Aplicação da equidade no comércio eletrônico: proteção e vulnerabilidade do consumidor

A abordagem jurídica da equidade neste estudo está ligada à concepção culturalista do Direito de Miguel Reale [1], que adapta a teoria dos valores às mudanças sociais. Assim, operar com as leis positivadas em harmonia com os valores do ordenamento jurídico é essencial para alcançar justiça e isonomia. Até porque, no civil law brasileiro, é importante determinar se a interpretação jurídica deve se limitar ao texto normativo ou incluir elementos externos.

Considerando a influência dos direitos fundamentais nas relações privadas e a regência do direito privado por normas constitucionais, o estudo explora a aplicação da equidade no comércio eletrônico. Ele traça um paralelo entre a teoria clássica da equidade de Aristóteles e sua implementação atual, examinando sua aplicação na dogmática jurídica brasileira, especialmente em textos normativos e decisões judiciais nas relações de consumo [2].

Equidade: direito privado e teoria aristotélica

No Direito Privado brasileiro, a equidade passou a ser fundamental, reconhecendo que o Direito Civil deve proteger a pessoa humana e ser orientado por valores de justiça, além de apenas regular a liberdade das partes e proteger o patrimônio. Esse movimento de publicização do direito privado é conhecido como a constitucionalização do Direito Civil [3].

Este movimento reflete o neoconstitucionalismo e o pós-positivismo jurídico, que buscam aproximar o Direito da moral e evitar formalismos excessivos. Assim, a interpretação do direito privado considera não só o Código Civil, mas especialmente a Constituição da República etc., que fundamenta e orienta todos os ramos do direito — direito público e privado estão apenas metodologicamente separados.

O Direito deve refletir valores como igualdade, liberdade e dignidade humana. Normas principiológicas e conceitos indeterminados permitem interpretações criativas, aumentando a discricionariedade do juiz na resolução de conflitos. No Código Civil, a equidade se expressa por meio da operabilidade, eticidade e socialidade, permitindo ao intérprete aplicar princípios e cláusulas gerais ao caso concreto.

O Código de Processo Civil de 2015 admite decisões por equidade quando previstas em lei, enquanto o Código de Defesa do Consumidor invalida cláusulas contratuais contrárias à equidade. A equidade também está implícita na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, orientando juízes a considerar fins sociais e o bem comum. Juízos de razoabilidade e proporcionalidade também são consequências desse princípio [4].

A filosofia de Aristóteles, influenciada por Sócrates e Platão, é original e superadora de seus mestres. Sócrates fundou racionalmente a autoridade do Direito em resposta à sofística. Platão via a missão política como a descoberta do justo e das leis, associando o Direito à justiça [5].

Aristóteles concorda e identifica duas funções da justiça: distribuição dos bens e correção das trocas. Ele distingue Direito de Moral e valoriza tanto o justo natural quanto o justo positivo, argumentando que as leis escritas favorecem a imparcialidade do juiz [6]. Sua teoria da equidade [7] complementa as leis escritas, permitindo correções para alcançar a justiça, refletindo uma investigação contínua da natureza e uma flexibilidade que se adapta ao caso concreto.

Equidade no comércio eletrônico

A relação de consumo é marcada pelo desequilíbrio, onde o fornecedor possui superioridade informacional, técnica e jurídica sobre o consumidor. Essa vulnerabilidade é central na regulamentação para equilibrar as partes, garantindo direitos, deveres e proteções. O Código de Defesa do Consumidor exemplifica a equidade no direito brasileiro ao corrigir desigualdades jurídicas e incorporar valores constitucionais ausentes no Código Civil anterior.

A equidade no CDC permite ao julgador buscar a plena efetivação dos direitos do consumidor, mesmo não previstos detalhadamente na lei, enquanto no Código Civil sua aplicação é mais restrita, focando principalmente na fixação do valor indenizatório.

O crescimento do comércio eletrônico impulsionou os atos de consumo, demandando uma resposta regulatória estatal diante das novas práticas tecnológicas. Os ensinamentos de Aristóteles ressurgem, evidenciando a incompletude da lei diante da realidade variada. Sua Teoria da Equidade permite ao julgador complementar a lei, assegurando soluções justas, como reflete o artigo 7° do CDC. Registra-se que a equidade é crucial para decisões judiciais em contratos eletrônicos, especialmente diante do artigo 51 do CDC, que anula cláusulas contratuais contrárias à boa-fé e à equidade. O Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados fortalecem a regulação jurídica para proteger a pessoa humana frente a interesses puramente econômicos.

A internet é uma presença onipresente na sociedade moderna, configurando o que se chama de “sociedade da informação” [8]. Diante disso, empresas precisam agir com cautela, especialmente em relação às normas de proteção de dados pessoais, que agora têm um valor econômico significativo. O comércio eletrônico, ou e-commerce, é central nesse contexto, sendo definido como transações comerciais realizadas por meio de equipamentos eletrônicos, como computadores [9].

Empresas como a Amazon destacam-se nesse setor, oferecendo uma vasta gama de produtos e serviços através de plataformas online. No ambiente digital, as relações de consumo se concretizam por meio de contratos eletrônicos, frequentemente de adesão, onde o consumidor aceita cláusulas previamente estabelecidas de forma unilateral pela empresa.

Em um contexto de comércio eletrônico, é crucial que as relações de consumo respeitem os princípios da informação, transparência e confiança, especialmente devido à maior vulnerabilidade digital. Contratos eletrônicos muitas vezes são elaborados unilateralmente pelas empresas, exigindo que os consumidores aceitem todas as cláusulas previamente estabelecidas.

Normativas como o CDC, especialmente seu art. 46, e o Decreto nº 7.962/2013 regulamentam o comércio eletrônico, impondo deveres de informação aos fornecedores e garantindo direitos aos consumidores, fundamentados no princípio da equidade e na proteção à dignidade da pessoa humana. Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem [10] destacam que o paradigma aristotélico da igualdade implica tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, reconhecendo que os consumidores merecem proteção especial do Estado, incluindo interpretações favoráveis em prol de sua defesa [11].

O Decreto-lei nº 4.657/1942 (Lindb) adapta normas ao bem comum e permite aplicar a lei mais protetiva ao consumidor em transações internacionais, guiado pela equidade do CDC para assegurar justiça. Usando o Diálogo de Fontes, as legislações podem ser integradas para proteger consumidores no comércio eletrônico, alinhando-se ao pensamento aristotélico sobre equidade. Essa necessidade de proteção é essencial tanto do Estado quanto da sociedade civil.

Um caso [12] do Superior Tribunal de Justiça (STJ) discutiu o desequilíbrio na relação de consumo no comércio eletrônico, enfatizando a vantagem desproporcional do fornecedor sobre o consumidor. A equidade foi aplicada como critério para proteger os direitos do consumidor.

Na seara consumerista, incluindo o comércio eletrônico, a equidade permite ao juiz buscar a solução mais justa, alinhada ao conceito aristotélico, dentro dos limites do Código de Defesa do Consumidor. Este código não autoriza o afastamento de normas sem respaldo na legislação ou na Constituição, mantendo a imparcialidade exigida pelo Estado de Direito. Logo, embora o juiz tenha liberdade na interpretação para alcançar justiça no caso concreto, esta deve ser fundamentada em técnicas normativas e princípios consagrados.

Considerações finais

O estudo revela que os princípios da filosofia de Aristóteles têm influência no direito privado brasileiro, especialmente na teoria clássica da equidade.

A aplicação da equidade no direito do consumidor, particularmente no comércio eletrônico, reflete conceitos semelhantes aos de Aristóteles, permitindo aos juízes interpretar e aplicar a lei de forma justa, a fim de proteger e promover a pessoa humana frente as relações de consumo. No entanto, essa aplicação está estritamente vinculada à legislação vigente, como o CDC, que explicitamente reconhece a equidade como fonte de direitos e fundamentação para anular cláusulas abusivas.

