O século 19 e um manual de Direito Civil

Os acontecimentos da história e da política, ao lado dos traços culturais e linguísticos, serviram de combustão para o intercâmbio do ensino jurídico entre Brasil e Portugal. Um deles, o golpe que implantou o Estado Novo entre nós, do qual resultou a Lei Constitucional de 1937, permitindo aos portugueses a acolhida, pelo regime de Oliveira Salazar [1], dos professores brasileiros da Universidade de São Paulo exilados [2].

Posteriormente, após a Revolução dos Cravos Vermelhos (25 de abril de 1974), foi a vez da reciprocidade brasileira. Aqui tiveram acolhida Marcelo Caetano (Uerj), Manuel Antunes Varela (UFBA), José de Oliveira Ascensão (FDR-UFPE) e Alberto Xavier (PUC-SP).

Pouco conhecido é que, mesmo antes da independência, tal acolhimento chegou a se manifestar, muito embora numa experiência singular da qual foi protagonista Lourenço Trigo de Loureiro. Nascido em Viseu (Portugal) em 1793, matriculou-se no Curso de Direito da Universidade de Coimbra, quando ocorreram as invasões francesas ao território lusitano, forçando a fuga de vários estudantes, dentre as quais a sua, cujo desembarque no Rio de Janeiro teve lugar em março de 1810.

Daí a oportunidade aproveitada para integrar a primeira turma de bacharéis do Curso Jurídico de Olinda em 1832, vindo a tornar-se lente substituto em 1833, sendo designado como catedrático em 1852, inicialmente da disciplina “Economia Política” e, posteriormente, em 1855, da cadeira de “Direito Civil” do 4º ano.

A sua excepcional tenacidade organizatória — ressaltada por Gláucio Veiga [3] — permitiu-lhe que desse à estampa vários livros [4], sendo o de maior realce o “Instituições de direito civil”, em dois volumes [5], publicados em 1851, sobrevindo vários reedições, sendo a quinta e última pela Editora Garnier do Rio de Janeiro em 1884 [6].

A obra, adotada nos dois cursos jurídicos em funcionamento, no dizer de Bevilaqua, restou amplamente popularizada, legando bons préstimos “a estudantes, advogados e juízes, porque era a única exposição sistemática do direito civil em português, ao lado de Coelho da Rocha, a quem muito se achegou LOUREIRO” [7].

É preciso advertir que o compêndio foi escrito à época na qual a disciplina da matéria civilística entre nós, representada pelo Livro IV das Ordenações Filipinas de 1603 e leis posteriores esparsas, era anterior à nossa primeira codificação civil (1916) e até mesmo à Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas (1857). Nem mesmo Portugal tinha um Código Civil, o que somente veio acontecer em 1867.

A circunstância, ainda atual, do direito civil ser considerado o direito privado comum ou geral [8], sem contar a centralidade das codificações civis nos sistemas jurídicos do direito europeu continental do século 19, superando em prestígio as constituições [9], fez com que o autor se ocupasse inicialmente das noções gerais sobre o direito e suas fontes [10].

Lançou-se o autor a uma definição de direito, consubstanciada como sendo tudo que está em conformidade com uma regra geral e obrigatória, que pode ser física ou moral, consoante se lastreie em uma necessidade física, moral, ou da razão, frisando que a ciência do direito somente se ocupa das regras ou leis morais. Não lhe passou despercebido a pluralidade significativa em torno da expressão “direito” (direito objetivo, subjetivo e positivo), bem como das classificações que então ensejava o seu conteúdo, não somente a bipartição entre direito público e direito privado [11], mas também a classificação geral dos direitos civis (direitos relativos à capacidade civil, direitos das relações de família e direitos que se referem aos bens, subdivididos entre reais e pessoais) e das obrigações (geral negativa e particular positiva).

Especialmente quanto às fontes do direito civil pátrio observou:

“Como a legislação civil, por que o Brasil ainda se rege, além de desordenada, sem sistema, e sem nexo, e omissa, ou defeituosa em uma infinidade de assuntos da ciência legislativa, convém indicar as fontes a que devemos recorrer, enquanto não tivermos um Código Civil, que nos dispense da necessidade de recorrermos a fontes estranhas. Essas fontes podem ser reduzidas a duas classes, compreendendo-se na primeira as que têm força de lei, e na segunda, as subsidiárias.” [12]

Uma curiosidade é a de que, mesmo situando os assentos da Casa de Suplicação no rol das fontes subsidiárias, o autor permite a compreensão da precedência da jurisprudência vinculativa na civil law, uma vez as ordenações atribuírem força de lei aos Assentos da Casa de Suplicação, contanto que confirmados pelo rei [13].

Versou com maestria sobre hermenêutica [14], avivando regras gerais e especiais de interpretação, em mais de duas dezenas, o que fez merecer a consideração de Carlos Maximiliano [15].

Discorreu sobre o direito das pessoas [16], seja quanto ao estado de liberdade — a revelar, na disciplina jurídica, o infame retrato da nossa sociedade da época — seja quanto à condição política, extremando os cidadãos dos estrangeiros.

A obra contém uma ordenada exposição sobre as relações familiares [17], na qual se destaca o enfoque do poder paterno e marital, nota característica do patriarcalismo predominante. Abordou-se, com a antecedência dos esponsais, o matrimônio, cuja natureza é bipartida, pois ora “encerra entre nós um contrato e um sacramento; e por isso se regula pelas leis civis, e conjuntamente pelas leis eclesiásticas” [18].  Tratava-se de reflexo do catolicismo como religião oficial do Império.

Não olvidou o autor o tratamento das relações patrimoniais resultantes do casamento, abordando-se com detença, talvez pelo traço agrário da economia brasileira, o regime dotal. Da mesma forma, versou sobre a tutoria e a curadoria.

Alguns aspectos aguçam a curiosidade

Um deles é referência ao instituto da restituição in integrum [19]. Revogado com o Código Civil de 1916 (artigo 8º [20]), cuidava-se de benefício conferido por lei aos menores e pessoas que lhes eram equiparadas (interditos e ausentes), de poderem reclamar contra quaisquer atos judiciais, ou extrajudiciais, válidos, mas injustos, que lhes tenha causado prejuízo ou dano, durante a menoridade, a interdição ou ausência, em consideração de cada uma destas circunstâncias.

Tinha lugar, em regra, em todos os atos, ou omissões, judiciais ou não, de que tenha emanado lesão ao menor ou a quem lhe fosse equiparado, quer decorresse ou não de dolo e ainda que o ato fosse praticado pelo tutor ou pelo menor ou a este equiparado, com o consentimento do tutor ou curador. A não aplicação do remédio extraordinário aos atos nulos não privava o menor, o interdito ou ausente, de proteção, a qual deveria ser manifestada em ação de nulidade ou em embargos de nulidade opostos à execução.

