Comissão aprova projeto que dispensa de revisão pericial aposentado com sequelas de poliomielite

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2641/21, do deputado Luiz Lima (PL-RJ), que dispensa da avaliação pericial os aposentados por incapacidade permanente ou pensionistas do INSS com sequelas de poliomielite.

Intercâmbio Legislativo. Dep. Laura Carneiro (PSD - RJ)

Laura Carneiro: texto respeita a Constituição e a técnica legislativa – Bruno Spada / Câmara dos Deputados

A medida beneficia aqueles que obtiveram o benefício por via judicial ou administrativa. Hoje essa regra de dispensa existe apenas para pessoas com pessoas com HIV/Aids.

Por tramitar em caráter conclusivo, o projeto segue para análise dos senadores, a menos que seja aprovado pedido para que seja votado também pelo Plenário da Câmara.

A relatora, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), apresentou parecer favorável. A análise na CCJ ficou restrita aos aspectos constitucionais, jurídicos e de técnica legislativa da matéria.

O texto foi aprovado com uma alteração feita anteriormente pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, para deixar claro que a dispensa da reavaliação beneficia apenas aposentados e pensionistas com “sequelas” de pólio.

A poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, é uma doença contagiosa causada por vírus e transmitida por meio do contato direto com fezes ou secreções das pessoas doentes. Em casos graves, pode acarretar paralisia nos membros inferiores.

Regra atual
O projeto altera a Lei de Benefícios da Previdência Social. Atualmente, o INSS pode convocar aposentados por invalidez ou pensionistas, cujos benefícios tenham sido concedidos judicial ou administrativamente, para avaliação pericial, sob pena de suspensão do pagamento.

Fonte: Câmara dos Deputados

Nulidade de interrogatório no Júri: renovação apenas do ato ou de toda a instrução?

Partamos de uma hipótese e da consequente indagação: se reconhecida a nulidade do interrogatório no Tribunal do Júri, por ter sido o réu impedido de responder parcialmente às perguntas, deve-se anular todos os atos da sessão ou somente o referido interrogatório?

De maneira bem direta, a anulação somente do interrogatório acarretará sua renovação, mas perante um conselho de sentença diferente daquele perante o qual foi realizada a produção da prova testemunhal da sessão de julgamento anterior, criando a curiosa, mas também ilegal oportunidade, de sete pessoas leigas julgarem com base em prova oral não produzida em suas presenças.

Esta hipótese é objetável porque a sessão de julgamento é una e os jurados que votam os quesitos — que também prestam compromisso de agir com imparcialidade e de acordo com os ditames da Justiça (CPP, artigo 472) — têm de ser os mesmos que acompanham a produção da prova oral, composta pela inquirição do ofendido, se possível, testemunhas arroladas pela acusação (CPP, artigo 473), testemunhas arroladas pela defesa (CPP, artigo 473, §1º), e o interrogatório do acusado (CPP, artigo 474).

A lógica protege-nos neste ponto, já que os jurados agem também como fiscais da produção da prova oral e nesta finalidade podem requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento aos peritos (CPP, artigo 473, §3º), bem como fazer perguntas às testemunhas por intermédio do juiz presidente (CPP, artigo 474, §2º). Assim, é até prosaico que não pode o novo conselho de sentença, formado em nova sessão de julgamento, participar apenas da realização do interrogatório para, após os debates, votar os quesitos.

Deve este novo conselho poder exercer o direito que legalmente lhe cabe na produção da prova para, com isso, afastar o odor da parcialidade e do completo desconhecimento sobre a totalidade da prova e da causa.

Nem se argumente que diante do novo conselho de sentença poderia ser exibida, aos jurados, em áudio e vídeo, a prova produzida na sessão anterior.

Esse expediente é uma maneira dúbia e inexitosa de tentar reverter a burla procedimental, já que, como apontado, o novel conselho de sentença estaria impedido de fiscalizar a prova oral cujas audições foram realizadas na sessão anterior, prova esta que, também, estaria validando eventual condenação.

Lições da doutrina

Mittermaier ensina que como, em geral, a prova testemunhal não tem tanto crédito de per si, segue-se que a testemunha deve ser indagada “sobre o fundamento de seu conhecimento dos fatos” [1], ou seja, das razões, subjetivas e objetivas que a levaram a ter ciência do ocorrido, o que só é possível se quem indaga puder acompanhar o depoimento de quem será indagado.

Também pontifica o professor Tedesco que a convicção de quem julga a causa só pode amparar-se na prova oral prestada “em pessoa perante o tribunal [ou juiz] competente”, pois somente assim “se pode e deve-se supor que foram satisfeitas todas as prescrições indispensáveis da lei e da prudência” [2].

Aliás, a doutrina especializada de Mascarenhas Nardelli assevera que o modelo mais adequado de produção de prova oral perante os jurados é o de inquirição cruzada e direta (cross examination e direct examination) — conforme a inspiração da dinâmica anglo-americana em nossa legislação [3] — a qual só é possível se a testemunha for inquirida na presença de quem for lhe julgar e em tempo real.

Consequentemente, percebe-se que o contato extemporâneo dos jurados com a prova oral transforma o depoimento da sessão anterior de julgamento numa espécie de depoimento de primeira fase, já que este sim é que pode ser exibido ao júri para que conheçam do que ocorreu antes da decisão de pronúncia, contudo, veja: mesmo nesta hipótese não está dispensada a obrigatoriedade da repetição do ato testemunhal na segunda fase, ocorrida perante o conselho de sentença e não mais diante do juiz togado.

O destinatário da prova é o juiz, mas não qualquer juiz, e sim aquele que efetivamente irá julgar (CPP, artigo 399, §2º). Há, no júri, a aplicação inconteste do princípio da identidade física, pois se de acordo com a reforma de 2008 a prova a ser valorada pelo juiz é aquela produzida em contraditório, fortalece-se a regra da imediatidade, reforçando-se o sistema da oralidade [4].