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Referências

ANDRADE, Marta Cleia Ferreira de; SILVA, Naiara Taiz Gonçalves da. O comércio eletrônico (e-commerce): um estudo com consumidores. Revista Perspectivas em Gestão & Conhecimento, João Pessoa-PB, v. 7, n. 1, p. 98-111, 2017.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2004.

CUNHA, José Ricardo Cunha. O juízo de equidade como antecedente e base para os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade. Revista UNIFESO – Humanas e Sociais Teresópolis, Vol. 2, N.3, 2016

FARIAS, Christiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 7ª edição. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris. 2008, p. 25.

FARIAS, Christiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. 4°ed.Jus PODIVM. 2014, p. 34-36.

FERREIRA, Keila Pacheco; MARTINS, Fernando Rodrigues. Diálogo de fontes e governança global: hermenêutica e cidadania mundial na concretude dos direitos humanos. Revista de Direito do Consumidor. Volume: 117/2018. DTR\2018\15894, p. 443–467.

MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. Editora: Revista dos Tribunais. Edição: 2ª. São Paulo – SP, 2014.

MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da informação e promoção à pessoa. In: Revista de Direito do Consumidor. Vol. 96, 2014.

REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

VIAL, Sophia Martini. A sociedade da (des)informação e os contratos de comércio eletrônico do código civil às atualizações do código de defesa do consumidor, um necessário diálogo entre fontes. Revista de Direito do Consumidor. Volume: 88/2013. p. 229 – 257. Edição: Jul – Ago, 2013.

VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução: Claudia Berliner. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

[1] REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 08.

[2] Esta pesquisa será estruturada por meio de uma revisão bibliográfica, utilizando como base o livro “A formação do pensamento jurídico moderno” de Michel Villey[2], especialmente o capítulo III, “A filosofia do direito de Aristóteles”, além de textos, artigos e livros sobre o pensamento aristotélico. A revisão de literatura será feita através de um reexame narrativo, focando na contextualização multidisciplinar e sistêmica do tema. O método científico utilizado será o dedutivo, com abordagem qualitativa e cunho exploratório.

[3] FARIAS, Christiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 7ª edição. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris. 2008, p. 25.

[4] CUNHA, José Ricardo Cunha. O juízo de equidade como antecedente e base para os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade. Revista UNIFESO – Humanas e Sociais Teresópolis/RJ, Vol. 2, N.3, 2016, p. 186-211.

[5] No entanto, não se pode concluir exatamente o que Sócrates compreendia por Direito, se seria as Leis do Estado ou de uma Justiça superior. VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Martins Fontes. 2005, p. 20-21.

[6] Ibidem, p. 41-43.

[7] VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Martins Fontes. 2005, p. 47.

[8] MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da informação e promoção à pessoa: empoderamento humano na

concretude de novos direitos fundamentais. Revista de Direito do Consumidor, v. 96, nov./dez. 2014, p. 225-257.

[9] ANDRADE, Marta Cleia Ferreira de; SILVA, Naiara Taiz Gonçalves da. O comércio eletrônico (e-commerce): um estudo com consumidores. Revista Perspectivas em Gestão & Conhecimento, João Pessoa-PB, v. 7, n. 1, p. 98-111, jan./jun. 2017. apud ALMEIDA JR., E. Comércio eletrônico (e-commerce), 1998. Disponível em: http://blog.segr.com.br/wp-content/uploads/2013/09/Com%C3%A9rcioEletr%C3%B4nico.pdf. Acesso em: 07 jul. 2024.

[10] MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. Editora: Revista dos Tribunais. Edição: 2ª. São Paulo – SP. 2014, p. 120.

[11] A jurista Cláudia Lima Marques diz ainda que a vulnerabilidade do consumidor pode ser entendida como um estado, melhor dizendo, uma “ferida” capaz de ser facilmente atingida, visto que o ente vulnerabilizado caracteriza-se como uma fácil vítima a ser prejudicada por certo fato ou circunstância. In: MARQUES, Claudia Lima. Estudo sobre a vulnerabilidade dos analfabetos na sociedade de consumo: o caso do crédito consignado a consumidores analfabetos. Revista de Direito do Consumidor. Volume: 95/2014, 2014, p. 107.

[12] No processo AREsp 1127506, a Ministra Assusete Magalhães decidiu a favor do PROCON, revertendo uma decisão que havia anulado um auto de infração contra Nova Potocom Comércio Eletrônico S.A. por prática contrária ao Código de Defesa do Consumidor. A decisão original do Tribunal de Justiça de São Paulo foi considerada incorreta, pois a Ministra entendeu que a vantagem manifestamente excessiva deve ser interpretada como desproporcional e incompatível com os princípios da boa-fé e da equidade.In: Superior Tribunal de Justiça – STJ. Decisão Monocrática. Processo AREsp 1127506. Relator(a) Ministra Assusete Magalhães. Data da Publicação DJe 08/08/2017. Decisão Agravo Em Recurso Especial Nº 1.127.506 – SP (2017/0157688-0). Agravante: Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor – PROCON. Agravado: Nova Potocom Comércio Eletrônico S.A.

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STF prorroga até setembro prazo de suspensão da desoneração da folha

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), prorrogou até 11 de setembro a suspensão do processo que trata da desoneração de impostos sobre a folha de pagamento de 17 setores da economia e de determinados municípios até 2027. 

O pedido de prorrogação foi feito nesta terça-feira (16) pelo Senado Federal e pela Advocacia-Geral da União (AGU), que pretendem utilizar o prazo para encerrar as negociações entre o governo federal e parlamentares para um acordo envolvendo a compensação financeira da União pela desoneração dos setores. Na tarde de hoje, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, anunciou o adiamento da votação da proposta sobre a compensação das perdas.

No dia 25 de abril, o ministro Cristiano Zanin, relator do processo, concedeu liminar para suspender a desoneração de impostos sobre a folha de pagamento. O ministro entendeu que a aprovação da desoneração pelo Congresso não indicou o impacto financeiro nas contas públicas.

No mês seguinte, Zanin acatou pedido da AGU e suspendeu a desoneração por 60 dias para permitir que o Congresso e o governo cheguem ao acordo de compensação.

Fachin proferiu a decisão na condição de vice-presidente da Corte. Devido ao recesso de julho, cabe ao presidente em exercício decidir questões urgentes. 

Na decisão, Fachin entendeu que o governo e os parlamentares devem ter o tempo necessário para a construção do acordo.

“Está comprovado nos autos o esforço efetivo dos poderes Executivo e Legislativo federal, assim como dos diversos grupos da sociedade civil para a resolução da questão. Portanto, cabe à jurisdição constitucional fomentar tais espaços e a construção política de tais soluções”, justificou o ministro.  

Fonte: 

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Vinculação do Carf na reforma tributária: perigo iminente e eminente

vinculação, enquanto mecanismo de garantia da isonomia e da segurança jurídica, apresenta-se de diversas formas no Direito. Temos a vinculação dos juízes e tribunais aos precedentes qualificados dos tribunais superiores (cf. artigo 927 do Código de Processo Civil). Nessa mesma toada, temos a vinculação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aos precedentes exarados pelo STJ e pelo STF (cf. artigo 98 do Regimento Interno do Carf). Já no âmbito da legislação infralegal, temos a vinculação das Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJs) aos atos normativos expedidos pela Receita Federal do Brasil (RFB). Não faltam exemplos nesse sentido.

E no meio do furacão da reforma tributária que temos vivido nos últimos meses, parecem estar passando despercebidos mais dois exemplos de vinculação que se pretende trazer ao contencioso administrativo tributário, no contexto de divergências possíveis em relação ao Imposto sobre bens e serviços (IBS) e à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Apercebamo-lospois as alterações propostas são importantes e se aproximam com celeridade à realidade do contencioso administrativo.

