O backlash da grande feitiçaria que é a inteligência artificial

Quase todos “os desafios do século 21”, diz Ronai, implicam alguma reflexão sobre as ciências e as tecnologias. A Filosofia tem feito isso, mas, ao menos um dos temas indicados acima, os desafios da IA, é novo para nós.

Ronai faz parte, como eu, de uma geração que pensou sobre a tecnologia usando metáforas, alegorias, metonímias, perguntas e premissas simples… mas complexas.  A principal metáfora foi a do aprendiz de feiticeiro.

A principal pergunta era sobre a natureza das tecnologias, se eram neutras ou não. A principal premissa era a do perigo eminente que elas traziam. Para quem ainda não sabe, Ronai explica a metáfora do aprendiz de feiticeiro, que se refere a situações nas quais, movidos por algum desejo pouco refletido, começamos a fazer algo que, logo a seguir, não conseguimos mais controlar; surgem consequências que não previmos, que podem ser desastrosas.

A história original chama-se exatamente O Aprendiz de Feiticeiro e foi escrita por Goethe, faz mais de 200 anos. Nela, um aprendiz de feiticeiro, na ausência de seu mestre, usa uma fórmula mágica para fazer com que uma vassoura faça o trabalho de limpeza que cabia a ele.

No entanto, o aprendiz não conhece o feitiço para parar a vassoura. Ela segue trazendo água até que a casa fica inundada.

Aprendeu-se essa história sem saber que era de Goethe. Nem Disney contou pra gente. Veja-se o filme Fantasia, em que Mickey era o aprendiz, que tinha que esperar a volta do mestre para resolver o problema. A metáfora firmou-se, pois era boa para falar dos riscos inerentes a novos conhecimentos e tecnologias.

Não quero a volta do lápis. Nem do ábaco. Ou da Olivetti. Lembro de quando escrevi minha dissertação de mestrado. Com uma máquina de escrever. O xerox desbotava, lembram?  Mas daí a que um robô escreva em meu lugar… a distância vai até a vassoura do aprendiz de feiticeiro.

A metáfora do aprendiz de feiticeiro pode ser vista como uma variação sobre um tema filosófico venerável, a questão dos efeitos colaterais da ação humana. As nossas ações não se resumem às intenções declaradas. E acrescenta Ronai: quando compro pão e queijo na padaria da esquina, para ter algo de comer, eu movo a corrente do mundo das vacas, das farinhas, do dinheiro, dos impostos, da minha saúde. O mundo não é movido apenas pelas nossas intenções. A metáfora do aprendiz vale não apenas para os efeitos colaterais das coisas e tecnologias que criamos (a energia nuclear) mas para ações humanas triviais, como dar (ou não) “bom dia” a alguém.

E o tema do perigo? Para Ronai, a metáfora do aprendiz de feiticeiro sugere que podemos desencadear forças que escaparão de nosso controle. É isso mesmo. Cada um de nós já experimentou isso, de alguma forma, de algum jeito. Em certo sentido somos todos aprendizes de feiticeiros.

Exercemos a arte da feitiçaria quando falamos: fazemos coisas com palavras, como no livro de John Austin: promessas, votos, juramentos, declarações, desculpas, apostas, mentiras, perdões, pedidos e dezenas de outras formas de fazer coisas com palavras que sempre tem consequências. E que nem sempre avaliamos bem.

O Direito parece ser o locus privilegiado em que habitam os aprendizes de feiticeiro. E já sentimos o perigo. Picaretagens a mil. Advogados fraudadores querendo enganar os tribunais. Juízes utilizando robôs para limpar a pauta e poder jogar golfe. Estagiários terceirizando trabalho ao ChatGPT. E gente que nunca escreveu um fonograma na vida agora escreve livros… com ChatGPT. Outro dia um italiano enganou o mundo, lançando um novo conceito (hipnocracia). E a malta acreditou. Bem-feito (leiam aqui). Torço para a briga.

Os robôs já podem fazer desenhos tão ou mais bem elaborados que os humanos. Agora surgiu um novo robô da Google. Os chineses também inventaram um novo. Os robôs já fazem dublagem. Imitam vozes. E falam.

No Direito, fazem petições melhores que os advogados, que nem se dão conta de que isso mostra o fracasso da humanidade. Se uma máquina faz coisas melhores que o homem, então teríamos que, até por vaidade, parar para pensar. Eis o paradoxo: se a IA der certo, dará errado. Porque nos ultrapassa(rá).

Lembremos do cão que atirava crianças na água para ganhar suculentos bifes, caso contado por dois cientistas de Oxford no Parlamento britânico e que contei aqui no ConJur. O cachorro também aprendeu de forma generativa.

Por enquanto o robô alucina quando alguém lhe pede pesquisas – afinal, ele precisa dar uma resposta, mesmo que alucinadamente.

Daí a pergunta: e quando o robô conseguir encontrar, por exemplo, no Direito, a resposta certa para os casos mais complexos, buscando os corretos precedentes, com inclusão das técnicas de overruling e distinguishing em dimensão superior a qualquer humano com razoável formação? O que será do Direito? E o que sobrará para os estudiosos, se o robô faz tudo melhor?

Outro dia um querido amigo disse, corretamente, que a doutrina jurídica ainda tinha muito valor; só que ele mesmo dias antes fazia uma ode ao ChatGPT. E aos precedentes (que não são precedentes).

Eis a questão. O perigo está na máxima representada pela alegoria do trapezista que, de tão competente e treinado, achou que poderia voar. E se estatelou no chão. Porque trapezista, por melhor que seja, não sabe voar.

O consolo? Talvez esteja no fato de que robô não desce escada. Por enquanto.

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STJ vai fixar teses sobre tráfico privilegiado; corte concedeu 1,5 mil HCs sobre o tema em 2024

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça deve fixar nesta quinta-feira (5/6) teses vinculantes sobre a aplicação do tráfico privilegiado. O tema tem abarrotado a corte com centenas de HCs, que versam principalmente sobre a tese de que a quantidade de droga apreendida não afasta o reconhecimento da minorante.

O colegiado vai julgar em conjunto dois temas de recursos repetitivos. No Tema 1.154, a 3ª Seção vai decidir se, isoladamente consideradas, natureza e quantidade da droga podem afastar o reconhecimento do tráfico privilegiado. Já no Tema 1.241, o objetivo é avaliar a possibilidade da utilização da quantidade e da variedade da droga apreendida para estabelecer a fração da minorante.

Questão de tráfico privilegiado

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a questão da influência da quantidade de drogas apreendida para reconhecimento da minorante é a que mais gera concessão de Habeas Corpus em favor das defesas no STJ.

