O corte etário do Conselho Nacional de Educação e a Justiça

As resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o corte etário para matrícula em educação infantil e ensino fundamental variam ao longo do tempo, dependendo do entendimento e das prioridades dos diferentes governos, com várias matizes. Essas resoluções são influenciadas por fatores políticos, sociais e educacionais, podem e são revisadas conforme as necessidades e contextos específicos de cada período.

Resoluções do CNE:
Resolução CNE/CEB nº 2, de 9 de outubro de 2018: Define que a matrícula na educação infantil deve ocorrer aos 4 anos de idade e no ensino fundamental aos 6 anos de idade.
Resolução CNE/CEB nº 1, de 14 de janeiro de 2010: Estabelece diretrizes operacionais para a implantação do ensino fundamental de 9 anos.
Parecer CNE/CEB nº 22/2009: Diretrizes operacionais para a implantação do ensino fundamental de 9 anos.

Essas resoluções refletem a tentativa de uniformizar e padronizar o sistema educacional, mas também foram ajustadas conforme as mudanças nas políticas educacionais e nas necessidades da população escolar.

O corte etário para matrícula na educação infantil e no ensino fundamental pode ser modificado no futuro, dependendo das políticas educacionais adotadas por governos subsequentes.

As diretrizes do Conselho Nacional de Educação (CNE) e outras regulamentações podem ser revisadas e ajustadas para refletir novas prioridades e necessidades identificadas no contexto educacional.

Possíveis fatores de modificação:
Mudanças Políticas: Novos governos podem ter abordagens diferentes em relação à educação e podem implementar reformas que alterem o corte etário.
Evidências Científicas: Estudos sobre desenvolvimento infantil e pedagógico podem influenciar a decisão de ajustar a idade de entrada para melhor atender ao desenvolvimento das crianças.
Necessidades Sociais: Alterações demográficas e socioeconômicas podem levar à reavaliação das políticas educacionais para melhor responder às realidades da população.
Consultas Públicas e Debates: Mudanças no corte etário podem ser discutidas em consultas públicas e debates envolvendo educadores, pais e especialistas.

Um dos exemplos de possível revisão recente pode ter considerado novas pesquisas sobre o impacto da idade de entrada na educação infantil no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, levando a um ajuste do corte etário para refletir essas descobertas.

Normas do CNE não se sobrepõem à Constituição

As resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE) são normas infralegais que têm por objetivo regulamentar e detalhar a aplicação das leis no âmbito educacional.

No entanto, elas não possuem força superior à Constituição.

O artigo 208, inciso V, da Constituição garante o direito à educação infantil em creche e pré-escola às crianças até 5 anos de idade e o ensino fundamental obrigatório e gratuito dos 6 aos 14 anos de idade.

As resoluções do CNE que estabelecem o corte etário devem ser compatíveis com os preceitos constitucionais, visando à garantia do direito à educação de acordo com as disposições da Carta Magna.

A data limite não está prevista na Constituição, tampouco na lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

Em ambas, não há qualquer alusão ao período de matrícula ou a qualquer data específica. A previsão consta apenas em resoluções do Conselho Nacional de Educação: Resoluções nº 1 e 6 de 2010.

O Supremo Tribunal Federal, apesar de decidir pela constitucionalidade da previsão criada pelas Resoluções, tece algumas considerações permitindo a excepcionalidade da norma, dada a capacidade de cada aluno.

Cumpre destacar, nesse contexto, o seguinte trecho do voto do ilustre Ministro Luiz Fux no julgamento da ADPF n° 292/DF:

“No caso do critério etário, é o que ocorre quando a criança, antes de completar quatro ou seis anos, já possui o amadurecimento cognitivo e comportamental extraordinário. A depender da excepcionalidade desse amadurecimento, é possível que o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo capacidade de cada um, tutelado pelo inciso V do artigo 208 da CRFB, seja concretize a partir de uma avaliação individual da equipe pedagógica diretamente responsável pelo aluno.”

A exceção está disposta na Ementa do Acórdão da ADPF 292/DF:

“O acesso aos níveis mais elevados do ensino, segundo a capacidade de cada um, pode justificar o afastamento da regra em casos bastante excepcionais, a critério exclusivo da equipe pedagógica diretamente responsável pelo aluno, o que se mostra consentâneo com a “valorização dos profissionais da educação escolar” (art. 208, V, da CRFB e art. 206, V, da CRFB) e o apreço à pluralidade de níveis cognitivo-comportamentais em sala de aula.”

Inobstante ao entendimento esposado no julgamento ocorrido no STF, ainda se verifica em escolas brasileiras, empecilho da aplicação de tal entendimento.

E o mais grave, decisões judiciais proferidas em primeira e segunda instância que desconsideram casos específicos onde não são respeitadas a maturidade e capacidade intelectual da criança, constituindo tais decisões judiciais em empecilho do avanço da criança, diante da “priorização analítica” com base apenas na idade cronológica.

Pululam decisões judiciais, em todo país, com aplicação da regra da resolução de forma geral, sem considerar as especificidades de cada caso, levando a injustiças e resultados inadequados, desconsiderando que cada situação tem suas particularidades, e refutando que a interpretação e aplicação das normas jurídicas levem em conta essas singularidades para garantir uma decisão justa e equitativa.

Critério etário é empecilho inconstitucional

A aplicação do critério etário, previsto na atual Resolução do CNE, como regra cega e geral constitui empecilho ilegal e inconstitucional à continuação da vida educacional da criança garantida no inciso V, do artigo 208 da Constituição.

O artigo 227 da Constituição consagra os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta das crianças e dos adolescentes:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”

Por sua vez, a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) expressa:

“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por Lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.” (artigo 3º)

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.” (artigo 4º)
“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” (artigo 5º)
“Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.” (artigo 6º)

Efeitos negativos no desenvolvimento

A expressão “com absoluta prioridade” trazida pelo artigo 227 da Constituição dispensa exegese. O referido comando constitucional tem sido ignorado em muitas decisões judiciais.

A aplicação rígida do corte etário, sem considerar as individualidades das crianças, pode ter efeitos negativos significativos no desenvolvimento intelectual e emocional das mesmas e, consequentemente, no futuro da sociedade como um todo.

Resguardada as devidas proporções, até porque não se busca assemelhar as circunstâncias, mas o comportamento geral de algumas decisões judiciais, fazem relembrar um fato histórico:

Há muitos séculos, um papa determinou a punição dos heréticos de uma região sob o seu domínio.
O comandante que foi cumprir a ordem retornou informando não ser possível satisfazer a resolução pois que encontrou uma dificuldade insuperável: como ser ou não ser herético é uma questão de foro íntimo de cada um, não tem visibilidade ou diagnóstico não havia como cumprir o comando punitivo.
Questionando o papa qual a solução, este respondeu: “Mate-os a todos; Deus saberá distingui-los”.

O exemplo ilustra de maneira impactante a questão da aplicação indiscriminada de regras, sem considerar as particularidades de cada caso.

No contexto educacional, a aplicação cega do corte etário pode ser comparada a essa situação histórica, em que a falta de discriminação e sensibilidade às circunstâncias individuais leva a decisões injustas e potencialmente prejudiciais.

Muitas das decisões judiciais proferidas, não se importam em encontrar um equilíbrio entre a padronização necessária para a organização do sistema educacional e a flexibilidade para atender às necessidades individuais das crianças.

Assim, decisões judiciais que aplicam rigidamente a regra geral podem ferir princípios como a igualdade, a dignidade da pessoa humana e o direito à educação, que são assegurados pela Constituição.

Princípios Constitucionais:
Igualdade: A Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei. A aplicação rígida do corte etário pode desconsiderar as diferenças individuais de desenvolvimento entre as crianças.
Dignidade da Pessoa Humana: Tratar crianças de maneira uniforme sem considerar suas individualidades pode violar o princípio da dignidade da pessoa humana.
Direito à Educação: A educação deve ser inclusiva e adaptada às necessidades de cada aluno, conforme previsto no artigo 205 da Constituição.

Decisões judiciais rígidas é como ‘lavar as mãos’

Decisões judiciais que aplicam a regra de forma rígida e sem levar em conta as particularidades de cada caso evidenciam um comportamento semelhante ao de Pôncio Pilatos, onde o julgador “lava as mãos” e não exerce a devida análise crítica e individualizada, abdicando da responsabilidade de garantir a justiça e a equidade.

Uma abordagem mais flexível e atenta às peculiaridades de cada caso seria mais alinhada aos princípios constitucionais e aos direitos fundamentais das crianças.

Para que as individualidades das crianças sejam adequadamente resguardadas no contexto da educação, é essencial que os juízes e outros profissionais envolvidos estejam bem preparados e sensibilizados para lidar com essas questões.

Não se tem notícias de que o Conselho Nacional de Justiça desenvolva, com resultado satisfatório, programas de capacitação contínua que abordem as particularidades do desenvolvimento infantil e as necessidades educacionais especiais que ajudam os juízes a tomar decisões mais informadas e justas.

Não se tem notícias de que Tribunais de Justiça dos estados viabilizem aos juízes acesso a conhecimentos de áreas como psicologia, pedagogia e neurociência para compreender melhor as variáveis que influenciam o desenvolvimento das crianças. Assim como treinamentos que enfatizem a importância da diversidade e da individualidade no processo educativo podem ajudar a criar um sistema mais inclusivo e equitativo.

Preparar melhor os juízes para enfrentar situações que envolvem o corte etário e outras questões educacionais é fundamental para garantir que as decisões judiciais protejam os direitos e as necessidades individuais das crianças.

A abordagem visa contribuir para um futuro mais equitativo e inclusivo.

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Afinal de contas, o que é equilíbrio e sustentabilidade fiscal?

É relativamente comum se observar na imprensa e nos mais recentes noticiários as palavras equilíbrio e sustentabilidade fiscais como uma das pedras de toque dos governos, um objetivo macro que precisa ser atingido independentemente da posição sociológica que o governante ocupa.

Não é raro também, o uso da retórica orçamentária como instrumento de pressão ao governo, seja por parte da mídia convencional, dos órgãos de controle, do mercado, da própria classe política e até mesmo por parte do eleitor comum. A questão é que, apesar de ser expressão comum no âmbito fazendário dos órgãos públicos no Brasil, não há na Constituição, tampouco na legislação ordinária, uma previsão específica sobre o conceito de sustentabilidade ou equilíbrio fiscal, embora ambos esses critérios sejam previstos como requisitos essenciais na gestão pública responsável.

Leis como a Lei Complementar n° 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), trazem critérios objetivos que limitam a atuação do gestor na política fiscal, buscando um balanço entre as capacidades estatais no que tange a receita, despesa, e o crédito público, sendo fator interessante o fato de a própria norma estatuir, como um de seus objetivos, a responsabilidade na gestão fiscal, antecipando-se riscos e prevenindo desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas.

A busca pelo equilíbrio fiscal também está presente em diversas passagens da Constituição. Um exemplo recente é a Emenda Constitucional nº 109/2019, que explicitou a preocupação do constituinte derivado com a condução da política fiscal, constitucionalizando o objetivo do Estado brasileiro de implementar políticas públicas e econômicas sem comprometer a capacidade estatal de manter a dívida pública em níveis sustentáveis [1].

Neste sentido, há de se questionar, afinal, qual é a conceituação de equilíbrio e sustentabilidade fiscal?