A reforma tributária e um novo contencioso administrativo para o IBS/CBS

Reformado o sistema tributário pela Emenda Constitucional nº 132/2023 (EC 132), já é consabida a profunda mudança da tributação sobre o consumo que viveremos nos próximos anos, que, como regra geral, sofrerá a incidência do chamado “IVA-dual”, representado pelo IBS (imposto cuja arrecadação será direcionada aos estados e municípios por intermédio do Comitê Gestor) e pela CBS (contribuição destinada aos cofres da União). Fala-se em “IVA-dual” porque os dois tributos serão regidos pelas mesmas regras, com relação ao fato gerador, contribuintes, não cumulatividade, princípio do destino, neutralidade, entre todos os outros elementos trazidos pelo PLP nº 68/2024 para disciplinar, conjuntamente, o IBS e a CBS.

Esse é o cenário do direito material, que com razão busca as melhores práticas da experiência internacional nos IVAs modernos (e.g. Nova Zelândia, Austrália, Canadá e África do Sul).

No que tange ao direito processual administrativo fiscal – enquanto conjunto de normas aplicável às lides tributárias deduzidas perante a administração pública, para apaziguar as lides tributárias — com base no nosso novo sistema de mesmas regras para o “IVA-dual”, parece claro que o ideal seria que tivéssemos um contencioso único, integrado e coeso, para o julgamento tanto do IBS como da CBS, conforme permissão trazida pela EC 132, a o artigo 156-B, §8º da CF. A simplicidade, agora alçada como princípio norteador do Sistema Tributário Nacional (cf. artigo 145, §3º da CF), que teríamos em sendo uma única administração e um único contencioso do “IVA-dual” é inquestionável.

Todavia, sem adentrar nas questões políticas que entornam uma reforma tributária, embora seja tentador tratar a nova tributação sobre o consumo como “um único imposto”, não foi essa a escolha do constituinte. O 149-B da CF serve para determinar que as normas gerais do IBS e da CSB sejam idênticas, mas isso não faz com que os dois tributos se tornem um só. São gêmeos univitelinos, mas não são siameses, em razão das origens do federalismo em que se funda a nossa ordem constitucional.

Nesse contexto foi que o contencioso administrativo único, para o IBS e a CBS, não aconteceu.

Contencioso do IBS x Contencioso da CBS x Divergências interpretativas

Assim, de forma não ideal, mas certamente não inconstitucional, o PLP nº 108 de 2024 (PLP 108/2024) cria o contencioso administrativo do IBS, conforme determinação dos artigo 156-A, §5º, VII e 156-B, III da CF.

Ali está bastante clara a inspiração do texto em alguns aspectos do Decreto 70.235/72, outros tantos da Lei nº 9.784/1999, e ainda outros do Ricarf, no que tange à garantia ao contraditório e ampla defesa, sistema paritário de representação de julgadores, duas instâncias de julgamento e uma de uniformização de jurisprudência (artigo 99), subordinação à precedentes qualificados (artigo 92), enfim, inspirações oriundas do Processo Administrativo Fiscal Federal. Há diferenças importantes, mas há muitas semelhanças.

De outro lado, conforme recentemente noticiado [1], o presidente do Carf revelou que os litígios entre contribuintes e União a respeito da CBS serão julgados pela 3ª Seção do Carf. A atribuição de competência é bastante intuitiva, dentro do sistema do contencioso administrativo federal ora vigente. Afinal, é à 3ª Seção do Carf que cabe o julgamento do PIS e da Cofins, que serão exterminadas com o advento definitivo da CBS. É uma competência de julgamento “por sucessão causa mortis” tributária.

Em sendo essa a realidade, de contenciosos administrativos diferentes para o IBS e para a CBS, evidentemente que será possível que exsurjam divergências de interpretação entre o contencioso administrativo federal (Carf) e o contencioso administrativo do IBS. Mas não é só. Pode ser que haja divergência interpretativa fora do contencioso propriamente dito, em nível de edição de atos normativos/interpretativos infralegais, entre a União e o sistema em torno do Comitê Gestor do IBS.

Por isso, há necessidade de dois níveis de harmonização de interpretação do IBS/CBS: o contencioso e o normativo. Vejamos como ambos aparecem nas propostas legislativas em trâmite.

Desde a primeira versão do PLP 108/2024, havia uma promessa, pouco trabalhada nos dispositivos legais do projeto, de que o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias fariam esse papel, especialmente em relação à harmonização em nível de atos normativos infralegais [2].

Os detalhes sobre a composição e as atribuições desses órgãos encontravam-se no PLP 68/2024, cujo artigo 317, inciso I determina que o comitê será formado por quatro representantes da RFB e 4 representantes do Comitê Gestor; e o artigo 319 afirma que compete ao comitê: 1) uniformizar a regulamentação e a interpretação da legislação relativa ao IBS e à CBS em relação às matérias comuns; 2) prevenir litígios relativos às normas comuns aplicáveis ao IBS e à CBS; e 3) deliberar sobre obrigações acessórias e procedimentos comuns relativos ao IBS e à CBS. Ao fórum fica a função de, além de analisar relevantes e disseminadas controvérsias do IVA-dual, atuar como órgão consultivo do comitê.

Em 8 de julho de 2024 tivemos a apresentação, do pelo grupo de trabalho (GT) da regulamentação da reforma tributária, do substitutivo ao texto do PLP 108/2024.

O artigo 111 do substitutivo deixa claro que o órgão que servirá para a solucionar divergências interpretativas em nível de julgamento, vale dizer, de jurisprudência administrativa, é o comitê. Ato contínuo, o artigo 112 determina que as decisões do comitê terão caráter vinculante:

“Art. 111. A uniformização da jurisprudência administrativa do IBS e da CBS será realizada pelo Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias relativas ao IBS e à CBS por encaminhamento pelas seguintes autoridades:

I – o Presidente do Comitê Gestor do IBS; e

II – a autoridade máxima do Ministério da Fazenda.”

“Art. 112. As decisões tomadas pelo Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias terão caráter de provimento vinculante a partir de sua publicação no Diário Oficial da União.”

A dúvida que aparece é sobre os destinatários dessa vinculação. Quais seriam? É aqui que se requer atenção, com itálicos, negritos e sublinhados oportunos.

Depois de apresentar as três instâncias de julgamento administrativo do IBS, o artigo 100 do Substitutivo do PLP 108 coloca que:

“Art. 100. A harmonização do IBS e da CBS será garantida pelo Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias de que trata a Lei Complementar que institui o IBS e a CBS, cujas decisões terão caráter de provimento vinculante para os órgãos julgadores administrativos.

Parágrafo único. No exercício da atividade de harmonização de que trata o caput, o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias ouvirá obrigatoriamente o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias, que participará necessariamente das reuniões do Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias.”

Paralelamente, o artigo 319, parágrafo único e o artigo 321 do PLP 68/2024 determinam:

“Art. 309. Compete ao Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias: (…)

Parágrafo único. As resoluções aprovadas pelo Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias, a partir de sua publicação no Diário Oficial da União, vincularão as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

“Art. 311. Ato conjunto do Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e do Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias deverá ser observado, a partir de sua publicação no Diário Oficial da União, nos atos administrativos, normativos e decisórios praticados pelas administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e nos atos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e das Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

Aí estão as novas hipóteses de vinculação que se propõe sejam adotadas no âmbito do contencioso tributário: que as decisões do comitê e do fórum, sobre dúvidas interpretativas a respeito de qualquer questão que seja comum ao IBS e à CBS, sejam de observância obrigatória pelos órgãos julgadores das matérias, vale dizer, o Carf [3] e quaisquer das instâncias de julgamento do IBS!

Críticas à vinculação do contencioso ao comitê de harmonização

Pois bem. Do ponto de vista de harmonização da jurisprudência, a regra causa profundo espanto. As decisões proferidas pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf não são vinculantes para as turmas ordinárias do mesmo tribunal. Por que então as decisões dessa “instância de uniformização”, exclusivamente quanto à jurisprudência da CBS, seriam vinculantes à 3ª Seção do Carf? Difícil escrever obviedades, mas o Carf julga e julgará tributos diferentes da CBS, que não terão qualquer limitação vinculativa desse jaez, de modo que a previsão do artigo 100 do PLP 108, quando aplicada na prática, torna o Carf um tribunal com regras processuais diversas a depender das matérias sob julgamento, o que não faz sentido, nunca aconteceu, e não tem razão de ser.

