O paradoxo Tostines, as redes sociais e o teste para brain rot: faça aqui!

Nem todos conhecem o “paradoxo Tostines”. Na época, a maioria chamou de “dilema Tostines”. Dilema é quando temos decisões a tomar e qualquer delas é trágica. Um exemplo é o dilema do trem, em que, para não matar dez pessoas, desvia-se o bólido e mata uma. Já o paradoxo trata de algo sobre o qual não podemos decidir.

Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho por que vende mais?  Trata-se de um paradoxo. Os mais jovens não sabem o que é, porque só frequentam redes sociais, com o que, paradoxalmente, em face do excesso de informações, acabam sem conhecimento algum. Como dizia T.S. Eliot, informação não é conhecimento; conhecimento não é saber; saber não é sabedoria.

Interessante notar que o número crescente de smartphones e quejandices tecnológicas, face à facilidade com que se tem acesso a informações, deveria diminuir o número de néscios e similares. Porém, mais informação, mais néscios. Informação demais é informação de menos. Eis aí outra questão paradoxal.

Voltando ao paradoxo Tostines: as redes sociais são superficiais e produtoras de ignorância porque se retroalimentam de ignorantes ou os ignorantes são assim porque frequentam as redes sociais?

Na mesma linha, o que veio primeiro? A agnotologia (produção deliberada de ignorância) ou o tik tok? Boa pergunta. De difícil ou impossível resposta.

A jornalista Becky Korich, em artigo na Folha de S.Paulo, faz uma ironia (ou sarcasmo) com os testes que aparecem nas redes sociais. Você pode testar seu QI (coeficiente de inteligência), seu índice de gordura, seu grau de cretinice, seu índice de alcoolismo, assim como fazer o teste para saber se você tem a doença da moda, o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção…). Korich alerta: além de confundir compreensão sobre transtornos, conteúdo de redes sociais enfraquece capacidade das pessoas de lidar com suas emoções.

E lá vem o teste:

(i) você esquece onde deixou as chaves do carro ou o celular? Check.

(ii) Tem dificuldade em manter o foco em tarefas entediantes? Check.

(iii) Lê vários livros ao mesmo tempo e demora para terminar? Check.

(iv) Sente incômodo com música alta quando está concentrado? Check.

(v) Esquece com frequência o que ia dizer? Check.

(vi) Sente sono pela manhã?

Korich conclui: mil checks. Sim para todas. Veredito: TDHA (transtorno do déficit de atenção por hiperatividade).

O resultado é instantâneo, mostra a jornalista: “os mestres em ‘medicina Tik Tok’ não sabem quem eu sou, de onde vim, se bebo, se fumo, se durmo bem – mas, de tão experts que são, sabem muito mais sobre mim. Funciona assim: uma lista de perguntas de ‘sim’ ou ‘não’ é lançada e o resultado vem no final, junto com a prescrição do remédio”.

Um estudo recente feito por pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, revelou um dado alarmante: dos sintomas relatados nos vídeos mais populares sobre TDAH no TikTok, que somam quase meio bilhão de visualizações, menos da metade se apoia em fontes confiáveis.  As redes sociais podem ser aliadas da saúde mental. Podem ajudar a espalhar informação de qualidade, aumentar a conscientização e combater estigmas e preconceitos. Mas, quando se trata de redes sociais, os likes são mais valiosos do que a ciência comprovada.

A jornalista conta que, em um vídeo, uma adolescente dança, aparece na tela uma relação de “sintomas” de autismo, como não gostar de usar meias, não misturar salada com o restante da comida e dormir com a TV ligada. “Coisas que eu achei que todo mundo fazia, mas na verdade são sintomas de autismo“, diz a legenda. Impressionante. A vítima do outro lado da tela deve abaixar os dedos da mão para cada característica com que se identifica. Se fechar os cinco dedos: bingo! Positivo para o espectro. Impressionante de novo.

E o espantoso de tudo isso, diz Korich, é que nos comentários muitos usuários engolem o diagnóstico: “Me identifiquei com todas, socorro“, “Sim para todas, mas fui diagnosticada como TDAH e agora estou confusa“, “estou descobrindo que sou autista com 56 anos“, “me identifiquei com 4, devo me preocupar?”.

Os vídeos sobre TEA (transtorno do espectro autista) e TDAH estão entre as dez hashtags relacionadas à saúde mais visualizadas do TikTok. Dos mais populares com a hashtag #autism, só 27% tinham informações precisas sobre o transtorno. Alguns prometem a “cura” para o autismo, oferecendo pulseiras magnéticas, óleos essenciais e outras tolices. Esqueceram as rezas de pastores. Ou Ora Pro Nobis. Até a ingestão de alvejantes foi recomendada como tratamento, que, pasme, alguns pais tiveram a insanidade de aplicar aos seus filhos.

As redes sociais são o lugar da charlatanice em grau semelhante ao das igrejas com cultos televisivos que todos os dias fazem “curas” até de Covid, como foi o caso de um missionário ou pastor que diz ter curado mais de 100 mil doentes de Covid. O problema é que ele mesmo foi entubado, mostrando que a realidade também produz ironias e sarcasmos. Será que ele esqueceu de orar? Ou de pagar o dízimo? Bom, deixem pra lá. Só estou fazendo perguntas. Ironia e fé às vezes se mesclam…!

Nestes tempos de cérebro podre ou apodrecimento cerebral (grupos de WhatsApp também colaboram para o brain rot), as redes sociais são um prato cheio para os pesquisadores. Redes: o lugar sem filtro. Em que um idiota se transforma em opinador.

Bom , nenhum pesquisador pode dizer que morre de tédio. Há de tudo nessa selva.

Talvez possamos fazer um teste para saber se o usuário da rede está com brain rot. Inventei o teste hoje. Vamos lá?

(i) Check 1: você não lê jornal e se informa no seu grupo de whatsapp e Instagram, Tik Tok ou X?

(ii) Check 2: fica mais de uma hora olhando filminhos de tik tok em um dia?