O conceito de equilíbrio fiscal

No dicionário, equilíbrio é definido como a condição de estabilidade, em que forças agem de maneira proporcional, promovendo harmonia. Assim, buscar equilíbrio fiscal significa perseguir, na gestão pública, essa estabilidade no ciclo orçamentário brasileiro. Não pode haver descontroles ou desarmonias entre os principais componentes da atividade financeira do Estado: receita, despesa e crédito público. Esses elementos devem dialogar de forma permanente e coordenada; do contrário, haverá o chamado desequilíbrio fiscal.

Quando a lei complementar ou a própria Constituição estabelece limites aos gastos com pessoal ou às despesas obrigatórias de caráter continuado, o objetivo é controlar as despesas para evitar desarmonia com a receita e o crédito público, prevenindo, assim, déficits crônicos. Do mesmo modo, quando o Senado, por mandamento constitucional, fixa limites ao endividamento do Estado, busca-se evitar que o crédito público saia de controle e cause desequilíbrios nos demais componentes orçamentários. Dessa forma, o equilíbrio fiscal é o resultado de uma interação harmônica entre receita, despesa e crédito público, sendo a própria expressão da harmonia na atividade financeira estatal.

O conceito de sustentabilidade fiscal

Por sua vez, a sustentabilidade fiscal, embora também presente na legislação brasileira, carece de uma definição específica ou de uma conceituação objetiva. Diferentemente do equilíbrio fiscal, a sustentabilidade fiscal abrange uma perspectiva mais ampla. Enquanto o equilíbrio é o resultado da harmonia entre os componentes da atividade financeira, a sustentabilidade fiscal reflete o sucesso de uma política econômica equilibrada, capaz de manter esse balanço para as gerações atuais sem comprometer a capacidade de dispêndio das futuras. Trata-se, basicamente, de uma preocupação com o endividamento de longo prazo, considerando a alternância de gestores e o acesso relativamente facilitado ao crédito pelos Estados modernos.

Pode-se afirmar que o sucesso na aplicação do equilíbrio fiscal gera, inevitavelmente, a sustentabilidade fiscal, que passa a acompanhar a política econômica do governo a longo prazo. Importante destacar que a sustentabilidade fiscal não impede o endividamento público, mas exige que ele respeite a capacidade de solvência do orçamento e os limites impostos pela legislação, de modo que a gestão fiscal seja responsável mesmo em um contexto de longo prazo.

Nesse sentido, o artigo 164-A da Constituição prevê que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem conduzir suas políticas fiscais de forma a manter a dívida pública em níveis sustentáveis”. Não se trata de uma proibição ao endividamento, mas de uma diretriz que exige respeito aos limites legais e à capacidade de receita de cada ente público.

A gestão pública insustentável fiscalmente é aquela que desconsidera o planejamento estatal como um todo, ignorando possíveis frustrações de receita, limites de endividamento e características específicas de certos gastos públicos, como os de pessoal. Tal conduta tende a trazer reflexos negativos, inclusive para gestões futuras [2].

A essencialidade da gestão pública equilibrada e sustentável

Não é difícil perceber que a dupla equilíbrio/sustentabilidade fiscal é essencial para a vida estatal dos entes políticos, influindo diretamente na questão da autonomia financeira e política destes. A ausência de definições específicas para esses termos na legislação brasileira é um reflexo do dinamismo e da pluralidade que permeiam a atividade financeira estatal, sendo essa lacuna normativa um reforço à importância de os gestores públicos e órgãos de controle agirem de forma responsável, considerando os impactos de curto e longo prazo de suas decisões orçamentárias.

É bom lembrar que a gestão pública desequilibrada e insustentável é apta a causar consequências negativas no financiamento de políticas públicas essenciais para o Estado como saúde, segurança e educação. Aliás, a perpetuação de um cenário de insolvência fiscal afeta a confiança dos investimentos privados no país, elevando o custo de vida e o próprio crescimento econômico do Estado [3]. A escassez de recursos para políticas públicas e serviços essenciais agrava desigualdades sociais e limita o alcance de ações destinadas a melhorar a qualidade de vida da sociedade, tendo nas medidas de austeridade fiscal o principal exemplo de como a sustentabilidade é indispensável para qualquer gestão pública.

Mais do que atender exigências fiscais, perseguir o equilíbrio e a sustentabilidade fiscal significa zelar pela viabilidade do Estado enquanto garantidor de direitos fundamentais e promotor do desenvolvimento. O sucesso nessa empreitada depende da articulação harmoniosa entre os componentes do orçamento público e da adoção de práticas responsáveis de endividamento e planejamento financeiro, e o cumprimento rigoroso das legislações que limitam e restringem as possibilidades de desequilíbrio, como a LRF, é um passo fundamental para tanto.


[1] RÊGO, Carlos José Fernandes et al. Equilíbrio fiscal no Brasil. 2013. Monografia. Orientador: Anna Emanuella Nelson dos Santos Cavalcante da Rocha. Repositório Institucional IDP. disponível em: <http://52.186.153.119/handle/123456789/3412>. Acesso em: 14/11/2024

[2] MENDES, Marcos José. Sistema orçamentário brasileiro: planejamento, equilíbrio fiscal e qualidade do gasto público. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2008.

[3] NABAIS, José Casalta; SILVA, Suzana Tavares da. Sustentabilidade fiscal em tempos de crise. Almedina: Coimbra, 2011.

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Dia Internacional dos Direitos Humanos: você tem fome de quê?

Como celebramos há 75 anos, neste 10 de dezembro de 2024, a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) completará mais um capítulo de sua história marcada por enorme resiliência, o reiterado começar de novo e a resistência de uma humanidade que, compelida pelas atrocidades da Segunda Guerra Mundial, estabeleceu o mínimo civilizatório em nome da vida e da necessidade de uma convivência racionalmente sustentável.

Eleanor Roosevelt, então presidente da Comissão de Direitos Humanos da ONU, em 1948

Assim nasceu a Declaração Universal de Direitos Humanos como uma carta jurídica de princípios distribuídos em 30 artigos que posteriormente foram ancorados no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Sociais de 1966, dando a consistência necessária para uma relação de exigibilidade contra os Estados signatários e responsáveis pelo desenvolvimento das cidadanias, observando-se a universalidade, a indivisibilidade e a relativização cultural dos diversos modelos e padrões de sociedade mundo afora.

Coube e caberá à Organização das Nações Unidas (ONU) fazer a gestão de efetividade da Declaração Universal de Direitos Humanos, vencendo, inclusive, sua própria crise enquanto maior referência multilateral entre os Estados no mundo, entregando o que se espera efetivamente, reequilibrando as forças econômicas e políticas dos países e promovendo um redesenho que traduza o novo mundo que tem fome de direitos humanos.

Neste contexto se insere o Brasil, signatário da Declaração Universal de Direitos Humanos que, na história mais recente, desde 1988 com a Constituição e o processo de redemocratização, adotou uma postura proativa de prospectar direitos humanos nas relações internacionais como uma estratégia de se consolidar como uma democracia moderna, que pudesse entre outros objetivos, se colocar no cenário internacional influenciando em alto nível os espaços multilaterais como a ONU.

Se no campo internacional foram muitos os compromissos e avanços, internamente, muitos desafios ainda seguem colocados em processos em curso na construção de um mínimo civilizatório de direitos humanos que possa denominar como uma Política Nacional de Direitos Humanos.

E é sobre essa fome de direitos humanos que o Estado brasileiro deve se dedicar como um termômetro do que somos e o que podemos oferecer a sociedade brasileira.

Afinal de contas, qual o tamanho da “Era de Direitos” brasileira anunciada em inúmeras leis internas sancionadas após o processo de redemocratização e as dezenas de tratados internacionais de direitos humanos assumidos em especial nos organismos multilaterais da Organização das Nações Unidas e na OEA-Organização dos Estados Americanos?

Sobre isso é importante registrar que neste contexto o Estado brasileiro contou com um Programa Nacional de Direitos Humanos que, em sua última versão, se consolidou por meio do Decreto nº 7.037/2009, o denominado PNDH-3.

Após a consolidação desse documento jurídico interno o fato mais importante a se destacar no cenário nacional, em termos da política nacional de direitos humanos, foi o atravessamento do Princípio do Retrocesso Social que se impôs em 2018, jogando o pouco que se consolidou com a nova democracia, desde 1988, num abismo de regressões que ainda são sentidas pela sociedade brasileira.

Hoje, ressentimo-nos pela necessidade de uma Política Nacional de Direitos Humanos que seja conduzida estrategicamente pelo Estado com a capacidade de não só recuperar o que foi soterrado, mas apresentar um novo signo de direitos humanos forjado na participação social.

Esse novo desenho terá também que situar o que se consolidou em termos de demanda social no mundo, especialmente pelo documento sombra que foi gerado no G20, pela agenda do G20 Social, destacando-se a necessidade de um enfrentamento à fome ao asseverar: “(…) em caráter de urgência e prioridade máxima, é imperiosa a adesão de todos os países do G20 e outros Estados, à iniciativa da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Em alinhamento com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU”.

Importância do Conselho Nacional de Direitos Humanos

Logo, se temos a responsabilidade de desenvolver uma Política Nacional de Direitos Humanos que combine a recuperação do que foi afetado pelo retrocesso social de 2018 com uma nova ordem nacional para este campo de cidadanias, é preciso ouvir as vozes do G20 Social.

Ocorre que, atualmente, o principal órgão da Política Nacional de Direitos Humanos no Brasil, que reúne todos os predicados e pressupostos internacionais para fazer valer esse novo signo, não recebe o tratamento institucional adequado por parte do Estado e, mais que isso, é tido como uma “trincheira de entidades” que podem ameaçar o establishment.

Falamos aqui do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão público do Estado brasileiro, instituído pela Lei Federal nº 12.986/14, composto por representações da sociedade civil eleitas e por representantes do Poder público dos três poderes da República.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos, está completando 60 anos de história, sendo repaginado em 2014 e recebendo a atribuição de ser a instância controladora e deliberativa da Política Nacional de Direitos Humanos.

Não há dúvidas na engenharia política e normativa do Estado brasileiro que o caminho para a construção de um novo signo de direitos humanos no Brasil passa pelo reconhecimento institucional do CNDH como Instituição Nacional de Direitos Humanos, com base nos Princípios de Paris, sendo eles:

1. A instituição nacional deve ter uma área de atuação abrangente, prevista na constituição ou em lei; 2. A instituição nacional deve ter uma infraestrutura adequada para o bom desempenho de suas atividades; 3. A instituição nacional deve ter pessoal e instalações próprios, de modo a ser independente do Governo; 4. A nomeação dos membros da instituição deve ser realizada através de um ato oficial, que estabelecerá a duração específica do mandato.

Mas a realidade é outra. Não há na agenda governamental qualquer iniciativa de fazer deste órgão público de participação social uma Instituição Nacional de Direitos Humanos.

Ao contrário, são escassos os recursos orçamentários destinados ao CNDH, não possuindo o mesmo sequer um fundo especial próprio que garanta uma funcionalidade efetivamente autônoma e independente.

Sem recursos orçamentários satisfatórios, o Conselho Nacional de Direitos Humanos se movimenta como um “departamento” do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, com a resistência dos movimentos sociais e organizações que o integram e que lhe exigem outra postura, sobrevivendo com baixa institucionalidade e sem a força necessária para cumprir seu papel de principal instância da República para o tema.

E quando tratamos de recursos financeiros, é importante recuperar que na repaginação do CNDH, a força do capital se impôs, e foi-lhe retirado a possibilidade de aplicar sanções pecuniárias contra violações estruturais de direitos humanos, restando outras medidas que não tem o condão de impactar uma efetiva responsabilização.

