da falta de epistemologia, uma vez que o próprio conceito ficou “habitualizado” (fragilizado). É um paradoxo, mas a epistemologia, que deveria significar a mudança de comportamento ou no modo de ser daquele que compreende as coisas e as interpreta, foi ela própria capturada pelo habitus.

Digo isso porque, uma vez tendo concluído o livro sobre o Ensino Jurídico e(m) Crise – Ensaio sobre a Simplificação, estou em produção de um livro sobre Valoração da Prova e Decisão Jurídica, em que o ponto central é a epistemologia.

Falar sobre prova é falar sobre a questão da verdade. Discuto precedentes judiciais. Isso também significa, em certo sentido, fazer ontologia e epistemologia: quais são os fatos do caso? Como conhecemos esses fatos quando estamos falando de um caso jurídico? Podemos cindir fato e direito?  Fundamentalmente, o que é um precedente e como podemos conhecer os fundamentos da decisão que é um precedente? O que é isto — o precedente judicial? E o que não é um precedente? E por que isso importa?

3. O manejo (in)adequado do conceito de epistemologia

Quando iniciei as pesquisas para o novo livro, chamou-me a atenção o uso por vezes descriterioso do conceito de epistemologia. Constatei que o próprio conceito de epistemologia fora vítima de obstáculos epistemológicos, denunciados há décadas por Gaston Bachelard [1]. Outro tema absolutamente poluído, obstaculizado epistemologicamente, é o conceito de “precedente”. Chegaram a criar, criterialisticamente, a dicotomia “precedente qualificado-persuasivo”.

A falta de epistemologia causa incompreensão do fenômeno. De qualquer fenômeno. “Epistemologia” pode ser traduzida como o estudo dos requisitos e condições necessários à produção do conhecimento. O fundamento do fundamento, como falei no Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. A epistemologia busca compreender a natureza e os fundamentos do conhecimento, oferecendo uma base teórica para a análise crítica das nossas crenças e da validade do conhecimento que possuímos. Trata-se da teoria filosófica do conhecimento. Por ela, examinamos as condições de possibilidade pelas quais algo que é dito sobre determinado fenômeno é ou não é. Mais simplesmente, pode-se dizer que é a filosofia da ciência. É o conhecimento pelo qual se pode dizer que aquilo que é apontado como ciência está adequado ou não.

Isso quer dizer que não é qualquer análise sobre um determinado objeto que se qualifica como “fazer epistemologia”. O olhar epistemológico consiste em examinar se aquilo que foi analisado possui amparo ou fundamento científico ou não. Se um lidador do direito faz uma análise de um dispositivo legal, não está fazendo, stricto sensu, epistemologia. Porém, o exame acerca do que ele examinou (e dos procedimentos que adotou para tanto) é que constituirá efetivamente uma análise epistemológica (se feita de forma adequada, é claro). Também não é qualquer meta-análise que será “epistemologia”.

Epistemologia, assim, é a disciplina à qual compete articular o que distingue investigação genuína da pseudoinvestigação, o que torna a pesquisa mais ou menos bem conduzida, a evidência mais forte ou mais fraca etc. Por exemplo, quando alguém sustenta o conceito de verdade real, com certeza longe está de qualquer epistemologia. Isso porque é impossível demonstrar a plausibilidade jus filosófica do conceito de verdade real.

A epistemologia é inimiga do viés de confirmação e de raciocínios teleológicos. Só nisso já teremos um rombo no campo da dogmática jurídica. Como sustentar, epistemologicamente, conceitos como “não há nulidade sem prejuízo”? Susan Haack lembra que “um investigador sério procurará toda evidência que puder, e fará seu melhor para avaliar se ela garante esta conclusão ou aquela, ou se ela é insuficiente para garantir qualquer conclusão que seja” [2].

Se epistemologia é condição de possibilidade, parece evidente que, em direito, um juiz já estará equivocado na partida, ao dizer que primeiro decide e depois fundamenta. Falar em livre convencimento, então, carece de mais epistemologia ainda.