(iii) Check 3: há mais de dois anos não lê um livro?

(iv) Check 4: não resiste à tentação de esculhambar a postagem da qual não gostou?

(v) Check 5: é radicalmente a favor da linguagem simplificada (se você é da área jurídica ou do jornalismo a coisa é ainda mais grave) e tende a acreditar nas informações que circulam – resumidinhas – no Instagram e se sente atraído pelas imagens de sucesso?

Se você respondeu “sim” para as cinco checagens, você já está com brain rot em estágio avançado; se você respondeu quatro checagens afirmativamente, seu quadro é difícil, praticamente impossível de recuperar. Só tratamento de choque como ler livros pode lhe salvar.

Mas um adendo: livros que são genuinamente livros. Se for da área jurídica, não vale livro que reproduz o senso comum teórico jurídico. E não vale sinopse, resumidinho ou simplificado-mastigadinho. Nem musicado. Porque, se for algo desse tipo, o efeito é adverso: excesso de concursismo causa brain rot severo.

Dá para seguir no teste – um modelo premium:

(vi) Check 6: você acredita que “textão” é sinônimo de arrogância ou intelectualismo, e que qualquer ideia que exija mais de 30 segundos de atenção deve ser descartada?

(vii) Check 7: você compartilha frases de efeito sem saber quem disse (ou atribuindo a Clarice Lispector)?

(viii) Check 8: você é fofinho(a)/poliana nos grupos de whatsapp que participa, concordando com tudo e colocando emojis de positivo para qualquer platitude ou truismo?

(ix) Check 9: não sabe o que é platitude

(x) Check 10: você se sente satisfeito por “não saber dessas coisas aí” – sejam elas políticas, históricas, filosóficas ou qualquer assunto que não caiba em um meme? Parabéns, você é um entusiasta da agnotologia. Não tem cura.

Muito cuidado. O pior tipo de brain rot é o brain rot performático. Como se fosse bonito. Há algum tempo, ser estúpido era feio. Depois, passou a ser aceitável. Agora, o feio é estudar. E escrever textos difíceis (sic).

Bem, por hoje, é isso. Bocejei uma vez enquanto escrevia este texto. Deve ser TDAH! Check!

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Corte Especial admite fixação de honorários em rejeição de pedido de desconsideração de personalidade jurídica

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu, por maioria, que é cabível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência na hipótese de rejeição do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

Prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que considerou, entre outros pontos, a atuação efetiva do advogado no pedido e a desnecessidade de que o incidente esteja expressamente previsto no rol de fatos geradores de honorários trazido pelo artigo 85, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC).

A partir desse entendimento, o colegiado negou o recurso especial de uma empresa que foi condenada a pagar a verba sucumbencial após a Justiça rejeitar o seu pedido de inclusão dos membros de uma sociedade no polo passivo de ação de cobrança.

Em primeira instância, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica foi negado sob o fundamento de que a falta de bens a serem penhorados e a irregularidade na dissolução da sociedade, por si sós, não sustentavam a aplicação do instituto. A empresa ainda foi condenada a pagar 10% em honorários.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a verba honorária com base no princípio da causalidade, o qual atribui a quem deu causa à demanda ou à instauração de incidente processual a responsabilidade pelas respectivas despesas.

Relator afasta natureza meramente incidental do instituto

Ao STJ, a empresa citou julgados do tribunal que reforçariam a aplicação literal do artigo 85, parágrafo 1º, do CPC, no sentido de vedar a fixação de honorários nas decisões interlocutórias e nos incidentes processuais de qualquer espécie.

Villas Bôas Cueva destacou que o STJ, de fato, já reconheceu a impossibilidade de condenação em honorários advocatícios nos incidentes processuais, ressalvadas situações excepcionais. Porém, o ministro apontou modificação recente na jurisprudência, especialmente a partir do julgamento do REsp 1.925.959, de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido).

Segundo Cueva, o fator determinante para a fixação de honorários não deve ser a sua previsão legal expressa, mas sim a efetiva atuação do advogado – o que justifica a remuneração proporcional em caso de sucesso.

O ministro explicou que a desconsideração da personalidade jurídica, quando instaurada na pendência do processo, não representa mero incidente processual, pois conta com partes, causa de pedir e pedido. Além disso, o magistrado alertou que suas consequências são significativas, como a responsabilização de alguém por dívida alheia, com produção de coisa julgada material.

“Considerando a efetiva existência de uma pretensão resistida, manifestada contra terceiro(s) que até então não figurava(m) como parte, entende-se que a improcedência do pedido formulado no incidente, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide – situação que se equipara à sua exclusão quando indicado desde o princípio para integrar a relação processual –, mesmo que sem a ampliação do objeto litigioso, dará ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo, como vem entendendo a doutrina”, observou o relator.

Litigiosidade ampara a fixação de honorários de sucumbência

Citando a jurisprudência do STJ, o ministro ainda abordou situações nas quais foi reconhecida a possibilidade de fixação de honorários sucumbenciais em incidentes processuais com litigiosidade.

“Com base no princípio hermenêutico segundo o qual onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito (ubi eadem ratio ibi eadem jus), entende-se que pode ser aplicada ao caso a mesma orientação adotada para a hipótese de extinção parcial do processo em virtude da exclusão de litisconsorte passivo, que dá ensejo à condenação do autor ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do advogado do excluído”, concluiu o ministro.

Leia o acórdão no REsp 2.072.206.

Fonte: STJ

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Comissão aprova recondução imediata de preso que descumprir regras da saída temporária

A Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 172/25, que permite às polícias civil e militar conduzir imediatamente de volta à prisão quem violar as condições da saída temporária.

A proposta dispensa decisão judicial prévia para essa recondução, mas exige que a ação seja comunicada ao Juízo da Execução Penal em até 24 horas, com a realização de audiência de custódia no mesmo prazo.

Nessa audiência, o juiz poderá decidir sobre a revogação do benefício e eventual regressão de regime.