HCs e RHCs sobre tráfico privilegiado no STJ

Motivo da concessãoQuantidade
Quantidade1.044
Ação penal/IP em curso327
Ato infracional99
Quantidade e ação penal/IP em curso62
Ação penal/IP em curso e ato infracional10
Quantidade, ação penal/IP em curso e ato infracional2
Total1.549

O benefício está previsto no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas e prevê a redução da pena mínima do tráfico para até um ano e oito meses. É destinado a réus primários, com bons antecedentes e que não estão inseridos em organizações criminosas.

Dados de 2024 levantados pelo advogado e pesquisador David Metzker indicam que, dos 1.549 HCs e recursos em HCs concedidos para aplicar a minorante do tráfico privilegiado, 1.044 (67,3%) decorrem apenas do fato de o benefício ter sido negado por conta da quantidade de drogas apreendida.

Há outros casos em que a quantidade de drogas é um dos motivos para a negativa do redutor de pena, aliado a questões como o fato de o réu ter contra si inquérito penal (IP) ou ação penal em andamento.

Somados todos os casos de 2024 em que houve a concessão da ordem porque a quantidade de drogas foi indevidamente usada para negar o benefício, o STJ alcança 1.108 HCs e RHCs concedidos — ou 71,5% do total das concessões relacionadas ao tráfico privilegiado.

Jurisprudência pacífica

A fixação de tese vinculante serve, portanto, para forçar as instâncias ordinárias a, finalmente, observar uma jurisprudência que já está pacificada no STJ.

As turmas criminais entendem que quantidade e variedade das drogas apreendidas podem ser usadas para aumentar a pena-base ou modular a fração de redução da pena, mas não para fundamentar a negativa do benefício.

Isso porque a quantidade e a variedade das drogas apreendidas, por si sós, não comprovam que uma pessoa esteja ligada a uma facção criminosa ou que se dedique a atividades criminosas.

É o que será discutido no Tema 1.154 dos repetitivos, sob relatoria do ministro Messod Azulay. A questão ainda pode passar por alguma adequação para os casos em  que pessoas são presas transportando grandes quantidades de drogas.

A indicação foi feita em fala do ministro Rogerio Schietti, em fevereiro. Sem adiantar voto, ele destacou que essa é uma situação que foge da intenção do legislador ao criar a figura do tráfico privilegiado, que era penalizar menos o pequeno traficante.

A jurisprudência do STJ também é pacífica no sentido de que quantidade e natureza da droga podem ser utilizadas para modular a fração de diminuição da pena, desde que não consideradas na primeira fase da dosimetria.

Foi assim que votou o ministro Ribeiro Dantas, relator do Tema 1.241. O julgamento foi iniciado em fevereiro e interrompido por pedido de vista do ministro Rogerio Schietti.

Tema 1.154
REsps 1.963.433, 1.963.489 e 1.964.296

Tema 1.241
REsp 2.059.576 e REsp 2.059.577

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STJ realiza simpósio internacional sobre juízes e mudanças climáticas

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) promoveu, na terça-feira (3), a abertura do simpósio internacional Juízes & Mudanças Climáticas.

O evento, em cooperação com o Observatório do Meio Ambiente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem o objetivo de promover o intercâmbio de conhecimentos e experiências entre magistrados brasileiros e estrangeiros sobre os desafios, os papéis e as responsabilidades dos juízes diante das mudanças climáticas e conta com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Uma iniciativa em comemoração à Semana Mundial do Meio Ambiente, o evento online reúne moderadores e palestrantes de cinco continentes.​​​​​​​​​

Simpósio discutiu a participação de juízes na luta contra a crise climática. | Foto: Gustavo Lima/STJ

Ao abrir o simpósio, o presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, destacou que a participação dos juízes na luta contra a crise climática exige uma atuação sensível. Ele também apontou que, com a introdução de leis climáticas mais específicas, os juízes não são ativistas ao aplicá-las, mas sim ao ignorá-las. “O legislativo cria um direito, uma obrigação. É a tarefa dos juízes implementar esses direitos”, afirmou.​​​​​​​

Para Luís Roberto Barroso, enfrentar  a crise climática envolve lidar com o negacionismo. | Foto: Reprodução YouTube

Evento reuniu palestrantes de onze países e cinco continentes para discutir juízes e mudanças climáticas

No painel “Desafios e Oportunidades da COP30”, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destacou a gravidade da crise ambiental global e a urgência de ações concretas para enfrentá-la. Segundo ela, o mundo vive um “armagedom ambiental”, com perda de biodiversidade, desertificação, poluição dos oceanos e, sobretudo, o agravamento das mudanças climáticas.

Marina Silva relatou que essa crise, antes tratada como uma previsão científica, hoje já atinge centenas de milhares de vidas por ano, em uma “guerra silenciosa” que prejudica especialmente os mais vulneráveis. De acordo com Marina Silva, apesar dos avanços nas negociações e no desenvolvimento de soluções técnicas, como fontes de energia renovável, ainda falta o compromisso ético e político para implementá-las em larga escala.​​​​​​​​

Marina Silva comparou a crise climática a uma “guerra silenciosa”. | Foto: Reprodução YouTube

Nesse sentido, a ministra enfatizou a importância de alinhar as ações climáticas globais com o limite de 1,5 °C de aumento da temperatura média do planeta. Para isso, ela defendeu o fortalecimento dos marcos legais e regulatórios, a adequação das “leis humanas às leis da natureza” e a implementação efetiva das normas ambientais existentes. “Ficamos a maior parte do nosso tempo, nos últimos 300 ou 400 anos, transformando natureza em dinheiro. Chegou a hora de usar o dinheiro para restaurar o que foi perdido, preservar o que ainda existe e usar com sabedoria o que ainda existe”, frisou.

Fortalecimento do multilateralismo para enfrentar a crise climática

Já o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou que a crise climática é um dos maiores desafios da atualidade e elencou três fatores críticos que dificultam o enfrentamento do problema: o negacionismo, o imediatismo político – que reduz a ambição das políticas públicas – e a necessidade de soluções globais, com o envolvimento de todos os países.

Barroso ponderou que o Judiciário passou a exercer um novo papel diante da emergência climática, rompendo com a ideia de que a questão ambiental seria apenas uma pauta política. De acordo com o ministro, os tribunais têm assumido um papel mais ativo na proteção do meio ambiente e dos direitos fundamentais. Além de citar exemplos de julgamentos emblemáticos na Alemanha e na Holanda, ele apresentou a decisão do STF que determinou a aplicação dos recursos do Fundo Amazônia, até então paralisados, em projetos voltados a combater o desmatamento.