Badaró, inclusive, já alertava para a correta interpretação do artigo 399, §2º, do CPP, a fim de que não parecesse haver apenas a vinculação do juiz da instrução à sentença. Diz o mestre paulista que a efetiva oralidade só será permitida, com todas as vantagens dela decorrentes, na interpretação segundo a qual “toda a instrução deve se desenvolver perante um único juiz, que deverá ser o mesmo que sentenciará o feito”.

E quando a concentração dos atos se realizar na forma de sessões consecutivas, “o princípio da oralidade exigirá que se mantenha a identidade física do juiz durante todas as sessões de julgamento, porque senão o ocorrido perante o primeiro juiz chegaria ao conhecimento do segundo somente através das peças escritas nos autos” [5].

O ministro Francisco Campos também alertava nos idos de 1939 sobre a imediatidade e identidade física na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil: “O juiz que dirige a instrução do processo há de ser o juiz que decida o litígio. Nem de outra maneira poderia ser, pois o processo visando à investigação da verdade, somente o juiz que tomou as provas está realmente habilitado a apreciá-las do ponto de vista do seu valor ou da sua eficácia em relação aos pontos debatidos” [6].

Percebe-se que o exame direto e cruzado da prova oral, a oralidade e a imediatidade na construção probatória não são possíveis se o ato processual de inquirição da testemunha se desenvolver perante pessoas física diversa daquela que irá julgar [7] e por isso não há cumprimento do devido processo legal quando, nulificado o interrogatório no júri, renove-se apenas este ato e não toda a instrução plenária, perante o novo conselho sentença.


[1] Mittermaier, Carl Joseph Anton. Tratado da prova em matéria criminal. 5 ed. São Paulo: Campinas, 2008, p. 356.

[2] Idem, p. 360.

[3] Mascarenhas Nardelli, Marcella. A prova no tribunal do júri. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 475.

[4] Badaró, Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 217.

[5] Idem, p. 217-218.

[6] Maya, Andre Machado. Oralidade e Processo Penal. Tirant Brasil, p. 144, 29 dez. 2020. Disponível em: <https://biblioteca.tirant.com/cloudLibrary/ebook/info/9786559080328>

[7] Maya, André Machado. Oralidade e Processo Penal. Tirant Brasil, p. 145, 29 dez. 2020. Disponível em: <https://biblioteca.tirant.com/cloudLibrary/ebook/info/9786559080328>

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STF adia julgamento sobre quebra de sigilo de buscas na internet

O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou nesta quarta-feira (16) a conclusão do julgamento que vdecidir se é constitucional a quebra de sigilo do histórico de buscas feitas por um grupo indeterminado de usuários da internet.

A quebra do sigilo do histórico é um procedimento usado em investigações policiais para descobrir a identidade de usuários que praticam crimes pela internet. Pela legislação, as conexões telemáticas dos cidadãos são sigilosas e só podem ser acessadas mediante autorização judicial.

O julgamento foi suspenso por um pedido de vista feito pelo ministro André Mendonça. Não há data definida para a retomada. O placar para validar o acesso a históricos suspeitos está em 2 a 1.

A Corte vai decidir se é constitucional a requisição judicial de registros de conexão à internet de um grupo indeterminado para fins de investigações criminais.

O julgamento é motivado por um recurso do Google contra decisões de outras instâncias do Judiciário que autorizaram a quebra de sigilo de todas as pessoas que realizaram buscas na plataforma nos dias anteriores ao assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018, no Rio de Janeiro.

As determinações intimaram o Google a fornecer os dados dos usuários que pesquisam pelos termos Marielle Franco, vereadora Marielle, agenda vereadora Marielle, Casa das Pretas, Rua dos Inválidos, 122 e Rua dos Inválidos – endereços onde a vereadora e o motorista estiveram antes de serem baleados.

Votos

O julgamento começou em setembro do ano passado no plenário virtual da Corte. Na ocasião, a ministra Rosa Weber (aposentada) aceitou recurso para impedir o acesso aos dados sigilosos requisitados de forma genérica no caso Marielle.

Após o voto da ministra, Moraes pediu vista do processo e trouxe o caso para julgamento presencial nesta quarta-feira.

Na sessão desta tarde, o ministro disse que o tema preocupa as polícias civis dos estados e a Polícia Federal. Em caso de restrição da investigação, apurações em casos de pornografia infantil e pedofilia seriam impactados, segundo Moraes.

Alexandre de Moraes também disse que o Google tem todas as informações sobre os usuários e possui um banco de dados para proveitos econômicos. Além disso, o ministro disse que não houve abusos na utilização dos dados no caso Marielle, que foram utilizados para apuração do crime.

“Muito impressiona que o Google entre com mandado de segurança para impedir uma investigação importantíssima do assassinato de uma vereadora, dizendo que isso fere a intimidade,  quando o Google usa os dados de todos nós, sem autorização, para mandar para nós mesmos uma propaganda”, afirmou.

Em seguida, o ministro Cristiano Zanin acompanhou o entendimento de Moraes, e André Mendonça pediu mais tempo para analisar o caso.

Fonte: EBC

Problema não é o reconhecimento por foto, mas o modo de sua apresentação

O reconhecimento de suspeitos de crimes por fotografias, por si só, não diminui a confiabilidade do resultado. É preciso garantir que a forma de apresentação seja a mais adequada para permitir o procedimento sem sugestionar a vítima.

William Cecconello 2024
William Cecconello defendeu que fotografia é alternativa válida para o reconhecimento de suspeitos de crime – Gustavo Lima/STJ

Essa conclusão é do professor de Psicologia e coordenador do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Cognição e Justiça, William Cecconello, que falou sobre o tema no Seminário Internacional Provas e Justiça Criminal, sediado pelo Superior Tribunal de Justiça na semana passada.

O uso de fotos para o procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal foi o que primeiro motivou uma virada jurisprudencial do STJ.

Em 2020, a corte concluiu que essa prática teria de ser vista como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não poderia servir para embasar condenações.