Há pelo autor uma exposição detalhada sobre as coisas [21], com uma classificação minudente, nas quais não constante o reconhecimento, na categoria das incorpóreas, das derivadas da produção intelectual (direitos autorais). E, diversamente dos tempos que correm, há a classe das coisas em relação ao seu destino, a qual inclui as coisas sagradas, santas e religiosas.

Não restou esquecido o tratamento do domínio e da posse, e, em seguida, das sucessões, com ênfase aos testamentos, prosseguiu, numa sistemática não rigorosa, ao exame das servidões, dos direitos reais de garantia, incluindo-se o concurso de credores, consagrado numa feição bem mais restrita que a sua configuração atual, da enfiteuse e da prescrição aquisitiva e extintiva [22].

Finalizando, o autor aborda o direito obrigacional [23], e neste, as obrigações, os pactos, as convenções, os quase-contratos, discorrendo sobre as espécies contratuais, das condições que lhes são acrescentadas, e, por fim, quanto aos modos da correspondente extinção.

A leitura, de fácil apreensão, sem a perda do conteúdo essencial dos institutos enfocados, é confirmado na justiça que lhe fez Paulo Távora:

“O mestre de Olinda e Recife realizou trabalho desbravador de nosso Direito Civil, e sua contribuição serviu de compêndio de ensino nas primeiras academias do Império, bem como de referência a jurisconsultos, advogados e juízes. A presença de Trigo de Loureiro no rol dos livros pioneiros da memória jurídica nacional faz justiça ao emérito civilista.” [24]

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II — Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e Ufam).

_________________________________________________

[1] Não sei se por ironia, ou por falta de imaginação, copiamos de Portugal a nomenclatura para o regime político iniciado em 10 de novembro de 1937.

[2] Marcelo Caetano, por ocasião de palestra que ministrou na Faculdade de Direito da USP, em 20 de junho de 1966, recordou a atitude de Abel de Andrade, então Diretor da Faculdade de Direito de Lisboa, em acolher os mestres paulistas que se encontravam no exílio, disponibilizando a escola para a usarem e utilizarem, o que foi aproveitado por Waldemar Ferreira (CAETANO, Marcelo. Tendências do direito administrativo europeu, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXI, p. 92, 1967).

[3] VEIGA, José Gláucio. História das ideias da Faculdade de Direito do Recife. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1984. Vol. IV, p. 275.

[4] De autoria de Trigo de Loureiro são os títulos “Gramática razoável da língua portuguesa” (1828), “Os elementos de prática do processo” (1850), “Elementos de economia política” (1854) e “Fedra, Andrômaca e Ester” (1851), este último na área teatral.

[5] Recife: Tipografia Comercial de Meira Henriques.

[6] Em janeiro de 2004, a Coleção História do Direito Brasileiro, editada em colaboração pelo Senado Federal e o Superior Tribunal de Justiça, republicou no seu nº 5 as “Instituições de Direito Civil”.

[7] BEVILÁQUA, Clóvis. História da Faculdade de Direito do Recife. 3ª ed. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012, p. 453.

[8] Para Menezes Cordeiro, o direito civil não é apenas o direito comum do privatismo, mas de toda a ordem jurídica (CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português. 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. Tomo I, p. 33).

[9] DALLARI, Dalmo de Abreu. A constituição na vida dos povos – Da Idade Média a o século XXI. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 108-109.

[10] LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. 10-31. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004.

[11] As leis que o estado civil e político das pessoas pertencem necessariamente ao direito público, por influírem, as do estado político, diretamente no governo do Estado e no bem-geral da sociedade, enquanto as do estado civil interessam eminentemente à ordem pública (LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. 19. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004).

[12] Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. 23. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004.

[13] LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. 27. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004. Observando os arts. 163 e 164 da Constituição Imperial, os quais, mesmo silentes em atribuir força obrigatória aos julgados do Supremo Tribunal de Justiça, Pimenta Bueno destaca a sua relevantíssima função para a uniformidade interpretativa do direito positivo pátrio, explicitando: “480. Do que expusemos no parágrafo antecedente já se infere quanto é a importância do Supremo Tribunal em relação à ordem civil ou judiciária; a Justiça é uma religião social, e o Supremo Tribunal é o grande sacerdote dela, é o guarda de sua pureza, de sua igualdade protetora, o espírito conservador dos seus decretos. Ele regulariza a ação dos tribunais, retifica as suas decisões irregulares, fixa os verdadeiros princípios dessa religião civil” (BUENO, José Antônio Pimenta. InDireito público brasileiro e a análise da Constituição do Império. Coleção Formadores do Brasil. 1ª edição. São Paulo: Editora 34, 2002, p. 423. A edição original recua a 1857).

[14] LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. 228-35. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004.

[15] SANTOS, Carlos Maximiliano Pereira dos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 4, 87, 123, 128, 135, 137, 149, 162, 175, 262 e 263.

[16] LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. 37-56. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004.

[17] LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. 37-205. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004.

[18] LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. 76. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004.

[19] LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. 196-200. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004.

[20] “Art. 8. Na proteção que o Código Civil confere aos incapazes não se compreende o benefício de restituição” (Disponível em: www.planalto.gov.br).

[21] LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. 207-222. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004.

[22] LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p.  223-324; Tomo II, p. 5-201. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004.

[23] LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. 203-298. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004. Conforme o autor, não há uma diferença substancial entre contrato e pacto (p. 230), sendo de observar que os quase-contratos (p. 271-272) se referem a obrigações que nascem de um consentimento ficto, presumido, tal como sucede na gestão de negócios.

[24] TÁVORA, Paulo. Prefácio. In: LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. 4ª edição mais correta e aumentada. Rio de Janeiro: Garnier, 1871. Tomo I, p. XIV. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2004.

O post O século 19 e um manual de Direito Civil apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

TRF3 eliminará o 71º lote de precatórios findos e com temporalidade cumprida

Edital de ciência foi publicado em 3 de junho

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) comunica a eliminação do 71º lote de precatórios findos com temporalidade cumprida[MC1] . O edital de ciência de eliminação n. 85/2025 foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), em 3 de junho. O procedimento atende às determinações da Consolidação Normativa do Programa de Gestão Documental da Justiça Federal de 1º e 2º graus, estabelecida pela Resolução CJF n. 886/2024.

Pessoas interessadas podem requerer documentos no prazo máximo de 45 dias, contados a partir da data de publicação do edital, junto à Divisão de Arquivo e Gestão Documental do TRF3, localizada na Avenida Paulista, n. 1.842, 5° andar, quadrante 2.

Os pedidos serão atendidos por ordem de solicitação. A via original será entregue apenas à(ao) primeira(o) requerente, e as(os) demais interessadas(os) poderão obter cópias do original, conforme disponibilidade do Tribunal.

Os documentos solicitados estarão disponíveis para retirada a partir do 46º dia e, caso não sejam retirados, serão eliminados conforme as regras do edital.

Mais informações no site do TRF3.

