Novo desafio no âmbito da litigiosidade repetitiva: abuso do direito de demandar

Três fases do acesso à Justiça

Na segunda metade do século 20, uma preocupação dos juristas era a falta de acesso à Justiça, pois uma considerável parcela da população permanecia à margem do Judiciário, tendo seus direitos constantemente lesados, sem proteção ou reparação [1].

No Brasil, especialmente com a promulgação da Constituição de 1988, o acesso à Justiça foi substancialmente ampliado. Sem desconsiderar que ainda há muito a ser aprimorado em termos de efetividade e celeridade na prestação jurisdicional, podemos dizer que o almejado acesso à justiça ocorreu e a consequência foi uma explosão de demandas.

TJ-SP reconheceu direito de dois réus condenados por uso de documento falso a indulto presidencial

Portanto, veio o acesso e, com ele, um outro problema: era preciso dar solução, a tempo e modo adequados, às múltiplas e repetidas demandas que passaram a desembocar no Judiciário diariamente.

Começou-se, então, a pensar em instrumentos para solução dos litígios massificados, cabendo-nos, neste curto espaço, apenas exemplificá-los. Veio, em 1990, o Código de Defesa do Consumidor, que possibilitou a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos.

 

A Emenda Constitucional nº 45/2004 trouxe a repercussão geral, que, além de ser um filtro de acesso ao Supremo Tribunal Federal, tornou-se um meio para ditar soluções uniformes para casos que se repetiam em todo o território nacional. Um outro passo foi dado em 2008, com a inclusão, pela Lei 11.672/2008, da sistemática de recursos repetitivos no CPC/73. O CPC/2015 consolidou um sistema de casos repetitivos e precedentes vinculantes.

Todavia, antes pudéssemos afirmar que estava efetivamente solucionado o problema do elevado número de demandas que o acesso à justiça gerou, eis que já nos vemos diante de um outro dilema.

Retrato da litigância predatória

O novo desafio é lidar com o excesso de demandas ilegítimas, fruto de abuso do direito de demandar (ou abuso do direito de ação). O fenômeno tem sido chamado de litigância predatória.

Ou seja, hoje o Judiciário brasileiro enfrenta um problema de duas facetas: de um lado, há uma enorme quantidade de demandas legítimas, que pedem solução adequada e tempestiva; do outro, milhares de demandas ilegítimas, que precisam ser identificadas e obstadas, sob pena de se atravancar o primeiro desafio.

Os tribunais estão reagindo rapidamente e, por meio de centros de inteligência, têm sido capazes de identificar esse comportamento abusivo – das partes e dos advogados.

Os dados são alarmantes. O Relatório do Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede ) do TJ-SP para o biênio 2022/2023, por exemplo, identificou a atuação de um grupo de advogados na distribuição de mais de 50 mil ações padronizadas, com inúmeras irregularidades, como o ajuizamento sem o conhecimento do autor, omissão ou alteração de verdade de fatos e o uso de documentos falsos [2].

Os monitoramentos realizados pelo Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (CITJMG) apontam que os processos relacionados à litigância predatória equivalem a até 30% da movimentação processual [3]. É o desperdício de 1/3 do tempo e dos recursos empregados na prestação jurisdicional.

O fenômeno não se limita às hipóteses em que há a prática de atos processuais que configuram litigância de má-fé, tipificados no artigo 80 do CPC.

O abuso do direito de ação guarda a sutileza de aparente licitude, mas, no fundo, trata-se de demandas frívolas, sem litigiosidade real, ajuizadas com objetivos que não são obter a tutela de um direito [4]. Como já disse a ministra Nancy Andrighi, “o abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde” [5].

E os sinais do abuso são variados:

  • petições genéricas e sem a mínima comprovação documental;
  • ajuizamento de ações repetidas contra grandes companhias, no simples intuito de obter alguma vantagem econômica;
  • fragmentação injustificada de causas de pedir, objetivando maximizar ganhos e outras vantagens;
  • propositura da mesma demanda em juízos diversos para posterior escolha do foro mais conveniente (forum shopping);
  • ajuizamento de ações fora domicílio do autor e em locais sem nenhuma ligação com a origem do litígio;
  • utilização de documentos falsos ou adulterados;
  • uso da mesma procuração em vários processos;
  • omissão quanto à ocorrência de litispendência ou existência de coisa julgada.

Geralmente, a petição inicial vem com pedido de exibição de documentos, inversão do ônus da prova e outros requerimentos, como o propósito dificultar a defesa do réu.

A característica essencial dessas demandas é o desvio de finalidade: o objetivo é obter alguma vantagem, sob o beneplácito do Poder Judiciário, mas não obter a tutela de direitos [6].

As consequências são nefastas na esfera privada e na pública. Na primeira, as grandes companhias são as principais vítimas, pois têm sido bombardeadas de demandas e requerimentos, que resultam em alto custo de gerenciamento e prejuízos, no caso de condenações. Na esfera pública, o próprio Poder Judiciário é a presa, o que gera entraves na entrega da prestação jurisdicional àqueles que dela efetivamente precisam.

E esse é o ponto fundamental: o abuso do direito de demandar obstaculiza o acesso à justiça do cidadão que não abusa do seu direito. Em razão do abuso perpetrado de forma reiterada, por muitos, a prestação jurisdicional tem sido mais lenta e menos efetiva, o que é razão suficiente para que todos os esforços sejam vertidos à repressão da litigância predatória.

Em boa hora, portanto, o Superior Tribunal de Justiça está examinando o Tema Repetitivo nº 1.198 [7]. Dali sairão importantes balizas e direcionamentos para os magistrados do país no que toca às possíveis providências a serem tomadas para refrear a litigância predatória. A reação é bem-vinda, pois o que não se pode admitir é que nosso Poder Judiciário vitimado pelo abuso do direito de demandar.