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, mostrou a importância do fortalecimento do multilateralismo para enfrentar a crise climática, ressaltando que as mudanças no clima não podem ser tratadas isoladamente por cada país, pois o impacto em uma região afeta todas as demais. Ele enfatizou que as COPs são o espaço legítimo e central para o diálogo internacional sobre o clima, e que fortalecer a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e o Acordo de Paris é crucial para superar os desafios geopolíticos atuais.

André Corrêa do Lago lembrou que a crise do clima não pode ser tratada isoladamente. | Foto: Reprodução YouTube

​​​​​​​Outro ponto central da fala do embaixador foi a necessidade de conectar os resultados das negociações com as pessoas, a sociedade civil, os governos locais e os negócios, para garantir a implementação efetiva do que já foi acordado. “A implementação dos compromissos climáticos não depende apenas dos governos centrais, mas também das pessoas, das instituições, das comunidades”, mencionou.

A ministra Martha Karambu Koome, presidente da Corte Suprema do Quênia e moderadora do painel, demonstrou que a COP – marcada para novembro deste ano, em Belém – será um marco na luta climática, com destaque para a discussão de temas como a redução de emissões poluentes, o financiamento climático, a transição energética, a proteção da biodiversidade e a justiça climática. Para a magistrada queniana, esses temas impõem desafios profundos aos sistemas jurídicos, especialmente ao Judiciário, que deve consolidar políticas públicas ambientais.

“O simpósio, nesse contexto, é uma oportunidade essencial para que juízes, formuladores de políticas públicas e especialistas em mudanças climáticas atuem de forma coordenada como guardiões das constituições, das leis nacionais e dos compromissos internacionais assumidos pelos Estados”, disse a ministra.

Mobilizar os instrumentos disponíveis para garantir a implementação das ações climáticas

O secretário-executivo do Secretariado da ONU para Mudanças Climáticas, Simon Stiell, reforçou a urgência de ações concretas para enfrentar a crise climática, enfatizando que o Acordo de Paris é a ferramenta multilateral mais poderosa disponível para limitar o aquecimento global. Ele alertou que, sem a cooperação climática internacional, o planeta estaria caminhando para um aumento de temperatura de 5 °C, o que tornaria inviável a sobrevivência da maioria da humanidade. Embora os esforços atuais tenham reduzido essa projeção para cerca de 2 °C, Stiell ressaltou que ainda há muito a ser feito para alcançar a meta de limitar o aquecimento a 1,5 °C.

Stiell também expressou a necessidade de mobilizar todos os instrumentos disponíveis, incluindo o sistema judiciário, para garantir a implementação efetiva das ações de proteção ao clima. Nesse caso, ele chamou a atenção para a crescente importância do papel do Judiciário na luta contra as mudanças climáticas. “A mudança climática não é apenas uma questão para cientistas ou diplomatas, mas também uma questão legal que envolve constituições, tribunais e sistemas de justiça”, resumiu o secretário-executivo da ONU.  

Colaboração entre instituições nos níveis internacional, nacional e regional

Ao abrir o segundo painel, dedicado ao tema “A Emergência Climática nos Tribunais: O Papel e a Responsabilidade dos Juízes”, a diretora da Divisão de Direito do PNUMA, Patricia Kameri-Mbote, salientou que a colaboração entre instituições nos níveis internacional, nacional e regional demonstra o apoio ao papel crítico dos juízes na educação ambiental, na proteção do meio ambiente e na responsabilização por danos ambientais. Para ela, essa articulação é essencial para garantir a efetividade das leis ambientais diante da complexidade dos desafios atuais.​​​​​​​​​

Patricia Kameri-Mbote ressaltou a importãncia do papel dos juízes na educação ambiental.​ | Foto: Reprodução YouTube

“Estamos aqui para tratar da urgência da crise ambiental. Nosso planeta enfrenta uma verdadeira policrise, em que diversas crises globais não apenas se intensificam, mas parecem se sincronizar”, disse.

Em seguida, o ministro Luc Lavrysen, presidente da Corte Constitucional da Bélgica e do Fórum de Juízes da União Europeia pelo Ambiente, destacou o avanço significativo da legislação e da atuação judicial voltadas à crise climática. Segundo ele, a litigância ambiental tem crescido rapidamente, acompanhando a intensificação dos impactos globais.

Nessa conjuntura, Lavrysen frisou que os tribunais vêm enfrentando casos cada vez mais complexos, que exigem a articulação entre ciência do clima, direito internacional e princípios constitucionais. “Ainda assim, as decisões judiciais têm se mostrado bem fundamentadas, com base em dados científicos e em jurisprudência consolidada”. Para o ministro Lavrysen, essa produção judicial tem repercussões globais e reforça o protagonismo dos tribunais nacionais na proteção ambiental. “O Judiciário doméstico é a primeira linha de defesa no cumprimento das obrigações climáticas assumidas pelos Estados”, afirmou.

Mudanças climáticas representam um risco aos direitos fundamentais

O ministro Fabien Raynaud, do Conselho de Estado da França (que corresponde à Primeira Seção do STJ), ponderou que as mudanças climáticas representam um risco sistêmico aos direitos fundamentais. Ele apontou que a crise climática é um desafio global e não pode ser enfrentada com ações isoladas de um único país. Raynaud explicou que, diante da ausência de um tribunal internacional com poder vinculante no âmbito do Acordo de Paris, torna-se essencial a atuação dos magistrados nacionais na fiscalização do cumprimento dos compromissos climáticos.

Ele observou também que “o juiz não pode — nem deve — substituir o poder político na definição do nível de esforço a ser empreendido, pois essa é uma escolha que cabe ao legislador.” Nesse sentido, o ministro sublinhou que o papel do magistrado é garantir que exista um marco jurídico normativo claro e verificar se ele está sendo efetivamente aplicado.​​​​​​​​​

Ricardo Lorenzetti lembrou que juízes precisam estar atentos ao princípio da não regressão.​ | Foto: Reprodução YouTube

Por fim, o ministro Ricardo Lorenzetti, da Corte Suprema da Argentina, argumentou que uma das maiores responsabilidades dos juízes é garantir o uso do princípio da não regressão, que impede retrocessos nas políticas ambientais. Ele esclarece que esse princípio é fundamental para manter o debate jurídico significativo e proteger os avanços conquistados ao longo do tempo. “O nível de proteção deve sempre ser elevado, nunca reduzido”, comentou.