4. A confusão entre os dois níveis de discurso

A dogmática jurídica sofre de um déficit epistemológico, mormente porque nela se confundem os dois níveis de discurso. Pensa-se que o primeiro nível, a análise de um fenômeno, já é “fazer epistemologia” (esse é o erro mais comum da dogmática jurídica brasileira ao falar em epistemologia já nesse primeiro nível). Na verdade, um discurso epistemológico examinará se essa análise reúne condições científicas. Dir-se-á, então “condições epistêmicas”.

Portanto, a epistemologia jurídica não se resume a teorias da prova e tampouco falar da valoração da prova – para ficar nesses tópicos da moda. Epistemologia existirá se discutirmos as condições filosóficas que sustentam o que foi dito sobre valoração. A teoria é viável? O conceito de verdade utilizado não é contraditório? Por exemplo, quando se discute “prova”, é epistemologicamente inconsistente afirmar que o pesquisador acredita no livre convencimento e, ao mesmo tempo, assume o conceito de verdade como correspondência. Mas, por que os pesquisadores do direito não enfrentam isso? Há paradigmas filosóficos que só uma análise epistêmica poderá detectar. Eis aí a diferença entre fazer um discurso de primeiro nível e um de segundo nível.

Portanto, é preciso ter presente que qualquer tipo de epistemologia que se faça sobre o direito se assenta em uma determinada ontologia pressuposta que pode ser articulada de forma acrítica na superfície do discurso, ou pode ser enfrentada de forma consciente dentro do processo de formação do sentido do direito. Assim, fazer filosofia no direito significa operar a partir de standards de racionalidade [3].

No fundo, a epistemologia funciona como uma desleitura do discurso de primeiro nível ou até mesmo de segundo nível. Haack assinala que precisamos considerar as fontes da nossa evidência e a possibilidade de que ela tenha sido empobrecida ou distorcida ao ser transmitida, distinguindo bem o que seria investigação malconduzida — e realizando esforços de boa-fé para descobrir a verdade. Os conceitos podem estar poluídos.

Discursos eficientistas, discursos que dizem que a lei é o que os juízes dizem que ela é, que os juízes devem decidir conforme a sua consciência, ou que princípios são valores, estão defasados epistemologicamente. Algo como o geocentrismo está para a ciência.

5. A epistemologia e os neologismos: é possível falar em epistemicídio e injustiça epistêmica?

Além de tantos problemas, é necessário falar dos neologismos incorporados ao estudo da epistemologia. Por exemplo, entre eles está o termo “epistemicídio”, cunhado por Boaventura de Souza Santos. Há sérias dúvidas sobre o acerto e a possibilidade de se construir um conceito regional de epistemologia. Há, sim, uma grande utilidade retórica no seu uso. O problema reside no fato de que se mostra inadequado utilizar o termo epistemologia como se fosse sinônimo de “local de fala”, “direito de fala”, “diversidade cultural” ou “modo de ser/viver”. Veja-se que a inadequação dos conceitos pode nos levar a usos progressivamente mais excêntricos e aleatórios.

Outro conceito que gera controvérsia é o de “injustiça epistêmica”, utilizado no direito principalmente no campo probatório. Esse talvez seja o conceito mais conhecido e que mais sucesso faz. O problema é que falar em injustiça epistêmica acarreta uma confusão entre epistemologia e direito probatório — e entre epistemologia e dogmática jurídica. Não se discute, por óbvio, que a epistemologia jurídica possui implicações para a valoração das provas no contexto processual. Mas, falar sobre valoração não é fazer epistemologia. Essa ocorre ao se discutir as condições de possibilidade pelas quais se disse algo sobre a valoração da prova. Isto é: o que importa, aqui, é que a epistemologia do direito (ao trabalhar no plano teórico com as possibilidades, condições e limites do conhecimento jurídico) vai muito além do mero direito probatório [4].

Para que se possa falar em “injustiça”, em um sentido estrito, precisamos estar diante de um problema moral – na medida em que é a filosofia moral (que sofrerá um exame epistemológico em segundo momento) que trabalha com a chave justo/injusto. O problema moral do justo ou injusto é um discurso de primeiro nível acerca de um determinado fenômeno. Se tais conceitos são bem utilizados ou não em um caso específico – aí, sim, estaremos diante da tarefa da epistemologia.