Justamente atento às repercussões da litigância precatória, o Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe) promoverá o Fórum Impactos Econômicos e Sociais dos Litígios de Massa [8] em Lisboa, nos dias 28 e 29 de novembro. O evento reunirá especialistas internacionais para discutir temas relacionados com a litigância de massa no Brasil e no exterior, como o forum shopping, os instrumentos judiciais disponíveis para tratamento dos litígios de massa, as soluções consensuais que podem ser aplicadas aos conflitos de massa, o financiamento dos custos processuais de litígios por terceiros e os desafios enfrentados pelos diferentes setores econômicos.


[1] “A justiça, como outros bens no sistema laissez-faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva.” (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 9).

[2] https://api.tjsp.jus.br/Handlers/Handler/FileFetch.ashx?codigo=151470

[3]https://www.tjmg.jus.br/data/files/49/80/E5/70/DF212810B8EE0B185ECB08A8/NT_01_2022%20_1_%20_1_.pdf

[4] A doutrina já vem fazendo a distinção das espécies de abuso: demandas ou condutas fraudulentas; demandas temerárias; demandas frívolas; demandas procrastinatórias; assédio processual; sham litigation; spam processual. (FERRAZ, Taís Schilling. O tratamento das novas faces da litigiosidade: das espécies anômalas à litigância predatória. Revista de Processo, vol. 349, mar./2024, p. 727-758)

[5] REsp n. 1.817.845/MS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/10/2019, DJe de 17/10/2019.

[6] “(…) o exercício do direito de ação segundo à boa-fé exige do autor que a sua atuação em juízo se dê em busca de um fim legítimo e admissível para o direito, que seus atos praticados sejam coerentes entre si e justifiquem a obtenção desse fim e que eles não impeçam ou obstaculizem o exercício do direito de defesa do seu adversário.” (LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Abuso do Processo. Curitiba: Editora Direito Contemporâneo, 2024, p. 313.)

[7] Eis a questão afetada a julgamento: “Possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários.”

[8] Pré-inscrições gratuitas em https://forumbrasileuropa.org/impactos-economicos-e-sociais-dos-litigios-de-massa/

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Informativo aborda inadmissibilidade de recurso especial contra acórdão que nega mandado de segurança e julga IRDR

A Secretaria de Biblioteca e Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 832 do Informativo de Jurisprudência. A equipe de publicação destacou dois julgamentos nesta edição. 

No primeiro processo destacado, a Primeira Seção, por maioria, decidiu que é inadmissível a interposição de recurso especial contra decisão que, embora fixe tese em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), denega mandado de segurança no tribunal de origem. A tese foi fixada no AgInt no REsp 2.056.198, de relatoria do ministro Gurgel de Faria. 

Em outro julgado citado na edição, a Sexta Turma, por unanimidade, definiu que a fixação da competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de racismo mediante divulgação de conteúdo em rede social exige a demonstração da natureza aberta do perfil que realizou a postagem, a fim de possibilitar a verificação da potencialidade de atingimento de pessoas para além do território nacional. O AgRg no HC 717.984 teve como relator o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo.

Fonte: STJ

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Da proteção ao abuso: como a JT reabriu as portas para ações oportunistas

A recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que considera suficiente a mera declaração de hipossuficiência para a concessão da justiça gratuita, é um convite ao uso desenfreado do sistema judicial. Ignorando a crise de recursos públicos e o volume de litígios acumulados, a corte aceitou como válido um mecanismo que incentiva o abuso. A concessão da justiça gratuita, sem exigência de comprovação de insuficiência financeira, não só desrespeita o espírito constitucional como também afronta os princípios da reforma trabalhista, cujo intuito foi justamente tornar o sistema trabalhista mais eficiente e menos vulnerável a práticas predatórias.

Prédio do TST, sede do Tribunal Superior do Trabalho

A Constituição, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, é clara: o Estado deve prestar assistência jurídica gratuita a quem comprovar insuficiência de recursos. Esse princípio não é uma mera formalidade, mas uma garantia para que o benefício alcance apenas os verdadeiramente necessitados. Como bem expõe José Afonso da Silva, o direito de acesso à Justiça não se confunde com o direito de litigar indiscriminadamente; é essencial que o uso dos recursos do Estado seja condicionado à comprovação da necessidade, preservando-se a igualdade de oportunidades para os mais vulneráveis.

O Código de Processo Civil, em seus artigos 98 a 102, e o artigo 790 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) complementam a exigência de comprovação, estabelecendo que o benefício deve ser limitado e concedido apenas mediante evidência cabal da impossibilidade de arcar com os custos. Ao ignorar essas disposições, o TST flexibiliza um direito essencial e abre uma brecha perigosa para uma litigiosidade irresponsável.

É fundamental observar que essa questão já está em análise pelo Supremo Tribunal Federal no contexto da ADC 80, que examina precisamente a constitucionalidade dos critérios para concessão da justiça gratuita previstos na reforma trabalhista. O STF ainda não concluiu o julgamento, mas a expectativa é que a decisão traga uma resposta definitiva sobre a necessidade de comprovação de insuficiência econômica, alinhando-se à proteção dos recursos públicos e à racionalidade no uso do sistema judicial. Ao adiantar-se em um entendimento que dispensa comprovações, o TST assume uma postura controversa, que pode ser revertida pelo Supremo, mas que já coloca em risco a segurança jurídica e aumenta a instabilidade no sistema trabalhista.