Posted in CJF

Em revisão de repetitivo, STJ vai analisar responsabilidade conjunta entre vendedor e comprador por dívida condominial

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai revisar o entendimento firmado no Tema Repetitivo 886 para “definir se há legitimidade concorrente entre o promitente vendedor, titular do direito de propriedade, e o promitente comprador para figurar no polo passivo da ação de cobrança de débitos condominiais posteriores à imissão do comprador na posse, independentemente de haver ciência inequívoca da transação pelo condomínio”.

Foram selecionados dois recursos especiais como representativos da controvérsia: o REsp 2.015.740 e o REsp 2.100.395. A relatoria é da ministra Isabel Gallotti.

O colegiado determinou a suspensão do processamento dos recursos especiais e agravos em recurso especial em trâmite nos tribunais de segundo grau ou no STJ e que tratem sobre questão idêntica à discutida no Tema 886.

Algumas entidades foram convidadas a atuarem como amici curiae no julgamento – elas poderão oferecer manifestações escritas sobre o tema repetitivo no prazo de 30 dias. No mesmo prazo, a ministra Isabel Gallotti facultou a outras entidades interessadas (e não listadas na decisão de afetação) a possibilidade de juntarem manifestação nos autos. 

Natureza propter rem das quotas condominiais flexibiliza tese do repetitivo

Segundo Isabel Gallotti, à época do julgamento do Tema 886, o colegiado firmou o entendimento de que o promitente vendedor não possuía legitimidade passiva para responder pelos débitos condominiais nos casos em que o promitente comprador já estivesse na posse do imóvel e o condomínio já tivesse sido notificado sobre a transação.

Contudo, a ministra ressaltou que, em julgamento recente da sua relatoria, a seção de direito privado considerou a natureza propter rem das quotas condominiais e entendeu pela legitimidade passiva concorrente entre o promitente vendedor e o promitente comprador nesse tipo de situação.

A ministra esclareceu que o entendimento adotado foi o de que, embora o novo proprietário não tenha se beneficiado pelos serviços prestados pelo condomínio, ele garante o adimplemento com o próprio imóvel que gerou a dívida, em razão de ser titular do direito real.

“Na oportunidade, destaquei que há certa divergência entre as turmas do STJ, que se reflete também nos julgamentos nos tribunais de origem, que ora aplicam a literalidade das teses fixadas no julgamento do Tema Repetitivo 886, ora conferem aos casos a solução encontrada pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido) no julgamento do REsp 1.442.840, no sentido de que referidas teses devem ser interpretadas com cautela, à luz da teoria da dualidade do vínculo obrigacional”, disse.

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O CPC de 2015 regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

Leia o acórdão no REsp 2.015.740.

Fonte: STJ

Posted in STJ

Projeto destina 50% das multas por infrações à Lei Anticorrupção para o combate à corrupção

 

O Projeto de Lei 4579/24 determina que 50% do valor das multas de condenações por corrupção sejam revertidos para o combate a esse crime. Pelo texto, o dinheiro deverá ser usado para a compra de armas pela Polícia Federal, a construção de delegacias especializadas e a capacitação de policiais, entre outras iniciativas.

Em análise na Câmara dos Deputados, a proposta altera a Lei Anticorrupção.

De acordo com os autores, deputados Duda Ramos (MDB-RR) e Amom Mandel (Cidadania-AM), a mudança vai possibilitar “melhorias substanciais nas estruturas que atuam para garantir a lisura do trato da coisa pública, com ações preventivas e repressivas”.

Próximos passos
O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de
Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

 

Fonte: Câmara dos Deputados

O backlash da grande feitiçaria que é a inteligência artificial

Quase todos “os desafios do século 21”, diz Ronai, implicam alguma reflexão sobre as ciências e as tecnologias. A Filosofia tem feito isso, mas, ao menos um dos temas indicados acima, os desafios da IA, é novo para nós.

Ronai faz parte, como eu, de uma geração que pensou sobre a tecnologia usando metáforas, alegorias, metonímias, perguntas e premissas simples… mas complexas.  A principal metáfora foi a do aprendiz de feiticeiro.

A principal pergunta era sobre a natureza das tecnologias, se eram neutras ou não. A principal premissa era a do perigo eminente que elas traziam. Para quem ainda não sabe, Ronai explica a metáfora do aprendiz de feiticeiro, que se refere a situações nas quais, movidos por algum desejo pouco refletido, começamos a fazer algo que, logo a seguir, não conseguimos mais controlar; surgem consequências que não previmos, que podem ser desastrosas.

A história original chama-se exatamente O Aprendiz de Feiticeiro e foi escrita por Goethe, faz mais de 200 anos. Nela, um aprendiz de feiticeiro, na ausência de seu mestre, usa uma fórmula mágica para fazer com que uma vassoura faça o trabalho de limpeza que cabia a ele.

No entanto, o aprendiz não conhece o feitiço para parar a vassoura. Ela segue trazendo água até que a casa fica inundada.

Aprendeu-se essa história sem saber que era de Goethe. Nem Disney contou pra gente. Veja-se o filme Fantasia, em que Mickey era o aprendiz, que tinha que esperar a volta do mestre para resolver o problema. A metáfora firmou-se, pois era boa para falar dos riscos inerentes a novos conhecimentos e tecnologias.

Não quero a volta do lápis. Nem do ábaco. Ou da Olivetti. Lembro de quando escrevi minha dissertação de mestrado. Com uma máquina de escrever. O xerox desbotava, lembram?  Mas daí a que um robô escreva em meu lugar… a distância vai até a vassoura do aprendiz de feiticeiro.

A metáfora do aprendiz de feiticeiro pode ser vista como uma variação sobre um tema filosófico venerável, a questão dos efeitos colaterais da ação humana. As nossas ações não se resumem às intenções declaradas. E acrescenta Ronai: quando compro pão e queijo na padaria da esquina, para ter algo de comer, eu movo a corrente do mundo das vacas, das farinhas, do dinheiro, dos impostos, da minha saúde. O mundo não é movido apenas pelas nossas intenções. A metáfora do aprendiz vale não apenas para os efeitos colaterais das coisas e tecnologias que criamos (a energia nuclear) mas para ações humanas triviais, como dar (ou não) “bom dia” a alguém.

E o tema do perigo? Para Ronai, a metáfora do aprendiz de feiticeiro sugere que podemos desencadear forças que escaparão de nosso controle. É isso mesmo. Cada um de nós já experimentou isso, de alguma forma, de algum jeito. Em certo sentido somos todos aprendizes de feiticeiros.

Exercemos a arte da feitiçaria quando falamos: fazemos coisas com palavras, como no livro de John Austin: promessas, votos, juramentos, declarações, desculpas, apostas, mentiras, perdões, pedidos e dezenas de outras formas de fazer coisas com palavras que sempre tem consequências. E que nem sempre avaliamos bem.