Lorenzetti também ressaltou a importância do desenvolvimento sustentável duradouro, afirmando que “os governos precisam agir de forma sustentável, utilizando adequadamente os recursos naturais para preservar as condições para as futuras gerações. Para ele, os juízes carregam uma responsabilidade pesada no contexto atual, “que exige atenção não apenas às leis e políticas nacionais, mas também aos acordos internacionais, incorporando o princípio da não regressão no sistema judiciário como um grande desafio contemporâneo.”

O simpósio internacional Juízes & Mudanças Climáticas continuou nesta quarta-feira (4), com mais três painéis dedicados ao aprofundamento do debate sobre temas ambientais e os desafios atuais e futuros. O evento está disponível no canal do STJ no YouTube, em português e em inglês.

Links para o YouTube:

Dia 3/6 – Português 
Dia 3/6 – Inglês 

Dia 4/6 – Português
Dia 4/6 – Inglês 

Acesse a programação completa aqui.

Fonte: STJ

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STJ pode criar regras para o tráfico privilegiado? A resposta está na Constituição

A iminente apreciação dos Temas Repetitivos 1.154 (REsp 1.963.433/SP, REsp 1.963.489/MS e REsp 1.964.296/MG) e 1.241 (REsp 2.059.576/MG e REsp 2.059.577/MG) pelo Superior Tribunal de Justiça desperta grave preocupação no campo da Teoria Geral da Constituição e da legalidade penal. O ponto central em debate — a possibilidade de o Judiciário modular a aplicação da causa de diminuição do §4º do artigo 33 da Lei de Drogas com base em critérios objetivos como quantidade ou variedade da substância apreendida — ultrapassa os limites interpretativos admissíveis no regime constitucional vigente.

A Lei nº 11.343/2006 nasceu de um processo legislativo minucioso, iniciado com o PLS 115/2002, apresentado pelo então senador Ramez Tebet. Durante a tramitação, foram incorporadas diversas propostas legislativas (PLs 6.108/2002 e 7.134/2002), consolidando um texto que buscou equilibrar repressão ao narcotráfico com um olhar diferenciado sobre o réu primário, de bons antecedentes e não vinculado a organizações criminosas.

O próprio texto da exposição de motivos do projeto de lei foi categórico:

“Não olvidando a importância do tema, e a necessidade de tratar de modo diferenciado os traficantes profissionais e ocasionais, prestigia estes o projeto com a possibilidade […] de redução das penas […]”.

É nesse ponto que se evidencia a essência normativa da causa de diminuição prevista no §4º do artigo 33: um dispositivo de clemência penal calibrado por critérios subjetivos — primariedade, bons antecedentes, não envolvimento com organização criminosa e não dedicação a atividades criminosas. Nada além disso foi exigido pelo legislador. Portanto, a tentativa de criar um “padrão de modulação” com base quantitativa ou qualitativa, por via judicial, representa indevida extrapolação do papel que a Constituição reserva ao Judiciário.

A Constituição de 1988 delineia com clareza a repartição de funções entre os Poderes (artigo 2º). A competência para legislar sobre matéria penal é exclusiva do Congresso Nacional. O Judiciário, como guardião da Constituição (artigo 102, caput), não pode criar norma penal nova, sob pena de violação direta aos princípios da legalidade estrita (artigo 5º, II) e da reserva legal penal (artigo 5º, XXXIX). Criar um critério novo — como tornar a quantidade da droga um fator isolado para afastar o tráfico privilegiado — equivale, em última análise, a editar nova norma penal sem respaldo do Poder Constituinte Derivado. Isso compromete não apenas a segurança jurídica, mas a própria legitimidade da jurisdição penal.

Mais grave ainda: ao vincular a concessão do tráfico privilegiado a marcos objetivos rígidos, a jurisprudência propõe um verdadeiro rebaixamento da individualização da pena e da isonomia penal. Resta, então, uma política punitiva enviesada, desprovida de base empírica, que trata desiguais como se iguais fossem — primando por um simbolismo penal que não encontra respaldo constitucional nem eficácia real.

A tentativa de fixar balizas quantitativas para o §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 revela um fenômeno perigoso: a judicialização da política criminal em sua forma mais aguda. A jurisprudência deixa de ser instrumento de concretização da norma e se torna mecanismo de criação normativa — invertendo a lógica democrática da separação de Poderes.

Exemplo disso é a atual tramitação no Senado do PLS 4.999/2024, que propõe disciplinar expressamente o uso da quantidade como critério modulador da causa de diminuição. A simples existência do projeto já é suficiente para demonstrar que o Legislativo entende tratar-se de matéria a ele reservada. Caso contrário, não haveria proposta de lei: bastaria aguardar o STJ decidir.

Não há evidência científica sólida, nem mesmo qualquer artigo científico, que assegure que o agravamento da pena, com base na quantidade e variedade da droga, reduza a criminalidade. Ao contrário, o excesso punitivo desarticula políticas públicas mais eficazes e reforça a seletividade penal — direcionada, quase sempre, à população mais vulnerável.

Não se trata, aqui, de negar a gravidade do tráfico de drogas. Mas sim de reafirmar que o combate ao crime deve se dar nos marcos do Estado Democrático de Direito. O Judiciário não pode, sob o pretexto de eficiência punitiva, invadir competência legislativa. Quando o faz, desrespeita a Constituição, viola o pacto federativo e compromete a legitimidade da jurisdição penal.

Extrapolação e fidelidade

A decisão a ser proferida nos Temas Repetitivos 1.154 e 1.241 pelo STJ tem o potencial de redefinir, de forma profunda e controversa, a aplicação do tráfico privilegiado. Ao fazê-lo com base em critérios que extrapolam o texto legal, o Judiciário se aproxima de um legislador positivo — em flagrante descompasso com os princípios estruturantes da Constituição de 1988.

O Direito Penal não pode ser reconstruído por interpretações, ainda que bem intencionadas. A fidelidade ao texto constitucional não é obstáculo à Justiça — é seu fundamento. E a Constituição não autoriza o Judiciário a substituir o Parlamento. Autoriza, apenas, a guardar a Lei Maior.

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Gafam x soberania digital: Brasil e União Europeia

Gafam é o acrônimo de gigantes da web, Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft, que são cinco grandes empresas dos EUA. As plataformas digitais desempenham um papel cada vez mais importante na vida cotidiana de todos e são majoritariamente americanas (as “Mamaa”, sigla para Microsoft, Amazon, Meta, Apple e Alphabet) e chinesas (as “BATX”, sigla para Baidu, Alibaba, Tencent e Xiaomi).

Brasil: a LGPD

No Brasil, vigora a Lei n˚ 13.709/2018, denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que possui o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

Notadamente e principalmente, são protegidos os dados pessoais sensíveis sobre  origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.