Neste baixo grau de institucionalidade, o CNDH não consegue assumir seu papel de liderança para a construção de uma Política Nacional de Direitos Humanos que possa resultar na normatização de um Sistema Nacional de Direitos Humanos, sincronizando competências e responsabilidades de órgãos públicos e entidades no Estado brasileiro.

Por outro giro, se temos no debate quanto a ponderação de interesses entre as políticas identitárias ou as pautas econômicas numa Política Nacional de Direitos Humanos, somando-se a isso, o desafio do G20 Social quanto ao combate à fome, existe uma pedra no meio do caminho que acende a luz amarela: o discurso de ódio e os ataques institucionalizados contra a democracia no Estado brasileiro.

Hoje, no atual estado da arte no país, no que se refere a construção de uma Política Nacional de Direitos Humanos é urgente a construção de pontes que dialoguem com a sociedade para a criação de entendimentos e ações que possam enfrentar o discurso de ódio, especialmente perpetrado contra grupos minoritários como a comunidade LGBTQIA+, religiões de matriz africana, mulheres e pessoas com deficiência, entre outros.

E não há outro espaço institucional no Estado brasileiro que possa desempenhar esta missão que não seja o Conselho Nacional de Direitos Humanos, necessariamente convertido em Instituição Nacional de Direitos Humanos, considerando seu DNA de participação social dos movimentos sociais, classe trabalhadora e redes nacionais de direitos humanos.

É preciso considerar que as atrocidades da Segunda Guerra Mundial que levaram a humanidade a pactuar uma Declaração Universal de Direitos Humanos como uma resposta objetiva dos Estados, hoje se apresenta com uma nova forma que são os ataques de ódio na sociedade que, no Brasil necessitam de uma resposta institucional no campo das políticas públicas.

E é no aniversário de 76 anos deste importante documento internacional, frente às demandas e desafios colocados, especialmente em construirmos um novo signo que possa ancorar o mínimo civilizatório, que é possível e razoável   afirmar que se tratando de Brasil, não há outro caminho senão avançar na formulação de uma Política Nacional de Direitos Humanos que seja de Estado e não de Governos que se alternam em seus projetos políticos.

Para isso, não há alternativa que não seja a transformação do Conselho Nacional de Direitos Humanos em Instituição Nacional de Direitos Humanos, na forma dos Princípios de Paris, pois os tempos sombrios se reapresentam mundialmente, deixando claro que  quem tem fome de direitos humanos, tem pressa para salvar a democracia e a dignidade civilizatória  na humanidade.

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Royalties decorrentes da licença da propriedade intelectual em contratos mistos

Repercussões tributárias da não segregação de royalties

Comumente, os bens da propriedade intelectual são ofertados em conjunto com uma série de outras utilidades, não raras vezes mediante único contrato e único pagamento, que se submetem a regimes tributários diferenciados.

Portanto, é relevante identificar quais os critérios de individualização dos royalties pagos em contraprestação à licença da propriedade intelectual frente a outros valores que são submetidos a regimes tributários diferenciados.

Pretende-se, com isso, mensurar os royalties devidos em operações que dão ensejo a essa modalidade de rendimentos e estabelecer parâmetros para aferir os tributos que incidem sobre royalties, que utilizem essa medida para apuração de créditos ou que tenham sua apuração determinada em qualquer medida por essa cifra.

Isso porque a legislação tributária federal impõe segregar as repercussões econômicas de cada uma das utilidades fornecidas em contratos mistos.

A orientação vigente no âmbito da Receita Federal, inclusive, é a de que, se o contrato não for suficientemente claro para individualizar os componentes (prestação de serviços, licença de bens intangíveis etc.), segregando royalties dos demais rendimentos pagos, toda a base será considerada para uma finalidade ou outra.

Para incidência da Contribuição ao PIS e da Cofins sobre os rendimentos pela prestação de serviços, o entendimento é reiterado em diversas manifestações fazendárias.

A não segregação dos rendimentos se reflete não somente na incidência dessas contribuições sociais, mas também na determinação do regime aplicável das contribuições e, no caso do regime não cumulativo, na apuração dos créditos devidos.

O artigo 10, XV, c/c §2°, da Lei n° 10.833/2003, estabelece que a tributação da receita decorrente do licenciamento de software nacional deve mantida no regime cumulativo da Cofins. Nos termos do artigo 15, V, o mesmo se aplica à Contribuição ao PIS.

Do mesmo modo, tem-se a inviabilidade da apuração dos créditos devidos, pois as despesas somente poderiam ser deduzidas na proporção da receita submetida ao regime não cumulativo, nos termos do §§ 7° e 8°, II, do artigo 3°, das Leis n° 10.637/2002 e n° 10.833/2003.

O tema repercute, ainda, na determinação das regras aplicáveis para evitar a bitributação da renda. Diversas são as repercussões no âmbito da tributação internacional, como a impossibilidade de aplicação adequada das cláusulas de tax sparing e matching credit, geralmente, utilizadas pelo Brasil em relação aos dividendos, juros e royalties.

Consequências são verificadas ainda na definição da alíquota do IRRF e na apuração das deduções do IRPJ.

Nos termos do artigo 2°, da Lei n° 10.168/2000, fica reduzida para 15% a alíquota do IRRF incidente sobre as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas ao exterior a título de remuneração de serviços de assistência administrativa e semelhante, que sofram a incidência da Cide-Remessas. Ademais, de acordo com o parágrafo único do artigo 44 da Lei n° 14.596/2023, as despesas com royalties não são dedutíveis da apuração do lucro real em determinadas circunstâncias.

O problema se revela, ainda, na aplicação das regras de preço de transferência. Com a revogação § 9º do artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, passa-se a aplicar tais regras às transações que envolvem os pagamentos de royalties em transações controladas pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil e partes relacionadas no exterior.

Outra repercussão está na possibilidade ou não de aderir ao regime da CPRB e do método de apuração dessa contribuição. O artigo 7°, I, da Lei n° 12.456/2011, com a redação dada pela Lei n° 13.670/2018, permite que as empresas que atuam no licenciamento de programas de computação (hipótese do § 4°, V, da Lei n° 11.774/2008) adiram ao regime especial da CPRB – evidentemente, submetendo a receita dessa atividade a esse regime.

Verifica-se, ainda, a relevância do tema na incidência ou não do II e do IPI. O artigo 1° do Decreto-Lei n° 37/1966, em consonância com o artigo 19 do CTN, estabelece que o II incide sobre a importação de produtos estrangeiros. O artigo 131 do Regulamento do IPI, aprovado pelo Decreto nº 4.544/2002 prevê que a base de cálculo do IPI será o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial.

Ainda, o Artigo VII do Acordo de Valoração Aduaneira, promulgado pelo Decreto nº 1.355/1994, estabelece que o valor aduaneiro, que serve de base de cálculo a tributos incidentes na importação, deve ser determinado pelo valor de transação, que, de acordo com o artigo 1°, corresponde ao preço efetivamente pago ou a pagar pela mercadoria importada, ajustado segundo as disposições do artigo 8 do AVA.

Outra consequência é verificada no regime da Cide-Remessas, que, nos termos da Lei n° 10.168/2000, é devida não somente pela adquirente de tecnologia estrangeira, mas também é devida pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior.

Em todos esses casos, a não individualização dos royalties distorce a base de cálculo de incidência dos tributos ou dos créditos apurados nas operações. Verifica-se, portanto, a existência de inúmeras repercussões da correta ou incorreta mensuração desses rendimentos.

Trata-se de um problema que merece uma análise detida e uma solução concreta.

Há determinadas prescrições contábeis que auxiliam na mensuração dos royalties, especificamente, aquelas constantes do Pronunciamento CPC n° 47 e que, portanto, conduzem esta análise.

Alocação de preços e segregação de receitas

O artigo 58 da Lei n° 12.973/2014 determina que a modificação ou adoção de métodos e critérios contábeis posteriores à sua publicação não terá implicação na apuração de tributos federais até que a legislação tributária regule a matéria.

Por força desse dispositivo, a Receita se manifestou a respeito da aplicabilidade do CPC 47 para fins tributários, através da Instrução Normativa n° 1771/2017, que aprovou o Anexo IV da Instrução Normativa n° 1.753/2017.

Nessa norma, segregou-se as regras do CPC 47 em três grupos distintos: a) aquelas que “não contemplam modificação ou adoção de novos métodos ou critérios contábeis ou não têm efeito na apuração dos tributos federais”; b) aquelas que “contemplam métodos ou critérios contábeis que divergem da legislação tributária”; e c) aquelas que “contemplam modificação ou adoção de novos métodos ou critérios contábeis”, estas admitidas para fins tributários.

Neste último se encontram as regras sobre “a aplicação dos critérios para a alocação do preço de transação às obrigações de desempenho”.

Portanto, de acordo com a manifestação da Receita na IN n° 1.771/2017, não há nenhum óbice para a aplicação das regras do CPC 47 sobre alocação de preços para fins de tributação federal.

O CPC 47 tem como objetivo estabelecer métodos para o devido reconhecimento de receitas pela entidade quando esta transfere utilidades para os clientes, em valor que corresponda à contraprestação pelo qual a entidade espera ter direito, com base no contrato.

Para essa finalidade, o CPC 47 prevê 5 etapas: identificar o contrato com o cliente; identificar as obrigações de performance; determinar o preço da transação; alocar os preços da transação por cada obrigação de performance; e reconhecer a receita quando cada obrigação de performance for satisfeita.

Interessa à presente análise, em especial, a etapa n° 4, em que se aplicam as regras para alocação dos preços da transação para cada obrigação de performance. Isso porque pretende-se verificar a possibilidade de individualização da licença de propriedade intelectual que é remunerada por royalties como uma obrigação de performance autônoma, que não se confunde com outras operações realizadas simultaneamente e baseadas no mesmo contrato.

Para verificar a etapa 4, é necessário discorrer, brevemente, sobre as demais etapas.

A primeira etapa trata da identificação do contrato com cliente, que corresponde a um acordo individual formalizado por escrito, verbalmente ou sugerido pelas práticas usuais, que estabelece direitos e obrigações executáveis, cuja respectiva receita é de provável recebimento.

A segunda etapa dispõe que que cumpre identificar as obrigações de performance, que corresponde à “obrigação da entidade vendedora desempenhar a sua obrigação de repassar o controle do bem ou serviço à entidade compradora”. O CPC 47 indica, ainda, a possibilidade de que o contrato inclua entre os bens e serviços outras utilidades, dentre elas, a “concessão de licença”, que corresponde aos direitos à propriedade intelectual da entidade.

A terceira etapa prevê regras para definir o preço da transação. A entidade, com base no contrato firmado e nas práticas usuais do negócio, deverá estipular o valor da contraprestação devida pela transferência dos bens ou serviços ao cliente. Aqui, pretende-se estabelecer o valor global da transação, valor esperado a ser recebido pela entidade.

Então, tem-se a quarta etapa: alocar os preços da transação para cada obrigação de performance. Nesse momento, a entidade deve determinar o preço pelo qual a entidade ofertaria cada utilidade ao cliente separadamente e estabelecer, a participação de cada um desses preços, de forma proporcional, no preço da transação.

Para estabelecer o preço individual não diretamente observável pela entidade, ela deverá estima-lo e alguns métodos são estabelecidos pelo CPC 47 nesse sentido.