TST reabre ‘porteira’ para a advocacia predatória

A visão do ministro Barroso, em sua atuação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reforça o que Celso Antônio Bandeira de Mello defende sobre a importância de uma administração pública guiada pela racionalidade e pela proteção ao interesse coletivo. Barroso tem buscado conter a onda de ações oportunistas e promover a eficiência do Judiciário Trabalhista, alinhando-se ao entendimento de que o sistema processual deve ser racionalizado para coibir abusos e garantir que as benesses do Estado sejam usadas de forma criteriosa.

Contudo, o recente posicionamento do TST vai contra esses esforços, favorecendo um cenário de litigiosidade sem controle. A decisão tem efeitos preocupantes, especialmente em um país onde o sistema judicial já enfrenta um volume massivo de processos trabalhistas. E agora, ao aceitar uma mera declaração de pobreza como suficiente, sem qualquer análise mais aprofundada, o TST parece disposto a transformar a Justiça do Trabalho em um campo aberto para todos, sejam necessitados ou não.

A decisão também representa um estímulo direto à advocacia predatória, uma prática que se alastra no Brasil e ameaça a integridade do Judiciário. Milton Friedman, ao defender a contenção dos gastos públicos, já alertava que o uso indiscriminado dos recursos estatais em programas sem critério de controle gera um efeito contraproducente: o aumento das despesas sem qualquer retorno concreto para o desenvolvimento social. Escritórios que veem nas ações trabalhistas uma oportunidade de lucro fácil podem agora se valer dessa brecha legal para inundar o sistema com processos infundados.

A concessão indiscriminada da justiça gratuita, ao dispensar qualquer comprovação de insuficiência, pavimenta o caminho para que essas práticas prosperem. O impacto dessa decisão não é apenas financeiro: desvia recursos e esforços de casos que realmente necessitam de intervenção, colocando o Judiciário em um beco sem saída onde prevalece a litigância pela litigância, e não pela busca de Justiça.

A reforma trabalhista, inicialmente, trouxe efeitos significativos para a Justiça do Trabalho, reduzindo o número de novas ações, os custos operacionais e o volume de processos julgados por magistrado, o que resultou em um aumento da eficiência do sistema. Essa reforma condicionou a concessão de justiça gratuita à comprovação de insuficiência econômica, o que limitou litígios infundados e reservou o benefício a quem realmente necessita. Agora, ao reabrir essa “porteira” com uma simples declaração de pobreza, o TST ameaça desfazer esses avanços e retornar ao cenário de litigância excessiva que a reforma trabalhista tentou corrigir.

A facilidade de acesso à justiça gratuita, sem critérios sólidos, incentiva o uso do Judiciário para fins oportunistas e abre espaço para a advocacia predatória, sobrecarregando o sistema e desviando recursos que deveriam estar disponíveis para os mais necessitados.

TST encampa ideia de justiça como mero ‘ato de fé’

Em julgamentos anteriores, como na ADI 5.766, o Supremo Tribunal Federal já havia se pronunciado sobre a necessidade de se evitar a concessão indiscriminada da justiça gratuita. O STF reafirmou a visão de José Afonso da Silva, que defende a importância de critérios rigorosos para evitar o abuso de benefícios judiciais e preservar o bom uso dos recursos públicos.

Os ministros enfatizaram que o objetivo das limitações trazidas pela reforma trabalhista é desestimular o abuso e proteger os recursos públicos para aqueles que realmente precisam. Essa decisão do STF deixa claro que a simples declaração de pobreza pode abrir brechas para um uso indevido do sistema judicial, comprometendo a prestação jurisdicional de maneira séria. Contudo, a decisão do TST desconsidera essa advertência, ao adotar um entendimento que desobriga o requerente de comprovar a real necessidade do benefício.

Ao final, a ironia não poderia ser mais amarga. Após a reforma trabalhista, que trouxe razoabilidade e critérios mais rigorosos para a concessão da justiça gratuita, vemos agora essa tentativa de retorno ao passado, em que a “porteira aberta” era regra. Em uma decisão que transforma a concessão da justiça gratuita em um ato quase automático, dispensando qualquer comprovação real de insuficiência financeira, o TST ressuscita um sistema vulnerável ao abuso. Com uma mera declaração, o benefício torna-se acessível a todos que sabem “invocar” a hipossuficiência econômica sem qualquer prova concreta, fragilizando a proteção oferecida aos verdadeiramente necessitados.

O Judiciário Trabalhista, que recentemente havia dado sinais de maior rigor e racionalidade, agora abraça um conceito de justiça como um simples “ato de fé”, em que não se exigem mais fatos, provas ou um mínimo de diligência. O sistema, que deveria ser um bastião de proteção social para aqueles que realmente precisam, flerta com a ingenuidade, e o direito fundamental à justiça gratuita é relegado a uma mera formalidade. Em vez de proteger e democratizar o acesso à Justiça de forma equilibrada, a decisão pavimenta o caminho para um mar de abusos, conferindo à litigância predatória um passaporte direto para o tribunal.

Assim, a justiça gratuita, em sua nobre intenção original, parece agora mais disposta a estender suas benesses a todos que declarem sua “pobreza”, sem distinção. A mensagem, afinal, parece clara: para que cumprir requisitos, se basta a palavra para invocar o “milagre” da gratuidade?

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Turma Nacional de Uniformização fixa tese sobre benefício de aposentadoria por idade

O pedido de uniformização foi julgado pelo Colegiado da TNU na sessão de 16 de outubro

A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Federais (TNU) decidiu, por unanimidade, na sessão de julgamento de 16 de outubro, dar provimento ao pedido de uniformização, nos termos do voto do relator, juiz federal Giovani Bigolin, julgando a questão como representativo de controvérsia e fixando a seguinte tese: 

“1. Tempo de contribuição e carência são institutos distintos. 2. Carência condiz com contribuições tempestivas. 3. O art. 18 da EC 103/2019 não dispensa a carência para a concessão de aposentadoria” – Tema 358. 