A jurisprudência evoluiu para anular provas em casos de total desrespeito ao artigo 226 do CPP, que traz um rito: a vítima deve descrever o suspeito e reconhecê-lo ao lado de outras pessoas que com ele tenham semelhança.

O tema motivou a criação de um grupo de trabalho no Conselho Nacional de Justiça, resultou na edição de uma resolução para orientar juízes e atores do sistema de Justiça e levou à publicação recente de um manual de procedimentos.

Dados do advogado e pesquisador David Metzker mostram que, neste ano, o STJ concedeu ordem em Habeas Corpus para anular provas por desrespeito ao artigo 226 do CPP em 174 processos. Deles, 141 tratam de reconhecimento feito por fotografia (81% do total).

Ao citar os dados no evento, a ministra Daniela Teixeira, do STJ, deu exemplos que passaram por seu gabinete em que o uso de fotografia prejudicou o procedimento. “Em um deles a fotografia era preta e branca. Era impossível de saber de quem se tratava.”

Segundo Cecconelo, estudos científicos mostram que o uso de fotografia é alternativa válida para o reconhecimento de pessoas. O problema é a forma como essas imagens são apresentadas às vítimas.

 
Daniela Teixeira 2024
Daniela Teixeira citou casos em que a prova foi anulada porque o reconhecimento foi erroneamente feito por foto – Gustavo Lima/STJ

 

Show-up e álbum

Trata-se de uma questão de método. Um dos mais utilizados pelas polícias é o chamado show-up: a pessoa é apresentada isoladamente, por foto ou presencialmente, para que seja reconhecida de maneira informal.

Segundo o CNJ, essa apresentação isolada faz com que a vítima ou testemunha não tenha rostos para comparar, e essa falta de opções pode levá-la a reconhecer alguém inocente com muita confiança.

Outro método indevido é o uso do chamado álbum de suspeitos: um conjunto de fotografias de pessoas previamente investigadas que esteja nos arquivos policiais. Trata-se de um procedimento sugestivo e, portanto, parcial.

As pessoas apresentadas pela polícia, absolvidas ou não, tornam-se potenciais autoras do crime e ficam à mercê de um reconhecimento errôneo. A conduta também tem potencial para reforçar preconceitos e estereótipos raciais.

“O reconhecimento fotográfico não é o problema. O problema é usar álbum de suspeitos e show-up. É importante esclarecer isso, senão a gente elimina a foto e parece que resolveu o problema. Se, em vez de mostrar a foto, você apresentar a pessoa, o risco é o mesmo”, disse Cecconello.

“É importante que a gente olhe para os procedimentos, não só para o meio que é utilizado para o reconhecimento, porque senão talvez a gente não avance nessa questão”, acrescentou o pesquisador.

 
Evento reconhecimento pessoal
Anderson Giampaoli mostra fillers produzidos com ajuda de inteligência artificial – ConJur

 

Fillers

São vastos os exemplos de injustiças praticadas por meio do uso de álbuns ou show-ups. Eles são comuns porque permitem uma identificação rápida pela polícia, por vezes no momento da ocorrência, por meio do uso de aplicativos de mensagens ou redes sociais.

Um dos casos mais graves é o de um homem negro do Rio de Janeiro que teve a foto retirada do Facebook e exibida em álbum de suspeitos da polícia. Ele foi reconhecido por 70 vítimas, foi alvo de 62 ações e condenado 11 vezes até o STJ determinar o reexame dos casos.

Presidente da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha Filho destacou que esse tipo de conduta colabora para a ocorrência de erros judiciais.

“Mais grave é o reconhecimento fotográfico. Quando você apresenta uma foto, você induz a vítima. E quando apresenta várias, cria a possibilidade de eleger um suspeito errado.”

Responsável pela Secretaria de Cursos de Formação da Academia de Polícia Civil de São Paulo, o delegado de polícia Anderson Giampaoli destacou que o método show-up foi proibido em São Paulo e levantou uma reflexão: como e onde encontrar os fillers?

Fillers são as pessoas que aparecerão lado a lado com o suspeito, para o reconhecimento — seja pessoalmente ou por foto. Elas precisam ter semelhanças com a pessoa a ser reconhecida, sob risco de sugestionar a escolha da vítima.

Giampaoli apresentou no evento duas soluções tecnológicas possíveis. A primeira usa inteligência artificial para vasculhar os dados da polícia em busca de pessoas parecidas com o suspeito ou que se enquadrem na descrição dada pela vítima.

A segunda é usar a IA para criar imagens a partir do suspeito: pessoas parecidas, vestidas da mesma maneira, mas com semelhanças suficientes para dar à vítima a oportunidade de apontar quem, de fato, cometeu o crime.

“A reflexão que deixo é: diante dos avanços, a pergunta que São Paulo enfrenta é como encontrar e onde encontrar os fillers. São muitas iniciativas. Isso não está normatizado.”

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Projeto que tem dois donos morre de fome? Uma análise da iniciativa parlamentar

Diz a sabedoria popular que cão que tem dois donos morre de fome. Sem uma definição clara de responsabilidades entre os donos, nenhum deles assume o dever de alimentar o animal. Ambos esperam que o outro vá alimentar o cachorro, que acaba morrendo de fome. Será que essa lógica também valeria para os projetos de lei?

A resposta é não. Já foi diversas vezes demonstrado, em vários contextos, que projetos de lei com mais de um autor têm maior probabilidade de avançaram no processo legislativo — e serem aprovados. Além disso, parlamentares que se engajam em atividades de coautoria tendem a ser mais bem relacionados e ter mais sucesso em seus objetivos (Sciarini et al., 2021; Kirkland, 2011).

Sciarini et al. (2021) demonstraram que quanto maior for o rol de autoria de um projeto, quanto maior for o número de autores, maiores as chances de esse projeto avançar no parlamento da Suíça. Os autores vão além. Demonstraram, também, que projetos com autores de diferentes partidos e diferentes correntes ideológicas (bridging strategy) têm mais chances de ser aprovados do que aqueles cujos autores são do mesmo campo político (bonding strategy).