Não fosse o bastante, a composição do comitê e do fórum exclusivamente por representes da RFB, da Procuradoria e do Comitê Gestor faz todo o sistema de paridade do julgamento administrativo cair por terra. Do que adianta prever um contencioso administrativo no qual as instâncias de julgamento contam com representantes dos contribuintes, se a decisão final sobre uma matéria será tomada sem a participação desses? Quando do advento do substitutivo, pensamos por um momento que a inclusão de representantes dos contribuintes na Câmara Superior do IBS (cf. artigo 110, §1º, III do PLP 108/2024) demonstrava uma sensibilidade com a questão, mas agora está claro que isso não aconteceu de forma suficiente, permanecendo o problema da falta de credibilidade e coerência no ápice do sistema.

E agora do ponto de vista da harmonização de entendimento por atos normativos infralegais — cuja vinculação aos dizeres do comitê está posta no PLP 68/2024 – trata-se proposta legal que tolhe profundamente a consolidada competência cognitiva que o Carf possui, bem como faz natimorta essa mesma competência no âmbito do contencioso do IBS. Com feito, o Carf e todas as instâncias do contencioso do IBS, ficam com a sua capacidade de verticalização do julgamento prejudicada. Afinal, sabe-se que o Carf está impedido de promover o controle de constitucionalidade das normas que aplica às lides que lhe são dirigidas (cf. Súmula Carf nº 2 e artigo 26-A do Decreto 70.235/72), mas tradicionalmente sempre foi instância com o poder/dever, inclusive dentro do contexto de controle interno dos atos administrativos (cf. artigo 53 da Lei nº 9.78/1999), de afastar atos normativos ilegais. Assim, se aplicada a literalidade do artigo 100 do PLP 108, enquanto vinculação do contencioso administrativo à legislação tributária, parte do Carf (a 3ª Seção de Julgamento) não poderá, como pode hoje em dia, julgar conforme a lei, entendendo que determinado ato normativo é ilegal. Afinal, no que tange à CBS, estará “vinculado” ao que o Comitê diz que é que interpretação adequada.

Para além da necessidade do interesse da própria administração pública na citada autotutela da legalidade dos seus atos, mediante processo administrativo competente, a submissão do contencioso administrativo em sua inteireza aos atos interpretativos exarados pelo comitê vai na contramão do princípio da legalidade, que, até onde essa colunista pode depreender, não foi revogado pela EC 132/2023.

Por fim, vê-se que a proposta é cega ao fato que os contribuintes, se restarem vencidos no âmbito administrativo, sempre podem se socorrer ao Poder Judiciário, pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição [4]. Quer dizer que autuações fiscais feitas com base em legislação tributária desconforme à lei em sentido estrito, invariavelmente levará às Fazendas Públicas a um litígio judicial, o que gerará sucumbência contra o poder público. Certamente não é esse o melhor cenário para a sociedade como um todo.

De tudo isso, vê-se que temos uma reforma do processo administrativo tributário que merece muito mais atenção nos seus detalhes, como o apresentado no presente texto. As novas hipóteses de vinculação, trazidas pelo PLP 108 e pelo PLP 68 podem significar problemas estrondosos para o contencioso administrativo fiscal como um todo. Esperamos que exista tempo de resolvê-los ante da finalização do trâmite legislativo, inclusive tendo a oportunidade de observar bons exemplos de diálogo na relação entre Fisco e contribuinte, sempre no intuito de zelar pelo interesse público, como temos na Sejan (Câmara de Promoção de Segurança Jurídica no Ambiente de Negócios) no âmbito da AGU. O trabalho de harmonização de interpretação entre RFB e Procuradoria da Fazenda Nacional, com a participação da sociedade civil, é de fato inspirador, podendo trazer novos ares para a tão necessária necessidade de harmonização que teremos com a vigência do IBS e da CBS.


[1] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/processos-sobre-cbs-serao-analisados-pela-3a-secao-do-carf-03072024

[2] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/07/01/reforma-preve-mecanismos-para-evitar-litigios-sobre-novos-tributos.ghtml

[3] Também à DRJ, evidentemente.

[4] Onde o problema da uniformização também existirá, haja vista, em princípio, a competência para a Justiça Estadual julgar o IBS e a Justiça Federal a CBS, o que também tem sido objeto de muito debate. Aqui, a função uniformizadora ficaria sob responsabilidade dos Tribunais Superiores (STJ e STF), mas não sem antes perdurar decisões divergentes entre as citadas Justiças Estadual e Federal.

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Tributação, atração de investimentos, regionalização e guerra fiscal no IVA

Entre os dias 25 e 26 de junho ocorreu em Lisboa, Portugal, um evento extraordinário organizado pelo Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe), capitaneado pelo economista José Roberto Afonso, com vários painéis compostos por economistas, contadores e advogados de diversos países e representando muitos organismos multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Comissão Europeia para a Coesão e Reformas.

Tive a honra de participar de um painel sobre Atração de investimentos para reconstrução e modernização de economias e suas regiões, tendo por moderador Luciano Fuck, e como debatedores Ricardo Mourinho Félix (advisor do board do Banco de Portugal), Joaquim Levy (ex-ministro da Fazenda do Brasil) e Alexandre Cialdini (secretário de Planejamento e Gestão do Ceará), com quem muito aprendi.

Minha exposição centrou-se na reforma tributária do consumo e seus impactos no desenvolvimento regional brasileiro.

Guerra fratricida

É inegável que nas últimas duas décadas o investimento privado, que estava concentrado na região Centro-Sul e na Zona Franca de Manaus, passou a ser dirigido para outras regiões, como o Norte, Nordeste e Centro Oeste, com transferência de empresas e novos negócios. Isso ocorreu por meio de um instrumento destrutivo e absolutamente sem coordenação que foi a guerra fiscal do ICMS, que acarretou um verdadeiro fratricídio entre os estados de nossa federação.

Isso decorreu do desinteresse da União em utilizar os mecanismos de desenvolvimento regional existentes, como a política de incentivos fiscais e financeiros, pois meio de órgãos como Sudam e Sudene, e de incentivo econômico, por meio de bancos regionais de desenvolvimento. Esses mecanismos foram abandonados pela União, ao invés de corrigir suas falhas.

Por exemplo, na política de incentivos econômicos, que se constitui em uma espécie de federalismo econômico, há o direcionamento de 3% de todos os valores arrecadados de IPI e de IR para que bancos de desenvolvimento regional financiem o setor produtivo na região Norte (por meio do Basa), na região Nordeste (por meio do Banco do Nordeste) e na região Centro Oeste (por meio do Banco do Brasil).

Ocorre que os contratos de financiamento possuíam uma cláusula extremamente perversa, que fazia cair por terra a intenção, afastando qualquer investidor bem-intencionado que tivesse um mínimo de assessoramento jurídico na hora de firmar o contrato.

Tal cláusula previa que, havendo atraso no pagamento de três parcelas, os juros reduzidos e o prazo de carência seriam recalculados de forma retroativa, aplicando-se juros de mercado e com vencimento antecipado de toda a dívida.

Ora, sabe-se que muitos empreendimentos possuem dificuldades em sua implantação ou para concretizar projetos de modernização ou expansão, e o atraso é algo muito usual, ainda mais em regiões de difícil atuação econômica, não se configurando uma plena inadimplência contratual, mas uma dificuldade momentânea e passageira, que mereceria um olhar mais cuidadoso por parte desses bancos, ao invés de aplicação de uma cláusula leonina.

Isso acabou por enterrar o programa de desenvolvimento e levar diversos projetos privados ao insucesso. Imagine o leitor assumir um financiamento em cem parcelas, atrasar as quatro últimas, e ver todo o financiamento recalculado com juros majorados. Não dá para suportar.