O primeiro método é a “abordagem de avaliação de mercado ajustada”, mediante a qual a entidade avalia no mercado em que está inserido o preço estimado que os clientes estão dispostos a pagar. Para tanto, a entidade pode recorrer aos preços aplicados pelos seus concorrentes ou tomar por base o preço de utilidades semelhantes e ajustá-las.

O segundo método é a “abordagem do custo esperado mais margem”, através do qual a entidade estabelece o custo que incorre para cumprir com a sua obrigação de performance e adiciona a margem que entende devida pela utilidade ofertada.

O terceiro método consiste em uma “abordagem residual”. A entidade subtrai do preço total da transação o valor da soma dos preços observáveis das demais obrigações de performance. Para utilizar esse método, a entidade deverá atender a alguns requisitos: oferecer a mesma utilidade a diferentes clientes, simultaneamente, por valores variados, nos casos em que os preços são altamente variáveis, não sendo depreendidos a partir de evidências observáveis; ou não ter a entidade estabelecido qualquer preço para a utilidade, que jamais foi ofertada individualmente pela entidade.

Determinada a alocação dos preços por obrigação de desempenho, tem-se a quinta etapa: reconhecer a receita quando cada obrigação de performance for satisfeita, quando há transferência do controle dos bens ou serviços ao cliente e não mais quando se transfere os riscos e benefícios da utilidade ofertada.

Ultrapassadas as cinco etapas, tem-se, então, a possibilidade de reconhecimento individualizado das receitas decorrentes de contrato com oferta de múltiplas utilidades.

Conclusão

Em contratos em que têm, simultaneamente, ofertas de serviços e bens tangíveis e intangíveis, podem ser aplicadas as regras para alocação do preço de cada operação.

A licença de bens intangíveis remunerada por royalties, enquanto operação para oferta de um bem deve ser interpretada como uma obrigação de performance. Em cada contrato, deverão ser analisadas as possibilidades de individualização dessa obrigação em cotejo com as demais utilidades.

Mediante as regras previstas pelo pronunciamento contábil que foram recepcionadas pela Receita, torna-se possível precisar os royalties devidos pela licença de bens intangíveis que são ofertados de forma conjunta com serviços e mercadorias.

Com tal esforço, tem-se uma proposta de solução para os problemas que surgem na aplicação da legislação tributária federal quando não há precisa individualização dos rendimentos de royalties.

Do ponto de vista dos tributos federais, a solução encontrada para tal problema pode ser encontrada na segregação de receitas entre cada uma das obrigações identificadas em um contrato híbrido. Essa segregação, como constatado, pode ser realizada mediante as técnicas de alocação de preços, previstas no CPC 47, que foi, neste ponto, acolhido pela Receita Federal.

A adoção da segregação tal como proposto, assim como viabiliza estabelecer com precisão a aplicação de diversas normas jurídico-tributárias que atribuem efeitos específicos ao reconhecimento e à mensuração de royalties, igualmente, impõe um esforço diferenciado aos contribuintes e ao fisco. Àqueles, pois deverão despender maiores esforços no sentido de aplicar corretamente os métodos de alocação de preço para fins tributários, além de expor a precificação das suas ofertas. Estes, porque deverão verificar se as informações prestadas pelo contribuinte são legítimas.

Não obstante se reconheça que esses fatores possam influenciar a consolidação das práticas jurídicas, a dificuldade intrínseca à tarefa não justifica a dispensa da sua adoção. Como visto, o sistema tributário nacional demanda que a segregação das receitas seja implementada.

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Representatividade de associações civis: quem pode atuar em nome de terceiros

Tema relevante no âmbito do direito processual civil é o conceito de representante adequado da coletividade em processos metaindividuais, nos quais se busca a tutela de interesse que diga respeito à coletividade — ou seja, interesses individuais homogêneos, coletivos ou difusos, na linha do disposto nos artigos 81 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

Em tais litígios coletivos, o molde formal clássico da processualística é repensado. Não se trata mais de uma disputa individual (Tício, Mévio e Caio), tampouco da hipótese de litisconsórcio ativo (dois ou mais integrantes reunidos no polo ativo de uma mesma lide proposta em face de terceiro).

Tais propostas, consideradas e adotadas em processos de natureza individual, não abrangem de maneira eficaz a representação prática da coletividade em uma única demanda judicial. Isso ocorre porque, quando se trata de representação para a defesa de interesses coletivos, enfrentamos diversos obstáculos estruturais. Entre esses desafios, destacam-se:

o ajuizamento massivo de demandas idênticas e/ou similares, algumas potencialmente fraudulentas;
a sobrecarga do Poder Judiciário local diante do excesso de litígios;
a formação de litisconsórcios ativos excessivamente numerosos, que frequentemente demandam o desmembramento das ações pelos juízes; e
a lentidão processual decorrente do alto volume de processos pendentes de análise.

Imagine-se, por exemplo, um acidente naval que provoca o derramamento de produtos químicos em uma área de pesca compartilhada por diversas cidades litorâneas, contaminando o local e inviabilizando a atividade pesqueira. O impacto negativo sobre a população e a economia local seria evidente, e cada pescador, comerciante ou proprietário de negócios relacionados à pesca poderia sentir-se no direito de ajuizar uma ação indenizatória contra os responsáveis, buscando reparação pelos prejuízos sofridos.

Contudo, ao analisarmos a questão sob uma perspectiva mais ampla, fica evidente que esse cenário pode gerar consequências contraproducentes: o grande volume de demandas, a falta de sistematicidade nos pleitos, a inconsistência nos relatos dos fatos e a insuficiência estrutural do Judiciário local reduzem significativamente as chances de um desfecho célere e satisfatório. Nesse sentido, o pleito individual, quando analisado de forma fragmentada, pode se tornar um verdadeiro “tiro pela culatra”, comprometendo a efetividade da tutela coletiva.

Lei de ACP

Não é sem razão que o legislador cogitou pela hipótese de substituição processual da coletividade por entes que pudessem ser efetiva e expressamente representativos. [1] Tal realidade foi positivada com a Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), em seu artigo 5º. Nos incisos do referido dispositivo, foram eleitos expressamente os entes considerados aptos a proporem tal ação coletiva, sendo eles o Ministério Público, a Defensoria Pública, os entes federativos, as autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista, e as associações civis constituídas há pelo menos um ano e que tenham como finalidade a proteção de direitos coletivos, como o patrimônio público, o meio ambiente, os consumidores etc.

Vê-se, nesse sentido, um esforço do legislador, seguindo orientação internacional, para realizar um controle qualitativo sobre as proposituras de ações coletivas — especialmente as ações civis públicas —, considerando o importante papel social dessa ferramenta jurisdicional e seu impacto prático sobre os envolvidos na situação jurídica que originou o ajuizamento de demandas dessa magnitude. [2]

Assim, com o objetivo de evitar a propositura de demandas inidôneas, o legislador selecionou, previamente, entes que considerou jurídica e tecnicamente aptos a prosseguir com uma ação civil pública. Entendeu-se que esses entes teriam condições de propor a ação, produzir provas, interpor recursos, participar de audiências de conciliação ou mediação, e praticar outros atos processuais legalmente previstos, representando adequadamente a coletividade. Essa coletividade, embora substituída no processo, não é ouvida ou consultada diretamente, o que reforça a importância de se garantir o princípio constitucional do devido processo legal em tais procedimentos (CF, artigo 5º, LIV). [3]

O controle da representatividade adequada irrompe com a função de assegurar que a conduta dos representantes esteja alinhada aos interesses da classe representada e garantir que a decisão proferida ao final, vinculativa da coletividade, não estará sujeita a questionamentos que se fundamentem na falha de representação na demanda de origem. [4] O legislador brasileiro optou por um controle ope legis da adequação da representação de entes representativos da coletividade.

No entanto, doutrina e jurisprudência, percebendo que a mera expressão dispositiva da norma se mostrava insuficiente para a adequada satisfação do direito coletivo a uma adequada e efetiva representação, uma vez que, por exemplo, mesmo associações pré-constituídas há mais de um ano e com finalidade expressa poderiam ajuizar demandas temerárias, [5] pavimentaram o caminho para que fosse repensado o papel dos tribunais no controle da adequação da representação. Ou seja: um controle ope judice da representatividade adequada, e não apenas ope legis[6]

Controle de representatividade de associações civis

Tal controle de representatividade adequada pelos tribunais pátrios mostra-se de extrema relevância, sendo a representatividade o fulcral requisito de admissibilidade das ações coletivas brasileiras. Sem legislação que especifique os critérios práticos que devam guiar os magistrados, os critérios de representação foram construídos ao longo dos anos pela prática forense e doutrina.

No dizer de Diego Santiago y Caldo, são três os requisitos eleitos pelas cortes brasileiras ao regular o controle de representatividade adequada de associações civis, foco do presente artigo: a regular constituição estatutária da associação civil por pelo menos um ano — que pode ser dispensada “quando houver manifesto interesse social, evidenciado pela dimensão ou características do dano, ou pela relevância do bem a ser protegido (artigo 5º, §4º, LACP, e artigo 82, §1º, CDC)” [7], — a coerente pertinência temática entre o objeto da ação ajuizada e os fins institucionais da associação e a permissão estatutária ou assemblear para a associação entrar em juízo, a qual também pode ser mitigada em casos excepcionais. [8]

Os requisitos acima delineados foram não apenas extraídos do texto da lei, considerando-se que o artigo 5º, V da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) determina que as associações civis aptas a proporem a ação coletiva devem estar pré-constituídas há pelo menos um ano e incluir, dentre as suas finalidades institucionais, “a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”, mas também moldados pela prática jurídica posterior à sua promulgação.

Os tribunais foram responsáveis por repensar o critério da representatividade adequada, mitigando formalismos que dificultariam o acesso à Justiça por associações civis recém-formadas e exigindo requisitos que corresponderiam a melhores garantias de que a associação verdadeiramente estaria interessada na representação da coletividade — como o é o aprofundamento do requisito da pertinência temática, inclusive pelo próprio STF. [9]

Não é sem razão que, tendo-se em vista a mudança de perspectivas desde a promulgação da lei, que é silente sobre o tema, tramitam junto ao Congresso diversos projetos de lei para reformulá-la, os quais, por sua vez, buscam tratar diretamente do tema da representatividade adequada, de modo a unificar o entendimento adotado pelas cortes e evitar decisões eventualmente díspares sobre um tema ainda não pacificado. [10] Merece destaque, nesse sentido, o chamado Projeto de Lei Ada Pellegrini Grinover (PL 1.641/21).

Legitimar associações civis

O referido projeto busca reformar a Lei de Ação Civil Pública e, no âmbito do controle de representatividade adequada, o exposto no artigo 7º, V, do esboço, legitima as associações civis “que incluam, entre seus fins institucionais, a defesa dos direitos protegidos por esta lei, independentemente de prévia autorização estatutária, assemblear ou individual dos associados”, destacando no §1º que a “adequação da legitimidade ao caso concreto pressupõe que a finalidade institucional da entidade tenha aderência à situação litigiosa ou ao grupo lesado”.

E, no §2º, que na “análise da legitimação do autor, o juiz deverá considerar o grau de proteção adequada do grupo ou do interesse protegido”, avaliando dados como sua credibilidade, capacidade e experiência, histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos previstos em lei, conduta em outros processos coletivos, a pertinência entre os interesses tutelados pelo legitimado e o objeto da demanda, e o tempo mínimo de instituição da associação por pelo menos um ano e a representatividade desta perante o grupo, categoria ou classe.