A TNU responde a um pedido de uniformização interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra acórdão da 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Pernambuco (PE), em ação de concessão do benefício de aposentadoria por idade. 

No caso em análise, a Turma Recursal de origem decidiu em favor da parte autora, condenando o INSS a conceder aposentadoria por idade com base no art. 18 da EC n. 103/2019. A decisão considerou que seria possível computar as contribuições pagas em atraso após a perda da qualidade de segurado — ou mesmo quando a primeira contribuição não foi realizada dentro do prazo — sem a aplicação da ressalva prevista no art. 27, II, da Lei n. 8.213/1991

O colegiado recursal da TNU, no entanto, acolheu a tese do INSS (também ratificada pelo IBDP), estabelecendo que para fins de concessão de aposentadoria por idade urbana com DER após a EC 103/2019, permanece a necessidade de cumprimento do requisito da carência, particularmente para quem precisa usar a regra de transição do art. 18 da EC 103, de forma que as contribuições recolhidas em atraso pelo contribuinte individual (relativas ao período entre a perda da qualidade de segurado e a sua requisição ) não podem ser computadas para fins de carência.  

Fonte: CJF

Carf valida cobrança de Cide para intermediária de remessas de royalties

Maioria do colegiado considerou que houve a prestação de serviços e frisou o recolhimento na fonte com alíquota reduzida

Em julgamento inédito, por maioria de votos, a 1ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) validou a cobrança de Cide para empresa intermediária na remessas de royalties ao exterior. No caso, as remessas processadas referem-se à importação de serviços e plataformas tecnológicas. O placar ficou em 4 a 2.

O processo envolve a Apple Remessas, de propriedade da empresa Apple Inc., sediada nos Estados Unidos. A base da autuação foi o valor remetido pela Apple Remessas ao exterior em 2018 com o recolhimento de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) com alíquota reduzida de 15%.

Para a fiscalização, a companhia representa os interesses no Brasil como um “braço direito” da americana para comercialização, e deveria pagar a Cide na remessa dos royalties. Já o contribuinte defende que a empresa em solo brasileiro limita-se à coleta de valores, ou seja, não é contratante ou signatária dos contratos de importação. Também não atua na revenda de serviços ou no relacionamento com os clientes.

Em sustentação oral, o procurador da Fazenda Fabrício Sarmanho afirmou que a solução de consulta Cosit 177/24, que afasta a cobrança da Cide sobre pagamentos relacionados à licença de software, não se aplica ao caso concreto. Segundo ele, o processo não envolve licenciamento, mas sim fornecimento da plataforma (Apple Store) ao cliente.

“Quando a empresa paga 15% de IRRF, ela está declarando que aquilo é prestação de serviço e sofre a incidência de Cide. Se entendesse que não são royalties ou prestação de serviço, teria recolhido em 25%”, afirmou.

O advogado representante do contribuinte, Luiz Roberto Peroba, do Pinheiro Neto, destacou que a companhia no Brasil é uma facilitadora de pagamentos. Ao pedir a nulidade do sujeito passivo, ele explicou que os contratos são firmados entre a Apple Inc. e o consumidor que adquire o produto, de forma que a Cide recairia hipoteticamente sobre pessoa física, o que não é possível pela lei.

Peroba rebateu que a retenção do IRRF em 15% indicaria que a empresa reconhece a contratação do serviço. Segundo ele, uma parte das operações feitas no Brasil não estão sujeitas ao IRRF porque se tratam de “softwares de prateleira”.

Venceu, porém, o argumento do fisco. A relatora, conselheira Laura Baptista Borges, considerou que houve a prestação de serviços e frisou o recolhimento na fonte com alíquota reduzida. Sendo assim, deve incidir a Cide na remessa dos royalties ao exterior.

A julgadora embasou seu voto no artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 10.168/00. O dispositivo define que a contribuição é devida “pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior”.

Ao abrir divergência, a conselheira Sabrina Coutinho Barbosa destacou a preocupação com o precedente, que pode atingir outras empresas do setor. Para ela, como o serviço é prestado à pessoa física, a cobrança de Cide estaria afastada. “O que a gente está confundindo aqui, com todo o respeito, é o serviço. (…) Não é fato gerador da Cide o serviço prestado por uma pessoa jurídica brasileira. Para a incidência de Cide tem que ser um serviço prestado no exterior”, declarou.

Fonte: Jota

Linhas de transmissão: possibilidade de cumulação entre juros compensatórios e lucros cessantes

A servidão administrativa representa uma espécie de intervenção pública nos limites da propriedade privada, definindo a coisa particular como de interesse público.

Diferentemente da desapropriação, na servidão não há a retirada da propriedade do seu titular, restringindo-se a destinação do bem a uso público durante período, determinado ou não.

A semelhança entre os dois institutos fica por conta do dever de indenizar o proprietário. Na desapropriação, pela perda da propriedade. Na servidão, pela perda da posse direta, devendo o poder público ou a concessionária realizar o pagamento do valor definido via perícia avaliatória, já no momento da imissão provisória da posse (v., por exemplo, a Súmula nº 30 do Tribunal de Justiça de São Paulo).

Pois bem, os ora articulistas já tiveram duas oportunidades de narrar sobre a temática “linhas de transmissão e seus efeitos na Alta Mogiana” em precedentes artigos veiculados no prestigioso sítio eletrônico do ConJur [1] e, agora, contam com o reforço intelectual do ilustre professor Adriano Caldeira (Mackenzie/São Paulo), no que concerne a uma reflexão ponderada sobre uma quaestio iuris relevante nessas hipóteses, qual seja: possibilidade de cumulação entre juros compensatórios e lucros cessantes.