Demonização da renúncia fiscal

Outro exemplo se verifica na questão dos incentivos fiscais e financeiros, no âmbito da Sudam e Sudene.

O modelo de incentivos fiscais permite que esses órgãos aprovem projetos de empresas que visem se instalar nessas regiões, abrindo mão de recursos tributários caso algumas metas sejam alcançadas, como na quantidade de empregos gerados, de redução de impactos ambientais, de substituição de importações etc. Ocorre que há alguns anos a expressão “renúncia fiscal” passou a ser demonizada em nosso país, fazendo com que essa sistemática fosse abandonada.

O modelo de incentivos financeiros permitia que a União, mediante aporte de capital, se tornasse acionista desses empreendimentos, o que gerava a possibilidade de, como qualquer acionista, ter informações e pudesse exercer algum tipo de controle sobre a atividade da empresa. Ocorre que os aportes de capital aprovados pela Sudam e Sudene jamais cumpriam o cronograma de desembolso aprovado, obrigando as empresas a irem ao mercado em busca de recursos para respeitar o que havia sido aprovado e era exigido pela fiscalização.

Todavia, com o descasamento do aporte de capitais públicos, e a necessidade de obter empréstimos sob condições de mercado, as empresas acabaram por ter pesados ônus financeiros imprevistos, fazendo com que os projetos sucumbissem.

Nesse sentido, o descaso da União com as políticas de desenvolvimento regional acabou por fazer com que os governadores fossem em busca de desenvolvimento estadual, o que ocorreu por meio da guerra fiscal do ICMS, de forma concorrencial, predatória e descoordenada.

Risco

Com a reforma tributária do consumo aprovada pela EC 132, passa-se a ter uma alíquota básica uniforme para todos os bens e serviços em cada território estadual ou municipal, esperando-se que a guerra fiscal termine, mas ela pode permanecer. O que impede que o estado ou município reduza fortemente sua alíquota para atrair investimentos para seu território? Nada.

Havendo redução, não se há de falar em incentivo fiscal, pois a alíquota básica permanecerá a mesma, do feijão ao aviãodo alfinete ao foguete. A sustentabilidade entre receitas e despesas pode ser fortemente abalada, mas nem isso está proibido, pois a Constituição apenas prevê a sustentabilidade da dívida. Assim, nada impede que o estado do Pará reduza sua alíquota básica de IVA, visando competir com o oceano de vantagens fiscais e financeiras que terão seus vizinhos, os estados do Amazonas e do Amapá. Ou faz isso, ou economicamente falece.

Se a União não for ágil e eficiente na retomada de políticas de desenvolvimento regional, tratando desigualmente os desiguais e implementando um federalismo econômico e financeiro assimétrico, a guerra fiscal retornará ainda pior.

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Auxílio-doença pago junto com aposentadoria não pode ser devolvido

Benefícios previdenciários têm natureza alimentar, ou seja, são voltados à subsistência, e o pagamento de suas parcelas por longo período gera no segurado o sentimento de que sempre poderá contar com esse dinheiro. Assim, não é justo exigir a restituição de valores já consumidos.

INSS deve restituir descontos que promoveu na aposentadoria da autora na tentativa de compensar auxílio-doença – Agência Brasil

Com esse entendimento, o juiz Wesley Schneider Collyer, da 1ª Vara Federal de Cascavel (PR), decidiu que parcelas de auxílio-doença pagas a uma mulher não podem ser devolvidas e ainda condenou o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a restituir valores descontados da aposentadoria por invalidez recebida pela autora.

A mulher recebeu auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao mesmo tempo por certo período. Isso porque a data de início da aposentadoria por invalidez retroagiu e atingiu o período em que o auxílio-doença vinha sendo pago.

Devido ao “pagamento em duplicidade”, o INSS promoveu descontos na aposentadoria da autora, para compensar os valores recebidos no auxílio-doença.

Sem má-fé

A mulher, então, acionou a Justiça e alegou que não agiu com má-fé, nem induziu o INSS a erro. Ela pediu a devolução dos valores descontados.

O juiz Wesley Schneider Collyer concordou que “não houve ardil, nem má-fé” da autora, mas apenas a concessão da aposentadoria com data retroativa, que ocasionou o pagamento conjunto do benefício com o auxílio-doença por certo tempo.

Devido à “evidente boa-fé” da autora, somada ao “caráter alimentar do benefício recebido”, o julgador considerou que os valores “pagos em excesso” não poderiam ser devolvidos.

Atuou no caso a advogada Nayara Cadamuro Weber.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 5002966-90.2024.4.04.7005

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LiveBC celebra 30 anos do real

Há três décadas, uma mudança no padrão monetário brasileiro trouxe a estabilidade monetária e o fim da inflação galopante: foi implantado o real. Para celebrar a data, a LiveBC de julho contou com a participação do Diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, Renato Gomes.

Na história do Brasil e dos brasileiros

Na opinião do diretor do Banco Central (BC), o real é a mais importante iniciativa de política econômica na história recente do Brasil. “O real era um projeto de país que envolvia não somente o controle da inflação, mas também uma completa reorganização do Estado”, afirmou.

Ele lembrou que, como muitos de sua geração, cursou economia motivado pelo impacto que o real teve na sociedade.

Inflação

Durante a LiveBC, Gomes relembrou o contexto que resultou na criação do Plano Real. Entre as décadas de 1980 e 1990, foram seis planos econômicos (Cruzado, Cruzado 2, Bresser, Cruzado Novo, Collor e Collor 2) na tentativa de controlar a inflação crescente no país.

“Entre 1980 e 1994, a taxa de inflação média no Brasil era de 16% ao mês. Isso quer dizer que os preços dobravam a cada quatro meses e meio, era assustador”, disse.

Parte da equipe do Plano Real havia trabalhado em alguns dos planos anteriores e aprendeu com os erros.

“O Plano Real envolveu um diagnóstico um pouco mais complexo das questões brasileiras. Ele atentava para elementos importantes, como o equilíbrio das contas públicas. Além disso, ele rapidamente angariou confiança da população, não teve surpresa, foi gradual, transparente”, destacou o diretor.

URV

Gomes relembrou o papel destacado da Unidade de Real de Valor (URV) no preparo da sociedade brasileira para a implantação do Plano Real. “Foi uma tremenda novidade, uma engenharia econômica. Uma construção muito original, um orgulho dos economistas brasileiros”, celebrou.

Ele explicou que a URV era apenas para as pessoas cotarem preços, coexistia com o cruzeiro real, que era o meio de pagamento. Todo dia seu valor era ajustado para incorporar a variação da inflação. “Não havia nenhuma obrigação em cotar preço em URV, era voluntário. Sua adoção foi rápida. Em quatro meses, a economia já estava toda cotada em URV. Foi quando foi possível colocar o real na praça, em 1º de julho de 1994”.

De acordo com Gomes, o Plano Real teve um impacto rápido no controle da inflação. Nos doze meses anteriores ao real, a inflação estava acumulada em 3.000% e, em 1996, dois anos depois, já era inferior a 10%, e, em 1998, não chegou aos 2%.

Nos três primeiros anos do real, os salários cresceram 20%, o emprego cresceu 2,5% ao ano, o custo da cesta básica caiu 30% e o salário mínimo praticamente dobrou.

“O real foi a melhor política social e a mais rápida que se tem notícia nas últimas décadas no desenvolvimento brasileiro”. De acordo com o diretor, a implementação de uma mudança no regime fiscal brasileiro, feita pelo real, com a desvinculação imediata das receitas sociais da União e o refinanciamento da dívida dos estados, por exemplo, também ajudam a explicar o sucesso da moeda.

Ele citou ainda os programas de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (Proes) e de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), a implantação do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e a aderência do BC às regras de supervisão de Basileia como outros aspectos importantes para a efetividade do plano.