O texto recebeu parecer favorável do relator, deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), que preside a comissão. A medida foi proposta pelo deputado Gilson Daniel (Pode-ES) e muda a Lei de Execução Penal.

Lacuna
De acordo com Bilynskyj, a lei não prevê mecanismos para a recondução imediata do preso em caso de descumprimento das regras da saída temporária. Segundo ele, isso limita a atuação preventiva e repressiva do Estado e coloca em risco a ordem pública.

“As medidas propostas pelo projeto apresentam-se como uma resposta adequada à crescente preocupação com a reincidência criminal e com a eficácia da execução penal no Brasil”, disse o relator.

Saída temporária
A Lei de Execução Penal regula a saída temporária. O benefício é concedido sob determinadas condições impostas pelo juiz da execução, com base em parecer do Ministério Público e da administração penitenciária.

Próximos passos
O projeto será analisado agora pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e pelo Plenário. Para virar lei, a proposta também precisa ser aprovada pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Primeira Seção fixa teses sobre prescrição intercorrente em processo administrativo de apuração de infração aduaneira

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.293), fixou três teses sobre a ocorrência da prescrição intercorrente em processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras de natureza não tributária.

Na primeira tese, o colegiado definiu que incide a prescrição intercorrente prevista no artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de três anos.

A segunda tese estabelece que a natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa, primordialmente, ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação.

Por fim, a terceira tese fixa que não incidirá o artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 9.873/1999 apenas se a obrigação descumprida, embora inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.

Com o julgamento, podem voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que estavam suspensos à espera do precedente qualificado. As teses devem ser observadas pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.

Inércia poderá causar a extinção de processos aduaneiros

O relator do tema repetitivo, ministro Paulo Sérgio Domingues, lembrou que a Lei 9.873/1999 estabeleceu o regime jurídico da prescrição apenas no âmbito da administração pública federal – seja ela direta ou indireta –, cabendo aos estados e municípios estabelecerem seus próprios regramentos.

Segundo o ministro, também há limitações materiais à aplicação da regra da prescrição intercorrente prevista no artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 9.873/1999, tendo em vista que, conforme estipulado no artigo 5º da mesma lei, a prescrição não se aplica às infrações de natureza funcional e aos procedimentos de natureza tributária.

Paulo Sérgio Domingues apontou que o critério a ser observado para definir se uma infração legal deve ou não seguir as regras da Lei 9.873/1999 é a natureza jurídica da norma violada, e não o procedimento que tenha sido escolhido pelo legislador para se promover a apuração ou a constituição definitiva do crédito correspondente à sanção pela infração praticada.

“O procedimento, seja ele qual for, não tem aptidão para alterar a natureza das coisas, de modo que as infrações de normas de natureza administrativa não se convertem em infrações tributárias apenas pelo fato de o legislador ter estabelecido, por opção política, que aquelas serão apuradas segundo processo ou procedimento ordinariamente aplicado para estas”, afirmou.

Atividade aduaneira é complexa e sanções podem ter implicações tributárias e não tributárias

O ministro Domingues reforçou que, em razão da complexidade do procedimento de despacho aduaneiro, surgem dificuldades na definição da natureza jurídica da obrigação legal – por exemplo, identificar se a infração resulta em violação de norma administrativo-aduaneira ou a inobservância de uma obrigação tributária acessória.

Por outro lado, citando o precedente da Primeira Turma no REsp 1.999.532, ele apontou que só se atribui natureza tributária às obrigações que repercutem, de maneira direta, na fiscalização e na arrecadação das exigências fiscais, não bastando o simples efeito indireto de imposições legais com finalidades diferentes.

Como consequência, o ministro enfatizou que, na seara aduaneira, a natureza jurídica do crédito decorrente de sanção será de direito administrativo se a norma violada buscar, em especial, o controle do trânsito internacional de mercadorias ou a regularidade do serviço aduaneiro. 

“Não incidirá o artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 9.873/1999 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado”, concluiu.

Leia o acórdão no REsp 2.147.578.

Fonte: STJ

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Advocacia, MP e juízes criticam decisão do Supremo sobre pejotização

Entidades representativas dos advogados, procuradores e juízes que atuam no ramo trabalhista se manifestaram para criticar a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que na segunda-feira (14) suspendeu todos os processos sobre pejotização na Justiça.

Isso significa que todos os processos, em qualquer estágio ou instância, ficam parados até que o plenário do Supremo julgue o mérito, ou seja, um entendimento definitivo sobre a pejotização.

A chamada pejotização ocorre quando uma empresa contrata um prestador de serviço como pessoa jurídica com o objetivo de mascarar uma relação trabalhista. Com isso, tanto o trabalhador como o contratante evitam o pagamento de imposto de renda e encargos trabalhistas, por exemplo.

Ministério Público

Para Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), a suspensão nacional “restringe o acesso à Justiça, pois impede, em qualquer instância, a movimentação de ações em que o vínculo de emprego se apresente como matéria central da controvérsia e cuja declaração dependa de análise fática e da produção de provas de pessoalidade e subordinação”.

Segundo a ANPT, somente em 2024 a Justiça recebeu mais de 460 mil processos que tratam de reconhecimento de vínculo trabalhista. Há outros 4,7 mil inquéritos sobre o tema sendo conduzidos pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), informou a entidade.

“Alguns ministros do STF se debruçam sobre a legislação trabalhista e sobre a Justiça do Trabalho com um viés desrespeitoso e, quiçá preconceituoso, alimentando a sanha reducionista de direitos sociais e lançando à margem da proteção trabalhista os falsos autônomos, parceiros, pejotizados, plataformizados e demais contratados sob qualquer roupagem de direito civil, ajudando a estigmatizar o empregado celetista”, disse a entidade em nota.

Magistratura

A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) também publicou nota em que diz ser “preocupante” a suspensão de todos os casos que tratem de fraude a contratos de empregos ou da licitude da contratação de pessoa física como jurídica, “pois constituem uma infinidade de processos na Justiça do Trabalho, o que poderá até inviabilizar o funcionamento desse segmento especializado de Justiça”.