Parlamentares que se envolvem em bridging strategies buscam apoio de colegas fora de seu partido e campo político e, por isso, criam maiores redes de contato e têm acesso a uma maior quantidade de informações do que aqueles que permanecem restritos a seu grupo político. Rede de contatos e informações são ativos cruciais para o sucesso de qualquer parlamentar. Ademais, um projeto que foi discutido por um amplo espectro político tende a representar um consenso de diferentes visões. Daí o maior sucesso tanto dos parlamentares que se engajam na busca de coautores para seus projetos quanto dos projetos frutos dessa atividade.

Essa lógica também vale para o Congresso Nacional. Em uma análise da 56ª Legislatura da Câmara dos Deputados – 2019 a 2022, demonstrei que quanto maior o número de autores de uma proposição, maiores as chances de essa proposição avançar no processo legislativo (Brito, 2023). Cada autor adicional aumenta as chances de uma proposição chegar ao Plenário da Câmara em 2,18%. Essa análise também mostra que buscar apoio de parlamentares de outros partidos é uma estratégia bastante efetiva. Cada partido adicional representado na autoria da proposição aumenta em quase 30% as chances dessa proposição chegar ao Plenário da Casa.

Portanto, tendo em vista que buscar coautoria é uma maneira de aumentar as chances de sucesso de seus projetos, é de se esperar que essa seja uma atividade frequente e que a maior parte dos projetos apresentados tenham diversos autores, certo? Errado.

Na 56ª Legislatura da Câmara dos Deputados, se considerarmos apenas as Propostas de Emenda à Constituição (PEC), Projetos de Lei (PL), Projetos de Lei Complementar (PLP), Projetos de Decreto Legislativo (PDL) e Projetos de Resolução da Câmara (PRC), foram apresentados 18.320 projetos de autoria de deputados. Destes, apenas 1.835 (aproximadamente 10%) são frutos de coautoria e têm mais de um autor [1]. E das 18.320 proposições analisadas, apenas 448 chegaram aos estágios finais de deliberação – o Plenário da Casa – até o final da Legislatura. Isso representa apenas 2.45%.

Projetos de autoria de deputados18.320
Projetos com mais de um autor1.835
Projetos que chegaram ao Plenário448

Quantidade e qualidade

Parece ser um contrassenso. Proposições com mais de um autor têm maiores chances de avançarem em suas tramitações. No entanto, a grande maioria das proposições apresentadas pelas deputadas e deputados são de autoria individual. O que explica essa situação? Será que os deputados não se importam com a aprovação de seus projetos? Existe um custo muito alto para conseguir apoio às proposições?

Em um texto recente aqui neste espaço, João Trindade Cavalcante Filho apresenta uma possível resposta. Ele trata do que considera um número excessivo de proposições que são apresentadas na Câmara dos Deputados. Ainda segundo ele, a maioria é arquivada sem sequer ter sua constitucionalidade analisada no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça.

Ele aponta como um dos motivos a ideia de que a produtividade do Legislativo se mede pela quantidade de projetos aprovados – ou apresentados. Essa ideia é reforçada pelas próprias Casas Legislativas e por “prêmios” de “especialistas” que acabam reforçando e incentivando esse comportamento. Como uma possível solução, sugere a exigência de um requisito de apoiamento mínimo para a iniciativa legislativa. O número sugerido é de um décimo da Casa.

A ideia é que a exigência de um apoiamento mínimo deve forçar os parlamentares a buscar apoio para suas proposições antes de apresentá-las. Isso deve diminuir o número de proposições e, de acordo com as análises aqui apresentadas, aumentar a probabilidade de que essas proposições avancem no processo legislativo.

No entanto, é preciso compreender quais são os incentivos que levam os parlamentares a apresentar um grande número de proposições de autoria individual? Quais são os objetivos dos parlamentares? E se, de fato, a intenção dos parlamentares não for a de aprovar essas proposições?

Um primeiro ponto importante é aquele já levantado por João Trindade: a ideia de que produtividade legislativa se mede pela quantidade de proposições. Essa é uma noção compartilhada e reforçada pelos próprios parlamentares e pelas Casas Legislativas, pela imprensa, por especialistas, e pela sociedade, de uma maneira geral. Obviamente, se o “melhor” parlamentar é aquele que apresenta mais projetos, os parlamentares possuem o incentivo de apresentar mais projetos – que não precisam sequer serem analisados.

Esse ponto levanta uma questão interessante: como avaliar a atuação de um parlamentar? É uma questão que merece um melhor aprofundamento, mas que está além do escopo deste texto.

No entanto, outros incentivos influenciam as atividades dos parlamentares. Seguindo Sciarini et al. (2021), parlamentares são atores estratégicos que perseguem três objetivos: promover boas políticas públicas por meio da definição de agenda e atividade legislativa (orientados para políticas); aumentar as chances de reeleição ao enviar sinais aos eleitores e tentar garantir ganhos eleitorais (orientados para votos); e aumentar o prestígio e a influência institucionais na Casa Legislativa (orientados para cargos).

A apresentação de proposições pode ser utilizada para atingir os três objetivos, de forma conjunta ou isolada. Algumas proposições podem servir apenas para sinalizar preferências e “mostrar trabalho” aos eleitores, com objetivos eleitorais, sem o objetivo de melhorar as políticas públicas. Portanto, o fato de grande parte das proposições não avançarem no processo legislativo não é, necessariamente, um fracasso de seus proponentes. A simples apresentação dessas proposições já cumpriu seu objetivo.

Por outro lado, as proposições que têm como objetivo promover boas políticas públicas, essas sim, precisam ser aprovadas, ou pelo menos incentivar o debate sobre o tema, para cumprir seus objetivos. Podemos supor que nesses casos os parlamentares busquem apoio para seus projetos e que isso se traduza, em alguns casos, em projetos com mais de um autor para terem maiores chances de aprovação.