Presente e futuro

O diretor comentou sobre os desafios do BC na manutenção da estabilidade econômica.

“É fundamental para a estabilidade da moeda que a gente invista no aperfeiçoamento institucional do Banco Central. Estamos vivendo um período de grandes transformações, tanto no sistema financeiro como na economia real, e os bancos centrais têm assumido cada vez mais responsabilidades”, disse.

Para ele, o BC tem um papel muito importante como provedor de infraestruturas públicas, como o Pix, “que gerou um tremendo impacto na competição bancária; o Open Finance, que dá ao consumidor brasileiro o controle sobre os próprios dados; e o Drex. É importante que o BC possa perseverar nesse papel no nível mais elevado de excelência”.

Para isso, o diretor considera fundamental avançar na autonomia do BC, pois é o que o coloca em posição adequada para cumprir o seu papel.

Assista à íntegra da live aqui.

Fonte: BC

Entidades repudiam monitoramento ilegal de jornalistas

O monitoramento ilegal de jornalistas por agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de Jair Bolsonaro é considerado um ato de violência e uma tentativa de violar o trabalho dessa categoria. A avaliação é de entidades representativas de profissionais da imprensa.  

Investigação da Polícia Federal (PF) revela que agentes lotados na Abin utilizaram ferramentas de espionagem adquiridas pelo órgão para monitorar os movimentos de autoridades do Judiciário, do Legislativo e da Receita Federal, além de personalidades públicas, como jornalistas. Os atos irregulares teriam ocorrido durante o governo de Jair Bolsonaro.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) considera que as atividades da chamada Abin Paralela foram ilegais e criminosas e um ostensivo ataque à liberdade de imprensa. 

“A utilização de maneira ilegal e abusiva de serviços de espionagem foi uma tentativa explícita do governo Bolsonaro de violar o livre exercício do Jornalismo e o sigilo da fonte. Já havíamos denunciado essa situação em janeiro deste ano, quando da realização da Operação Vigilância Aproximada. Tanto que solicitamos na justiça o acesso à lista de espionados à época, mas não obtivemos informações porque o processo estava sob sigilo”, diz a entidade, em nota. 

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também repudia os atos cometidos pela chamada Abin Paralela, sob o comando do delegado da PF Alexandre Ramagem, atual deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro. 

“A Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI (CDLIDH) repudia o uso de software de propriedade federal para espionar e monitorar a atividade profissional de jornalistas e agências de checagem. A CDLIDH repudia esse comportamento inaceitável, que representa total afronta à privacidade dos profissionais e organizações e um atentado ao Estado Democrático de Direito”, diz a entidade, em nota enviada à Agência Brasil.

Em fevereiro deste ano, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), juntamente com a ABI e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), protocolou um pedido ao Supremo Tribunal Federal para a divulgação dos nomes dos jornalistas que foram espionados ilegalmente pela Abin Paralela. Segundo o SJSP, o embasamento jurídico do pedido das entidades foi relacionado à questão do direito constitucional ao sigilo à fonte no exercício jornalístico, bem como o direito à privacidade de todo cidadão brasileiro.

“Ao tomar conhecimento da investigação que escancarou a história de uma ‘Abin Paralela’ a serviço do governo Bolsonaro para espionar ilegalmente opositores, políticos e jornalistas, se entendeu que é fundamental que essa história seja esclarecida”, disse no pedido o presidente do Sindicato, Thiago Tanji. 

Surpresa

Segundo a PF, os jornalistas monitorados foram Mônica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Alves Bandeira e Pedro Cesar Batista. Em entrevista ao canal Band News, Mônica Bergamo disse que foi uma surpresa descobrir seu nome entre os monitorados. 

“É abjeto ter um aparelho de Estado monitorando pessoas que eles imaginam que podem, de alguma forma, minar o seu governo. É uma sensação muito estranha”, disse a jornalista. Ela lembrou que, além do monitoramento de suas conversas, houve uma tentativa de difamação, com a ideia de fazer uma conexão da profissional com Adélio Bispo, responsável pelo atentado ao então candidato à Presidência Jair Bolsonaro, em 2018.

Fonte:

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Projeto estabelece prisão após segunda instância e fim da audiência de custódia

O deputado federal General Pazuello (PL-RJ) apresentou projeto de lei (PL 619/2024) que estabelece a prisão após condenação em segunda instância e acaba com a audiência de custódia. Atualmente, a Constituição Federal e o Código de Processo Penal só admitem a prisão após o trânsito em julgado da sentença condenatória, salvo flagrante delito.

A proposta também dispensa a autoridade de informar à família, em um primeiro momento, ou outra pessoa indicada pelo preso sobre a prisão. Apenas o Ministério Público e advogado (ou Defensoria Pública) deverão ser avisados. Só após 24 horas da prisão, a família será contatada.

Segundo o deputado General Pazuello (PL-RJ), autor do projeto, o objetivo é eliminar lacunas interpretativas que possam gerar nulidades desnecessárias nos processos criminais. “A insegurança jurídica resultante de interpretações divergentes pode conduzir a decisões contraditórias e à soltura de indivíduos perigosos para a ordem social”, disse.

Decisão do STF

Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal mudou de entendimento e passou a permitir a execução da pena após condenação em segundo grau. A decisão foi muito elogiada pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos demais integrantes da força-tarefa da operação “lava jato”, mas severamente criticada por constitucionalistas e criminalistas.

Em 2019, porém, a corte resgatou o entendimentofirmado em 2009 e declarou a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, proibindo a execução provisória da pena.

Logo em seguida surgiram propostas para alterar a Constituição ou o CPP para voltar a permitir a prisão após condenação em segundo grau, como a apresentada agora por Pazuello.

São ideias que estão nas mesas de debate há algum tempo. Mas só poderão sair do papel se for feita uma nova Constituição. Na atual, o inciso LVII do artigo 5º diz que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. É o princípio da presunção de inocência, que não pode ser relativizado por nenhuma lei, afirmaram constitucionalistas consultados pela ConJur.

Prisão preventiva

A proposta também permite que seja decretada prisão preventiva para evitar prática de novas infrações, diferente do que estabelece o CPP atualmente. O projeto revoga a necessidade de justificar a prisão preventiva e a possibilidade de ela ser revogada.

Atualmente, esse tipo de prisão é prevista em caso de crimes dolosos punidos com pena de mais de quatro anos de cárcere.

A proposta amplia a possibilidade de preventiva para casos em que houver indícios de o acusado praticar infrações penais constantemente. Além disso, também serão objeto de prisão preventiva crimes com violência, grave ameaça, porte ilegal de arma, racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, quadrilha, crimes hediondos ou cometidos contra o Estado Democrático de Direito.

A regra vale inclusive para a presa gestante, mãe ou responsável por criança ou pessoa com deficiência. A lei atual garante prisão domiciliar para essas mulheres.

Revogações

O texto revoga as disposições sobre o juiz das garantias, função prevista no CPP para salvaguardar os direitos individuais dos investigados e a legalidade da investigação criminal durante o inquérito policial.

O projeto também revoga o acordo de não persecução penal, ajuste jurídico antes do processo fechado entre o Ministério Público e o investigado, acompanhado por seu defensor. Nele, as partes negociam cláusulas a serem cumpridas pelo acusado, que, ao final, é favorecido pela extinção da pena.

Também é revogada a cadeia de custódia  conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. Com informações da Agência Câmara.

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Saiba como autorizar viagem de menores sem precisar ir a cartório

O mês de julho é tempo de férias escolares, época em que muitas crianças e adolescentes conseguem uma pausa para viajar, mas não basta estar pronto para embarcar na rodoviária ou no aeroporto. Para uma pessoa menor de 16 anos viajar desacompanhada dos pais, uma autorização especifica é necessária em determinados casos. Isso em um roteiro nacional. Se a viagem for para outro país, a restrição é para menores de 18 anos.