A Autoridade Nacional para a Proteção de Dados (ANPD) é estabelecida como o órgão da administração pública responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento da Lei em todo o território nacional.

Contudo, o artigo 33 da LGPD permite a transferência internacional de dados pessoais em diversas hipóteses, tornando a exceção praticamente uma regra:

1. para países ou organismos internacionais que proporcionem grau de proteção de dados pessoais;
2. quando o controlador oferecer e comprovar garantias de cumprimento dos princípios, dos direitos do titular e do regime de proteção de dados previstos na Lei;
3. quando a transferência for necessária para a cooperação jurídica internacional entre órgãos públicos de inteligência, de investigação e de persecução, de acordo com os instrumentos de direito internacional;
4. quando a transferência for necessária para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro;
5. quando a autoridade nacional autorizar a transferência;
6. quando a transferência resultar em compromisso assumido em acordo de cooperação internacional;
7. quando a transferência for necessária para a execução de política pública ou atribuição legal do serviço público, sendo dada publicidade nos termos do inciso I do caput do artigo 23 desta Lei;
8. quando o titular tiver fornecido o seu consentimento específico e em destaque para a transferência, com informação prévia sobre o caráter internacional da operação, distinguindo claramente esta de outras finalidades
9. quando necessário para atender as hipóteses previstas nos incisos II, V e VI do artigo 7º desta Lei.

A LGPD permite a transferência internacional de dados pessoais em nove hipóteses, o que causa espécie se comparado com o sistema europeu de proteção aos dados pessoais. Nesse sentido, é salutar lembrar que o parágrafo único do artigo mencionado permite que as pessoas jurídicas de direito público do Brasil requeiram, no âmbito de suas competências, a avaliação do nível de proteção a dados pessoais conferidos por país ou organismo internacional, o que exige uma observação e análise constante da jurisprudência estrangeira. É exatamente o parágrafo único do artigo 33 que resguarda a nossa soberania digital e a proteção dos dados dos residentes no Brasil.

Devido à ausência de um órgão regional de proteção de dados como ocorre na UE, seria salutar que as autoridades brasileiras considerassem com rigor o parágrafo único do artigo 33 da LGPD a fim de proteger com eficácia a sua soberania digital brasileira. O ideal seria um banco de dados global, já que as ações dos Gafam não possuem fronteiras. O modelo europeu, abarcado pelo TFUE, pela RGPD, pelo DSA e pelo DMA, pode ser um parâmetro inicial.

UE: tratado sobre o funcionamento

Na União Europeia, o abuso de posição dominante dessas empresas é sancionado pelos artigos n˚ 101 e n˚ 102 do tratado sobre o funcionamento da UE — TFUE. Em 2004, por exemplo, a Microsoft [1] foi condenada pela Comissão Europeia a pagar uma multa de 497,2 milhões de euros por ter abusado da sua posição dominante no mercado dos sistemas operativos para computadores.

No caso C-738/22 P – Google e Alphabet v Comissão, o Tribunal de Justiça da União Europeia ratificou a decisão no sentido de que o Google violou o artigo n˚ 102 do TFUE e o artigo n˚ 54 do Acordo EEE — Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, apesar da redução do montante da multa em grau recursal [2].

Em dois acórdãos proferidos em 10 de setembro de 2024, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) impôs sanções definitivas a duas multinacionais do setor digital, a Apple e a Google.

Em 10 de setembro de 2024 o  TJUE confirmou uma decisão da Comissão Europeia de 2016, que questionava as vantagens fiscais de que a Apple beneficiou na Irlanda: a empresa deve reembolsar 13 bilhões de euros a este Estado [3].

De 1991 a 2004, a Apple beneficiou de duas decisões fiscais (rulings) que “reduziram artificialmente os impostos” que a empresa deveria pagar na Irlanda. Em uma decisão de 2016, a comissão considerou que se tratava de uma aplicação incorreta das regras tributárias irlandesas.

Destinados a atrair investimentos de multinacionais, tais “acordos fiscais agressivos” eram, para a comissão, auxílios estatais dissimulados que prejudicam a concorrência na UE. O acórdão especificou: “a Irlanda concedeu à Apple um auxílio ilegal que este Estado é obrigado a recuperar”, no valor de 13 bilhões de euros.

No segundo acórdão, o TJUE confirmou uma multa de 2,4 milhões de euros imposta ao Google por abuso de posição dominante. O processo foi instaurado pela Comissão Europeia em 2010 [4]. O Google foi multado em 2,42 bilhões de euros por favorecer seu sistema de comparação de preços Google Shopping nos resultados do seu motor de busca. Essa “auto-referência” constitui um abuso de posição dominante nos termos do artigo 102 do TFUE.  Inclusive, foi esse precedente que levou a UE a adotar, em 2022, um regulamento sobre práticas anticoncorrenciais no domínio digital: o DMA.

Em 2023, a Meta, empresa controladora do Facebook, foi condenada a pagar uma multa de 1,2 bilhão de euros pela Comissão de Proteção de Dados (DPC)órgão regulador da privacidade na Irlanda. Um valor sem precedentes na União Europeia, que supera em muito o que a Amazon foi condenada a pagar em julho de 2021, que na época era de 746 milhões de euros.

Regulamento geral de proteção de dados (RGPD)

Posteriormente, o Regulamento geral de proteção de dados (RGPD), aprovado em 2016, foi utilizado pela Comissão Irlandesa para a Proteção de Dados como fundamento para sancionar a Meta, após a empresa ter transferido dados pessoais para os Estados Unidos em violação das disposições do RGPD.

Digital Markets Act (DMA) e o Digital Services Act (DSA)

Em 2022, no âmbito da União Europeia, foram aprovadas duas normativas importantes: o Digital Markets Act (DMA) e o Digital Services Act (DSA). O DMA institui um controle prévio da atividade das plataformas digitais com fins concorrenciais, impondo várias obrigações destinadas a garantir a abertura e a equidade dos mercados digitais. Ainda, impõe às plataformas digitais várias obrigações, tais como permitir aos seus utilizadores cancelar facilmente a subscrição e desinstalar as aplicações que oferecem, garantir a interoperabilidade dos seus principais serviços de mensagens com outros serviços semelhantes ou ter o cuidado de não favorecer os seus produtos e serviços em relação aos de terceiros vendedores.

Por sua vez, o DSA protege os direitos fundamentais dos consumidores online, impondo às plataformas digitais diversas restrições em matéria de transparência e informação (moderação de conteúdos, etc.), luta contra conteúdos ilícitos (criação de sinalizadores de confiança, etc.) ou ainda publicidade (proibição de publicidade dirigida a menores, etc.).