Ainda, nos parágrafos subsequentes, os requisitos da adequação da representação são mais bem aprofundados. O projeto destaca que os quesitos anteriormente expressos poderiam ser dispensados pelo juiz caso seja evidenciado o manifesto interesse social da causa, podendo ser a legitimação adequada aferida por outros critérios (§3º), que o controle jurisdicional da adequação da legitimidade deverá ser feito durante o decorrer do processo, e não apenas no âmbito da análise de admissibilidade (§4º), que o autor deverá demonstrar na peça inicial porque é um legitimado adequado para a condução do processo (§5º), que uma vez não demonstrada a legitimação adequada, o juiz deverá conceder prazo para eventual emenda ou complementação da petição inicial, nos termos do artigo 321 do CPC (§6º) e que reconhecida a ausência de representação, questão de admissibilidade ou legitimidade adequada, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, o juiz deverá promover a sucessão processual do autor, intimando o Ministério Público, a Defensoria Pública ou outros legitimados a assumirem a condução do processo (§7º) e que a decisão sobre a adequação de legitimação é impugnação por meio de agravo de instrumento, salvo se extinguir o processo, com o que tal decisão será impugnável por meio de apelação (§8º). No mais, o artigo 22 do projeto, em seu §1º, II, atribui expressamente ao juiz a função de controlar a adequação da legitimação do autor na decisão de admissibilidade do processo.

Nota-se, nesse sentido, um movimento progressivo (da doutrina, jurisprudência e dos próprios legisladores) no sentido de se exigir um controle jurisdicional da adequação representativa dos legitimados ativos em ações coletivas para cada caso concreto. Na linha de parte da doutrina, “melhor solução é possibilitar ao juiz o controle do real potencial representativo do autor”. [11]

Nesse ínterim, a representatividade adequada pode ser considerada “o mais importante de todos os requisitos gerais de admissibilidade e geralmente consiste no ponto mais controvertido em uma decisão de certificação”. [12]

A evolução doutrinária e jurisprudencial demonstra um esforço em mitigar insuficiências do controle ope legis, promovendo uma análise mais criteriosa e contextualizada pelos tribunais, que assegure uma representação alinhada aos interesses da classe representada.

A tramitação de propostas como o PL 1.641/21 evidencia o reconhecimento de que, apesar dos avanços, a legislação brasileira no tocante aos processos coletivos necessita de aprimoramentos. A função jurisdicional dos tribunais vai além do mero cumprimento de requisitos legais, buscando evitar a instrumentalização inadequada de ações coletivas e promovendo uma tutela mais justa e eficiente dos direitos metaindividuais.


[1] COSTA, Susana Henriques da. O controle judicial da representatividade adequada: uma análise dos sistemas norte-americano e brasileiro. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.). As grandes transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao professor Kazuo Watanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 2-3

[2] Ainda que se fale de eficácia erga omnes da coisa julgada apenas na hipótese de o resultado da demanda ser positivo à coletividade (art. 18 da Lei 4.717/65), aponta-se um discutido efeito negativo da improcedência meritória de ações coletivas, qual seja, a impossibilidade de repropositura da ação com base no mesmo acervo fático-probatório utilizado quando da propositura da demanda original, caso inócua por eventual insuficiência técnica ou jurídica dos patrocinadores da causa.

[3] VASCONCELOS, Andre. Class actions. Ações coletivas nos Estados Unidos: o que podemos aprender com eles? Salvador: JusPodivm, 2013, p. 131.

[4] Ibid., p. 133.

[5] STJ, 3ª Turma, REsp 2.035.372/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 21/11/2023; e STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp 1.350.108/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 14/8/2018.

[6] LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2021. pp. 202-203.

[7] CALDO, Diego Santiago y. Ações coletivas: representatividade adequada sob a ótica comparada. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p. 211.

[8] Ibid., p. 206-216.

[9] Veja-se: STF, Pleno, ADI nº 1282 QO/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 29/11/02, p. 17; STF, 1ª Turma, RE nº 196.184/AM, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 18/2/5, p. 6; STF, Pleno, ADI nº 3.059 MC/RS, Rel. Min. Carlos Brito, DJ 20/8/4, p. 36; e STF, Pleno, ADI nº 2.350/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 30/4/4, p. 28.

[10] Projetos de Lei 4.441/2020, 4.778/2020 e 1.641/2021.

[11] COSTA, op. cit., p. 22. No mesmo sentido, Ricardo de Barros Leonel preleciona que a “realidade do processo coletivo no dia a dia do foro bem como a dinâmica experiência que ele proporciona (…) fortalecem a percepção no sentido de que o controle judicial pode ocorrer” (LEONEL, op. cit., p. 202).

[12] VASCONCELOS, op. cit., p. 134.

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Eficácia imediata da reforma trabalhista

A Lei 13.467/2017 alterou a Consolidação das Leis do Trabalho e as Leis 6.019/1974, 8.036/1990 e 8.212/1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

Propõe-se examinar a eficácia no tempo das normas de natureza material previstas naquele diploma legal.

A Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, tem início de vigência depois de 120 dias de sua publicação oficial (artigo 6º), ocorrida em 14/7/2017. Desse modo, entende-se que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017.

Conforme o princípio da irretroatividade das leis, estas dispõem para o futuro, não atingindo fatos passados. O referido princípio tem como objetivo a garantia da segurança jurídica, em consonância com o artigo 5º, caput, da Constituição da República.

Nesse contexto, a Constituição de 1988, no artigo 5º, inciso XXXVI, estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Assim, ficam resguardados: os atos consumados à época da lei anterior; os direitos já integrados definitivamente ao patrimônio jurídico do titular antes da vigência da nova disposição; as questões definitivamente decididas pelos tribunais.

Ao se analisar a eficácia no tempo da norma de Direito do Trabalho, deve-se destacar que a relação de emprego tem duração continuada, ou seja, o contrato de trabalho é negócio jurídico de trato sucessivo.

A teoria do efeito imediato da norma jurídica é a que apresenta maior adequação, inclusive no Direito do Trabalho [1].

Entende-se que a nova disposição normativa tem aplicação imediata, de modo que incide sobre a relação de emprego em curso, regulando apenas os fatos ocorridos daí para frente, sem atingir eventos anteriores já consumados. Se a norma de Direito do Trabalho fosse aplicada aos fatos anteriores à sua vigência, o seu efeito seria retroativo, e não imediato.

Obviamente, o contrato de trabalho já extinto não é alcançado pela norma jurídica posterior à cessação do vínculo, mas a relação de emprego iniciada após a nova disposição normativa é por esta regulada.

Foto: Portal Brasil/Divulgação

O artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Trata-se do mesmo critério seguido pelo artigo 912 da CLT, ao prever que os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência da Consolidação das Leis do Trabalho.

O direito adquirido é aquele que integra o patrimônio jurídico da pessoa. O direito é considerado adquirido no momento em que o titular preenche os seus requisitos, podendo, assim, exercê-lo quando quiser. Logo, não se exige o seu efetivo exercício. Antes do cumprimento dos requisitos para a sua aquisição, tem-se a mera expectativa de direito.

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não há direito adquirido a regime jurídico, ou seja, de permanecer em certo regime jurídico (formado por normas jurídicas, em regra genéricas e abstratas, que compõem o ordenamento jurídico ou o Direito objetivo), mesmo depois da sua modificação legal [2].

Frise-se que as modificações decorrentes da Lei 13.467/2017 não tratam de alteração contratual imposta pelo empregador ou oriunda da vontade das partes, pois decorrem de nova determinação legislativa, o que, a rigor, afasta a incidência dos requisitos do artigo 468 da CLT quanto ao tema em estudo.

Irretroatividade

Mesmo que a nova lei seja de ordem pública, incide o princípio da irretroatividade. Desse modo, a garantia da segurança jurídica, por meio do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, deve ser observada inclusive em relação à nova disposição jurídica de ordem pública [3].

Se a Lei 13.467/2017 fosse aplicada aos fatos anteriores à sua vigência, o seu efeito seria retroativo, o que é vedado pelo artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição de 1988. Portanto, a nova disposição normativa deve incidir de forma imediata, mas não retroativa.

No caso da relação jurídica de emprego, como a sua execução se prolonga no tempo, a nova lei deve incidir de forma imediata, ou seja, quanto aos contratos em curso, aplicando-se aos fatos ocorridos posteriormente à modificação normativa, mas sem prejudicar as situações já consumadas.

A posição defendida também é confirmada pelo artigo 2.035, caput, do Código Civil de 2002, ao prever que a validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor desse Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no artigo 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência desse Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

O artigo 2º da Medida Provisória 808/2017 estabelecia que o disposto na Lei 13.467/2017 aplicava-se, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes. Entretanto, a Medida Provisória 808/2017 perdeu eficácia em 24 de abril de 2018, desde a edição, por não ter sido convertida em lei (artigo 62, § 3º, da Constituição da República).

Com isso, chegou a ganhar força o entendimento de que as previsões decorrentes da Lei 13.467/2017, que estabeleçam condições de trabalho menos benéficas ao empregado, ou seja, em patamar inferior ao anteriormente estabelecido, apenas seriam aplicáveis aos contratos de trabalho pactuados a partir da vigência do referido diploma legal, em respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido (artigos. 5º, inciso XXXV, 7º, caput, da Constituição da República).

Ainda assim, no âmbito administrativo, notadamente para fins de fiscalização trabalhista, de acordo com o Parecer 00248/2018/CONJUR-MTB/CGU/AGU, de 14 de maio de 2018, aprovado pelo Ministro do Trabalho (Diário Oficial da União de 15.05.2018), “entende-se que mesmo a perda de eficácia do artigo 2º da MP 808/2017, a qual estabelecia de forma explícita, apenas a título de esclarecimento, a aplicabilidade imediata da Lei 13.467/2017 a todos os contratos de trabalho vigentes, não modifica o fato de que esta referida lei é aplicável de forma geral, abrangente e imediata a todos os contratos de trabalho regidos pela CLT (Decreto-lei nº 5.542, de 1º de maio de 1943), inclusive, portanto, àqueles iniciados antes da vigência da referida lei e que continuaram em vigor após 11/11/2017, quando passou a ser aplicável a Lei 13.467/2017”.

Apesar do exposto, a eficácia imediata da Lei 13.467/2017 deveria respeitar a norma constitucional que proíbe a redução salarial. Efetivamente, conforme o artigo 7º, inciso VI, da Constituição da República, os trabalhadores urbanos e rurais têm direito à irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Nesse contexto, cabe lembrar a atual previsão da Súmula 191 do TST, notadamente em seu item III [4].

A respeito do tema, o Tribunal Superior do Trabalho fixou a seguinte tese para o Incidente de Recursos Repetitivos 23: “A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência” (TST, Pleno, IncJulgRREmbRep-528-80.2018.5.14.0004, rel. min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. 25/11/2024).

Com isso, decidiu-se no sentido da limitação da condenação ao pagamento de horas in itinere [5] e do intervalo do artigo 384 da CLT [6] a 10/11/2017, antes da vigência da Lei 13.467/2017 (TST, Pleno, E-RR-528-80.2018.5.14.0004 e RR-20817-51.2021.5.04.0022, rel. min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. 25/11/2024).

Cabe, assim, acompanhar os desdobramentos do referido entendimento, notadamente no âmbito do Supremo Tribunal Federal.


[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2024. p. 39-40.

[2] STF, Pleno, RE 575.089/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 24.10.2008.

[3] STF, Pleno, ADI 493/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 04.09.1992.