O Direito parece ser o locus privilegiado em que habitam os aprendizes de feiticeiro. E já sentimos o perigo. Picaretagens a mil. Advogados fraudadores querendo enganar os tribunais. Juízes utilizando robôs para limpar a pauta e poder jogar golfe. Estagiários terceirizando trabalho ao ChatGPT. E gente que nunca escreveu um fonograma na vida agora escreve livros… com ChatGPT. Outro dia um italiano enganou o mundo, lançando um novo conceito (hipnocracia). E a malta acreditou. Bem-feito (leiam aqui). Torço para a briga.

Os robôs já podem fazer desenhos tão ou mais bem elaborados que os humanos. Agora surgiu um novo robô da Google. Os chineses também inventaram um novo. Os robôs já fazem dublagem. Imitam vozes. E falam.

No Direito, fazem petições melhores que os advogados, que nem se dão conta de que isso mostra o fracasso da humanidade. Se uma máquina faz coisas melhores que o homem, então teríamos que, até por vaidade, parar para pensar. Eis o paradoxo: se a IA der certo, dará errado. Porque nos ultrapassa(rá).

Lembremos do cão que atirava crianças na água para ganhar suculentos bifes, caso contado por dois cientistas de Oxford no Parlamento britânico e que contei aqui no ConJur. O cachorro também aprendeu de forma generativa.

Por enquanto o robô alucina quando alguém lhe pede pesquisas – afinal, ele precisa dar uma resposta, mesmo que alucinadamente.

Daí a pergunta: e quando o robô conseguir encontrar, por exemplo, no Direito, a resposta certa para os casos mais complexos, buscando os corretos precedentes, com inclusão das técnicas de overruling e distinguishing em dimensão superior a qualquer humano com razoável formação? O que será do Direito? E o que sobrará para os estudiosos, se o robô faz tudo melhor?

Outro dia um querido amigo disse, corretamente, que a doutrina jurídica ainda tinha muito valor; só que ele mesmo dias antes fazia uma ode ao ChatGPT. E aos precedentes (que não são precedentes).

Eis a questão. O perigo está na máxima representada pela alegoria do trapezista que, de tão competente e treinado, achou que poderia voar. E se estatelou no chão. Porque trapezista, por melhor que seja, não sabe voar.

O consolo? Talvez esteja no fato de que robô não desce escada. Por enquanto.

O post O <i>backlash</i> da grande feitiçaria que é a inteligência artificial apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

STJ vai fixar teses sobre tráfico privilegiado; corte concedeu 1,5 mil HCs sobre o tema em 2024

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça deve fixar nesta quinta-feira (5/6) teses vinculantes sobre a aplicação do tráfico privilegiado. O tema tem abarrotado a corte com centenas de HCs, que versam principalmente sobre a tese de que a quantidade de droga apreendida não afasta o reconhecimento da minorante.

O colegiado vai julgar em conjunto dois temas de recursos repetitivos. No Tema 1.154, a 3ª Seção vai decidir se, isoladamente consideradas, natureza e quantidade da droga podem afastar o reconhecimento do tráfico privilegiado. Já no Tema 1.241, o objetivo é avaliar a possibilidade da utilização da quantidade e da variedade da droga apreendida para estabelecer a fração da minorante.

Questão de tráfico privilegiado

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a questão da influência da quantidade de drogas apreendida para reconhecimento da minorante é a que mais gera concessão de Habeas Corpus em favor das defesas no STJ.

HCs e RHCs sobre tráfico privilegiado no STJ

Motivo da concessãoQuantidade
Quantidade1.044
Ação penal/IP em curso327
Ato infracional99
Quantidade e ação penal/IP em curso62
Ação penal/IP em curso e ato infracional10
Quantidade, ação penal/IP em curso e ato infracional2
Total1.549

O benefício está previsto no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas e prevê a redução da pena mínima do tráfico para até um ano e oito meses. É destinado a réus primários, com bons antecedentes e que não estão inseridos em organizações criminosas.

Dados de 2024 levantados pelo advogado e pesquisador David Metzker indicam que, dos 1.549 HCs e recursos em HCs concedidos para aplicar a minorante do tráfico privilegiado, 1.044 (67,3%) decorrem apenas do fato de o benefício ter sido negado por conta da quantidade de drogas apreendida.

Há outros casos em que a quantidade de drogas é um dos motivos para a negativa do redutor de pena, aliado a questões como o fato de o réu ter contra si inquérito penal (IP) ou ação penal em andamento.

Somados todos os casos de 2024 em que houve a concessão da ordem porque a quantidade de drogas foi indevidamente usada para negar o benefício, o STJ alcança 1.108 HCs e RHCs concedidos — ou 71,5% do total das concessões relacionadas ao tráfico privilegiado.

Jurisprudência pacífica

A fixação de tese vinculante serve, portanto, para forçar as instâncias ordinárias a, finalmente, observar uma jurisprudência que já está pacificada no STJ.

As turmas criminais entendem que quantidade e variedade das drogas apreendidas podem ser usadas para aumentar a pena-base ou modular a fração de redução da pena, mas não para fundamentar a negativa do benefício.

Isso porque a quantidade e a variedade das drogas apreendidas, por si sós, não comprovam que uma pessoa esteja ligada a uma facção criminosa ou que se dedique a atividades criminosas.

É o que será discutido no Tema 1.154 dos repetitivos, sob relatoria do ministro Messod Azulay. A questão ainda pode passar por alguma adequação para os casos em  que pessoas são presas transportando grandes quantidades de drogas.

A indicação foi feita em fala do ministro Rogerio Schietti, em fevereiro. Sem adiantar voto, ele destacou que essa é uma situação que foge da intenção do legislador ao criar a figura do tráfico privilegiado, que era penalizar menos o pequeno traficante.

A jurisprudência do STJ também é pacífica no sentido de que quantidade e natureza da droga podem ser utilizadas para modular a fração de diminuição da pena, desde que não consideradas na primeira fase da dosimetria.

Foi assim que votou o ministro Ribeiro Dantas, relator do Tema 1.241. O julgamento foi iniciado em fevereiro e interrompido por pedido de vista do ministro Rogerio Schietti.

Tema 1.154
REsps 1.963.433, 1.963.489 e 1.964.296

Tema 1.241
REsp 2.059.576 e REsp 2.059.577

O post STJ vai fixar teses sobre tráfico privilegiado; corte concedeu 1,5 mil HCs sobre o tema em 2024 apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

STJ realiza simpósio internacional sobre juízes e mudanças climáticas

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) promoveu, na terça-feira (3), a abertura do simpósio internacional Juízes & Mudanças Climáticas.