Principal entidade representativa dos magistrados trabalhistas no país, a Anamatra defende que a competência para julgar a regularidade de contratos de prestação de serviços ou se há burla aos direitos trabalhistas cabe somente à Justiça do Trabalho, conforme a Constituição.

A entidade aponta ainda que a decisão confunde os conceitos de pejotização e terceirização, derrubando decisões que haviam reconhecido o vínculo de trabalho formal apenas por considerar regular o contrato de prestação de serviço terceirizado, mas sem examinar as provas e indícios de fraude no caso concreto.

“Espera-se que o Supremo Tribunal Federal reafirme o prestígio institucional e a competência da Justiça do Trabalho para analisar as relações de trabalho e os vínculos de emprego, além da existência de fraudes em contratações, conforme previsto no art. 114, I da Constituição”, conclui a nota da Anamatra.

Advogados

Já a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também voltou a defender a competência da Justiça do Trabalho para fiscalizar a regularidade dos contratos de prestação de serviços, de modo a coibir a pejotização.

“A Justiça do Trabalho detém, sim, a competência para apreciar a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços em cada situação concreta, à luz dos fatos alegados e provados, e isso não afronta o entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADPF 324 [terceirização]”, disse a OAB-SP.

Por sua vez, a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) divulgou nota em que condena a postura do ministro Gilmar Mendes de criticar a Justiça do Trabalho por “restringir a liberdade de organização produtiva” no país, em razão da “reiterada recusa da Justiça trabalhista em aplicar a orientação desta Suprema Corte” trazendo “insegurança jurídica”.

“Infelizmente, o STF, andando a passos largos na contramão dos direitos sociais e apequenando-se na sua posição outrora vanguardista, de forma ostensiva, vem orquestrando a flexibilização das relações de trabalho, precarizando as suas condições, o que se dá em prejuízo do hipossuficiente, desconsiderando que a liberdade econômica ou de organização do sistema produtivo não é ilimitada nem unilateral”, afirmou a associação.

Entenda

A decisão de Mendes foi tomada após o Supremo ter reconhecido a repercussão geral de um recurso em que um corretor de seguros franqueado que busca ter seu vínculo de trabalho com uma seguradora reconhecido pela Justiça.

Com a repercussão geral, o Supremo deverá unificar o entendimento sobre o tema, que deverá ser aplicado em todos os casos similares, em qualquer tribunal do país.

A pejotização é tema de milhares de recursos que chegam ao Supremo todos os anos desde 2018, quando o plenário validou a terceirização das atividades-fim das empresas, e não somente de áreas de apoio como limpeza, contabilidade e vigilância.

A maior parte desses recursos é de empresas que buscam derrubar vínculos de emprego reconhecidos pela Justiça do Trabalho. A maioria dos pedidos tem sido atendida pelos ministros do Supremo, que justificam as decisões afirmando que os magistrados trabalhistas desrespeitaram o entendimento da Corte, considerando fraudulentos contratos regulares de terceirização.

Fonte: EBC

Análise de impacto e o mito do atraso em decisões regulatórias

Quando o Brasil adotou a AIR (análise de impacto regulatório) como ferramenta obrigatória para subsidiar as decisões regulatórias no país, muitos tomadores de decisão temeram o impacto dessa obrigatoriedade sobre as rotinas das instituições. Ainda há muitos adeptos do entendimento de que a AIR é um procedimento burocrático, demorado e que atrasa a tomada de decisão.

Conforme já nos posicionamos no artigo “Por um uso mais racional da análise de impacto regulatório no Brasil”, a AIR é uma ferramenta valiosa que confere racionalidade e legitimidade às decisões regulatórias. No entanto, para que o seu uso seja compatível com a crescente demanda por soluções regulatórias e com a insuficiência de recursos nas autoridades regulatórias, é fundamental que o Brasil encontre um modelo proporcional de AIR, que priorize o seu uso em propostas regulatórias de maior impacto para a sociedade.

Observado o critério da proporcionalidade, um fator que pode, ainda assim, desencorajar gestores a realizar uma AIR é o tempo de sua elaboração. Como observado em artigos anteriores publicados nesta coluna, a urgência é um dos motivos que frequentemente é utilizado para a dispensa de AIR em casos em que sua realização seria recomendável.

Mensurando o tempo de realização de uma AIR

Mas, afinal, enquanto o Brasil busca o seu modelo ideal, a AIR tem provocado atrasos em decisões regulatórias? Quanto tempo tem sido gasto na elaboração de uma AIR? Em busca de contribuir com esse debate, a equipe de pesquisadores do Projeto Regulação em Números, da FGV Direito Rio, realizou levantamento e análise de 1.415 processos regulatórios, conduzidos entre abril de 2021 e abril de 2024, pelas 11 agências reguladoras federais. O objetivo do levantamento foi explorar os dados disponíveis para compreender o tempo de elaboração da AIR no Brasil.

O tempo de duração de qualquer ação pode ser medido pela sua data de conclusão, com desconto de sua data de início. No caso da AIR, a data de conclusão pode ser representada pela data da assinatura do Relatório de AIR. Mas como identificar o momento em que a AIR começou a ser elaborada? As instituições regulatórias nem sempre deixam registros dos primeiros esforços e discussões orientadas às etapas da AIR.

Diante dessa limitação, adotou-se como proxy do início da elaboração da AIR, a data de abertura do processo regulatório. Trata-se de adotar entendimento de que, em alguma medida, a partir da abertura do processo regulatório, esforços institucionais são dedicados ao estudo do tema, à participação social e à identificação de problemas e soluções, como partes integrantes da AIR. A partir desse entendimento, foi possível estimar o tempo de realização da AIR no Brasil (Tabela 1).

Tabela 1. Tempo gasto com a realização de AIR (mediana, em dias)

Agência Reguladora Federal (1)Tempo estimado (2)
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)543 (n=22)
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)473 (n=44)
Agência Nacional de Águas e Abastecimento (ANA)455 (n=25)
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)252 (n=20)
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)234 (n=66)
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)188 (n=23)
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)86 (n=18)
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)75 (n=13)

(1) A Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) não apresentaram volume de AIRs suficiente para apuração dos seus resultados.