No entanto, não é tarefa fácil identificar qual é o objetivo de um parlamentar ao propor um projeto de lei – se é que é possível. Ademais, se considerarmos que a apresentação de proposições é utilizada pelos parlamentares como uma maneira de alcançar seus objetivos eleitorais – ser reeleito, e que essa estratégia tem um custo quase zero para eles, podemos esperar uma grande resistência a propostas de limitação da iniciativa parlamentar individual.

E ficam os questionamentos: é legítimo, ou desejável, que o instrumento de iniciativa parlamentar seja utilizado para esses fins? É um problema os parlamentares utilizarem a apresentação de proposições como forma de enviar sinais a seus eleitores? Que outros instrumentos podem ser utilizados para sinalizar preferências aos eleitores e atingir os objetivos eleitorais dos parlamentares?

Entender melhor esses incentivos e os instrumentos disponíveis para a atividade parlamentar pode ser um caminho mais interessante do que simplesmente limitar a iniciativa parlamentar. Disponibilizar e incentivar outros instrumentos pode reduzir a necessidade da utilização da iniciativa parlamentar para objetivos meramente eleitorais. Ademais, melhorar o entendimento da atividade parlamentar e a forma como é avaliada – pelas próprias Casas, pela imprensa, pela sociedade – pode alterar os incentivos que moldam o comportamento dos parlamentares.

Enfim, esse é um tema bastante interessante e que merece mais atenção. Longe de querer apresentar soluções, esse texto tem o objetivo de levantar questionamentos.


Referências

BRITO, Daniel. Agenda Setting in the Brazilian Chamber of Deputies: Assessing the Influence of Political Parties and Legislative Member Organizations. 2023. Master’s thesis (Master of Public Policy) – Hertie School of Governance, Berlin, 2023.

Kirkland, J. H. (2011). The relational determinants of legislative outcomes: Strong and weak ties between legislators. The Journal of Politics, 73 (3), 887–898.

Sciarini, P., Fischer, M., Gava, R., & Varone, F. (2021). The influence of co-sponsorship on mps’ agenda-setting success. West European Politics, 44 (2), 327–353.

[1] Houve um problema com a coleta de dados das PECs. No banco de dados coletado, a maioria das PECs cotinha apenas o primeiro signatário. Apenas 18 PECs apresentavam os dados de todos os autores.

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Repositório do CNJ reúne base de dados inéditos sobre prevenção e combate à corrupção

O Programa Justiça 4.0 lançou, nesta quinta-feira (10), o Repositório Anticorrupção e Tecnologia do Poder Judiciário. Trata-se de uma base de dados que reúne, de forma inédita, levantamentos bibliográficos sobre prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro e recuperação e gestão de ativos.

Também foi disponibilizado um relatório cujos resultados serviram de base para a construção do painel interativo. O documento aborda a atuação do Poder Judiciário em ações anticorrupção. Além disso, convida magistrados e magistradas, servidores e servidoras e a comunidade jurídica em geral a participar de uma reflexão sobre tecnologias e ferramentas que possam apoiar o Judiciário a aprimorar sua atuação nesses temas.

Ao acessar a base de dados, é possível buscar referências bibliográficas por categorias como ano de publicação, idioma e tipo de documento. Outra possibilidade são os filtros de pesquisa por área de conhecimento, assunto ou especificação da base de dados a ser consultada.

Já para acessar algum documento listado na página inicial, basta selecionar a opção “acessar documento” e realizar o download em formato PDF. São mais de 500 documentos disponíveis em português, inglês, espanhol e francês. Além de artigos científicos, constam para consulta livros, monografias, teses, decretos, portarias e outros documentos técnicos.

No repositório, atores sociais e estatais podem consultar formas inovadoras de atuar na prevenção e no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro bem como na recuperação e gestão de ativos, além de outras experiências de uso de tecnologia por atores das esferas pública e privada e da sociedade civil.

“A divulgação pública e ampla deste relatório, bem como de um painel interativo com os resultados identificados, é um convite para que magistrados, servidores e a comunidade jurídica em geral participem dessa reflexão sobre instrumentos que possam aperfeiçoar a atuação do Judiciário nesses temas”, pontua o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional da Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso.

Para mais informações, confira a página do repositório no Portal CNJ, consulte o relatório publicado ou acesse diretamente a base de dados clicando aqui.

Programa Justiça 4.0

O Repositório Anticorrupção e Tecnologia do Poder Judiciário é um produto do Programa Justiça 4.0, fruto de um acordo de cooperação firmado entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com apoio do Conselho da Justiça Federal (CJF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O objetivo do Programa é desenvolver e aprimorar soluções tecnológicas para tornar os serviços oferecidos pela Justiça brasileira mais eficientes, eficazes e acessíveis à população, além de otimizar a gestão processual para magistrados, servidores, advogados e outros atores do sistema de Justiça.

Fonte: Agência CNJ de Notícias

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Lei Geral de Comércio Exterior: um alinhamento importante

Evento híbrido sobre a nova lei sobre comércio exterior

No dia 28 de outubro de 2024 (segunda-feira), das 9h às 17h, será realizada, na sede do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), o evento híbrido (presencial e on-line) “A lei geral de comércio exterior e a modernização das aduanas” para discutir o projeto de lei geral do comércio exterior desenvolvido por especialistas da Receita Federal do Brasil, da Secretaria de Comércio Exterior, e da Consultoria Legislativa do Senado.

O evento será realizado conjuntamente pelo Instituto de Pesquisas em Direito Aduaneiro (IPDA) e pela Comissão de Estudos Aduaneiros do IASP, contando com a participação de alguns dos autores do anteprojeto, de membros desta coluna e de especialistas na área aduaneira e do comércio internacional.

Os impactos práticos da nova lei sobre as empresas

O projeto da nova lei tem por objetivo aprimorar o gerenciamento de riscos e introduzir a obrigatoriedade do Portal Único de Comércio Exterior, que pretende trazer maior eficiência no despacho aduaneiro e no controle de mercadorias por meio do emprego de tecnologias digitais e documentos eletrônicos. Além disso, busca eliminar barreiras burocráticas e promover o uso intensivo de automação, com foco na transparência e previsibilidade, bem como ampliar o escopo das “soluções antecipadas” e com foco na autorregularização de processos, oferecendo ferramentas de prevenção litígios no âmbito aduaneiro.