[4] “Adicional de periculosidade. Incidência. Base de cálculo. […] III – A alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade do eletricitário promovida pela Lei nº 12.740/2012 atinge somente contrato de trabalho firmado a partir de sua vigência, de modo que, nesse caso, o cálculo será realizado exclusivamente sobre o salário básico, conforme determina o § 1º do art. 193 da CLT”.

[5] O art. 58, § 2º, da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, passou a prever que o tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.

[6] O Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 528): “O art. 384 da CLT, em relação ao período anterior à edição da Lei nº 13.467/2017, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras” (STF, Pleno, RE 658.312/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 06.12.2021).

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O golpe, o avestruz e o negacionismo jurídico

Dizem que todo brasileiro é um técnico de futebol, a expressão está fora de moda, hoje em dia todo brasileiro é juiz, o pior, entretanto, é que trazem para o campo jurídico a paixão do torcedor, o que nunca dá certo.

Após a publicação do relatório da Polícia Federal sobre o golpe, surgem, agora, as narrativas contrapostas, que são adotadas pelo público de modo irrefletido e sem o mínimo de conhecimento técnico necessário.

Se fosse perguntado a alguém quem é Claus Roxin corria-se o risco de receber como resposta a referência a algum costureiro francês. Somente agora, quanto a Teoria do Domínio do Fato é uma das justificativas para o reconhecimento da malfadada tentativa de golpe, os partidários de lado a lado se lançam em uma disputa político-ideológica de um conceito puramente jurídico.

O jurista alemão Roxin aperfeiçoou um conceito já existente criado por um predecessor também alemão, Hans Welzel, de quem era contemporâneo (Roxin conta hoje com quase 100 anos de idade e Welzel é falecido), que não tem nada de político. O conceito é simples, possui o domínio do fato aquele que tem o controle sobre sua realização, se determinar que ocorra, acontecerá, se determinar que não ocorra, nada se fará.

É a figura do chefe, do líder, do mandante, daquele de cuja vontade dependerá a prática do crime. Quem tem o domínio do fato não precisa (e usualmente não faz) participar dos atos de execução, da ação concreta, do comportamento dito comissivo ou positivo. Aliás, na função de líder normalmente estará longe da prática do fato em si.

Wikimedia commons

Pode agir de modo que o fato ocorra e estar, até mesmo, em outro país, isto nada importa, porque o crime ocorre por força e influência de sua vontade. Esta discussão é um tanto quanto insensata, no Direito Brasileiro prevalece a figura do mandante como autor do crime, tanto assim que no artigo 62, inciso I do Código Penal está descrito que a pena será agravada para quem promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes.

Resumidamente, ao mandante será aplicada a pena do crime e mais um pouco ao critério do julgador. Simples assim. Agora, se estivéssemos na Alemanha, onde a Teoria se criou, a discussão teria razão de ser, porque, naquele país, as penas aplicadas a quem tem o domínio do fato (mandante) é diferente daquele que executou (executor) o crime.

O que parece estar por detrás destas questões não é a aplicação da teoria em si, mas da aferição (prova) do agente ter sido o mandante ou não, dele ter o domínio do fato com a poder de determinar que aconteça ou negar que o seja. É aqui que surgem duas narrativas mais efetivas, a primeira é o clássico “eu não sabia de nada”, a segunda é que isto implica em atribuir ao acusado o ônus de produzir a prova impossível de não ter feito nada.

Abelardo Barbosa tinha o jargão “Nada se cria, tudo se copia”, uma paráfrase de Lavoisier, o cientista francês que dizia “Na natureza nada se cria, tudo se transforma”. Quem diria que Chacrinha fosse um pensador tão profundo. A tese do “eu não sabia de nada” é usada cotidianamente em processos criminais, especialmente nos delitos de sonegação fiscal.

Muito dos artigos sobre responsabilidade penal objetiva e decisões sobre o tema são resultado desta modalidade criminosa. Outra porção vem do crime organizado. Na sonegação de nove em cada dez processos o empresário sonegador se defende dizendo que não tinha conhecimento da fraude fiscal, que era realizada pelo departamento contábil sem sua aquiescência, como método usual de administração cotidiana. Logo, sem saber de nada, não pode ser acusado e muito menos condenado pela acusação.

Curiosamente, também em nove de cada dez processos se afirma que as guias de recolhimento tributário e a documentação fiscal não possuía assinatura dos empresários, que de nada sabiam. Portanto, a falta de uma prova positiva de autoria impediria a condenação. Isto é muito comum também nas hipóteses de furto de água, quando o dono do ponto de consumo diz desconhecer que havia um desvio que permitia o consumo sem remuneração.

Entretanto, dez em cada dez processos deste tipo resultam em condenação, isto porque a sonegação implica em um ganho palpável, um lucro, para o agente, que não poderia passar desapercebido. Mais precisamente, o ganho derivado da sonegação era visível para qualquer um que administrasse a empresa, até porque era evidente a falta de recolhimento tributário.

Avestruz

Diga-se o mesmo, também, da água, cujo desvio leva o consumo para um nível insignificante, é impossível que este fato não seja percebido. De outra banda, agora dentro do aspecto probatório, é costumeiramente adotada a figura da Teoria do Avestruz.

Apesar de num primeiro momento parecer que estamos retomando a folclórica figura do Chacrinha, não é o caso. O Avestruz (aqui grafado em maiúscula) é uma ave simpática, não voadora, que tem o hábito de encostar o rosto no chão primeiro para ouvir a aproximação de algum predador e depois para se disfarçar com a plumagem.

A lenda se alastrou que a ave enterrava a cabeça no chão por medo e assim se popularizou. A Teoria do Avestruz ou Teoria da Cegueira Deliberada é antiga, deita raízes na Inglaterra, século 19, no caso Regina vs. Sleep, onde ficou conhecida também como “Willful Blindness” ou “Conscious Avoidance Doctrine” (Doutrina da Ignorância Consciente) ou, popularmente, “Ostrich Instructions” (Instruções do Avestruz).

Depois se popularizou nos Estados Unidos, acolhida em diversos casos criminais, principalmente de receptação. Podemos definir a Teoria do Avestruz como a ação do agente criminoso que se coloca deliberadamente em uma posição de ignorância em relação a ação criminosa, quando na verdade não somente assumiu o risco, mas se beneficiou ou se beneficiaria da ação criminosa.

O agente declara que nada sabia ou não fez nada, quando tinha todos os indicativos de que a conduta ocorria e de que seria beneficiado, não tendo, todavia, agido de modo direto para tanto. O agente toma conscientemente a decisão de manter-se na ignorância em relação a ação criminosa.

Veja-se a tangência entre a Teoria do Domínio do Fato e a Teoria do Avestruz, como o líder não pratica os atos executórios, sempre pode dizer que de nada sabia, casando as duas linhas de defesa. Resumindo: o agente não tinha domínio sobre o que acontecia porque não mandava ou não tinha como impedir, ao mesmo tempo, não tinha como saber de nada.

Vejamos estes argumentos à luz do informado publicamente pelo relatório da Polícia Federal. O presidente tem nominalmente o comando das Forças Armadas, é o comandante em chefe, logo, tecnicamente, nenhuma ação militar poderia ser desfechada sem sua aquiescência, mais ainda, os chamados golpistas eram membros da sua assessoria direta, ministros, generais, ajudante de ordens, políticos, divulgadores, advogados, almirantes, brigadeiros, deputados, senadores e o candidato a vice, que emplacava quase todas estas denominações.

Todos com vínculo direto e pessoal. Assim, estando em pleno exercício do seu poder de comando, torna-se o responsável pelas ações praticadas. E aqui vai uma observação o específica, dentre os golpistas esta listado o presidente do Partido Liberal, Valdemar da Costa Neto, este, por sua vez, não tinha nenhuma relação ou contato com as carreiras militares, o único vínculo do líder partidário com a esfera militar era justamente o presidente da República e desta forma somente ele poderia fazer a ligação entre ambos.

“Eu não sabia de nada” é uma frase de triste memória, evoca a justificativa e muitos alemães no pós-segunda guerra mundial quanto ao Holocausto. O historiador canadense Robert Gellately, (“Apoiando Hitler” -Editora Record, 2011) destacou que as práticas criminosas eram publicadas em jornais, discutidas claramente e que o extermínio era considerado um fato positivo, que os campos e concentração eram locais de confinamento de judeus sem ordem judicial, por força policial.

Nada era escondido

Da mesma forma que no Brasil se fizeram acampamentos pedindo o golpe, manifestações pedindo que o presidente desse o golpe (eu autorizo), marchas, preces públicas (até para um pneu), imitações de marchas militares (muito à fascista) e outras tantas crises.

Logo, o desconhecimento é uma afirmação temerária. Resta, por último, a questão da prova maldita, ou diabólica, o presidente não poderia provar que não fez, mas o raciocínio é, este sim, perverso, não se trata de provar que não fez, mas de provar que outros o fizeram sem sua concordância, o que, ao que se nos afigura, se torna muito difícil.

Existe o negacionismo climático, agora, parece, estamos defronte ao negacionismo jurídico, uma tentativa de negar o valor dos fatos. Como já anotamos, na história, deu no que deu.

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‘Uruguay nomás’: a democracia plena na América do Sul

O Uruguai está localizado estrategicamente posicionado no centro entre Brasil e Argentina, sendo o segundo menor território de um país sul-americano depois do Suriname. Com população de aproximadamente 3,4 milhões de habitantes, o Uruguai é terceiro país menos populoso da América do Sul, perdendo apenas para o Suriname e a Guiana.

O Uruguai é o único país da América do Sul que ostenta a condição de full democracy (democracia plena) de acordo com Índice de Democracia publicado pela unidade de inteligência da revista The Economist [1]. Segundo o ranking, o Uruguai é o país mais democrático da América do Sul com pontuação média de 8.66 sobre 10. Essa pontuação inclui quatro categorias: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis. Na categoria processo eleitoral e pluralismo, o Uruguai alcança impressionantes 10 pontos! Na categoria liberdades civis, recebeu 9.71, o que, novamente, impressiona.

Mas como podemos traduzir esses números?

Essas quatro categorias são decorrentes de uma cultura uruguaia de respeito a sua democracia constitucional, desde a redemocratização em 1985, assim entendida como uma democracia liberal representativa com ampla participação popular.

No início do ano de 2024, os deputados do Partido Nacional [2], de centro direita, apresentaram um projeto de lei para combater os chamados “deepfakes”, um acrônimo usado para se referir a áudios, imagens ou vídeos gerados por edição ou por meio de inteligência artificial (IA), que imitam a aparência e a voz característica de uma pessoa.

No projeto, buscaram garantir que a campanha eleitoral não seja contaminada por anúncios e notícias enganosas, e propõe penas de um a seis anos de prisão para quem gerar vídeos falsos sobre políticos ou pré-candidatos presidenciais de diferentes partidos.

Na véspera das eleições presidenciais, os partidos políticos uruguaios firmaram com as principais lideranças de imprensa um pacto onde se comprometeram a “não gerar ou promover notícias falsas ou campanhas de desinformação em detrimento de oponentes políticos” [3].

As eleições presidenciais de 2024, tanto no primeiro, como no segundo turno, transcorreram sem intercorrências relevantes, tendo sido Yamandú Orsi, da Frente Ampla, eleito no segundo turno, por pequena margem de diferença em relação ao candidato do Partido Nacional, Álvaro Delgado.