O evento, em cooperação com o Observatório do Meio Ambiente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem o objetivo de promover o intercâmbio de conhecimentos e experiências entre magistrados brasileiros e estrangeiros sobre os desafios, os papéis e as responsabilidades dos juízes diante das mudanças climáticas e conta com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Uma iniciativa em comemoração à Semana Mundial do Meio Ambiente, o evento online reúne moderadores e palestrantes de cinco continentes.​​​​​​​​​

Simpósio discutiu a participação de juízes na luta contra a crise climática. | Foto: Gustavo Lima/STJ

Ao abrir o simpósio, o presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, destacou que a participação dos juízes na luta contra a crise climática exige uma atuação sensível. Ele também apontou que, com a introdução de leis climáticas mais específicas, os juízes não são ativistas ao aplicá-las, mas sim ao ignorá-las. “O legislativo cria um direito, uma obrigação. É a tarefa dos juízes implementar esses direitos”, afirmou.​​​​​​​

Para Luís Roberto Barroso, enfrentar  a crise climática envolve lidar com o negacionismo. | Foto: Reprodução YouTube

Evento reuniu palestrantes de onze países e cinco continentes para discutir juízes e mudanças climáticas

No painel “Desafios e Oportunidades da COP30”, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destacou a gravidade da crise ambiental global e a urgência de ações concretas para enfrentá-la. Segundo ela, o mundo vive um “armagedom ambiental”, com perda de biodiversidade, desertificação, poluição dos oceanos e, sobretudo, o agravamento das mudanças climáticas.

Marina Silva relatou que essa crise, antes tratada como uma previsão científica, hoje já atinge centenas de milhares de vidas por ano, em uma “guerra silenciosa” que prejudica especialmente os mais vulneráveis. De acordo com Marina Silva, apesar dos avanços nas negociações e no desenvolvimento de soluções técnicas, como fontes de energia renovável, ainda falta o compromisso ético e político para implementá-las em larga escala.​​​​​​​​

Marina Silva comparou a crise climática a uma “guerra silenciosa”. | Foto: Reprodução YouTube

Nesse sentido, a ministra enfatizou a importância de alinhar as ações climáticas globais com o limite de 1,5 °C de aumento da temperatura média do planeta. Para isso, ela defendeu o fortalecimento dos marcos legais e regulatórios, a adequação das “leis humanas às leis da natureza” e a implementação efetiva das normas ambientais existentes. “Ficamos a maior parte do nosso tempo, nos últimos 300 ou 400 anos, transformando natureza em dinheiro. Chegou a hora de usar o dinheiro para restaurar o que foi perdido, preservar o que ainda existe e usar com sabedoria o que ainda existe”, frisou.

Fortalecimento do multilateralismo para enfrentar a crise climática

Já o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou que a crise climática é um dos maiores desafios da atualidade e elencou três fatores críticos que dificultam o enfrentamento do problema: o negacionismo, o imediatismo político – que reduz a ambição das políticas públicas – e a necessidade de soluções globais, com o envolvimento de todos os países.

Barroso ponderou que o Judiciário passou a exercer um novo papel diante da emergência climática, rompendo com a ideia de que a questão ambiental seria apenas uma pauta política. De acordo com o ministro, os tribunais têm assumido um papel mais ativo na proteção do meio ambiente e dos direitos fundamentais. Além de citar exemplos de julgamentos emblemáticos na Alemanha e na Holanda, ele apresentou a decisão do STF que determinou a aplicação dos recursos do Fundo Amazônia, até então paralisados, em projetos voltados a combater o desmatamento.

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, mostrou a importância do fortalecimento do multilateralismo para enfrentar a crise climática, ressaltando que as mudanças no clima não podem ser tratadas isoladamente por cada país, pois o impacto em uma região afeta todas as demais. Ele enfatizou que as COPs são o espaço legítimo e central para o diálogo internacional sobre o clima, e que fortalecer a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e o Acordo de Paris é crucial para superar os desafios geopolíticos atuais.

André Corrêa do Lago lembrou que a crise do clima não pode ser tratada isoladamente. | Foto: Reprodução YouTube

​​​​​​​Outro ponto central da fala do embaixador foi a necessidade de conectar os resultados das negociações com as pessoas, a sociedade civil, os governos locais e os negócios, para garantir a implementação efetiva do que já foi acordado. “A implementação dos compromissos climáticos não depende apenas dos governos centrais, mas também das pessoas, das instituições, das comunidades”, mencionou.

A ministra Martha Karambu Koome, presidente da Corte Suprema do Quênia e moderadora do painel, demonstrou que a COP – marcada para novembro deste ano, em Belém – será um marco na luta climática, com destaque para a discussão de temas como a redução de emissões poluentes, o financiamento climático, a transição energética, a proteção da biodiversidade e a justiça climática. Para a magistrada queniana, esses temas impõem desafios profundos aos sistemas jurídicos, especialmente ao Judiciário, que deve consolidar políticas públicas ambientais.

“O simpósio, nesse contexto, é uma oportunidade essencial para que juízes, formuladores de políticas públicas e especialistas em mudanças climáticas atuem de forma coordenada como guardiões das constituições, das leis nacionais e dos compromissos internacionais assumidos pelos Estados”, disse a ministra.

Mobilizar os instrumentos disponíveis para garantir a implementação das ações climáticas

O secretário-executivo do Secretariado da ONU para Mudanças Climáticas, Simon Stiell, reforçou a urgência de ações concretas para enfrentar a crise climática, enfatizando que o Acordo de Paris é a ferramenta multilateral mais poderosa disponível para limitar o aquecimento global. Ele alertou que, sem a cooperação climática internacional, o planeta estaria caminhando para um aumento de temperatura de 5 °C, o que tornaria inviável a sobrevivência da maioria da humanidade. Embora os esforços atuais tenham reduzido essa projeção para cerca de 2 °C, Stiell ressaltou que ainda há muito a ser feito para alcançar a meta de limitar o aquecimento a 1,5 °C.

Stiell também expressou a necessidade de mobilizar todos os instrumentos disponíveis, incluindo o sistema judiciário, para garantir a implementação efetiva das ações de proteção ao clima. Nesse caso, ele chamou a atenção para a crescente importância do papel do Judiciário na luta contra as mudanças climáticas. “A mudança climática não é apenas uma questão para cientistas ou diplomatas, mas também uma questão legal que envolve constituições, tribunais e sistemas de justiça”, resumiu o secretário-executivo da ONU.  

Colaboração entre instituições nos níveis internacional, nacional e regional

Ao abrir o segundo painel, dedicado ao tema “A Emergência Climática nos Tribunais: O Papel e a Responsabilidade dos Juízes”, a diretora da Divisão de Direito do PNUMA, Patricia Kameri-Mbote, salientou que a colaboração entre instituições nos níveis internacional, nacional e regional demonstra o apoio ao papel crítico dos juízes na educação ambiental, na proteção do meio ambiente e na responsabilização por danos ambientais. Para ela, essa articulação é essencial para garantir a efetividade das leis ambientais diante da complexidade dos desafios atuais.​​​​​​​​​

Patricia Kameri-Mbote ressaltou a importãncia do papel dos juízes na educação ambiental.​ | Foto: Reprodução YouTube

“Estamos aqui para tratar da urgência da crise ambiental. Nosso planeta enfrenta uma verdadeira policrise, em que diversas crises globais não apenas se intensificam, mas parecem se sincronizar”, disse.