Cumulação entre juros compensatórios e lucros cessantes em caso de plantio de cana

Isto é, há considerações relevantes quanto à forma de definição do valor que corresponda ao princípio da “justa indenização”, devendo ser consideradas as peculiaridades do caso concreto, como, por exemplo, a possibilidade ou não da cumulação entre juros compensatórios e lucros cessantes.

Pois bem, no caso específico da servidão de passagem, instituída em propriedades rurais, comumente, aplicada nos casos de passagem de linhas de transmissão de energia elétrica, mostra-se indispensável ser levada em consideração do tipo de cultivo praticado na propriedade, bem como as especificidades na área, para, só então, definir os limites e a forma de indenização.

 

Isso porque, no caso da cultura agrícola de cana-de-açúcar, por exemplo, mostra-se inafastável a cumulação entre juros compensatórios e lucros cessantes por dois motivos: seus ciclos anuais de produtividade e a proibição da continuidade de seu cultivo nas faixas de servidão, ou seja, sob as linhas de transmissão de energia elétrica. Logo, caberá apenas a avaliação junto ao caso concreto sobre a proporcionalidade de incidência dos lucros cessantes, considerando o tempo de vida útil da lavoura específica, a qual, no caso de cana-de-açúcar sabidamente possui longos ciclos, conforme minudenciado mais adiante.

Nesse sentido, à luz do mencionado princípio da justa indenização, afigura-se minimamente razoável que o proprietário rural seja devidamente compensado pela perda provisória da posse direta até o efetivo recebimento do quantum indenizatório, via “juros compensatórios”, assim como receba o valor correspondente à cultura agrícola suprimida com a instituição da servidão administrativa, via “lucro cessante”, principalmente, porque deixará de receber quantia expressiva proveniente das colheitas futuras, as quais servem, inclusive, pagar os elevados custos e investimentos realizados quando do plantio e da manutenção do canavial.

No caso de cultivos diversos ao da cana-de-açúcar, os lucros cessantes também deverão ser calculados, uma vez que durante todo o período de implantação as torres e linhas de transmissão, os quais são incertos e indeterminados, nenhuma atividade agrícola poderá ser realizada na área de servidão, fato este que também comprova a perda da renda.

A jurisprudência, no entanto, tem oscilado, de modo a afirmar em parte dos casos, não ser possível tal cumulação, sob pena de suposta ocorrência do bis in idem, ou seja, o recebimento em duplicidade pelo proprietário sobre o mesmo fato gerador.

No entanto, o que se nota, é uma reprodução de tese construída sobre determinada situação concreta, porém aplicada a casos fáticos com caraterísticas absolutamente distintas, havendo uma inevitável necessidade de utilizarmos da conhecida técnica interpretativa denominada distinguishing.

Ora, quanto ao fato gerador dos juros compensatórios, sabe-se que na servidão administrativa terá incidência a partir do momento em que poder público assume a posse do bem, calculado via perícia, com base na erradicação da cultura existente. Portanto, os juros compensatórios estão atrelados à perda da posse do bem pelo proprietário.

Por outro lado, o fato gerador dos lucros cessantes tem outra origem, incidindo sobre as perdas futuras decorrentes da indisponibilidade da área para a continuidade do cultivo.

O que diz a jurisprudência

No cultivo da cana de açúcar, por exemplo, a propriedade poderá permitir de nove até 12 cortes anuais, sendo este um relevante fator a ser considerado na definição dos lucros cessantes a ser pago ao proprietário. Em exato senso, restou decidido no julgamento da apelação nº 1005305.14.2018.8.26.0358, pela 7ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, de relatoria do desembargador Coimbra Schimidt.

Igualmente, o colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.145.488, sob a relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, registrando que enquanto os juros compensatórios remuneram o capital que o expropriado deixou de receber desde a perda da posse, os lucros cessantes refere-se ao que deixará de aferir com a utilização do bem expropriado e que são devidos ao expropriados já a partir da tomada da posse pelo poder público, deixando expressamente claro que juros compensatórios e lucro cessante não se confundem, menos ainda produzem o indesejado bis in idem.

Ademais, mais recentemente, o e. Tribunal de Justiça de Minas Gerais realizou o enfrentamento da matéria debatida, cujo caso concreto trata-se de Servidão Administrativa instituída sobre áreas rurais formada por pastagens.

Pois bem, no acórdão prolatado no dia 26/3/2024, a corte mineira, em sede de julgamento de Apelação, nos autos do processo 0003264-55.2010.8.13.0610, a 6ª Câmara Cível, sob a relatoria do desembargador doutor Júlio Cezar Guttierrez, apresentou o entendimento de que:

“…. Quanto ao cálculo do lucro cessante, ainda nos termos do laudo pericial, ocorreu considerando duas áreas: a de servidão propriamente dita, medindo 8.300,77m², onde foi impedido o acesso do gado da propriedade por dois anos, tempo da obra, e por mais dois anos, tempo para plena recuperação da pastagem, e uma segunda área, que ficou “encravada” após o início das obras, em virtude do seccionamento do terreno. Foi explicitada a fórmula de cálculo, e se chegou ao valor de R$ 5.679,74 pela indenização a título de lucros cessantes.

(…)

Quanto à possibilidade de cumulação dos lucros cessantes com os juros compensatórios, registre-se que não se desconhece o entendimento firmado pelo STJ e trazido pelo apelante, no sentido de que não se admite a cumulação de lucros cessantes e juros compensatórios, uma vez que indenizariam o expropriado pelo mesmo fato gerador.