No âmbito europeu, há dois controles: administrativo e judicial, e cada controle depende do seu fundamento jurídico. Se o fundamento jurídico é o artigo 102 do TFUE o controle é efetuado pela Comissão Europeia e pela autoridade nacional de cada país, na França, é a Autoridade da Concorrência.

Por outro lado, se o fundamento jurídico é o RGPD, o Comitê Europeu para a proteção de dados é o responsável na região e o Cnil [5] na França. Ainda, para a proteção das disposições do DSA é competente a Comissão Europeia e na França a Arcom [6] (Autoridade de regulação da comunicação audiovisual e digital). Para a fiscalização das regras do DMA, cabe exclusivamente à Comissão Europeia.

No âmbito global, um necessário diálogo transnacional.

Assim, no âmbito global, é preciso o estabelecimento de um diálogo transnacional entre as comissões nacionais e regionais para a criação de um banco de dados, por exemplo, com as condenações administrativas e judiciais, que reconheceram práticas ilícitas por parte das empresas pertencentes ao Gafam (e outras). As razões para a construção de um diálogo global são diversas. Primeiro, para vedar a transferência internacional de dados pessoais de residentes no Brasil às empresas estrangeiras que já foram condenadas.

Segundo, para que nos lembremos que o (s) Gafam (e plataformas similares) não possuem limites culturais [7] ou geográficos como as leis nacionais. Majoritaramente, somos vistos pelas big techs como meros seguidores e consumidores de algorítimos. Terceiro, para compreendermos que a proteção da soberania deve se desenhar de inéditas formas em um mundo sem fronteiras que tende a se reger pela anomia e pela anarquia digitais.


[1] https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/fr/ip_04_382

[2]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=265421&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2712626

[3]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=289923&pageIndex=0&doclang=fr&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2717336

[4] https://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=fr&td=ALL&num=C-48/22%20P

[5] Commission Nationale de l’Informatique et des Libertés.

[6] Autorité de régulation de la communication audiovisuelle et numérique – https://www.arcom.fr/nous-connaitre/decouvrir-linstitution

[7] Na França, por exemplo, verifica-se maior cautela pelos direitos de imagem e pelos dados pessoais em geral, no entanto, no Brasil a cultura de dependência pelo pertencimento às redes sociais torna ainda mais complexa a proteção da soberania digital no Brasil, basta comparar a proporção de usuários nos dois países.

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Julgamento virtual sem intimação dos advogados é nulo, diz STJ

É nulo o julgamento de recurso de apelação em sessão virtual realizada sem a intimação dos advogados das partes.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial para anular um julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O caso é de ação de indenização por danos materiais e morais contra uma construtora, por particulares que compraram um apartamento térreo pelo atrativo de ter uma área privativa externa.

A construtora instalou nesse local a caixa de gordura para armazenamento de dejetos de todo o sistema de esgoto do edifício, o que causou transtornos com mau cheiro, infestação de insetos e manutenção periódica para limpeza.

A ação foi julgada procedente para condenar a construtora a pagar indenização pela desvalorização do imóvel, além de R$ 10 mil por danos morais.

Julgamento virtual relâmpago

A apelação foi distribuída ao relator no TJ-SP em 22 de setembro de 2020 e julgada no dia seguinte, de forma virtual e sem intimação das partes. A corte deu provimento ao recurso da construtora e afastou a condenação por danos morais.

O tribunal paulista afastou nulidade pela ausência de prejuízo pelo julgamento virtual. Relator do recurso especial, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva reformou essa posição e anulou o acórdão, determinando novo julgamento.

Para ele, houve violação do artigo 935 do Código de Processo Civil, prevê que entre a data da publicação da pauta e a da sessão de julgamento decorrerá, no mínimo, o prazo de cinco dias.

Prejuízo evidente

O julgamento sem a intimação das partes ainda ofende o artigo 937 do CPC, segundo o qual será dada a palavra aos advogados das partes para oferecerem sustentação oral.

“Diversamente do afirmado pela Corte de origem nos aclaratórios, não há como afastar a existência de prejuízo para os recorrentes, mormente tendo sido provido o recurso da recorrida, sem que lhes fosse oportunizada a devida sustentação oral e a entrega de memoriais”, disse.

“Cumpre assinalar que a celeridade não autoriza o afastamento de regras que garantem a observação do contraditório”, acrescentou o ministro Cueva. A votação na 3ª Turma do STJ foi unânime.

Clique aqui para ler o voto de Villas Bôas Cueva
REsp 2.136.836

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Conferência Anual do BC: como a transparência na comunicação influencia a economia?

Política monetária não é feita apenas de números, gráficos e decisões técnicas. Ela também é feita de palavras — e da forma como elas chegam ao público. Essa foi a mensagem central da palestra magna de Michael McMahon, professor de Economia de Oxford, em 15/05, durante o segundo dia da Conferência Anual do Banco Central.

Com base em sua experiência acadêmica e atuação junto a bancos centrais europeus, McMahon compartilhou 15 lições essenciais sobre comunicação de política monetária, analisando erros passados, avanços recentes e caminhos para o futuro. Segundo ele, a transparência e a clareza no discurso influenciam diretamente as expectativas dos agentes econômicos — e, por consequência, a eficácia das políticas.

A palestra foi transmitida ao vivo pelo YouTube e está gravada na plataforma. Assista à íntegra: Conferência Anual do BC (15/05) – Palestra Magna – Português.

Dois públicos, duas linguagens

“Política monetária é 98% conversa e 2% ação”, citou o economista, mencionando uma fala de Ben Bernanke, ex-presidente do Federal Reserve (Fed) dos EUA e ganhador do Prêmio Nobel de Economia. Para ele, as palavras dos Bancos Centrais moldam tanto os mercados quanto a confiança pública.

Segundo ele, ao simplificar a linguagem, temos políticas mais efetivas.

“Num banco central, nós usamos palavras que muitas pessoas não compreendem nas ruas. Essa linguagem é importante, e ela tem um significado preciso. Mas, uma vez que falamos com uma audiência mais ampla, precisamos ter atenção em como vamos ser entendidos”, disse Michael McMahon, professor de Economia de Oxford.

O professor alerta ainda que a política monetária precisa funcionar para ambos os públicos, mas a comunicação raramente é pensada para isso.

Em uma hora e meia de apresentação, o palestrante mostrou como é fluente nas duas línguas: a voltada ao mercado e a destinada ao cidadão comum. Sua fala destaca a importância de ter clareza, honestidade sobre as incertezas e investimento em educação econômica. 