Utilizada no Brasil, a ideia de “injustiça epistêmica” foi estabelecida por Miranda Fricker em sua obra Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing, lançada em 2007 e com recente edição nacional. Penso que seria muito oportuno que os juristas e aplicadores do direito no Brasil procedessem com uma leitura minuciosa dessa “obra-fonte” antes de absorver os conceitos ali expostos — até para evitar uma “importação” inadequada de ideias. Isso porque, em sua obra, Fricker demonstra uma pretensão (para fins de trabalhar com epistemologia enquanto campo da filosofia) bem mais modesta do que se poderia imaginar apenas pela leitura do título do livro. O objetivo dela é promover uma aproximação da ética com a epistemologia — ou seja, trata-se, segundo ela, de um argumento de ética, ainda que com pretensão de implicações epistemológicas. Ela mesma diz que o livro não é nem diretamente uma obra de ética nem diretamente uma obra de epistemologia: em vez disso, redefine um trecho da fronteira entre ambas as regiões da filosofia“.

Epistemologia é sempre um discurso sobre o discurso, que não se confunde com o próprio discurso. Desta forma, ética e epistemologia não estão no mesmo nível discursivo – a metaética, sim. Qualquer aproximação entre ética e epistemologia que se pretenda filosoficamente bem fundamentada não deve ignorar este ponto.

Epistemológica será a análise sobre o as condições do que foi dito sobre acerca do direito.

Quanto a Fricker, embora defina o seu argumento como uma construção situada nas “fronteiras” entre a ética e a epistemologia, observo que as ideias que ela desenvolve se assemelham mais a uma análise ético-sociológica, na medida em que as observações de natureza sociológica se mostram muito mais proeminentes, em seu argumento, do que construções epistemológicas propriamente ditas. Difícil entender de forma diversa, na medida em que a própria Fricker destaca que devemos adotar “como ponto de partida a concepção socialmente situada”. O primeiro capítulo da obra é especialmente dedicado ao desenvolvimento do conceito de poder social.

6. O problema da proliferação de conceitos e a “adjetivação” da epistemologia

Por óbvio, existem injustiças de todos os tipos no mundo prático dos fatos sociais: injustiça testemunhal, injustiça na apreciação de fato, injustiças que decorrem de juízos de valor sobre determinadas alegações etc. Todavia: epistemologia implica proceder com uma análise acerca das condições por meio das quais os discursos que falam sobre injustiça estão ou não adequados a determinados postulados prévios da teoria do conhecimento – e se eles são coerentes dentro de tal sistemática. Daí a crítica à inadequação da terminologia “injustiça epistêmica” enquanto conceito filosófico propriamente dito, que seja realmente dotado de substância (sem prejuízo do fato de que a expressão possa ter valor argumentativo na forma de mera figura de linguagem). A rigor, isso vale, da mesma forma, para qualquer tentativa de “adjetivação” da epistemologia – que é substantiva.

Outra questão problemática que se identifica na obra de Fricker, para fins de epistemologia jurídica, reside na grande quantidade de novos conceitos que ela introduz em sua obra, que surgem ao longo do texto desacompanhados de um desenvolvimento mais substancial. Veja-se que a autora fala não somente no neologismo da “injustiça epistêmica”, mas também em “interações epistêmicas”, “prática epistêmica”, “relações epistêmicas”, “confiança epistêmica”, “desvantagem epistêmica injusta”, “injustiça hermenêutica”, “recursos hermenêuticos coletivos”, “economia da credibilidade”, “epistemologia das virtudes” etc., a ponto de banalizar aquilo que se entende, na filosofia, por epistemologia. À toda evidência, a quantidade de conceitos inovatórios apresentados ao longo do livro demandaria algo como um “Dicionário de Injustiça Epistêmica” à parte.

De novo: não há problema no uso eventual de expressões desse tipo, na forma de figuras de linguagem, para fins persuasivos de retórica (por exemplo, para defender um determinado argumento de ética ou moralidade, ou em prol de melhores políticas públicas ou de mudanças na prestação jurisdicional). O problema é adotar tais neologismos como conceitos filosóficos estabelecidos, de forma irrefletida ou automatizada, e achar que isso seria “epistemologia jurídica”.