O projeto também visa reclassificar os regimes aduaneiros, alinhando-os aos moldes da Convenção de Quioto Revisada (CQR), já em vigor no Brasil, bem como ao Projeto de Lei Complementar nº 68/2024 (Reforma Tributária sobre o Consumo) que ainda tramita no Senado Federal. A importância do projeto, portanto, vai além de modernizar e consolidar a legislação referente ao comércio exterior no Brasil. Ele busca simplificar o conjunto de normas vigentes, torná-las mais acessíveis e previsíveis para importadores, exportadores e operadores logísticos, e aproximar a legislação brasileira das melhores práticas internacionais.

Um dos seus principais objetivos, como tratado em texto desta coluna (link), é reunir as diversas disposições esparsas em um único corpo legislativo de normas gerais que cuidam de regulação, fiscalização e controle sobre mercadorias, simplificando o conjunto de regras que hoje são regidas, em grande parte, pelo Decreto-Lei nº 37/1966, com o intuito de reduzir a complexidade das operações de comércio exterior e aumentar a segurança jurídica. Outro ponto central é a introdução de inovações, como o uso de ferramentas digitais e a adaptação às exigências internacionais, que têm impacto direto na competitividade do país, criando, ainda, o marco legal doméstico para a facilitação do comércio e para o controle administrativo de mercadorias.

A trinca estrutural do anteprojeto

Livro I do anteprojeto trata das disposições gerais, estabelecendo os conceitos fundamentais e a base legal que regulamenta o comércio exterior, define o território aduaneiro, os sujeitos de comércio exterior, e conceitua as áreas alfandegadas. Introduz um título dedicado à facilitação do comércio, trazendo conceitos inéditos como o do Portal Único de Comércio Exterior (Pucomex), a divulgação de informações na plataforma também em inglês, a possibilidade de uso de documentos digitais ou nato-digitais em substituição aos documentos físicos, a ampliação do uso de pagamento eletrônico para as operações, e a ampliação do escopo temático de soluções antecipadas.

Por sua vez, o Livro II é dedicado ao controle e fiscalização das operações de comércio exterior. Aborda a forma como deverá ser estruturada a gestão de riscos, trazendo maior transparência no uso e divulgação das informações, regulamentando os procedimentos de inspeção, despacho de mercadorias, e auditorias aduaneiras. Também abrange as regras para o depósito temporário de mercadorias e o controle pós-liberatório, permitindo que as autoridades fiscalizem as operações mesmo após a liberação das mercadorias.

O livro destaca o papel da Receita e de outros órgãos, reforçando a importância da automação e do uso de sistemas digitais para tornar o processo mais rápido, objetivo e eficiente, com foco no detalhamento dos procedimentos fiscais aduaneiros, além de um título inédito dedicado ao controle desempenhado pelos órgãos intervenientes, havendo o detalhamento dos estágios de Tratamentos Administrativos que podem ser promovidos sobre importação ou exportação de mercadorias no âmbito do Pucomex.

Por fim, o Livro III é focado nos regimes aduaneiros, finalmente conceituando a categoria de um regime comum e agrupando em quatro gêneros internacionalmente conhecidos os regimes aplicados em áreas especiais[1] (e.g. trânsito aduaneiro, depósito aduaneiro, permanência temporária e regimes de aperfeiçoamento).

Ademais, deixa de se falar em um Termo de Responsabilidade para constituição de obrigações fiscais, adotando-se implicitamente a ideia de não incidência quando da aplicação desses regimes. A lógica buscada pelo Livro III determina que uma de suas formas de extinção é o despacho para consumo, hipótese que agora aproxima os regimes de Drawback e Recof. Aborda, ainda, os benefícios a eles associados e traça as linhas gerais dos regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais (Áreas de Controle Integrado, Zona Franca de Manaus e Zonas de Processamento de Exportação). Embora o anteprojeto forneça diretrizes gerais, deixa a cargo de órgãos como a Receita Federal a complementação e regulamentação de aspectos operacionais específicos.

Contexto e justificativas

Em artigo publicado nesta coluna (link), abordamos que as codificações e consolidações têm como objetivo comum racionalizar, organizar, simplificar e tornar mais transparente e acessível a legislação. Sob este viés, o Projeto de Lei nº 508/2024 (PL 508), apresentado ao Senado Federal, em 29/02/2024, ao buscar consolidar a legislação federal esparsa sobre o comércio exterior e a tributação aduaneira, recebeu a crítica de repaginar mecanicamente uma legislação sexagenária e, em alguns aspectos, retrógrada, como os autores deste artigo já trataram em outros escritos (link).

O projeto de consolidação teve o mérito de fomentar não apenas a discussão em torno do tema, mas também de impulsionar (e mesmo possibilitar) a reunião de especialistas para promoverem os estudos para a elaboração do anteprojeto de uma lei, de caráter nacional, baseada na modernização do aparato normativo voltado a tratar do comércio internacional.

Este novo texto produzido pela comissão não teve a pretensão de sistematizar os principais temas da matéria (e, portanto, sem as credenciais para se apresentar como um código), mas tampouco buscou apenas reunir em um único corpus coeso e coerente o texto positivo preexistente, mas inovar e adequar o direito posto para a realidade atual do país e do estado da arte da tecnologia (e, portanto, sem as características de uma consolidação). Por este motivo, tratou-se, antes, de uma “lei geral do comércio exterior”, ao estabelecer “normas gerais” para a matéria.

Objeto e normas gerais em matéria de comércio exterior

O objeto da lei é, como define em seu artigo inaugural, estabelecer “normas gerais” para o desempenho das atividades de regulação, fiscalização e controle sobre o comércio exterior de mercadorias.