No último mês, além da eleição presidencial, os uruguaios também foram as urnas para decidir duas questões: uma relativa a direitos sociais sobre a forma de previdência social, em plebiscito impulsionado pela central única sindical (PIT-CNT) [4], onde se propunha a redução da idade mínima para aposentadoria de 65 para 60 anos e a abolição da previdência privada, alterando o art. 67 da Constituição; e  outra relativa às liberdades individuais, em plebiscito sobre a autorização de operações policiais nas residências durante a noite, modificando o artigo 11 da Constituição. Ambos foram rejeitados.

Na forma do artigo 331 da Constituição uruguaia, uma reforma constitucional pode ser iniciada por participação popular direta, desde que seja alcançado o percentual mínimo de 10% dos cidadãos, por iniciativa de dois quintos dos membros da Assembleia Geral (Poder Legislativo). Em ambos os casos, a reforma só se efetivará se alcançada a maioria absoluta em votação popular ou plebiscito.

Além disso, também podem os poderes legislativo e executivo iniciarem uma reforma constitucional, cujo projeto deve ser aprovado pela maioria absoluta dos membros da Assembleia Geral e, nesse caso, deve o poder executivo convocar uma Convenção Nacional Constituinte que deliberará sobre a reforma da Constituição e submeterá o projeto ao referendo popular.

Por fim, as leis constitucionais (ou de hierarquia constitucional) podem ser aprovadas por dois terços do total de membros de cada casa legislativa, mas para efetivamente modificarem a Constituição precisam de concordância da maioria absoluta do eleitorado, que deve ser convocado especialmente para votação das referidas leis.

Essa complexa fórmula integrada de máxima participação popular direta, em sinergia com a democracia representativa, para decidir temas estruturais da democracia constitucional uruguaia já levou a população a decidir sobre temas capitais e sensíveis como: a derrogação da lei de anistia; a independência do orçamento do Poder Judiciário; estatização da água potável; monopólio da empresa nacional de petróleo (Ancap); reformas eleitorais; reformas previdenciárias; diminuição da idade penal, entre outras.

Com os exemplos atuais e das práticas democráticas constantes, desde que o Uruguai recuperou sua democracia constitucional em meados dos anos 80 do século passado, é possível ver um processo eleitoral limpo e democrático, que garante eleições autênticas no país, associada a uma cultura de democracia e de participação popular constante na tomada de decisões políticas fundamentais.

A rejeição dos uruguaios pelo modelo de polarização e a preferência por moderação fazem o país avançar com largos passos de vantagem relativamente as liberdades civis, políticas e econômicas em relação aos demais países da região.

A título de exemplo, o Uruguai foi o primeiro país sul-americano a estabelecer o aborto legalizado e seguro, desde 2012.  É o primeiro país a prever a isenção de pena no caso do chamado homicídio piedoso, quando o autor do homicídio comete o crime em razão de reiteradas súplicas da vítima, isso desde 1934. Em 2013, o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a legalizar e regulamentar a produção e o consumo da cannabis.

A condição de democracia plena do Uruguai é condizente com outra conquista do país: o primeiro colocado no Índice de Estado de Direito do World Justice Project [5].

Bons perdedores

Toda essa prosperidade de direitos políticos e civis faz com que o Uruguai receba ainda outro título: o de sexto país mais livre do mundo, obviamente o mais livre da América do Sul, de acordo com o Freedom in the World, da ONG americana Freedom House [6].

Com isso, lembro a música de Jorge Drexler que diz “¿quién le roba un beso a Maracaná? Uruguay nomás. Uruguay nomás…”, que faz alusão aos gritos da torcida da garra charrúa pela seleção de futebol, a celeste, quando comemora o feito histórico de ter ganhado a Copa do Mundo do Brasil em pleno Maracanã, em 1950.

Precisamos reconhecer racionalmente nossa derrota em relação aos uruguaios no futebol e na vida democrática, como um incentivo a aprimorarmos o nosso Estado Democrático de Direitos e as suas liberdades de forma plena na América do Sul. Quem sabe assim, poderíamos deixar essa derrota de 7×1 para traz, dessa vez não contra a Alemanha, mas contra o Uruguai, que nos dá uma goleada de democracia constitucional na prática. Até que consigamos, vamos seguir a música orgulhosa da torcida e dizer: “Uruguay nomás, Uruguay nomás”! … é o Uruguai e nenhum mais [7].


[1] https://www.eiu.com/n/campaigns/democracy-index-2023/

[2] http://www.diputados.gub.uy/data/docs/LegActual/Repartid/R1098.pdf

[3] https://www.undp.org/es/Firma_reafirmacion_pacto_etico_desinformacion

[4] https://ladiaria.com.uy/politica/articulo/2024/4/el-pit-cnt-alcanzo-el-minimo-de-270000-firmas-para-realizar-el-plebiscito-sobre-seguridad-social/

[5] https://worldjusticeproject.org/sites/default/files/documents/WJP-Global-ROLI-Spanish.pdf

[6] De acordo com os parâmetros o Uruguai alcança 96 pontos sobre 100 no medidor de respeito as liberdades https://freedomhouse.org/

[7] “Uruguai nomás” é uma expressão uruguaia que significa “Uruguai e nada mais” ou “Vamos, Uruguai!”. É usada para celebrar vitórias, conquistas e outras alegrias, e é considerada um ícone nacional. A expressão é uma abreviação de “Uruguai no más”, que por sua vez é uma abreviação de “Uruguai y nada más”.

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Ainda sobre a Súmula Carf 210: do Tema nº 13 do STF e do apelo às consequências

Há um par de semanas, nesta Direto de Carf, foi publicada outra coluna (aqui) abordando temática de que tratamos no derradeiro do mês de outubro (aqui): a recém-aprovada Súmula Carf nº 210.

Além do respeitoso debate de ideias ser salutar, impossível deixar de destacar ter sido para este espaço convocado nome de peso para advogar contra o verbete sumular chancelado pela 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF): ao lado do meu estimado colega colunista, a professora Livre Docente coloca a termo todas as interessantíssimas ponderações declinadas no X Seminário Carf. A leitura instigou novas reflexões [1], razão pela qual o elejo (mais uma vez) como objeto do ensaio desta semana.

Passos para trás: a solidariedade no CTN

Curioso pensar como nosso CTN, editado em atroz regime, não só veio a ser materialmente recepcionado pela pródiga Carta de 1988, como mantém sua higidez, malgrado as alterações sofridas nestes seus quase 60 anos.

São dois os incisos do artigo 124 que arrolam aqueles solidariamente obrigados ao recolhimento do tributo:

– o inciso I que menciona “as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal”; e,

– o inciso II que indica “as pessoas expressamente designadas em lei.

Como bem esclarece a ex-conselheira do Carf Junia Sampaio,

“[a] doutrina majoritária classifica as hipóteses acima mencionadas de solidariedade de fato (inciso I) e solidariedade jurídica (inciso II). No entanto, (…), embora o CTN tenha utilizado a expressão “designadas por lei” apenas na hipótese do inciso II, não é possível admitir que a situação prevista no inciso I estivesse fora de uma previsão legal, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade estrita (artigo 150, I, CF/88)” [2].

O inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91, que não foi afastado por ilegalidade ou inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário, determina que “as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta lei”. O que pretende aclarar o verbete sumular Carf de nº 210 é que a hipótese de solidariedade trazida no inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91 vincula-se ao inciso II do artigo 124 do CTN (pessoa expressamente designada em lei) – e não ao inciso I do artigo 124 do CTN (interesse comum no fato gerador). Esta é a primeira premissa que há de ser repisada.

Caracterização de grupo econômico: a súmula como um cheque em branco à fiscalização?

Da doutrina e da jurisprudência colhem-se outros valiosos ensinamentos para a interpretação do disposto no inciso II do artigo 124 do CTN: o primeiro é que, como bem ensina a professora Misabel Derzi, em suas notas de atualização à obra de Baleeiro, solidariedade “não é forma de inclusão de um terceiro no polo passivo da obrigação tributária, apenas forma de graduar a responsabilidade daqueles sujeitos que já compõem o polo passivo” [3]. O segundo é que não poderia o legislador ordinário imputar solidariedade a devedores que, por disposição do Digesto Tributário, devam responder subsidiariamente. O terceiro é que “[o] art. 124, II, do CTN não autoriza o legislador a criar, a título de solidariedade, novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN” [4].

Este terceiro ponto que pretendemos melhor abordar na tentativa de agregar às considerações trazidas na coluna publicada mais recentemente (aqui).

Valendo-me novamente das palavras da caríssima Junia Sampaio, “a imputação do vínculo de solidariedade pressupõe que o sujeito mantenha relação, ainda que indireta, com o fato gerador tributário ou com a pessoa que o realizou (art. 128 do CTN)” [5]. O artigo 128 do CTN não aborda a necessidade de demonstração de “interesse comum no fato gerador” – ex vi do inciso I do artigo 124 do CTN –, e sim apenas uma vinculação, ainda que singela, do responsável ao fato gerador da obrigação tributária.

A segunda premissa importante a ser frisada é a de que não tem a Súmula Carf nº 210 a pretensão de definir qual grupo econômico é passível de responsabilização solidária, como insistimos noutra oportunidade (aqui). Tanto é assim que, na data de ontem [6], a CSRF houve por bem não conhecer de recursos especiais versando sobre o tema, justamente por dissidência na caracterização dos grupos, deixando de aplicar o verbete sumular. Ora, se estivéssemos diante de uma “responsabilidade objetiva”, por qual motivo atentar-se para os fatos caracterizadores do grupo econômico? E, não menos salutar é pontuar não ser o verbete de observância obrigatória à fiscalização fazendária – ex vi do §13 no artigo 25 do Decreto nº 70.235/73.

Tampouco trouxe a Lei nº 8.212/91 quaisquer contornos para melhor delimitar a responsabilidade solidária das empresas que integram o grupo econômico de qualquer natureza. No âmbito da Receita Federal tal lacuna é suprida pela Instrução Normativa RFB nº 2.110/2022, que inclusive replica, no inciso I do seu artigo 136, a hipótese de responsabilidade ora abordada.

O § 2º do seu artigo 275, curvando-se às alterações inseridas na CLT pela reforma trabalhista de 2017, determina que

“[n]ão caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes (CLT, artigo 2º, § 3º).

Em que pese ser despicienda a demonstração do “interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal” (inciso I do artigo 124 do CTN), a leitura do dispositivo denota ser essencial a comprovação de um plus, de algo além do mero fato de ostentarem idêntico quadro societário para fazer atrair a responsabilidade.

Esclareço que, embora  mencionado (aqui) que a Súmula Carf nº 210 afrontaria o Parecer Normativo Cosit/RFB nº 4/18, seu escopo é a responsabilidade solidária fundada no inciso I do artigo 124 do CTN [7] – e não na do inciso II do artigo 124 do CTN, como a prevista no inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91. Apesar de o parecer não se prestar interpretar quaisquer dos dispositivos indicados no verbete sumular, podemos dele coletar importante conclusão:

“[A] terminologia ‘grupo econômico’ deve ser lida com cuidado, pois é plurívoca. (…). Pode ocorrer de em uma determinada situação os requisitos para a configuração do que se denomina ‘grupo econômico’ sejam mais restritos, ou mesmo distintos, do que em outra.”

O “interesse comum”, na forma exigida no inciso I do artigo 124 do CTN é inaplicável para a configuração da responsabilidade prevista no inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91; contudo, reconhece a própria Receita Federal que, para a configuração do grupo econômico pode haver requisitos “mais restritos, ou mesmo distintos” a depender da situação configurada.