Em outras palavras: já não haverá uma “injustiça epistêmica” na hipótese de alguém ser condenado com base na livre apreciação da prova? Isso não é anterior aos próprios mecanismos ou métodos utilizados pelo juiz? Não estará, ali, um problema epistemológico primordial? De que servirá a discussão acerca da valoração da prova se é feita a partir do livre convencimento ou livre apreciação? De outra banda, se o tribunal diz que o direito é o que o Judiciário diz que é (realismo), a “injustiça epistêmica” não estará exatamente no uso de uma tese ceticista – que é o realismo? E que esse é o ponto fulcral das injustiças jurídicas cometidas cotidianamente?

E quando o tribunal deixa de aplicar um precedente, sob o pretexto de que se trata de um precedente “meramente” persuasivo”, não estará aí um déficit epistemológico de dimensão maior que o discurso de primeiro nível que denuncia eventual defeito no modo de valoração da prova?

Na mesma linha, em um sentido amplo, podemos rotular como “injusta” uma ação/decisão que viola uma norma jurídica – e que seria mais precisamente definida como antijurídica (ou, eventualmente, ilegal), sendo apenas secundariamente “injusta” (a ação/decisão é dita injusta porque atropela o direito, que aqui se presume justo – sem ignorarmos, é claro, as bem conhecidas tensões entre direito e justiça).

Com efeito, uma valoração inadequada de um elemento de prova, no contexto processual, pode constituir uma injustiça – seja porque passa por cima de alguma expectativa moral razoável, seja porque não observa critérios estabelecidos pela lei, pela melhor doutrina ou pela tradição construída pela historicidade. Mas uma valoração inadequada da prova, caso injusta, será injusta precisamente porque colide com um elemento moral ou jurídico – e jamais por violar algum pressuposto epistêmico. Também será por violar a análise epistemológica, como, no caso, o uso inadequado do conceito de “valores” (que têm um conceito específico, confundido cotidianamente com qualquer juízo moral – nesse sentido, remeto ao verbete Valores, no Dicionário de Hermenêutica). É por isto que é uma impropriedade falar em “injustiça epistêmica”: porque a justiça não é uma categoria da filosofia do conhecimento, e sim da filosofia moral. Seria como se alguém cometesse um erro de cálculo numa equação e o equívoco fosse denunciado como sendo uma “injustiça matemática”!

Na verdade, criticar eventuais desacertos, incompreensões ou equívocos de natureza epistemológica valendo-se de termos como “justo” ou “injusto” implica fazer julgamentos morais disfarçados de epistemologia jurídica. Por melhores que sejam as intenções subjetivas por trás das críticas, parece evidente que esse tipo de postura banaliza e fragiliza a epistemologia do Direito, na medida em que o termo passa a ser usado como mera “palavra de impacto”, esvaziada de toda a sua autêntica substância filosófica.

Numa palavra final, urge que façamos um aprofundamento conceitual no debate jurídico nacional sobre o uso do conceito de epistemologia jurídica. Corre-se o risco de, em breve, depararmo-nos com cursos de “epistemologia jurídica” sem tratar de epistemologia. E com usos da expressão sem relação com o conceito.

Também parece razoável prever que a recente tradução da obra de Miranda Fricker em solo nacional irá fomentar, entre ativistas dos mais variados tipos, uma apropriação entusiástica de muitas terminologias introduzidas por ela no livro. Talvez nem a própria autora tenha pensado nos múltiplos usos possíveis de suas teses.

Numa palavra final, eis alguns acepipes sobre o tema. Mais aprofundadamente o faço nos livros acima mencionados. Em breve nas melhores casas do ramo.

Nestes tempos de instantaneidades, cumprimentos a quem chegou até o final destas reflexões.