Apesar de possuir um dispositivo de diretrizes aplicáveis a toda a legislação aduaneira que emana comandos mais genéricos, o texto irradia também disposições específicas que deverão ser consideradas na interpretação de temas relativos aos eixos temáticos de que tratam os Livros I, II e III. Neste contexto, o anteprojeto transbordará seus efeitos desde seu glossário – explicando conceitos básicos do comércio exterior – até aspectos pontuais importantes de Regimes Aduaneiros Especiais – como a refundação conceitual do que caracteriza os Regimes Aduaneiros.

Definições e vaguezas

O artigo 2º do anteprojeto proposto, em prestígio à busca de precisão determinada pelo artigo 11 da Lei Complementar nº 95/1988, busca incorporar um glossário mínimo ao definir determinados termos e expressões. Observe-se que o esforço se dobra à tradição em determinados momentos como ao reafirmar o “despacho para consumo” como o “procedimento” para submeter a mercadoria ao regime aduaneiro comum, aproximando o conceito da lógica do Direito Administrativo.

Em outros momentos, meramente reproduziu o conhecido conceito de importação apenas para a interpretação do PL, definida como a “entrada da mercadoria no território aduaneiro”, mantendo-se em aberto discussões teóricas em outros domínios como a mera transposição física ou cruzamento da fronteira, não apenas por meio dos recintos alfandegados, mas de qualquer ponto do território.

Tal definição se aproxima daquela eleita pelo Acordo de Facilitação do Comércio (AFC), ao optar pelo termo “introdução” de mercadorias estrangeiras no território nacional. Por outro lado, a escolha pela CQR confere um acento maior no procedimento e na entrada regular ao fazer remissão expressa à regularidade da entrada com animus de definitividade (documentos, conferência e recolhimento de tributos). A interpretação, portanto, acaba por precisar de uma construção com caráter sistemático para chegar à norma, o que pode ser reforçado pela definição mercosulinas da materialidade da tarifa, que pressupõe “importação definitiva de mercadoria para o território aduaneiro”.

Para fins aduaneiros, passou explicitamente a se definir (conceito até então inexistente) o que vem a ser um “regime aduaneiro comum”, traduzindo que o signo jurídico da importação precisa se somar ao aspecto volitivo (entrada definitiva) para que assim se possa consumar o tratamento aduaneiro à mercadoria importada.

Portanto, o texto caminha no seu glossário de definições na exata medida do necessário ao utilizado pela mesma Lei, sem conceituar temas que nem sequer poderiam dele fazer parte, como definições de “erro escusável”, esta afeta ao campo da aplicação de penalidades e infrações.

Controle aduaneiro, conferência e fiscalização

Algo semelhante pode ser dito a respeito de um específico aspecto da “modernização” utilizado pelo anteprojeto: o recurso intensivo a tecnologias digitais como forma de viabilização do controle aduaneiro. De fato, tal escolha pode criar barreiras para pequenas e médias empresas, havendo uma tendência a direcionar determinados custos operacionais ao setor privado (a “privatização” dos custos administrativos, que se tornam custos de conformidade, proporcionalmente maiores conforme menor o porte da empresa) [2].

No entanto, as alegações de eventuais dificuldades em se adaptar ao novo sistema tecnológico não parecem ser suficientes para deixar de lado a constatação de que tal postura seja um aliado (inevitável) da facilitação do comércio, e que a crítica poderá ser dirigida à forma da implementação [3], não parecendo ser necessário que o anteprojeto preveja (de maneira textualista) prazos e detalhes operacionais.

O texto avança em incrementar garantias às pessoas intervenientes. Cite-se a divulgação, de forma pública, de fatores abstratos considerados pela administração aduaneira para fins de gestão de riscos, ou a necessidade de se continuamente melhorar os critérios de seleção de risco. Digno de nota, ainda, a obrigação de a autoridade aduaneira indicar objetivamente os elementos analisados em relação às mercadorias importadas.

O ganho de transparência é imensurável. Outras questões a respeito do controle poderão ser bem conduzidas no debate legislativo a respeito do anteprojeto, como a ampliação do aspecto temporal do despacho aduaneiro para momentos posteriores à própria liberação da mercadoria, permitindo-se um debate a respeito sucessivas intervenções sobre um mesmo fato jurídico (e.g. auditoria pós-liberatória), fato que pode aumentar o contencioso aduaneiro  que agora irá se debruçar sobre nova terminologia em detrimento da conhecida expressão “revisão aduaneira” .

Estabelece o artigo 13 do anteprojeto que a autoridade aduaneira possui o poder de, entre outras coisas, requisitar documentos e informações, inclusive em formato digital, e de solicitar o auxílio da força pública em situações que apresentem risco à segurança ou possibilidade de fuga de pessoas, veículos ou mercadorias. Tais previsões são aceitas pelo ordenamento brasileiro, desde que realizadas “no interesse do controle aduaneiro”, à semelhança do § 2º do artigo 113 do CTN, expressão que pode ser acrescida ao caput.

O artigo 3º do anteprojeto aponta para os nortes magnéticos a serem perseguidos pela regulação, fiscalização e controle sobre o comércio exterior, tais como a sutil menção ao “interesse nacional” em substituição ao conhecido termo do artigo 237 da CF/88, que somente resguardava o “interesse fazendário nacional”.

Nota-se, assim, que a regulação, fiscalização e controle passam a ter de modo geral todos os valores da sociedade brasileira insculpidos pelo constituinte originário, exemplificando-se aqueles mais afetos aos domínios comércio exterior como o fortalecimento da economia brasileira, o fomento ao desenvolvimento nacional e a livre concorrência.

Todos os vetores indicados (e não indicados) pelo dispositivo são importantes, mas a ampliação do escopo de valores a serem protegidos é o que sobressai. Isso sem descurar da ideia de não-discriminação, importante garantia da livre circulação de mercadorias, e pedra estruturante de diversos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, merecendo seu lugar no artigo como forma de resguardar os interesses também dos importadores, uma vez que a liberalização regrada das políticas comerciais e a integração à disciplina multilateral de regulação do comércio são igualmente formas de expressão dos interesses nacionais.