(2) O resultado foi apurado, em dias, a partir da diferença entre a data de assinatura do relatório de AIR e a data de abertura do processo regulatório. Foi adotada a mediana para amortecer os efeitos de processos atípicos sobre os resultados.

Os dados mostram importante variação no tempo gasto com a realização de AIR, nas diferentes agências. É possível agrupar as agências em 3 grupos distintos. No primeiro, estão a Aneel, a Anvisa e a ANA. As três agências dedicaram mais de 450 dias à realização de AIR. No segundo grupo, Anatel, Anac e ANTT dedicaram em torno de 200 dias para conduzir suas AIRs. E no terceiro grupo estão a ANP e ANS, que realizaram AIRs em menos de 100 dias.

O tempo gasto com a AIR é proporcionalmente menor do que se imagina

A interpretação desses resultados requer cuidado. Não se pode almejar, a priori, que um regulador se posicione no primeiro, no segundo ou no terceiro grupo. O tempo ideal de dedicação à AIR dependerá de inúmeros fatores, como a complexidade de cada processo regulatório, a disponibilidade de recursos para sua realização, bem como o nível de amadurecimento, informações e conhecimento pré-existentes.

Como já foi mencionado, o objetivo dos reguladores deve ser priorizar o uso de AIR em propostas de maior impacto e evitar o desperdício de recursos na realização de AIRs de menor relevância social. Considerando que algumas pesquisas correlacionam — positivamente — um maior tempo de dedicação à AIR com maior qualidade na análise, a estratégia ideal para os reguladores deve ser fazer boas escolhas sobre quais processos regulatórios merecem AIR e dedicar recursos e tempo para a realização de análises qualificadas.

Voltando à provocação que deu título a esse artigo. É comum que tomadores de decisão dispensem as AIRs ou pressionem suas equipes para que as elaborem rapidamente. Os decisores temem perder oportunidades decisórias e não querem que a AIR signifique atrasos nas respostas regulatórias demandadas pela sociedade. Mas afinal, a AIR tem gerado atrasos em decisões regulatórias?

Para tentar responder essa questão, é necessário adotar uma premissa. Deve-se considerar que o uso da AIR não implicará em atraso na decisão quando o tempo dedicado à sua elaboração for significativamente inferior ao tempo total do processo decisório (tempo necessário para a tomada de decisão). Em outras palavras, não é razoável acusar uma AIR, que levou poucos meses para ser elaborada, por ter atrasado uma decisão que precisou de anos para ser tomada.

Nesse sentido, a tabela 2 compara o tempo necessário para a tomada de decisão com o tempo gasto com a realização de AIR, nas agências reguladoras federais brasileiras.

Tabela 2. Comparativo de tempo gasto com AIR e com a tomada de decisão

Agência (1)Tempo gasto com a realização de AIR(2)Tempo necessário para a tomada de decisão (3)%
Aneel54369778%
ANA45572463%
ANS7518141%
Anvisa473129537%
ANTT18861031%
Anac23482928%
Anatel252109323%
ANP8648718%

(1) A Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) não apresentaram volume de AIRs suficiente para apuração dos seus resultados.

(2) O resultado foi apurado, em dias, a partir da diferença entre a data de assinatura do relatório de AIR e a data de abertura do processo regulatório. Foi adotada a mediana para amortecer os efeitos de processos atípicos sobre os resultados.

(3) O resultado foi apurado, em dias, a partir da diferença entre a data do ato normativo e a data de abertura do processo regulatório. Considerou-se apenas os processos com AIR. Foi adotada a mediana para amortecer os efeitos de processos atípicos sobre os resultados.

Os resultados indicados na tabela 2 são esclarecedores. Em seis das oito agências avaliadas, o tempo gasto com as AIRs representou menos da metade do tempo necessário para a tomada de decisão. Mesmo na Aneel e ANA, as duas agências que investiram maior tempo relativo em AIR, foi identificado interstício de tempo superior a 150 dias entre a finalização da AIR e a decisão.

O que se depreende é que não há indícios de que o uso da AIR tenha gerado atrasos em decisões regulatórias. Se atrasos aconteceram, foram processos regulatórios pontuais e atípicos. A análise, a partir de grandes números, indica que houve um hiato entre o tempo que os reguladores precisaram para realizar AIRs e para tomar decisões. Os processos regulatórios podem estar sujeitos a forças, pressões e condições que exigem dos reguladores um amplo tempo para a tomada de decisão. A AIR não é a vilã, ao menos não nesse aspecto.

Este artigo se propôs a examinar alguns dados para inaugurar debate ainda não explorado no país. Examinar o tempo que foi gasto com a elaboração de AIR e se esse tempo repercutiu em atrasos nas decisões. Os resultados indicaram que o uso da AIR não se relacionou com atrasos nas decisões. De modo geral, as agências precisam de muito mais tempo para decidir do que precisam para realizar AIR.

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Ideias fora do lugar: a anistia entre o macro e o microjurídico

A distinção entre as perspectivas macro e micro é usual em diversas ciências. Na Física se estuda a macrofísica, envolvendo teorias como a da relatividade geral, e a microfísica, acerca do conjunto de temas não visíveis a olho nu, como as partículas subatômicas. Na Biologia se analisa a macrobiologia, relativamente aos grandes organismos vivos, e a microbiologia, para os microrganismos, como as células. Nas Ciências Sociais, o clássico livro de Michel Foucault A microfísica do poder analisa as relações interpessoais envolvendo pequenas áreas em que tal poder é exercido, diferentemente da perspectiva macro, que se relaciona às instituições, como o Estado e a Igreja. Essa distinção é usual na Economia, na qual é consagrado o uso das expressões microeconomia e macroeconomia. Tal diferenciação também é aplicável ao Direito, e diversos autores já a utilizaram, como Eros Grau, Gilberto Bercovici, Luiz Fernando Massonetto e Esteban Cottely, conforme expus em texto acadêmico.