Todavia, coaduno do entendimento de que os lucros cessantes não se confundem com os juros compensatórios, porquanto os lucros cessantes cingem-se à indenização do proprietário pelo ganho que este deixou de auferir com a imissão provisória na posse, enquanto os juros compensatórios incidem sobre a diferença apurada entre a importância correspondente aos 80% (oitenta por cento) do valor ofertado em Juízo pelo desapropriante e a quantia homologada pelo d. Juízo, haja vista a indisponibilidade do valor até o trânsito em julgado da sentença.

Assim, não se tratando, no caso, de mesmo fundamento para o pagamento dos lucros cessantes e dos juros compensatórios, entendo ser possível a cumulação. …”

Em relação à cultura agrícola de cana-de-açúcar, em decorrência de seus ciclos anuais e impedimento de continuidade da atividade, não há dúvidas, portanto, da possibilidade de cumulação.

É chegada a hora da jurisprudência nacional alinhar seu posicionamento quanto a este relevante tema, considerando o flagrante risco de produção de insegurança jurídica aos proprietários rurais, os quais além de perderem a posse direta de suas propriedades, não estão recebendo a devida indenização referente a supressão de sua lavoura, ou seja, estão perdendo todo o investimento agrícola realizado, sem considerar que não mais poderão produzir esse tipo de cultura nas áreas serviendas, o que se mostra devastador para esse setor agrícola que há muito, tem se colocado como a pedra de sustentação da economia nacional.


[1] v. https://www.conjur.com.br/2024-jan-28/linhas-de-transmissao-e-seus-efeitos-nefastos-na-alta-mogiana/  e https://www.conjur.com.br/2024-mar-14/linhas-de-transmissao-e-seus-efeitos-nefastos-na-alta-mogiana-parte-2-a-instabilidade-das-decisoes-interlocutorias/ . Acesso em 30/10/2024.

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Fases de análise do recurso especial no STJ: tribunal em transformação

O Superior Tribunal de Justiça passou, passa e ainda passará por transformações em relação ao iter processual do seu recurso especial. O passeio verbal é proposital.

Passou, em relação aos recursos especiais repetitivos, criado em 2008 e com a sua sistematização no Código de Processo Civil (CPC) de 2015. Passa, com a expansão das classes que serão julgadas no plenário virtual, aprovada pela Emenda Regimental 45 de 2024, ainda não implementada. E ainda passará, com a regulamentação legal da exigência constitucional da relevância para o recurso especial, aprovada em 2022 por emenda à Constituição.

Mas antes da implementação do novo plenário virtual e da exigência da relevância, é preciso entender o iter processual atual do recurso especial no STJ: sistematizo a análise em cinco fases.

A primeira fase é a de conhecimento. É a que notoriamente diferencia os recursos de natureza ordinária dos recursos de natureza extraordinária.

É a fase da incidência das conhecidas súmulas obstativas de conhecimento de recurso, podem sem citadas as conhecidas súmulas 5 e 7 do STJ (de impossibilidade de reexame da matéria fática e contratual), as súmulas 283 e 284 do STF (de impugnação insuficiente e de deficiência de fundamentação recursal) e as súmulas 182 e 211 do STJ (de dialeticidade recursal e de exigência de prévia manifestação do Tribunal de origem).

Esta fase pode ser analisada tanto pela Presidência do STJ, por força da previsão do artigo 21-E, inciso V, do RISTJ, o que implica na decisão de não conhecimento do recurso antes da própria distribuição, ou mesmo pelo próprio relator após a distribuição do processo.

Como é possível imaginar, a fase de “não conhecimento” é a de maior incidência no tribunal, como ilustrado na estatística da classe agravo em recurso especial, que é a classe mais distribuída anualmente no tribunal (representou 58,70% do total do acervo para 2023), sendo que o percentual de não conhecimento da classe para o mesmo ano, segundo o boletim estatístico do tribunal, foi de 59,6%.

Falta de conhecimento prático

Há inúmeros motivos para esse alto percentual de “não conhecimento”, mas entendo que o principal é a falta de conhecimento prático e especializado dos advogados de origem que pensam no recurso especial apenas quando o tribunal já negou provimento ao seu principal recurso.

A oposição de embargos de declaração contra o acórdão do Tribunal de origem, por si só, não viabiliza processualmente o recurso especial.

Esse é um dos vários mitos que ainda pairam sobre a atuação perante o STJ e que alimentam de maneira infundada a ideia da “jurisprudência defensiva”, como se a exigência de prequestionamento não estivesse prevista constitucionalmente: “causa decidida”.

Se a questão jurídica tem potencial para ser direcionada para o STJ, isso deve ser projetado desde logo na ação e principalmente no início da fase recursal ordinária, momento em que se deve pensar na objetivação do recurso especial, com a indicação clara e suficiente do dispositivo legal pretensamente violado, bem como na demonstração da relevância da questão federal para a unidade do direito.

Assim, caso proferida a decisão de não conhecimento pela Presidência, o evetual agravo interposto será distribuído a um relator competente, que pode incluir o recuso no plenário virtual (artigo 184-A do RISTJ), juntos com os demais agravos internos ou regimentais interpostos contra as suas decisões monocráticas.

Precedentes de observância obrigatória

A segunda fase é a de incidência dos precedentes de observância obrigatória, prevista no artigo 927, que foi sistematizada pelo CPC de 2015 com um rol de julgados vinculantes para juízes e tribunais.

É nesta fase que a garantia do livre convencimento motivado do julgador foi mitigada pelo legislador, conforme a exposição de motivos do Código:

“Se todos têm que agir em conformidade com a lei, ter-se-ia, ipso facto, respeitada a isonomia. Essa relação de causalidade, todavia, fica comprometida como decorrência do desvirtuamento da liberdade que tem o juiz de decidir com base em seu entendimento sobre o sentido real da norma.”