Em seguida, o ministro Luc Lavrysen, presidente da Corte Constitucional da Bélgica e do Fórum de Juízes da União Europeia pelo Ambiente, destacou o avanço significativo da legislação e da atuação judicial voltadas à crise climática. Segundo ele, a litigância ambiental tem crescido rapidamente, acompanhando a intensificação dos impactos globais.

Nessa conjuntura, Lavrysen frisou que os tribunais vêm enfrentando casos cada vez mais complexos, que exigem a articulação entre ciência do clima, direito internacional e princípios constitucionais. “Ainda assim, as decisões judiciais têm se mostrado bem fundamentadas, com base em dados científicos e em jurisprudência consolidada”. Para o ministro Lavrysen, essa produção judicial tem repercussões globais e reforça o protagonismo dos tribunais nacionais na proteção ambiental. “O Judiciário doméstico é a primeira linha de defesa no cumprimento das obrigações climáticas assumidas pelos Estados”, afirmou.

Mudanças climáticas representam um risco aos direitos fundamentais

O ministro Fabien Raynaud, do Conselho de Estado da França (que corresponde à Primeira Seção do STJ), ponderou que as mudanças climáticas representam um risco sistêmico aos direitos fundamentais. Ele apontou que a crise climática é um desafio global e não pode ser enfrentada com ações isoladas de um único país. Raynaud explicou que, diante da ausência de um tribunal internacional com poder vinculante no âmbito do Acordo de Paris, torna-se essencial a atuação dos magistrados nacionais na fiscalização do cumprimento dos compromissos climáticos.

Ele observou também que “o juiz não pode — nem deve — substituir o poder político na definição do nível de esforço a ser empreendido, pois essa é uma escolha que cabe ao legislador.” Nesse sentido, o ministro sublinhou que o papel do magistrado é garantir que exista um marco jurídico normativo claro e verificar se ele está sendo efetivamente aplicado.​​​​​​​​​

Ricardo Lorenzetti lembrou que juízes precisam estar atentos ao princípio da não regressão.​ | Foto: Reprodução YouTube

Por fim, o ministro Ricardo Lorenzetti, da Corte Suprema da Argentina, argumentou que uma das maiores responsabilidades dos juízes é garantir o uso do princípio da não regressão, que impede retrocessos nas políticas ambientais. Ele esclarece que esse princípio é fundamental para manter o debate jurídico significativo e proteger os avanços conquistados ao longo do tempo. “O nível de proteção deve sempre ser elevado, nunca reduzido”, comentou.

Lorenzetti também ressaltou a importância do desenvolvimento sustentável duradouro, afirmando que “os governos precisam agir de forma sustentável, utilizando adequadamente os recursos naturais para preservar as condições para as futuras gerações. Para ele, os juízes carregam uma responsabilidade pesada no contexto atual, “que exige atenção não apenas às leis e políticas nacionais, mas também aos acordos internacionais, incorporando o princípio da não regressão no sistema judiciário como um grande desafio contemporâneo.”

O simpósio internacional Juízes & Mudanças Climáticas continuou nesta quarta-feira (4), com mais três painéis dedicados ao aprofundamento do debate sobre temas ambientais e os desafios atuais e futuros. O evento está disponível no canal do STJ no YouTube, em português e em inglês.

Links para o YouTube:

Dia 3/6 – Português 
Dia 3/6 – Inglês 

Dia 4/6 – Português
Dia 4/6 – Inglês 

Acesse a programação completa aqui.

Fonte: STJ

Posted in STJ

STJ pode criar regras para o tráfico privilegiado? A resposta está na Constituição

A iminente apreciação dos Temas Repetitivos 1.154 (REsp 1.963.433/SP, REsp 1.963.489/MS e REsp 1.964.296/MG) e 1.241 (REsp 2.059.576/MG e REsp 2.059.577/MG) pelo Superior Tribunal de Justiça desperta grave preocupação no campo da Teoria Geral da Constituição e da legalidade penal. O ponto central em debate — a possibilidade de o Judiciário modular a aplicação da causa de diminuição do §4º do artigo 33 da Lei de Drogas com base em critérios objetivos como quantidade ou variedade da substância apreendida — ultrapassa os limites interpretativos admissíveis no regime constitucional vigente.

A Lei nº 11.343/2006 nasceu de um processo legislativo minucioso, iniciado com o PLS 115/2002, apresentado pelo então senador Ramez Tebet. Durante a tramitação, foram incorporadas diversas propostas legislativas (PLs 6.108/2002 e 7.134/2002), consolidando um texto que buscou equilibrar repressão ao narcotráfico com um olhar diferenciado sobre o réu primário, de bons antecedentes e não vinculado a organizações criminosas.

O próprio texto da exposição de motivos do projeto de lei foi categórico:

“Não olvidando a importância do tema, e a necessidade de tratar de modo diferenciado os traficantes profissionais e ocasionais, prestigia estes o projeto com a possibilidade […] de redução das penas […]”.

É nesse ponto que se evidencia a essência normativa da causa de diminuição prevista no §4º do artigo 33: um dispositivo de clemência penal calibrado por critérios subjetivos — primariedade, bons antecedentes, não envolvimento com organização criminosa e não dedicação a atividades criminosas. Nada além disso foi exigido pelo legislador. Portanto, a tentativa de criar um “padrão de modulação” com base quantitativa ou qualitativa, por via judicial, representa indevida extrapolação do papel que a Constituição reserva ao Judiciário.

A Constituição de 1988 delineia com clareza a repartição de funções entre os Poderes (artigo 2º). A competência para legislar sobre matéria penal é exclusiva do Congresso Nacional. O Judiciário, como guardião da Constituição (artigo 102, caput), não pode criar norma penal nova, sob pena de violação direta aos princípios da legalidade estrita (artigo 5º, II) e da reserva legal penal (artigo 5º, XXXIX). Criar um critério novo — como tornar a quantidade da droga um fator isolado para afastar o tráfico privilegiado — equivale, em última análise, a editar nova norma penal sem respaldo do Poder Constituinte Derivado. Isso compromete não apenas a segurança jurídica, mas a própria legitimidade da jurisdição penal.

Mais grave ainda: ao vincular a concessão do tráfico privilegiado a marcos objetivos rígidos, a jurisprudência propõe um verdadeiro rebaixamento da individualização da pena e da isonomia penal. Resta, então, uma política punitiva enviesada, desprovida de base empírica, que trata desiguais como se iguais fossem — primando por um simbolismo penal que não encontra respaldo constitucional nem eficácia real.

A tentativa de fixar balizas quantitativas para o §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 revela um fenômeno perigoso: a judicialização da política criminal em sua forma mais aguda. A jurisprudência deixa de ser instrumento de concretização da norma e se torna mecanismo de criação normativa — invertendo a lógica democrática da separação de Poderes.