De forma simplista, pode-se dizer que são diferentes óticas sobre o mesmo objeto. Observado o fenômeno sob lentes de um microscópio, teremos uma visão micro daquele objeto; se utilizarmos lentes de um telescópio, a visão será macro. Não se pode afirmar que uma ótica é prevalente sobre a outra, mas que se constituem em diferentes métodos de análise, ambos válidos e que podem ser conjugados para se melhor compreender o objeto, que, na prática, se correlaciona com as duas visões, pois são intercambiantes.

Essa distinção é aplicável também ao direito sancionatório. De forma didática, pode-se dizer que as normas jurídicas advindas do Poder Legislativo regulam de forma macroscópica as condutas humanas, considerando os fatores gerais e abstratos relativos a uma determinada conduta. Por exemplo, o artigo 121 do Código Penal (que é uma lei – ato do Poder Legislativoprevê como crime a conduta de matar alguém. Porém, existem atenuantes e agravantes a essa conduta, tais como matar alguém por motivo fútil (o que agrava o crime) ou matar alguém no exercício regular de uma função (o que é até uma excludente na tipificação do crime). A análise dessa conduta no caso concreto é feita por decisão do Poder Judiciário (usualmente uma sentença), que individualiza a norma geral (lei) criada pelo Poder Legislativo. Aqui se vê o macro e o microjurídico colocados na previsão legislativa (macro) e na decisão judicial individual (micro).

Discute-se no Congresso Nacional a concessão de anistia política aos envolvidos nos eventos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023. Para quem não recorda, trata-se de uma enorme sublevação da ordem na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na qual foram depredados o patrimônio público na Praça dos Três Poderes, com um quebra-quebra generalizado nos prédios do Congresso Nacional e, em especial, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal. Mais de 600 pessoas foram presas, a maior parte delas já foi julgada e os culpados foram condenados a penas diversas, obedecido o devido processo legal.

O mais recente ex-presidente da República, junto com outros representantes do alto escalão de seu governo, foram indiciados pela Polícia Federal. Os autos foram remetidos à PGR (Procuradoria Geral da República), que elaborou uma denúncia não se limitando aos fatos ocorridos no dia 8/1, mas demonstrando o desenrolar de um processo, ou seja, os diversos atos realizados ao longo do tempo visando alcançar uma finalidade determinada, que, segundo a peça processual, visavam abolir o Estado Democrático de Direito, dentre outros crimes ali capitulados. Pode-se dizer que a PGR analisou os fatos e os conectou, apresentando-os como um filme (visão macro), e não como uma fotografia estanque de um único evento em determinado local (visão micro). A denúncia foi recebida pelo STF e o julgamento desses réus deve ser iniciado em breve.

Parece óbvio que, considerado isoladamente, de forma microscópica, o uso de um batom para pichar uma estátua se insere como um crime menor, uma depredação leve do patrimônio público. Porém, analisada no contexto, isto é, adotada uma visão macrojurídica, esse ato isolado se conecta a muitos outros fatos, formando o conjunto analisado pelo STF. Não dá para isolar um ato (o uso do batom na estátua) de todos os demais fatos sob análise (a sublevação e a depredação com finalidade determinada), embora a pena seja individual.

Anistia sob lente telescópica

Retorna-se à anistia que está em debate no Congresso Nacional. Alega-se que outras já foram concedidas, com destaque para a veiculada em 1979 (Lei 6.683/79) que concedeu anistia “a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos”, incluindo os servidores públicos “punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”. Essa anistia foi reafirmada pela Emenda Constitucional 26/85, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte.

No contexto comparativo direto, na qual se usa um microscópio para ver o fenômeno sob uma perspectiva microjurídica, tendo havido anistia em 1979, seria possível haver anistia semelhante em 2025; todavia, tal análise não esgota a matéria.

Deve-se analisar o contexto macro, isto é, usar lentes telescópicas para se ver com amplitude a cena completa. Em agosto de 1961 ocorreu a renúncia do ex-presidente Jânio Quadros, o que deu início ao processo promovido por militares para impedir a posse do vice-presidente João Goulart, e com reação por parte daqueles que buscavam a solução legalista. Nessa quadra histórica, o que ocorreu foi a busca de uma quebra do Estado Democrático de Direito que então existia, e que culminou com o golpe militar de 1964 e a profusão de atos institucionais e complementares que se seguiram. Olhando por essas lentes telescópicas, pode-se dizer que a anistia de 1979 perdoou (1) aqueles que cometeram crimes a partir de setembro de 1961 em busca da manutenção e da quebra do Estado Democrático de Direito que existia sob a égide da Constituição de 1946; (2) e daqueles cometeram crimes até agosto de 1979 contra e a favor do Estado Não-Democrático de Direito, que teve seu destaque após 1964.

O que se busca em 2025 é uma anistia para quem cometeu crimes tentando violar o Estado Democrático de Direito instaurado no país desde a Constituição de 1988. O cotejo entre os fatos apresenta uma situação completamente diferente, demonstrando o absurdo da equiparação entre as duas situações, a de 1979 com a de 2025. Anistia para os sublevados de 2025 é uma ideia fora do lugar, pois trata como iguais situações diversas. Em 1979 foram anistiados os dois polos antagônicos, embora um deles ainda permanecesse no poder até mesmo em 1985, quando aprovada a EC 26, e em 2025 busca-se uma anistia somente para quem se sublevou contra o Estado Democrático de Direito reinante, e que permanece vigente. Não há identidade entre as duas situações.

Caso o Congresso aprove uma emenda constitucional anistiando os atos ocorridos em 08/01/23, seguramente o STF será levado a se manifestar, gerando enorme tensão entre esses dois Poderes da República, pois não haverá nem mesmo a possibilidade de veto normativo por parte do Poder Executivo.