Esse entendido desvirtuamento da liberdade foi objeto de preocupação por parte do legislador quando inaugurou o Livro III dos CPC para dizer que: “os tribunais devem uniformizar a sua jurisprudência e mantê-la integra, estável e coerente” (artigo 926).

É a integralidade, a coerência e a estabilidade que o nosso sistema jurídico exige para que a lei federal seja federal também na sua aplicação pelos juízes e tribunais espalhados por todas as unidades da federação.

Desse modo, caso conhecido o recurso especial, o relator deve verificar se já há uma reposta vinculante do Poder Judiciário prevista no artigo 927 do CPC:

(1) decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade;
(2) enunciados de súmula vinculante;
(3) acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
(4) enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional; e
(5) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Assim, ultrapassada fase de conhecimento do recurso, o julgador pode aplicar monocraticamente (artigo 932 do CPC) a resposta vinculante, de acordo com o disposto no artigo 10 e 489 do CPC (§ 1º do artigo 927), sendo que a decisão pode ser objeto de agravo, que igualmente pode ser incluído no julgamento virtual.

Incidência do entendimento dominante

A terceira fase é a de incidência do “entendimento dominante”, conforme o enunciado da Súmula 568 do STJ, assim redigido: “o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”.

É a fase que resgatou o poder do relator previsto no artigo 557 do CPC de 1973, que autorizava o relator a decidir de forma monocrática quando o recurso estivesse “em confronto com a jurisprudência dominante do tribunal”.

Mas o que caracteriza “entendimento dominante”, de modo a autorizar o julgamento monocrático pelo relator?

De fato, é um conceito ainda em aberto tanto na doutrina quanto no tribunal, é algo que acontece de modo prático na realidade do tribunal, até com poucas citações no dispositivo da decisão monocrática do relator.

Aqui, a justificativa para o ainda do parágrafo anterior: é que embora a ideia de entendimento dominante não tenha sido recepcionada pelo artigo 932 do CPC de 2015, o legislador resolveu “promovê-la” em 2022 ao patamar constitucional quando a considerou como hipótese de relevância presumida: “quando o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça” (EC 125 de 2022).

Assim, ainda de que de conceito aberto, observo que a ideia de entendimento dominante é utilizada na prática do tribunal quando o órgão julgador a que está vinculador o relator já decidiu aquele mérito (não vinculante), de modo a afastar a exigência de nova pauta para o órgão colegiado decidir a mesma questão.

De igual modo, a decisão monocrática do relator que aplica o entendimento dominante pode ser objeto de agravo e ser incluído no ambiente virtual para julgamento.

Julgamento colegiado

A quarta fase é a de julgamento originalmente colegiado, momento em que o relator inclui o recurso especial em pauta presencial (não pode ser virtual) para análise e votação pelo órgão julgador com a possibilidade de sustentação oral pelos advogados.

É a fase que representa menos de 1% dos processos que são julgados pelo tribunal, isto é, mais de 99% dos processos decididos no STJ são de forma monocrática, nas três fases passadas, com a possível confirmação da decisão no plenário virtual.

A quinta fase é a da majoração dos honorários recursais, caso o recurso não seja conhecido ou provido na sua totalidade, conforme decidido pelo STJ no Tema 1.059, diante da leitura do § 11 do artigo 85 do CPC.

É uma novidade do CPC de 2015 a majoração dos honorários na fase recursal, pois antes a despesa acabava invariavelmente na sentença e não havia desestímulo legal para não recorrer.

Essas são, portanto, as cinco fases de análise do recurso especial no STJ hoje, com o consequente uso do plenário virtual, antes da implementação da Emenda Regimental 45 de 2024 (que vai permitir a inclusão da fase quatro no plenário virtual), e da regulamentação da Emenda aconstitucional 125 de 2002, que vai exigir a relevância para o apelo especial (uma nova fase ?)

O ano de 2025 pode (e deve) ser transformador para o STJ.

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Não é possível usar ação constitucional para confrontar teses jurídicas em embargos de divergência

O STJ confirmou sua jurisprudência ao não admitir embargos de divergência que apresentavam como paradigma uma decisão tomada no julgamento de recurso em mandado de segurança.

Mesmo após a entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, não é possível, em embargos de divergência, confrontar teses jurídicas fixadas em recurso especial com aquelas adotadas em ações que tenham natureza de garantia constitucional, como o mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção e os respectivos recursos ordinários.

Com esse entendimento, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, manteve sua jurisprudência e negou a pretensão de um recorrente que desejava usar como paradigma em embargos de divergência – interpostos contra acórdão da Terceira Turma em recurso especial – uma decisão proferida pela Primeira Turma no julgamento de recurso em mandado de segurança.

O recurso foi dirigido à Corte Especial após a presidência do STJ indeferir liminarmente os embargos de divergência, com fundamento nos artigos 1.043, parágrafo 1º, do CPC e 266, parágrafo 1º, do Regimento Interno do tribunal, os quais delimitaram o confronto de teses jurídicas àquelas decorrentes do julgamento de recursos e ações de competência originária.

Para o embargante, contudo, o CPC de 2015 não traria disposição sobre a impossibilidade de o acórdão embargado ou paradigma ser proferido em ação que possua natureza de garantia constitucional.

Função dos embargos de divergência é pacificar a jurisprudência do tribunal

A autora do voto que prevaleceu no julgamento, ministra Maria Thereza de Assis Moura, explicou que esse impedimento tem relação com a maneira diversa com que cada uma dessas espécies processuais é examinada.