[1] Agradeço a interlocução com Willis Santiago Guerra Filho, que me remeteu interessante estudo de sala de aula sobre epistemologia e, em especial, sobre Bachelard. Também Ricardo Gloeckner e Salah Khaled Jr.. E ao Grupo Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

[2] HAACK, Susan. Evidence Matters: Science, Proof, and Truth in the Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2014. p. 334.

[3] STEIN, Ernildo. Exercícios de Fenomenologia: os limites de um paradigma. Ijuí: Unijuí, 2004, p. 156.

[4]  Ver nesse sentido ABEL, Henrique. Epistemologia Jurídica e Constitucionalismo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022. p. 17.

Fonte: Conjur

Supremo tem cinco votos para validar Lei das Estatais

O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou, nesta quarta-feira (8), ao placar de 5 votos a 2 para validar a constitucionalidade da Lei das Estatais, norma aprovada em 2016 para proibir indicações de políticos para a diretoria de estatais.

Apesar do placar formado, ainda não há maioria de votos para declarar a constitucionalidade da lei. O julgamento será retomado na sessão desta quinta-feira (9). 

A Corte decide se referenda a liminar proferida em março do ano passado pelo ex-ministro Ricardo Lewandowski.

Antes de se aposentar e deixar a Corte, Lewandowski atendeu ao pedido de liminar do PCdoB e suspendeu o trecho da norma que impedia ministros de Estado e secretários estaduais e municipais de atuar nas diretorias e nos conselhos de administração de estatais.

Pela liminar, continuou proibida a indicação de pessoas que ainda participam da estrutura decisória de partidos ou que têm trabalho vinculado às legendas e campanhas políticas. Contudo, se o interessado deixar a função partidária, poderá ser nomeado para o cargo. O período de 36 meses de quarentena para ingresso nas empresas públicas também foi suspenso pelo ministro. 

Se a maioria dos ministros concluir pela validade de lei, as restrições para indicações de políticos às estatais deverão ser retomadas. 

Pelos votos já encaminhados, políticos que entraram em cargos de estatais durante a vigência da liminar de Lewandowski, que flexibilizou a norma, poderão permanecer nos cargos. Contudo, a decisão final será proferida somente amanhã.

Votos

Durante a sessão, o ministro Flavio Dino criticou a “demonização da política” para barrar indicações políticas para estatais. Ele seguiu o entendimento de Lewandowski. “É falsa a ideia de que qualquer indicação técnica resultará no padrão mais alto de probidade do que em uma indicação política. Este tribunal se defrontou com graves casos de corrupção na Petrobras. Dezenas de agentes ímprobos eram servidores do quadro”, afirmou.

Alexandre de Moraes votou pela validade da lei disse que a criação da norma objetivou manter princípios e regras de gestão e fiscalização que são adotadas internacionalmente. Para o ministro, o Congresso pode estabelecer requisitos legais para o comando de estatais. “Se você quer ser indicado para o conselho de administração e é ministro do Estado, você faz uma opção. Eu deixo de ser ministro de Estado e vou para conselho da Petrobras, por exemplo”, exemplificou.

O mesmo entendimento foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, André Mendonça, Nunes Marques e Luís Roberto Barroso.

Fonte:

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Judiciário direciona R$ 60 milhões em auxílio ao Rio Grande do Sul

O Judiciário destinou R$ 60 milhões em auxílio para o Rio Grande do Sul, estado que enfrenta uma das maiores tragédias climáticas de sua história. O dinheiro tem origem em penas pecuniárias (em dinheiro) aplicadas e depositadas em juízo. 

O dinheiro arrecadado com penas pecuniárias é destinado, em geral, às vítimas de processos ou seus familiares, mas podem também serem direcionados a entidades de assistência social. O dinheiro anunciado nesta quarta-feira (8) vai ajudar na assistência aos atingidos pelas fortes chuvas que inundaram parte do estado nos últimos dias. 

“Os valores poderão ser usados para minimizar danos, ajudar moradores e recuperar os estragos causados pelas fortes chuvas no estado. Milhares de pessoas estão desabrigadas e o estado enfrenta falta de água e de alimentos”, disse o órgão, em nota.

Recomendação do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), e do corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, autorizou o repasse desses recursos diretamente dos tribunais para a Defesa Civil do Rio Grande do Sul e entidades assistenciais. 