Conclusão

No dia 15 de outubro de 2024, celebramos o Dia dos Professores no Brasil. Em meio aos debates sobre a nova Lei Geral do Comércio Exterior, esperamos que essa temática continue a ganhar destaque nas salas de aula e na Academia. Que esse projeto seja amplamente discutido em pesquisas científicas, contribuindo para o fortalecimento e desenvolvimento de um direito aduaneiro sólido e atualizado, essencial para o alinhamento do Brasil às melhores práticas internacionais e à modernização do seu aparato regulatório no comércio exterior.


[1] Vide ANDRADE, Thális. O conceito de Regime Aduaneiro Especial no Brasil in Perspectivas e desafios do Direito Aduaneiro no Brasil (org. TREVISAN, Rosaldo et al), Brasília: Ed. Caput Libris, 2024.

[2] TAKANO, Caio Augusto. Deveres instrumentais dos contribuintes: fundamentos e limites. São Paulo: Quartier Latin, 2017.

[3] Como tem sido feito em trabalhos como: REIS, Raquel Segalla. Gestão de riscos no despacho aduaneiro de importação: inteligência artificial como instrumento e agente de controle. 2024. 194 f. Dissertação (Programa Stricto Sensu em Direito) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2024. Disponível neste link.

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Projeto permite anular totalmente dias de pena perdoados caso preso cometa falta grave

O Projeto de Lei 2616/24 permite que o juiz, em caso de falta grave cometida pelo preso, anule totalmente o período de perdão de pena acumulado em razão de trabalho ou estudo. A Câmara dos Deputados analisa a proposta, que altera a Lei de Execução Penal (LEP).

Discussão e votação de propostas. Dep. Kim Kataguiri (UNIÃO - SP)
O deputado Kim Kataguiri é o autor da proposta – Mario Agra / Câmara dos Deputados

Segundo a LEP, editada em 1984, o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto pode diminuir um dia de sua pena a cada três dias de estudo ou trabalho comprovados. As atividades de estudo podem ocorrer de forma presencial ou a distância.

A Lei 12.433/11, mais recente, estabeleceu que o cometimento de falta grave pode levar o preso a perder até 1/3 do tempo total de pena perdoado.

“Discordamos frontalmente dessa alteração, já que a limitação de perda de até um terço dos dias remidos pode se revelar absolutamente desproporcional, considerando a gravidade da conduta praticada pelo condenado”, avalia o autor, deputado Kim Kataguiri (União-SP). “Por exemplo, se o preso chegar a cometer um crime de homicídio qualificado dentro do estabelecimento prisional, ele não poderá perder a integralidade dos dias perdoados.”

Próximos passos
O projeto será analisado pelas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, segue para análise do Plenário. Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Proposta estabelece prisão após condenação por tribunal

O Projeto de Lei 2034/24 estabelece a prisão depois de condenação por tribunal, tanto em instância única como grau de recurso. A proposta tramita na Câmara dos Deputados.

Discussão e votação de propostas. Dep. Delegado Ramagem (PL - RJ)
Delegado Ramagem, autor da proposta – Mario Agra / Câmara dos Deputados

Atualmente, o Código de Processo Penal estabelece a prisão apenas após condenação criminal transitada em julgado – ou seja, quando não há mais recursos possíveis –, além da prisão em flagrante.

Segundo o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), autor da proposta, o Supremo Tribunal Federal (STF) alterou seu entendimento algumas vezes sobre a prisão em segunda instância. Para o deputado, as mudanças de entendimento do STF refletem a necessidade de um esclarecimento a ser dado pelo legislador. “É preciso lembrar a Constituição Federal dispõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não vedando, em momento algum, que a prisão possa ocorrer antes desse momento”, afirmou.

Para Ramagem, o sistema recursal brasileiro permite “uma Amazônia de recursos”, muitos deles meramente formais ou para retardar a decisão. “O impedimento da execução após a condenação em segunda instância traz consequências que dificultarão ainda mais o combate à corrupção e ao crime organizado, beneficiando os mais ricos e poderosos”, disse.

Próximos passos
A proposta será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Juiz afasta exigência de órgão ambiental com base em laudo pericial 

Uma área de preservação permanente é caracterizada pela incumbência que lhe é inerente. No momento em que um terreno deixa de ter essa função, ele perde a proteção prevista em lei. 

Esse foi o entendimento do juiz César Otávio Scirea Tesseroli, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Joinville, para declarar nula a exigência de manutenção de 30 metros de área de preservação permanente feita por órgão ambiental, em terreno onde está instalada uma indústria química. 

Juiz acolheu argumentos de laudo técnico que demonstrou que área perdeu sua função ambiental
Juiz acolheu argumentos de laudo técnico que demonstrou que área perdeu sua função ambiental – Governo do Ceará

A empresa acionou o Judiciário após ter sua renovação da licença ambiental de operação-LAO condicionada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) a manutenção de 30 metros de área não edificável a partir das margens do corpo hídrico com base no artigo 4º., inciso I, “a” da Lei 12651/2012.

Na ação, a empresa apresenta laudo técnico que demonstra que o corpo hídrico ao que o IMA se refere foi modificado em razão da construção de um canal artificial que viabilizou a duplicação da BR 101 ocorrido no final da década de 1990. 

 

Ao analisar o caso, o julgador acolheu os argumentos da empresa. “No caso em análise, embora o órgão ambiental e o Ministério Público tenham insistido na necessidade de observância de recuo de 30 metros do curso de água, referida arguição não se sustenta. Ora, conforme já citado, o laudo pericial juntado aos autos indica que se trata de curso d’água em área urbana consolidada e que a área de preservação permanente foi descaracterizada para faixa não edificável”, registrou ao declarar nula a exigência do órgão ambiental. 

Representou a empresa no caso o advogado Gustavo Pereira da Silva.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 5049844-70.2020.8.24.0038

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