Haverá quem alegue que a anistia de 1979 foi referendada pela Emenda Constitucional 26/85, e a que se discute em 2025 também o será por meio de uma emenda constitucional. E ainda observar que o STF, em 2010, declarou improcedente a ADPF 153, centrada em debater o conceito de crimes conexos constante da Emenda Constitucional 26/85 (bem como na Lei 6.883/79).

Rota de colisão

Observemos novamente as semelhanças e as diferenças entre as duas situações, utilizando o mesmo método micro e macro.

Macroscopicamente haverá semelhança nas duas situações em face de ser possível uma emenda constitucional conceder anistia política, e que o STF já reconheceu que, sendo concedida por uma emenda constitucional, não há como reverter o ato político proferido (ADPF 153).

Microscopicamente haverá diferença ao se constatar que todos os votos (maioria e minoria do placar de 7×2, com uma ausência e um impedimento) embasaram-se no argumento de que a EC 26/85 havia inaugurado uma nova ordem constitucional no Brasil, após o período militar, fundando as bases da redemocratização, que deu ensejo à Constituição de 1988, fruto de um acordo político que não deveria ser objeto de revisão pelo STF – a dissidência ocorreu no âmbito do alcance semântico do texto acerca da expressão crimes conexos. A situação em 2025 não tem o mesmo status político, tornando-se essa emenda constitucional, caso venha a ser aprovada, apenas mais uma das mais de 130 já existentes, sem qualquer caráter fundante de uma nova ordem jurídico-política constitucional.

Se aprovada uma emenda constitucional anistiando os crimes cometidos em 8/1, haverá no Brasil uma rota de colisão entre o Congresso Nacional e o STF, com o Poder Executivo de mãos atadas. É bem possível que o STF trilhe o caminho relacionado, admitindo a ação que seguramente será proposta por qualquer dos diversos legitimados a fazê-la, e possivelmente decidirá pela inconstitucionalidade da emenda constitucional da anistia. Crise complexa à vista, que paralisará as instituições e dificultará a governabilidade e a economia. Repito: aprovar uma emenda constitucional de anistia para os crimes ocorridos em 8/1 é uma ideia fora do lugar, para usar a consagrada expressão de Roberto Schwarz.

Identificado o iceberg, não precisamos rumar direto para ele. Não somos o Titanic e não devemos colocar em xeque nossa jovem democracia. Desviemos a rota, pois existem muitos problemas reais a serem enfrentados, como o recente tarifaço do presidente Trump, dos Estados Unidos. Não precisamos de uma crise artificial, que está sendo enfrentada de conformidade com as normas do Estado Democrático de Direito.

Em tempo: embora este texto seja centrado na anistia política em debate no Congresso, que seria para todos os envolvidos nos eventos de 8/1 (foco macrojurídico), está sendo usado como argumento retórico a revisão das penas, que é algo a ser feito caso a caso pelo STF (foco microjurídico).

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Banco Central quer ouvir a sociedade sobre “tokenização” de cartões

O Banco Central (BC) publicou tomada de subsídios para obter contribuições para eventual aprimoramento da regulação de arranjos de pagamentos integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). 
 
A tomada de subsídios busca abordar a necessidade de disciplinar a prestação de serviços de solicitação e armazenamento de tokens de dados de instrumentos de pagamento, como os oferecidos por carteiras digitais, como Apple Pay, Samsung Pay e Google Pay. Esses tokens atuam como representação segura das credenciais dos usuários, facilitando transações de pagamento com cartões. 
 
Motivação
Com o crescimento significativo dos pagamentos digitais no Brasil, impulsionado pelo uso de smartphones e de carteiras digitais, os solicitantes de token ganharam poder de mercado significativo, o que pode levar a custos elevados para emissores de cartões e, consequentemente, para os usuários desses arranjos – consumidores e estabelecimentos comerciais. 
 
A tomada de subsídios poderá ser acessada por aqui e/ou pelo site Participa + Brasil durante sessenta dias, até 2 de junho de 2025. 
 
 
Diálogo
A realização da tomada de subsídios busca, por meio de diálogo transparente entre os agentes envolvidos e a sociedade, obter informações e evidências que vão subsidiar estudos sobre o tema, inclusive no que se refere a eventual necessidade de sua regulação. 
 
“A política pública que inspira essa tomada de subsídios tem como objetivo aumentar a eficiência e reduzir os custos de aceitação dos instrumentos de pagamentos, promovendo um ecossistema mais eficiente, competitivo e inclusivo”, disse Renato Dias de Brito Gomes, Diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC.

Fonte: BC

Vídeo no YouTube do STJ explica como acessar comprovantes digitais no Portal do Fornecedor

A Coordenadoria de TV e Rádio do Superior Tribunal de Justiça (STJ) lançou, no canal da corte no YouTube, um vídeo sobre o novo Portal do Fornecedor, que traz o passo a passo de acesso aos comprovantes de rendimentos e de retenções de tributos de pessoas físicas e jurídicas que tenham mantido relação comercial com o tribunal. 

A plataforma foi desenvolvida pela Secretaria de Orçamento e Finanças em parceria com a Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação para aumentar a transparência e a eficiência no atendimento aos fornecedores, facilitando o acesso a documentos fiscais.

A iniciativa também reforça o compromisso do STJ com políticas de sustentabilidade e economicidade, substituindo definitivamente o envio físico de comprovantes pelos Correios, promovendo eficiência administrativa e redução de custos.

Clique na imagem para assistir:

Fonte: STJ

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Projeto que pune devedor prevê liquidação extrajudicial e falência de empresas

Texto vai impactar setores nos quais historicamente há mais sonegação, como combustíveis

Foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no último dia 9 de abril o relatório do Projeto de Lei Complementar (PLP) 164/2022, que trata do devedor contumaz. O assunto está em alta no Congresso, com outros dois textos sobre o mesmo tema também tramitando nas duas Casas.

O texto aprovado define regras objetivas para estabelecer quem se enquadra na definição de devedor contumaz e aumenta o rigor das penalidades e da fiscalização de empresas com índices elevados de inadimplência.