Exemplo disso é a atual tramitação no Senado do PLS 4.999/2024, que propõe disciplinar expressamente o uso da quantidade como critério modulador da causa de diminuição. A simples existência do projeto já é suficiente para demonstrar que o Legislativo entende tratar-se de matéria a ele reservada. Caso contrário, não haveria proposta de lei: bastaria aguardar o STJ decidir.

Não há evidência científica sólida, nem mesmo qualquer artigo científico, que assegure que o agravamento da pena, com base na quantidade e variedade da droga, reduza a criminalidade. Ao contrário, o excesso punitivo desarticula políticas públicas mais eficazes e reforça a seletividade penal — direcionada, quase sempre, à população mais vulnerável.

Não se trata, aqui, de negar a gravidade do tráfico de drogas. Mas sim de reafirmar que o combate ao crime deve se dar nos marcos do Estado Democrático de Direito. O Judiciário não pode, sob o pretexto de eficiência punitiva, invadir competência legislativa. Quando o faz, desrespeita a Constituição, viola o pacto federativo e compromete a legitimidade da jurisdição penal.

Extrapolação e fidelidade

A decisão a ser proferida nos Temas Repetitivos 1.154 e 1.241 pelo STJ tem o potencial de redefinir, de forma profunda e controversa, a aplicação do tráfico privilegiado. Ao fazê-lo com base em critérios que extrapolam o texto legal, o Judiciário se aproxima de um legislador positivo — em flagrante descompasso com os princípios estruturantes da Constituição de 1988.

O Direito Penal não pode ser reconstruído por interpretações, ainda que bem intencionadas. A fidelidade ao texto constitucional não é obstáculo à Justiça — é seu fundamento. E a Constituição não autoriza o Judiciário a substituir o Parlamento. Autoriza, apenas, a guardar a Lei Maior.

O post STJ pode criar regras para o tráfico privilegiado? A resposta está na Constituição apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Gafam x soberania digital: Brasil e União Europeia

Gafam é o acrônimo de gigantes da web, Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft, que são cinco grandes empresas dos EUA. As plataformas digitais desempenham um papel cada vez mais importante na vida cotidiana de todos e são majoritariamente americanas (as “Mamaa”, sigla para Microsoft, Amazon, Meta, Apple e Alphabet) e chinesas (as “BATX”, sigla para Baidu, Alibaba, Tencent e Xiaomi).

Brasil: a LGPD

No Brasil, vigora a Lei n˚ 13.709/2018, denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que possui o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

Notadamente e principalmente, são protegidos os dados pessoais sensíveis sobre  origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.

A Autoridade Nacional para a Proteção de Dados (ANPD) é estabelecida como o órgão da administração pública responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento da Lei em todo o território nacional.

Contudo, o artigo 33 da LGPD permite a transferência internacional de dados pessoais em diversas hipóteses, tornando a exceção praticamente uma regra:

1. para países ou organismos internacionais que proporcionem grau de proteção de dados pessoais;
2. quando o controlador oferecer e comprovar garantias de cumprimento dos princípios, dos direitos do titular e do regime de proteção de dados previstos na Lei;
3. quando a transferência for necessária para a cooperação jurídica internacional entre órgãos públicos de inteligência, de investigação e de persecução, de acordo com os instrumentos de direito internacional;
4. quando a transferência for necessária para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro;
5. quando a autoridade nacional autorizar a transferência;
6. quando a transferência resultar em compromisso assumido em acordo de cooperação internacional;
7. quando a transferência for necessária para a execução de política pública ou atribuição legal do serviço público, sendo dada publicidade nos termos do inciso I do caput do artigo 23 desta Lei;
8. quando o titular tiver fornecido o seu consentimento específico e em destaque para a transferência, com informação prévia sobre o caráter internacional da operação, distinguindo claramente esta de outras finalidades
9. quando necessário para atender as hipóteses previstas nos incisos II, V e VI do artigo 7º desta Lei.

A LGPD permite a transferência internacional de dados pessoais em nove hipóteses, o que causa espécie se comparado com o sistema europeu de proteção aos dados pessoais. Nesse sentido, é salutar lembrar que o parágrafo único do artigo mencionado permite que as pessoas jurídicas de direito público do Brasil requeiram, no âmbito de suas competências, a avaliação do nível de proteção a dados pessoais conferidos por país ou organismo internacional, o que exige uma observação e análise constante da jurisprudência estrangeira. É exatamente o parágrafo único do artigo 33 que resguarda a nossa soberania digital e a proteção dos dados dos residentes no Brasil.

Devido à ausência de um órgão regional de proteção de dados como ocorre na UE, seria salutar que as autoridades brasileiras considerassem com rigor o parágrafo único do artigo 33 da LGPD a fim de proteger com eficácia a sua soberania digital brasileira. O ideal seria um banco de dados global, já que as ações dos Gafam não possuem fronteiras. O modelo europeu, abarcado pelo TFUE, pela RGPD, pelo DSA e pelo DMA, pode ser um parâmetro inicial.

UE: tratado sobre o funcionamento

Na União Europeia, o abuso de posição dominante dessas empresas é sancionado pelos artigos n˚ 101 e n˚ 102 do tratado sobre o funcionamento da UE — TFUE. Em 2004, por exemplo, a Microsoft [1] foi condenada pela Comissão Europeia a pagar uma multa de 497,2 milhões de euros por ter abusado da sua posição dominante no mercado dos sistemas operativos para computadores.

No caso C-738/22 P – Google e Alphabet v Comissão, o Tribunal de Justiça da União Europeia ratificou a decisão no sentido de que o Google violou o artigo n˚ 102 do TFUE e o artigo n˚ 54 do Acordo EEE — Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, apesar da redução do montante da multa em grau recursal [2].

Em dois acórdãos proferidos em 10 de setembro de 2024, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) impôs sanções definitivas a duas multinacionais do setor digital, a Apple e a Google.

Em 10 de setembro de 2024 o  TJUE confirmou uma decisão da Comissão Europeia de 2016, que questionava as vantagens fiscais de que a Apple beneficiou na Irlanda: a empresa deve reembolsar 13 bilhões de euros a este Estado [3].

De 1991 a 2004, a Apple beneficiou de duas decisões fiscais (rulings) que “reduziram artificialmente os impostos” que a empresa deveria pagar na Irlanda. Em uma decisão de 2016, a comissão considerou que se tratava de uma aplicação incorreta das regras tributárias irlandesas.

Destinados a atrair investimentos de multinacionais, tais “acordos fiscais agressivos” eram, para a comissão, auxílios estatais dissimulados que prejudicam a concorrência na UE. O acórdão especificou: “a Irlanda concedeu à Apple um auxílio ilegal que este Estado é obrigado a recuperar”, no valor de 13 bilhões de euros.