Não é impossível conseguir a autorização. Pelo contrário. O problema é que muitos pais e responsáveis alegam não ter tempo sobrando para ir a um cartório e conseguir a declaração. Para facilitar o processo, é possível obter o documento de forma on-line. É a Autorização Eletrônica de Viagem (AEV), procedimento que tem sido mais e mais procurado.

A Agência Brasil preparou uma reportagem que explica como conseguir a AEV e em quais casos o documento é necessário.

O que diz o ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que menores de 16 anos só podem sair do estado se estiverem acompanhados por um dos responsáveis ou parente até terceiro grau (irmãos maiores de idade, tios e avós).

Acompanhados de um maior de idade fora dessas condições, ou sozinhos, criança e adolescente só podem viajar com autorização dos pais ou responsáveis reconhecida em cartório.

Para o exterior, a restrição vale para menores de 18 anos. É preciso estar acompanhada de ambos os pais ou responsável. Se estiver apenas com um dos pais, ainda assim é preciso autorização do outro, reconhecida em cartório. O documento é exigido pela Polícia Federal.

Uma forma de dispensar a necessidade de reconhecimento do documento em cartório é quando a autorização para viajar desacompanhado consta no passaporte do menor de idade. O procedimento é opcional, porém “fortemente recomendado” pelo Ministério das Relações Exteriores. A permissão somente pode ser adicionada por ocasião da emissão do novo passaporte, não podendo ser acrescentada posteriormente.

Autorização Eletrônica de Viagem

Para facilitar a emissão das autorizações para viagens, desde 2021 é possível conseguir a chamada Autorização Eletrônica de Viagem (AEV), que pode ser solicitada de forma totalmente online pelos pais ou responsáveis.

O documento é regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e realizado por meio da plataforma e-notariado, do Colégio Notarial do Brasil – uma espécie de associação de cartórios de notas.

A procura pelo serviço é crescente. No primeiro semestre de 2022, foram 1.217 solicitações. O número passou para 3.995 nos primeiros seis meses de 2023 e alcançou 6.945 de janeiro a junho de 2024. Apenas no mês passado, foram 1.701 pedidos.

O empresário Rogério de Oliveira Tavares, morador de São Paulo, é uma das pessoas que tiraram a AEV. Ele solicitou e obteve a autorização em 2021, quando a filha, Isabelly, precisou viajar para Goiás, durante as férias escolares. Na época, Isabelly tinha menos de 16 anos.

“Era uma coisa que eu precisava muito, para mim, seria muito mais fácil. Consegui mandá-la para Goiás de uma forma bem rápida, tudo bem mais fácil, prático e seguro”, contou ele à Agência Brasil.

Praticidade e segurança

O diretor do Colégio Notarial do Brasil e presidente da Academia Notarial Brasileira, Ubiratan Guimarães, ressalta a praticidade do documento digital.

“Muitos pais ainda não estão familiarizados com o documento digital, mas rapidamente reconhecem a sua importância ao perceberem a conveniência que proporciona, seja para viagens de última hora, ou para evitar transtornos durante o check-in, onde a apresentação do documento pode ser obrigatória”, diz.

Ele destaca ainda a segurança do procedimento feito de forma virtual. “A certificação digital, os mecanismos de autenticação e a identificação das partes no cartório garantem a integridade e a validade jurídica do documento, proporcionando tranquilidade e confiança aos usuários”.

Como emitir

A solicitação da Autorização Eletrônica de Viagem é feita pela plataforma e-notariado.

Será preciso um certificado digital notarizado ou padrão ICP-Brasil para efetuar o acesso, além da assinatura digital da autorização eletrônica de viagens. Caso o requisitante não tenha um certificado digital, pode solicitar por este link.

Ao preencher os dados de solicitação da AEV, será preciso escolher um cartório na cidade ou comarca (circunscrição territorial) que efetuará o reconhecimento dos responsáveis.

Assim que a solicitação for concluída, será enviada ao cartório uma notificação para providenciar o atendimento, que ocorrerá nos horários comerciais do cartório.

O tempo médio é de 24 horas, mas, caso a pessoa tenha urgência, é possível fazer mais celeremente. Pelo site é possível acompanhar o andamento da solicitação.

Deverão ser informados os dados dos responsáveis que efetuarão a autorização de viagem, do menor e do acompanhante, se houver. Será obrigatório anexar uma foto dos responsáveis, do menor e do acompanhante. O responsável precisa determinar qual o período da autorização, que não pode ser menor que o intervalo de tempo entre embarque e retorno.

O procedimento pode ser totalmente on-line, com o reconhecimento por videoconferência.

Uma vez pronta a autorização, ela é enviada digitalmente no formato PDF, assinado digitalmente. Nesse documento também constará o QR Code (código de barras bidimensional) de validação, a ser utilizado pela empresa de transporte no momento do embarque. A AEV poderá ser baixada diretamente no sistema e-notariado.

O custo da autorização é o valor do reconhecimento de firma por autenticidade para cada responsável que autorizará a viagem do menor. A cobrança é realizada diretamente pelo cartório. Cada estado tem uma tabela de preços do procedimento de reconhecimento de firma.

Com a AEV impressa ou o QR Code, basta apresentá-la à empresa de transporte ou à Polícia Federal no momento do embarque. Os documentos pessoais dos viajantes também devem ser apresentados no embarque.

Fonte: 

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Os contratos sucessórios na reforma do Código Civil

A nulidade absoluta infligida aos contratos sucessórios pelas codificações brasileiras (CC/1916, artigo 1.089; CC/2002, artigo 426) nunca encorajou a doutrina pátria a estudar o tema com a devida acuidade, até mesmo para questionar a conveniência de tal opção político-legislativa, que, cumpre registrar, abarcaria as suas três espécies, isto é, as avenças institutivas (que nomeiam herdeiro ou legatário), renunciativas (que veiculam a abdicação de vindouras participações hereditárias) e dispositivas (que transacionam futuros direitos mortis causa).

Como pudemos demonstrar em nossa tese de doutoramento, recentemente publicada pela editora Revista dos Tribunais [1], esse modelo assaz restritivo não vigorou em Roma e no período do ius commune, bem como nunca fora acolhido, por exemplo, pelo Code Napoléon e pela lei civil portuguesa de 1966, já que sempre restara consentida a validade de algumas hipóteses exceptivas.

Portanto, tem-se que a prática negocial sucessória não constitui realidade jurídica exclusiva da tradição germânica e dos derechos forales espanhóis, embora nesses ordenamentos, de fato, vislumbra-se uma liberdade contratual mais acentuada.

Ademais, em razão das recentes reformas empreendidas em alguns diplomas europeus, principalmente naqueles países que não contemplavam um permissivo transacional tão significativo, ampliou-se o assentimento de novos pactos causa mortis, como ocorreu, ilustrativamente, no direito francês, em 2001 e 2006, e, de forma pontual, em Portugal.

Aliás, somente com o advento da Lei nº. 48/2018, que alterou o codex lusitano para permitir a renúncia recíproca entre cônjuges à condição de herdeiro legitimário (necessário), é que essa temática passou a ser tardiamente ventilada entre nós, ainda que circunscrita aos ajustes abdicativos, havendo até mesmo quem defenda a aplicabilidade dos seus termos em nosso sistema independentemente de alteração legal. A propósito, considerando apenas o chamado mundo lusófono, salta aos olhos que tal variante de contrato de non succedendo já havia sido anteriormente albergada pelo artigo 1571º do Código Civil de Macau de 1999 [2], ou seja, com precedência de quase 20 anos à comutação da lex portuguesa. [3]

Assim, nesse contexto de ampliação da autonomia privada sucessória no direito estrangeiro, movimento que alguns adjetivam de autêntica contratualização da transmissão mortis causa, impõe-se a análise das proposições constantes do anteprojeto de reforma do Código Civil, apresentado pela Comissão de Juristas em abril de 2024, que almeja trazer novos contornos à matéria na legislação nacional.