Serão considerados devedores contumazes aqueles que deixarem de pagar integralmente em pelo menos quatro períodos consecutivos de apuração, ou em seis períodos alternados, dentro do prazo de doze meses. Também é necessário que os débitos sejam superiores a R$ 15 milhões, ou representem mais de 30% do faturamento anual da empresa, desde que este seja igual ou maior do que R$ 1 milhão.

Entre as penalidades possíveis estão a suspensão de benefícios fiscais, o impedimento de firmar convênios com o governo e a liquidação extrajudicial ou falência. O texto também prevê a criação de um regime especial de fiscalização para empresas de setores nos quais historicamente há mais sonegação, como combustíveis, bebidas e cigarros.

Sobre a relevância da legislação sobre o devedor contumaz, Ana Mandelli, diretora executiva de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), explica que a sonegação e outras fraudes fiscais são muitas vezes usadas como estratégia de negócio por agentes do setor. “As práticas geram grave assimetria competitiva e prejudicam a livre concorrência e a sociedade.”

Este conteúdo faz parte do Joule, editoria especial com matérias e podcast do setor de energia do JOTA, feito em parceria com o Instituto Brasileiro de Transição Energética (Inté).

Na visão da especialista, com a aprovação de leis de abrangência nacional que definem o devedor contumaz e endurecem as penas, “haverá mais ferramentas à serviço da Administração Pública para o efetivo combate a essas práticas nocivas”. Ela destaca que isso contribui para evitar a  perda de arrecadação, o desemprego e retração econômica, o aumento de preços e pressão inflacionária e o risco de abastecimento dos combustíveis.

“O IBP tem a expectativa que com a simples promulgação desta Lei Complementar já haverá um impacto positivo no ambiente de negócios, demonstrando a preocupação do Estado em combater práticas ilícitas”, afirma Ana Mandelli. “Esse efeito pedagógico da lei servirá como um desestímulo aos devedores contumazes, contribuindo para melhorar a arrecadação, promover a isonomia competitiva e aumentar o bem-estar da sociedade em geral”, completou.

A questão do devedor contumaz é uma das prioridades do Poder Executivo na área econômica. O tema figura na lista com 25 tópicos apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em fevereiro deste ano.

O projeto aprovado esta semana é de autoria do então senador Jean-Paul Prates (PT-RN) e conta com apoio de diversos setores. O relator na CCJ, Veneziano Vital do Rêgo, é também presidente da Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia. Ao Jota, ele explicou os problemas causados ao setor de energia, especialmente no segmento de combustíveis. 

“Esses maus pagadores exploram a alta carga tributária do setor para obter lucros indevidos, deixando de recolher os impostos devidos. Com isso, além de causarem um impacto bilionário nos cofres públicos, criam um ambiente de concorrência desleal, prejudicando as empresas que atuam de forma regular e cumprem suas obrigações fiscais”, disse.

Segundo o JOTA PRO, ferramenta corporativa do JOTA, a dívida ativa dos devedores contumazes do setor de combustível saltou 20% nos últimos seis meses, conforme estimativa do Instituto Combustível Legal (ICL). O valor, de acordo com dados deste mês, alcança R$ 203 bilhões. Em outubro do ano passado, o total estimado estava em R$ 170 bilhões.

Por isso, enfatiza o senador, a aprovação de uma legislação que defina de forma objetiva quem são os devedores contumazes e estabeleça sanções rigorosas contra esses agentes é fundamental. Com isso, estaremos promovendo um ambiente de concorrência justa no setor de combustíveis. Ao combater essas distorções no mercado, há potencial para reduzir o preço dos combustíveis ao consumidor, beneficiando toda a sociedade.

Em entrevista à TV Senado em março deste ano, Veneziano Vital do Rêgo apontou que a sonegação fiscal também pode estar associada à prática de outros crimes, como lavagem de dinheiro. “É um escárnio o que está acontecendo”, disse sobre a prática deliberada e reiterada de sonegação, destacando ainda que a concorrência desleal é uma das principais consequências da prática.

Tramitação no Congresso

Após a aprovação na CCJ, a matéria precisa agora ser votada na Comissão de Assuntos Econômicos, onde ainda aguarda a definição de quem será o relator. Depois, o PLP ainda precisa passar pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) antes de ser levado ao plenário do Senado. 

No entanto, a Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia está articulando a possibilidade de um requerimento de urgência, para que a matéria seja encaminhada diretamente ao Plenário, pulando a apreciação da última comissão. Para os parlamentares, a urgência se justifica porque o texto já está “amplamente amadurecido, tendo passado por audiências públicas e intensos debates com especialistas e setores impactados”.

Em seguida, o caminho legislativo é o encaminhamento para a Câmara dos Deputados, onde também passará por comissões e pelo plenário. Sendo aprovado sem alterações, o projeto segue então para sanção presidencial. Caso sofra mudanças, o texto deve voltar para o plenário do Senado.

Projetos relacionados

Além do PLP 164/2022, outros projetos que circulam no Congresso também tratam do mesmo tema. O PLS 284/2017, apresentado pela então senadora Ana Amélia (PP/RS) tramitava junto ao texto de Jean Paul Prates, mas acabou sendo arquivado na votação da CCJ. Ele focava na criação de regimes especiais de tributação que impediam a utilização do tributo como instrumento de desequilíbrio concorrencial.

O PLP 125/2022 foi proposto pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e traz uma definição similar do inadimplente contumaz, mas tem um texto mais amplo, com foco na criação de um Código de Defesa dos Contribuintes. Ele já foi encaminhado ao plenário do Senado, com relatoria do senador Efraim Filho (União-PB), e aguarda votação.

O tema é ainda abordado na Câmara. O PL 15/2024, de autoria do Poder Executivo propõe a criação do Cadastro Fiscal de Devedores Contumazes (CFDC) e estabelece diretrizes sobre a figura do devedor contumaz.

 Na Câmara, o PL aguarda análise da Comissão de Desenvolvimento Econômico. Sendo aprovado, ele também precisa passar pelo plenário e pelo Senado antes de seguir para sanção presidencial.

Fonte: Jota

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