Com a autorização, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul liberou a quantia de R$ 2,5 milhões. Depois, o TJ de Minas Gerais transferiu R$ 10 milhões e o TJ de Goiás, R$ 11 milhões. A Justiça Federal do Rio de Janeiro também liberou R$ 4 milhões, informou o CNJ. 

Solidariedade

Na abertura da sessão desta tarde, no plenário do STF, Barroso declarou que todo o país está solidário com os gaúchos. Segundo ele, foram enviados R$ 63 milhões ao estado do sul do país.

“Todos nós aqui no Supremo, todos os ministros individualmente, como instituição, o Brasil inteiro está solidário com o que está acontecendo com o Rio Grande do Sul. Não apenas neste momento específico, mas em momento posterior, da difícil reconstrução física”, declarou o presidente.

Barroso também destacou que os prazos processuais de casos envolvendo o Rio Grande do Sul e advogados do estado estão suspensos até 10 de maio. O presidente também pretende criar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que também preside, um comitê para acompanhar o processo de reconstrução do estado.

Repasse da ajuda

O repasse dos recursos ficará a cargo da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Não está claro como será feita a gestão do dinheiro. Em sua conta, verificada na rede social X, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, agradeceu a iniciativa e disse que a quantia será aplicada com responsabilidade. 

O Rio Grande do Sul agradece por esse importante apoio, que será utilizado de maneira responsável e transparente pelo governo”, escreveu Leite. 

Segundo as informações mais recentes da Defesa Civil gaúcha, até agora foram registradas 100 mortes em decorrência do mau tempo no Rio Grande do Sul. Outras 128 pessoas estão desaparecidas. Há ainda 66.761 pessoas acolhidas em abrigos e um total de 163.720 desalojados. 

Apesar do bom tempo nos últimos dias, o nível da água na região metropolitana da capital Porto Alegre, por exemplo, tem demorado a baixar em função de condições desfavoráveis, como a direção do vento, dizem os meteorologistas. Nesta quarta-feira (8), o mau tempo voltou a castigar o Rio Grande do Sul.

* Colaborou André Richter

Fonte:

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TSE determina implantação do juiz das garantias na Justiça Eleitoral

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu nesta terça-feira (7) determinar a implantação do mecanismo do juiz das garantias no âmbito da Justiça Eleitoral. 

O modelo está previsto no Pacote Anticrime, aprovado pelo Congresso Nacional, em 2019, e estabelece que o magistrado responsável pela sentença não é o mesmo que participa da fase de inquérito.

Pelas regras aprovadas, os tribunais regionais eleitorais terão prazo de 60 dias para implementar o juiz das garantais por meio da criação de Núcleos Regionais Eleitorais das Garantias.

Após a implantação, as investigações de crimes eleitorais que estão em andamento na Polícia Federal (PF) ou no Ministério Público deverão ser encaminhadas aos núcleos no prazo de 90 dias. 

A resolução que trata do assunto também autoriza que as audiências de custódia sejam feitas por videoconferência pelo juiz das garantias.

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu validar o mecanismo do juiz das garantias e determinou prazo de doze meses, prorrogável por mais doze, para implantação obrigatória pelo Judiciário de todo o país.

Entenda

Atualmente, os processos são conduzidos por um só juiz, que analisa pedidos de prisão, decide sobre buscas e apreensões e também avalia se condena ou absolve os acusados.

O juiz das garantias será o magistrado responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal. O modelo é aplicado em todas as infrações penais, exceto em casos de menor potencial ofensivo.

O magistrado que for designado para a função será responsável por decidir questões relacionadas à prisão cautelar de investigados, quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico, busca e apreensão, entre outras medidas.

Conforme a lei, o trabalho do juiz de garantias será encerrado se for aberta uma ação penal contra o acusado. Com o recebimento da denúncia, será aberto um processo criminal, que será comandado pelo juiz da instrução e julgamento. Nessa fase, são ouvidas testemunhas de acusação e de defesa e, ao final do processo, o magistrado decidirá se absolve ou condena o acusado.

Fonte:

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