Parecer da subcomissão de direito das sucessões

No âmbito da Subcomissão de Direito das Sucessões, o parecer ofertado supostamente pretendia a inserção de pactos aquisitivos e renunciativos, tanto que o caput do artigo 1.790-A dispunha que: “há sucessão contratual quando, por contrato, alguém renuncia à sucessão de pessoa viva ou dispõe sobre a sua própria sucessão”.

Contudo, analisando os parágrafos [4] do pretenso dispositivo percebe-se que havia uma profusão de matérias reguladas (doação; tutela post mortem de direitos da personalidade; regramento societário), mas nada, efetivamente, que disciplinasse os mencionados negócios hereditários.

Desta feita, apesar da promessa, pode-se afirmar que o esboço não estabelecia nenhuma modalidade de contrato institutivo.

Por outro lado, o artigo 1.808, §§ 5º a 7º [5], previa a figura do ajuste abdicativo exclusivamente entre cônjuges ou conviventes que, além da sua impertinente regulamentação conjunta com a renúncia da herança, ostentava uma basilar incoerência sistemática: os pactos renunciativos, por excelência, voltam-se à entabulação da abdicação daquele que não pode ser apartado unilateralmente do processo sucessório pelo auctor successionis, notadamente os sucessores contratuais, inexistentes no direito brasileiro em vigor e na proposta de lege ferenda, e os herdeiros necessários, que, nos termos projetados pelo parecer, voltariam a ser apenas os descendentes e os ascendentes, como outrora estatuído pelo revogado Código de 1916.

Logo, se o consorte e o companheiro poderiam ser excluídos da sucessão por disposição testamentária, tem-se que a adição da avença abdicativa nos moldes formulados não se justificaria, eis que destituída de maior finalidade.

Relatório final

Acertadamente, o Relatório final não acatou as sugestões referenciadas, proscrevendo particularmente o insólito artigo 1.790-A.

No entanto, manteve o contrato renunciativo unicamente entre cônjuges ou conviventes, alocando-o no novel artigo 426, cujo § 1º, inciso II, dispõe que: “Não são considerados contratos tendo por objeto herança de pessoa viva, os negócios: II- que permitam aos nubentes ou conviventes, por pacto antenupcial ou convivencial, renunciar à condição de herdeiro”.

Outrossim, o § 2º preceitua que: “Os nubentes podem, por meio de pacto antenupcial ou por escritura pública pós-nupcial, e os conviventes, por meio de escritura pública de união estável, renunciar reciprocamente à condição de herdeiro do outro cônjuge ou convivente”.

Por fim, o § 3º estatui que: “A renúncia não implica perda do direito real de habitação previsto no artigo 1.831 deste Código, salvo expressa previsão dos cônjuges ou conviventes”.

Como se pode aferir, o relatório final, apesar de inexplicavelmente rejeitar a sua essência hereditária, o que tecnicamente não se revela correto, ao menos logrou estabelecer uma função para o ajuste abdicativo no projetado sistema nacional: a renúncia transacionada do citado ius in re aliena, que, não se deve olvidar, constitui legado ex lege de natureza legitimária, não suscetível, pois, de privação unilateral pelo testador.

Até porque, conforme a proposta, além de não serem mais herdeiros necessários, o que, giza-se, autoriza o desprezo do consorte ou do companheiro em testamento, resta eliminada a concorrência sucessória na transmissão ab intestato, de modo que, estando apenas na terceira classe (artigo 1.829, inciso III), a sua abdicação favorecerá tão só os colaterais, conjectura que certamente não atrairá muitos interessados na sua estipulação.

Ponderações críticas

Sem embargo dos seus inequívocos méritos, parece-nos que o desconhecimento das potencialidades dos contratos sucessórios para um harmônico, estável e eficiente processo hereditário representa um dos aspectos mais questionáveis do anteprojeto, que se contrapõe não somente ao estuário normativo europeu, mas também à novel codificação argentina de 2014, eis que os anosos argumentos difundidos, particularmente aqueles que apontam para uma suposta imoralidade ou infringência aos bons costumes, tanto que recorrente a menção da locução pacta corvina, há tempos não mais estão a sensibilizar os doutrinadores e legisladores contemporâneos.

A experiência estrangeira comprova que os pactos institutivos, verbi gratia, desempenham um papel relevante na cômoda sucessão de uma sociedade empresarial e na retribuição por serviços prestados, assim como podem ser convenientemente manejados para garantir uma participação do cônjuge ou do convivente na divisão do espólio, sobretudo quando estes não titularizam nenhum quinhão reservatário, pois que em tais negócios, regra geral, a resilição unilateral não é admitida. Os acordos dispositivos e renunciativos, por sua vez, evitam uma indesejada pluralidade de coerdeiros, inclusive de descendentes e ascendentes, ou, por vezes, utiliza-se uma avença abdicativa apenas para reforçar a segurança jurídica de uma determinada transação (ex. doação), tal como acontece na renúncia antecipada à ação de redução.

Indubitavelmente, a mera recepção envergonhada e descontextualizada da lei portuguesa não condiz com a necessidade de modernização do direito brasileiro. Em verdade, talvez fosse então o caso de, no mínimo, copiar na íntegra a fórmula lusitana, mantendo o consorte e o convivente como herdeiros necessários, franqueando-se, em contrapartida, a renúncia à quota legitimária por meio de ajuste abdicativo, mormente quando a retirada de tais sujeitos do rol de sucessores obrigatórios, como se ambiciona, certamente enfrentará severas dificuldades políticas na sociedade e no Congresso.


[1] POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo. Legítima Hereditária e Sucessão Contratual: Estudo Comparado da Autonomia Privada Sucessória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2024.

[2] Art. 1571º. Renúncia à qualidade de herdeiro legitimário. A convenção antenupcial pode, desde que com carácter de reciprocidade, conter a renúncia à qualidade de herdeiro legitimário dos cônjuges.

[3] Ainda que em flerte com o cabotinismo, lembramos que em 2013 fizemos referência a essa disposição estrangeira. Cf. POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo. Indignidade Sucessória e Deserdação. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 156.

[4] § 1º. É válida a doação, com eficácia submetida ao termo morte. § 2º. A transmissão hereditária dos dados contidos em qualquer aplicação de internet, bem como das senhas e códigos de acesso, pode ser regulada em testamento ou, na omissão deste, nos contratos celebrados entre titulares e usuários e as respectivas plataformas. § 3º. A reconstrução de voz e imagem após a morte se submete à mesma proteção dos direitos morais de autor. § 4º. A sucessão em participações societárias, ou na administração da sociedade, pode ser regulada nos instrumentos societários das sociedades em geral, sem prejuízo à legítima dos herdeiros necessários. § 5º. Na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o valor da participação societária será avaliada com base em balanço patrimonial especialmente levantado na data da abertura da sucessão, avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma. § 6º Se o valor a que se refere o parágrafo anterior superar ao do quinhão atribuído em partilha ao sucessor contratual designado, este deverá repor ao monte o valor do excesso, em dinheiro. § 7º A sucessão contratual dos sócios ou administradores, quando expressamente regulada nos instrumentos societários ou pactos parassociais, se fará automaticamente após a abertura da sucessão, independentemente de autorização judicial. § 8º Em caso de morte de sócio ou administrador único, o Juiz poderá designar um administrador provisório até que se conclua a sucessão na sociedade. § 9º Os contratos sucessórios apenas são admitidos nos casos previstos neste Código, sendo nulos todos os demais, sem prejuízo do disposto no artigo 426.

[5] Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança sob condição ou a termo. § 5º É admitida a renúncia prévia e recíproca a direitos sucessórios futuros, quando manifestada simultaneamente, por cônjuges ou companheiros em escritura pública. §6º É anulável a renúncia de todos os direitos sucessórios, quando o renunciante, na data de abertura da sucessão, não possuir outros bens ou renda suficiente para a própria subsistência. § 7º Na hipótese do parágrafo anterior, o juiz fixará os limites e a extensão da renúncia, de modo a assegurar a subsistência do renunciante.

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