Teoria versus realidade

McMahon cita o exemplo do modelo novo-keynesiano — arcabouço teórico que orienta a atividade de grande parte dos bancos centrais ao redor do mundo. O professor salienta como esse modelo assume “expectativas racionais” e “informação completa”, pressupondo que famílias, empresas e o próprio Banco Central compreendem todos os dados da economia de forma idêntica e formam previsões ótimas. Segundo ele, na prática, ninguém tem toda a informação e mesmo com os mesmos dados, analistas podem chegar a conclusões diferentes. Ou seja, há um hiato entre teoria e prática, o que reforça a importância da comunicação para a credibilidade das políticas monetárias.

Incerteza e credibilidade

O acadêmico citou trabalhos com o Banco Central da Irlanda, destacando como a percepção de erros na política econômica, mesmo que apenas do ponto de vista do mercado, altera prêmios de risco e encarece o crédito de longo prazo. O BC irlandês passou, em vários momentos, uma imagem de saúde financeira, que foi seguida por uma grande crise.

Neste caso, a inflação não é um problema tão grande quanto a imprecisão na comunicação. “As palavras podem mudar a avaliação do mercado da probabilidade desses erros e, ao fazerem isso, elas mudam o prêmio de risco”, disse ele, demonstrando como um erro percebido pelo — mercado, ainda que injusto — já afeta as expectativas.

McMahon contou ainda que, após a Covid-19, quando o Fed norte-americano manteve a orientação de juros baixos, a inflação começou a subir. O mercado passou a duvidar do compromisso do Banco Central, e o prêmio de risco aumentou significativamente.

“Se você for um criador de políticas, é impossível eliminar todas as incertezas, mas você não quer ser a fonte delas”, concluiu. Para ele, a comunicação do Banco Central precisa refletir a incerteza real. É preciso admitir que os banqueiros centrais não sabem tudo.

O desafio da comunicação com o público

McMahon mergulhou em um de seus principais temas de pesquisa: como comunicar política monetária ao público geral. Uma grande lição de sua carreira é que não se deve subestimar a capacidade do cidadão comum de compreender a economia.

“Eu achava que não havia esperança de explicar as coisas de forma que as pessoas pudessem se engajar, mas eu estava errado. As evidências da pesquisa mostraram que podemos nos fazer entender”, refletiu, reforçando que basta falar numa linguagem acessível e oferecer educação financeira.

Em um experimento controlado, o pesquisador constatou que apenas 47% das pessoas inicialmente acreditavam que um aumento na taxa de juros reduziria a inflação, enquanto quase 40% achavam o contrário: que a inflação aumentaria com juros mais altos. Após uma simples intervenção educativa — com um vídeo de quatro a cinco minutos —, a compreensão correta sobre a relação entre aumento de juros versus inflação subiu para 67%.

A pesquisa demonstra como, com um pouco de informação, os cidadãos são capazes de entender conceitos econômicos. O ensino de princípios da economia para a população em geral assume, portanto, um papel fundamental. McMahon também aconselha evitar jargões, para tornar a mensagem mais humana.

Controle da narrativa

Saber falar com o grande público é, portanto, ter controle sobre a história que está sendo contada. Nesse sentido, o economista defendeu que os bancos centrais ocupem o espaço narrativo antes que o façam por eles. “Se você não assumir a narrativa, outra pessoa vai fazer isso. E essa outra narrativa pode ser mais viral, incorreta e até perigosa”.

Ele ressaltou a importância do relacionamento com a mídia como canal essencial de engajamento com o público e de tradução das mensagens técnicas. Como exemplo, afirmou que, quando a opinião pública sobre os bancos centrais decai, isso gera desconfiança em geral, afetando a independência das instituições. Conquistar o apoio popular com uma comunicação eficaz tem, portanto, impacto direto nas políticas macroeconômicas.

E finaliza com uma analogia: “É como ser um cirurgião cardíaco”. “Sabemos que há riscos, que às vezes as coisas dão errado, mas ainda fazemos a cirurgia porque confiamos no médico”. Ou seja, para ele, as pessoas não precisam entender cada detalhe da política monetária, mas precisam confiar na atuação do Banco Central.

15 lições da política monetária

O professor estruturou sua fala em torno de 15 lições. “Fiz uma palestra similar há um ano e, naquela época eu tinha 13 lições. Mas estamos aprendendo coisas novas. Há novas lições, novas ideias e quando eu tenho mais respostas, mais lições. Então, se vocês voltarem a falar comigo daqui 10 anos, talvez tenhamos 30 lições para comunicação dos bancos centrais”.

McMahon encerrou sua apresentação com um tom otimista, elogiando o Pix. “Ele (o pagamento instantâneo) é útil, melhora as coisas, ajuda. Então, recebam o reconhecimento por isso, mas também por estarem lutando contra a inflação, estabilizando recessões, tornando-as menos severas”, orientou.

Fonte: BC

Cabe penhora de quota de sociedade limitada unipessoal para quitar dívida

É juridicamente possível a penhora da participação em sociedade limitada unipessoal (SLU) para quitar dívidas particulares do sócio único.

A conclusão é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao recurso especial ajuizado por um empresário que é alvo de cobrança de dívida.

O resultado representa uma unificação da jurisprudência do STJ, já que a 4ª Turma acaba por aderir à forma como a 3ª Turma, que também julga casos de Direito Privado, vem decidindo.

Sociedade limitada unipessoal

O caso concreto é de execução de título extrajudicial, na qual houve decisão que deferiu a penhora integral das cotas do devedor em uma empresa limitada unipessoal de marketing e eventos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo avaliou como possível a penhora porque o objetivo não é que os exequentes assumam as quotas sociais da SLU, mas que ofereceram à desapropriação judicial.

Ao STJ, o dono da empresa defendeu a impossibilidade jurídica da penhora de quotas sociais por se tratar de modalidade empresarial incompatível com a divisibilidade de capital.

A pessoa jurídica em questão é uma antiga empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli), que foi convertida em sociedade limitada unipessoal pela Lei do Ambiente de Negócios (Lei 14.195/2021).

Penhora das quotas sociais

Relator do recurso especial, o ministro Antonio Carlos Ferreira explicou que a jurisprudência do STJ é pacífica em admitir a penhora de quotas sociais, mesmo que existam restrições contratuais, pois não há óbice legal para tanto.

Assim, deve ser possível a penhora das quotas da sociedade limitada unipessoal, seja integral ou parcial, independentemente de o capital social estar dividido formalmente em quotas.

“Essa medida constritiva permite a satisfação dos credores particulares do sócio único, respeitando a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, mas reconhecendo que tais quotas integram o patrimônio pessoal do devedor e, portanto, constituem garantia de suas obrigações”, destacou.