“Enquanto no recurso especial a finalidade é conferir à legislação federal a melhor interpretação, sendo vedada, por exemplo, a análise de lei local, bem como de matéria constitucional, nas ações constitucionais não há essa limitação, o que diferencia a análise jurídica feita em cada uma das situações”, disse.

Segundo ela, os embargos de divergência têm por finalidade pacificar a jurisprudência no âmbito do tribunal, conferindo segurança jurídica ao jurisdicionado. Assim, ressaltou, os embargos são cabíveis contra acórdão proferido em recurso especial e em agravo em recurso especial, que são os recursos destinados a dar a melhor interpretação à legislação federal; quanto ao acórdão paradigma, deve ser proferido em julgamento com o mesmo grau de cognição, conforme já estabelecido em diversos precedentes proferidos pelo STJ ao longo dos anos.

Alteração do CPC limitou os embargos à contestação de acórdão em recurso especial

A ministra apontou ainda que o CPC/2015, inicialmente, admitia a interposição de embargos de divergência contra acórdão proferido em processo de competência originária (inciso IV do artigo 1.043), mas isso foi revogado pela Lei 13.256/2016. “Logo, o recurso uniformizador ficou restrito à hipótese de julgamento em sede de apelo especial”, concluiu.

A magistrada citou um julgamento em que a Terceira Seção analisou se os acórdãos em habeas corpus e recursos em habeas corpus poderiam servir como paradigmas em embargos de divergência. Na ocasião, a ministra Laurita Vaz (aposentada) deixou consignado que, como o recurso especial é o instrumento adequado para o STJ exercer sua função constitucional de interpretar a lei federal, a admissão daqueles acórdãos nos embargos de divergência poderia “ter o efeito de ampliação da competência constitucionalmente atribuída, interferindo na própria função do STJ”.

Ao votar pela reafirmação da jurisprudência da corte, Maria Thereza de Assis Moura destacou ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) também considera inviável a utilização de acórdãos em habeas corpuspara comprovação de dissídio nos embargos de divergência.

Fonte: STJ

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STF valida emenda que flexibilizou regime de contratação de servidores

O Supremo Tribunal Federal (STF) validou nesta quarta-feira (6) a Emenda Constitucional n° 19, de 1998, norma que flexibilizou o regime jurídico único dos servidores públicos e permitiu a contratação por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O caso estava em tramitação havia 24 anos e chegou à Corte por meio de ações protocoladas pelo PT, PDT, PC do B e PSB, legendas que faziam oposição ao então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Os partidos argumentaram que a emenda não seguiu a correta tramitação legislativa no Congresso, sendo modificada no Senado e não retornando para deliberação da Câmara.

Na sessão de hoje, os ministros finalizaram o julgamento e entenderam que a emenda é constitucional e as mudanças provocadas são válidas para futuras contratações, sem efeito sobre os atuais servidores.

O texto original da Constituição de 1988 obrigava o governo federal, os estados e municípios a criarem um regime jurídico único para seus servidores, que só poderiam ser contratados pela modalidade estatutária. O regime deveria ser aplicado nas autarquias, na administração pública direta e fundações.

Fonte: EBC Notícias

Comissão aprova regras para pedidos de reaquisição da nacionalidade brasileira

A Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que regulamenta pedidos de reaquisição da nacionalidade por brasileiros natos que a renunciaram voluntariamente.

Deputado Rodrigo Valadares fala ao microfone
Rodrigo Valadares recomendou a aprovação do projeto, com mudanças – Marina Ramos / Câmara dos Deputados

Atualmente, conforme a Constituição Federal, a perda da nacionalidade está restrita a duas situações:

  • pedido expresso do cidadão;
  • decisão judicial nesse sentido em razão de atividade nociva ao interesse nacional ou de fraude relacionada ao processo de naturalização.

Em 2023, a Emenda Constitucional 131 excluiu do texto a perda automática da nacionalidade por brasileiros que adquirem outra nacionalidade.

O relator, deputado Rodrigo Valadares (União-SE), defendeu a reaquisição da nacionalidade, prevista no Projeto de Lei 6017/23, do deputado Professor Paulo Fernando, que altera a Lei de Migração.

Valadares defendeu a aprovação do projeto com mudanças para incluir no texto as recentes alterações promovidas pela Emenda 131.

Modernização
O realtor afirmou que a Emenda 131 modernizou o marco constitucional do direito da nacionalidade brasileira. “Com a nova redação, abandonou-se a visão tradicional e exclusivista sobre os laços de lealdade que prendem o cidadão brasileiro ao Estado nacional em favor de uma compreensão mais pluralista e dinâmica.”

Para o autor do projeto, hoje na suplência, a renúncia da nacionalidade não impede o interessado de readquiri-la. Rodrigo Valadares concordou e lembrou que a facilidade de comunicação e deslocamento acarretada pela globalização gera grande interação do indivíduo com outras jurisdições e culturas.

“Fato é que o centro de interesse e convivência de diversas pessoas não mais reside em uma única jurisdição nacional, sendo apenas natural que se proceda a uma atualização do direito da nacionalidade para refletir essa realidade”, defendeu Valadares.

Pedido de reaquisição
Segundo o texto aprovado, o pedido de reaquisição da nacionalidade deverá ser encaminhado ao órgão competente do Poder Executivo, indicando o ato que declarou sua perda.

Os efeitos da nacionalidade originária passam a valer imediatamente após aprovação do pedido.

A nacionalidade originária permite ao brasileiro nato direitos exclusivos, como concorrer a cargos públicos como presidente e vice-presidente da República, oficial das Forças Armadas ou servidor de carreira diplomática, entre outros.

Próximas etapas
O projeto será ainda analisado, em caráter conclusivo, pela Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Câmara dos Deputados