No segundo acórdão, o TJUE confirmou uma multa de 2,4 milhões de euros imposta ao Google por abuso de posição dominante. O processo foi instaurado pela Comissão Europeia em 2010 [4]. O Google foi multado em 2,42 bilhões de euros por favorecer seu sistema de comparação de preços Google Shopping nos resultados do seu motor de busca. Essa “auto-referência” constitui um abuso de posição dominante nos termos do artigo 102 do TFUE.  Inclusive, foi esse precedente que levou a UE a adotar, em 2022, um regulamento sobre práticas anticoncorrenciais no domínio digital: o DMA.

Em 2023, a Meta, empresa controladora do Facebook, foi condenada a pagar uma multa de 1,2 bilhão de euros pela Comissão de Proteção de Dados (DPC)órgão regulador da privacidade na Irlanda. Um valor sem precedentes na União Europeia, que supera em muito o que a Amazon foi condenada a pagar em julho de 2021, que na época era de 746 milhões de euros.

Regulamento geral de proteção de dados (RGPD)

Posteriormente, o Regulamento geral de proteção de dados (RGPD), aprovado em 2016, foi utilizado pela Comissão Irlandesa para a Proteção de Dados como fundamento para sancionar a Meta, após a empresa ter transferido dados pessoais para os Estados Unidos em violação das disposições do RGPD.

Digital Markets Act (DMA) e o Digital Services Act (DSA)

Em 2022, no âmbito da União Europeia, foram aprovadas duas normativas importantes: o Digital Markets Act (DMA) e o Digital Services Act (DSA). O DMA institui um controle prévio da atividade das plataformas digitais com fins concorrenciais, impondo várias obrigações destinadas a garantir a abertura e a equidade dos mercados digitais. Ainda, impõe às plataformas digitais várias obrigações, tais como permitir aos seus utilizadores cancelar facilmente a subscrição e desinstalar as aplicações que oferecem, garantir a interoperabilidade dos seus principais serviços de mensagens com outros serviços semelhantes ou ter o cuidado de não favorecer os seus produtos e serviços em relação aos de terceiros vendedores.

Por sua vez, o DSA protege os direitos fundamentais dos consumidores online, impondo às plataformas digitais diversas restrições em matéria de transparência e informação (moderação de conteúdos, etc.), luta contra conteúdos ilícitos (criação de sinalizadores de confiança, etc.) ou ainda publicidade (proibição de publicidade dirigida a menores, etc.).

No âmbito europeu, há dois controles: administrativo e judicial, e cada controle depende do seu fundamento jurídico. Se o fundamento jurídico é o artigo 102 do TFUE o controle é efetuado pela Comissão Europeia e pela autoridade nacional de cada país, na França, é a Autoridade da Concorrência.

Por outro lado, se o fundamento jurídico é o RGPD, o Comitê Europeu para a proteção de dados é o responsável na região e o Cnil [5] na França. Ainda, para a proteção das disposições do DSA é competente a Comissão Europeia e na França a Arcom [6] (Autoridade de regulação da comunicação audiovisual e digital). Para a fiscalização das regras do DMA, cabe exclusivamente à Comissão Europeia.

No âmbito global, um necessário diálogo transnacional.

Assim, no âmbito global, é preciso o estabelecimento de um diálogo transnacional entre as comissões nacionais e regionais para a criação de um banco de dados, por exemplo, com as condenações administrativas e judiciais, que reconheceram práticas ilícitas por parte das empresas pertencentes ao Gafam (e outras). As razões para a construção de um diálogo global são diversas. Primeiro, para vedar a transferência internacional de dados pessoais de residentes no Brasil às empresas estrangeiras que já foram condenadas.

Segundo, para que nos lembremos que o (s) Gafam (e plataformas similares) não possuem limites culturais [7] ou geográficos como as leis nacionais. Majoritaramente, somos vistos pelas big techs como meros seguidores e consumidores de algorítimos. Terceiro, para compreendermos que a proteção da soberania deve se desenhar de inéditas formas em um mundo sem fronteiras que tende a se reger pela anomia e pela anarquia digitais.


[1] https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/fr/ip_04_382

[2]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=265421&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2712626

[3]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=289923&pageIndex=0&doclang=fr&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2717336

[4] https://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=fr&td=ALL&num=C-48/22%20P

[5] Commission Nationale de l’Informatique et des Libertés.

[6] Autorité de régulation de la communication audiovisuelle et numérique – https://www.arcom.fr/nous-connaitre/decouvrir-linstitution

[7] Na França, por exemplo, verifica-se maior cautela pelos direitos de imagem e pelos dados pessoais em geral, no entanto, no Brasil a cultura de dependência pelo pertencimento às redes sociais torna ainda mais complexa a proteção da soberania digital no Brasil, basta comparar a proporção de usuários nos dois países.

O post Gafam x soberania digital: Brasil e União Europeia apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Julgamento virtual sem intimação dos advogados é nulo, diz STJ

É nulo o julgamento de recurso de apelação em sessão virtual realizada sem a intimação dos advogados das partes.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial para anular um julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O caso é de ação de indenização por danos materiais e morais contra uma construtora, por particulares que compraram um apartamento térreo pelo atrativo de ter uma área privativa externa.

A construtora instalou nesse local a caixa de gordura para armazenamento de dejetos de todo o sistema de esgoto do edifício, o que causou transtornos com mau cheiro, infestação de insetos e manutenção periódica para limpeza.

A ação foi julgada procedente para condenar a construtora a pagar indenização pela desvalorização do imóvel, além de R$ 10 mil por danos morais.

Julgamento virtual relâmpago

A apelação foi distribuída ao relator no TJ-SP em 22 de setembro de 2020 e julgada no dia seguinte, de forma virtual e sem intimação das partes. A corte deu provimento ao recurso da construtora e afastou a condenação por danos morais.

O tribunal paulista afastou nulidade pela ausência de prejuízo pelo julgamento virtual. Relator do recurso especial, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva reformou essa posição e anulou o acórdão, determinando novo julgamento.

Para ele, houve violação do artigo 935 do Código de Processo Civil, prevê que entre a data da publicação da pauta e a da sessão de julgamento decorrerá, no mínimo, o prazo de cinco dias.

Prejuízo evidente

O julgamento sem a intimação das partes ainda ofende o artigo 937 do CPC, segundo o qual será dada a palavra aos advogados das partes para oferecerem sustentação oral.

“Diversamente do afirmado pela Corte de origem nos aclaratórios, não há como afastar a existência de prejuízo para os recorrentes, mormente tendo sido provido o recurso da recorrida, sem que lhes fosse oportunizada a devida sustentação oral e a entrega de memoriais”, disse.

“Cumpre assinalar que a celeridade não autoriza o afastamento de regras que garantem a observação do contraditório”, acrescentou o ministro Cueva. A votação na 3ª Turma do STJ foi unânime.

Clique aqui para ler o voto de Villas Bôas Cueva
REsp 2.136.836

O post Julgamento virtual sem intimação dos advogados é nulo, diz STJ apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Nota de alerta
Prevenção contra fraudes com o nome do escritório Aragão & Tomaz Advogados Associados