O que acontece com a empresa

A partir da penhora, segundo o ministro, surgem duas possibilidades. Uma delas é a liquidação parcial da sociedade, com a correspondente redução do capital social, mantendo seu funcionamento sob gestão do sócio original.

A outra é a penhora sobre todas as quotas sociais, com a consequente alienação da sociedade em sua integralidade. Embora seja uma solução mais grave, harmoniza-se com o princípio da preservação da empresa, ao manter a unidade produtiva.

“É importante enfatizar que a penhora deve ser realizada de modo que não imponha ao sócio um vínculo involuntário com terceiros, respeitando o princípio da affectio societatis”, ressaltou o ministro Antonio Carlos Ferreira.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.186.044

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Pela segunda vez, STF derruba vínculos empregatícios reconhecidos pelo TRT-4

Os ministros do Supremo Tribunal Federal Cristiano Zanin e Luiz Fux precisaram anular novamente vínculos empregatícios reconhecidos entre uma imobiliária gaúcha e duas corretoras de imóveis após o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul) ignorar decisões anteriores.

Os magistrados decidiram ao analisar reclamações (Rcls) ajuizadas pela defesa da empresa. Como acontece em outros processos sobre reconhecimento de vínculo de trabalho, as peças apontavam violação da jurisprudência firmada pelo STF nos julgamentos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 48, da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.625 e do Tema 725.

Além disso, porém, sustentaram que decisões anteriores de Zanin e Fux, que já haviam afastado a existência de vínculo entre as partes no mesmo processo, foram desrespeitadas pela 8ª e pela 2ª Turmas do TRF-4, respectivamente.

Ao cassar os acórdãos pela primeira vez, os ministros do STF determinaram o reenvio do processo ao tribunal de origem para a realização de novos julgamentos que respeitassem a jurisprudência do Supremo.

Os colegiados da corte regional, então, voltaram a analisar os recursos pelos quais a imobiliária contestava os vínculos reconhecidos em primeira instância e chegaram ao mesmo entendimento dos primeiros julgamentos.

De volta ao Supremo

“Constato que o TRT-4, ao reanalisar o feito, descumpriu a decisão expressa proferida por esta Suprema Corte na Rcl 65.991, que havia afastado o vínculo de emprego entre as partes, e, sob os mesmos fundamentos antes utilizados, insistiu em manter o vínculo empregatício entre a beneficiária, corretora de imóveis, e a reclamante”, escreveu Cristiano Zanin em sua nova decisão, proferida em 30 de abril.

“Posto isso, com fundamento no artigo 992 do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) e no artigo 161, parágrafo único, do Regimento Interno do STF, julgo procedente o pedido para cassar a decisão reclamada e, desde logo, julgar improcedente a reclamação trabalhista de origem”, concluiu o magistrado.

O ministro Luiz Fux, na decisão proferida em 2 de maio, também voltou a validar a argumentação da imobiliária.

“Diante do cotejo analítico entre o paradigma invocado e a decisão reclamada, proferida pelo TRT-4, constata-se claro descompasso entre o que restou decidido na origem e o quanto afirmado na Rcl 65.647, na medida em que o acórdão ora impugnado reconheceu novamente a existência de vínculo empregatício entre as partes”, escreveu.

Ex positis, julgo procedente a presente reclamação, para cassar o acórdão proferido pelo TRT-4, julgando improcedente a reclamação trabalhista de origem”.

“Desserviço”

O escritório Corrêa da Veigas advogados representou a imobiliária. O sócio Luciano Andrade Pinheiro falou sobre a importância das decisões à revista eletrônica Consultor Jurídico:

“Algumas turmas isoladas dos TRTs insistem em descumprir a decisão do Supremo que já está mais que sedimentada. É um desserviço. O sistema de precedentes veio para evitar decisões conflitantes para que haja estabilidade e segurança. Esse tipo de decisão do TRT-4 mostra de um lado a incompreensão do regime de precedentes e de outro um inaceitável desafio à autoridade do STF.”

Clique aqui para ler a decisão de Cristiano Zanin
Clique aqui para ler a decisão de Luiz Fux
Reclamação 78.523
Reclamação 72.552

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Chefe de análise econômica e estatística do BIS falou sobre política fiscal, inflação e ciclos econômicos na Conferência Anual do Banco Central do Brasil

Depois de três dias de debates e palestras com especialistas em economia do Brasil e de diversas partes do mundo, a Conferência Anual do Banco Central do Brasil chegou ao fim na sexta-feira (16/5).

A abertura do último dia do evento contou com palestra magna do professor Frank Smets, chefe adjunto do Departamento Monetário e Econômico e chefe de Análise Econômica e Estatística do Banco de Compensações Internacionais (BIS).

Doutor em economia, Smets também foi diretor-geral de Economia e de Pesquisa do Banco Central Europeu, entre vários outros cargos importantes.

Reconhecido por suas contribuições a questões como política monetária, ciclo de negócios e de inflação, modelos macroeconômicos, choques energéticos, política fiscal e CBDC (central bank digital currency), o economista falou sobre a interação entre política fiscal, inflação e ciclos econômicos nos Estados Unidos, oferecendo uma nova perspectiva sobre os mecanismos de sustentação fiscal e seus efeitos sobre a dinâmica macroeconômica.

Pós-pandemia

Smets usou dados observados em um de seus estudos acadêmicos, que tinha como objetivo buscar entender o papel da combinação de políticas fiscais e monetárias expansionistas no recente aumento da inflação pós-pandemia nos Estados Unidos. “O aumento inflacionário que nós vimos no pós-pandemia nos EUA tem a ver com a expansão fiscal que aconteceu no país”, explicou.

A moderação da palestra foi feita pelo Diretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos do BC, Paulo Picchetti. 

Veja a íntegra aqui: https://www.youtube.com/watch?v=-rVcQq_QSHI&t=736s.

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Veja o que foi discutido

A Conferência Anual movimentou o Edifício-Sede do BC entre quarta (14) e sexta-feira (16). As três palestras magnas – Professor Frank Smets; Jean Tirole, Prêmio Nobel de Economia e professor e pesquisador da Toulouse School of Economic; e Michael McMahon, Professor de economia na Universidade de Oxford – podem ser vistas no Canal do BC no YouTube: https://www.youtube.com/@BancoCentralBR​.

Mais informações sobre a Conferência Anual do BC estão no site do BC.

Fonte: BC

Nota de alerta
Prevenção contra fraudes com o nome do escritório Aragão & Tomaz Advogados Associados