Essas constatações me parecem sinalizar para a insubsistência do receio de que autos de infração sejam lavrados contra todo e qualquer integrante de grupo econômico. Não deu a súmula um “cheque em branco” às auditoras e auditores fiscais: a uma, pelo enunciado não definir os elementos caracterizadores do grupo econômico sobre o qual recairá a responsabilidade; a duas porque os auditores sequer são obrigados a observar súmula do Carf, diferentemente do que ocorre com os pareceres e instruções exarados pela própria RFB – vide inciso I do artigo 100 do CTN e inciso I do artigo 33 da IN RFB nº 2.058/21. Ressalve-se que a força vinculante existe apenas em situações idênticas: ao lavrar uma autuação com base no inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91 c/c o inciso II do artigo 124 do CTN não devem obediência ao Parecer Normativo Cosit/RFB nº 4/18 que, como esperamos ter demonstrado, trata exclusivamente do inciso I do artigo 124 do CTN.

As distintas nuances do Tema nº 13 do STF

Indagado (aqui) “o que distingu[iria] o artigo 13 da Lei 8.620/1993, julgado pelo STF sob regime de recursos repetitivos, do caso concreto?” com a conclusão de que “[a]penas os termos “sócios” e ‘grupo econômico’, uma vez que todo fundamento de decidir (ratio decidendi) é exatamente o mesmo”. Com todo o respeito, entendo de modo diverso.

A constitucionalidade da norma veio a ser desafiada por extrapolação do disposto no inciso III do artigo 135 do CTN, que versa sobre responsabilidade pessoal, com consequente afronta à alínea “b” do inciso III do artigo 146 da CRFB/88 (matérias reservadas à lei complementar). O debate, com a devida vênia, não guarda relação com o objeto da Súmula Carf nº 210. Peço licença para transcrever, a meu aviso, o ponto nodal do desate do Tema de nº 13 do STF, colhido da ementa de seu leading case:

“O art. 13 da Lei 8.620/93 não se limitou a repetir ou detalhar a regra de responsabilidade constante do art. 135 do CTN, tampouco cuidou de uma nova hipótese específica e distinta. Ao vincular à simples condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da sociedade limitada perante a Seguridade Social, tratou a mesma situação genérica regulada pelo artigo 135, III, do CTN, mas de modo diverso, incorrendo em inconstitucionalidade por violação ao artigo 146, III, da CF”.

Diferentemente do artigo 13 da Lei nº 8.620/93, que imputava responsabilidade às pessoas físicas extrapolando as balizadas do artigo 135 do CTN, o inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91 traz a responsabilidade solidária de pessoas jurídicas. A ratio decidendi do Tema de nº 13 é outra, eis que “as normas previstas nos artigos 134 e 135 não se referem a responsabilidade tributária das pessoas jurídicas” [8], como há muito alertou Junia Sampaio.

O apelo às (supostas) consequências e ao terror

Por derradeiro, muitos dos opositores da Súmula Carf nº 210 filiam-se ao entendimento de que, “(…) infelizmente a [sua] aplicação (…) acabará por contribuir para o desnecessário aumento de litigiosidade, e não nos parece haver qualquer possibilidade de manutenção da responsabilidade tributária objetiva no Judiciário” (aqui).

A preocupação parece flertar com o argumentum ad consequentiam (apelo às consequências) e, em certa medida, com o argumentum in terrorem (apelo ao terror). Este diz respeito ao uso de um temor, não baseado em evidências, como motivador para que uma ideia ou uma proposição seja aceita; ao passo que o primeiro se atrela à conclusão de que uma ideia seria verdadeira ou falsa porque as consequências de sua verdade ou falsidade seriam desejáveis ou indesejáveis [9].

Concordo que “[p]onderações críticas acerca do modelo da ‘sumularização’ do Direito” (aqui) são imprescindíveis; entretanto, exercícios de previsão de catastrófico futuro não escorado em dados pode acabar por precipitar desconfortos com algo que pode sequer vir a se materializar. Não detenho a certeza de qual postura será tomada pelo Poder Judiciário, caso provocado a se manifestar sobre controvérsias envolvendo o enunciado da Súmula Carf nº 210.

Isso porque, parcos são os recursos especiais, que versam especificamente sobre a responsabilidade atribuída ao grupo econômico pela Lei nº 8.212/91, apreciados pelo colendo STJ. Transcrevo, no que importa, excertos de precedentes daquela corte que, a meu ver, chancelam o que dispõe a legislação – e a súmula editada:

“Quando se sabe que a solidariedade fixada na legislação previdenciária é bastante amplaa ponto de bastar que uma das componentes do grupo não cumpra suas obrigações fiscais, para que outra as assuma, é de extrema importância que o acórdão estabeleça se, no caso concreto, ficou configurado a existência de grupo empresarial.[10]

[O] caso em apreço versa sobre a solidariedade estipulada no inc. II do art. 124 do CTN (…). A lei invocada pela origem para a aplicação dessa regra foi o art. 30, inc. IX, da Lei n. 8.212/91 (…).

[N]ão se aplica no caso concreto a jurisprudência desta Corte de que inexiste solidariedade passiva em execução fiscal apenas por pertencerem as empresas ao mesmo grupo econômico, já que tal fato, por si só, não justifica a presença do “interesse comum”, tendo em vista que essa locução – interesse comum – é oriunda no inc. I do art. 124 do CTN e não do inc. II, sob análise [11].

Os limites do contencioso administrativo fiscal

Para a pergunta de “se existe sequer um argumento capaz de afastar a inconstitucionalidade e a ilegalidade do artigo 30, IX, da Lei nº 8.212/91” (aqui) – caberá ao Poder Judiciário responder, caso venha futuramente a ser provocado.

No atual estado da arte, permanece no ordenamento o inciso IX do artigo 30 da Lei nº 8.212/91, razão pela qual são as conselheiras e os conselheiros do Carf, no estrito exercício do controle de legalidade do lançamento, obrigados a observá-lo. Inexiste precedente vinculante apto a afastar a aplicação da norma de responsabilidade prevista na Lei nº 8.212/91, de modo a autorizar a invocação do parágrafo único do artigo 98 do RICarf.

Não se nega que os desafios são muitos e a realidade constantemente cambiante é assaz complexa; contudo, nem todas as situações são complicadas como a priori parecem ser. Como bem aclara o ministro Mauro Campbell Marques,

“à luz do art. 124, inc. II, do CTN e do art. 30, inc. IX, da Lei nº 8.212/91, basta aferir se, a partir do contexto fático-probatório dos autos, há elementos suficientes para caracterizar a existência de ’empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza’, para, em caso positivo, concluir pela existência de solidariedade” [12].

O fato de a súmula, editada com respaldo em norma ainda vigente, desagradar não significa estar eivada de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade. E, ainda que esteja, só ao Poder Judiciário compete expurgar do ordenamento jurídico a norma que a ampara, caso vislumbre as indigitadas afrontas à Carta Constitucional e/ou ao Digesto Tributário. Agradando ou não há de ser a Súmula Carf nº 210, no âmbito do contencioso administrativo fiscal federal, observada.


[1] Por falar em reflexões, não posso deixar de agradecer aos meus eternos – e queridíssimos – Presidentes da 2202, MÁRIO HERMES S. CAMPOS, RONNIE S. ANDERSON e SONIA ACCIOLY pelas considerações que contribuíram para a redação do texto final. Neste mês, em que completo seis anos junto ao Carf, registro toda minha gratidão por, com eles, e com tantos outros, ter aprendido e aprender tanto.

[2] SAMPAIO, Junia R. G. A Responsabilidade Tributária nos Grupos Econômicos. In: MACHADO SEGUNDO, Hugo de B.; MURICI, Gustavo L.; RODRIGUES, Raphael S.. O Cinquentenário do Código Tributário Nacional, V. 1. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017, p. 581/598.

[3] Cf. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,2007, p. 729.

[4] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. São Paulo: Saraiva Educação, 2020 [e-book].

[5] SAMPAIO… Idem.

[6] Cf. processos nºs 10166.724557/2014-12, 10166.724560/2014-28 e 10166.724917/2014-78.

[7] Cf. o objeto do parecer: “A consulente informa que se trata da ‘possibilidade de atribuição de responsabilidade ao terceiro que praticou atos ilícitos em conjunto com o contribuinte, com fundamento no art. 124, I, do Código Tributário Nacional (CTN)”.

[8] Cf. SAMPAIO … Idem.

[9] Cf. BENNETT, Bo. Logically Fallacious: The Ultimate Collection of Over 300 Logical Fallacies. Sudbury: eBookIt, 2012 [e-book].

[10] STJ. AgRg no REsp nº 1.097.173/RS, julgado em 23/4/2009.

[11]STJ. REsp nº 1.144.884/SC, julgado em 7/12/2010.

[12] Idem.

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Jogos de azar: a aposta na regulação das promessas sem futuro e o paradoxo da transparência

As reflexões aqui presentes visam desmistificar a pseudoidentidade e a consequente propriedade de igual prevenção e tratamento entre o fenômeno das bets e os contratos do consumidor. Embora seja certo que de fato geram consequências similares às do fenômeno social do superendividamento.

A Teoria Contratual, graças à plasticidade, atravessou séculos se mantendo íntegra quanto aos seus pressupostos, apesar das concessões feitas aos conflitos sociais [1]. No campo do Direito do Consumidor, essa dimensão de plasticidade ganha amplitude na perspectiva de enfrentar os desafios dos conflitos plurais, difusos e imprevisíveis. Em consonância com a força do microssistema [2], incide sobre novas relações contratuais.

As bets são as casas de apostas esportivas online de quota fixa, que estão em processo de regulamentação no país. A oferta de sites de apostas esportivas é liberada no Brasil desde 2018, no Governo Temer, segundo a Lei Federal nº 13.756, que autorizou as apostas esportivas de quota fixa [3], criando um marco legal que as diferencia das atividades de jogo de azar não regulamentadas, que são, de fato, contravenções penais de acordo com o artigo 50 da Lei de Contravenções Penais.

Em verdade, o que temos é um veículo de transferência direta de valores que assume, por força da relação imediata com a necessidade de contorno jurídico, uma roupagem contratual. Noutra dimensão de análise, a essa roupagem contratual adiciona-se a presunção de vulnerabilidade de um dos polos da relação imediata, que situa o “apostador” mais próximo à condição de consumidor, em razão da iniquidade.

No que tange às construções normativas sobre a matéria, registramos: em 29 de dezembro de 2023, foi editada a Lei Federal nº 14.790. Apesar de ficar conhecida como a “Lei das Bets”, a legislação ampliou a possibilidade de jogos de apostas para além das esportivas e estabeleceu critérios de tributação, requisitos para exploração do serviço e destinação das receitas arrecadadas, determinando também as sanções em caso de descumprimentos e definindo as competências do Ministério da Fazenda na regulamentação, na autorização, no monitoramento e na fiscalização das atividades relacionadas ao mercado de apostas de quota fixa.

Posteriormente, a Portaria nº 1.330/23 do Ministério da Fazenda “dispõe sobre as condições gerais para exploração comercial da modalidade lotérica de aposta de quota fixa no território nacional” e estabelece critérios técnicos para jogos de apostas online, nos quais os resultados são aleatórios, criados a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definido no sistema de regras, como o “Jackpot”.

A referida regulamentação ficou conhecida como “Portaria do Jogo Responsável” e define medidas como: limites de tempo e de perda por apostador e elaboração de um cadastro para proteger os jogadores, incluindo períodos de pausa e autoexclusão. Em relação às ações de comunicação, de publicidade e de marketing, a portaria estabelece regras como, por exemplo, a transferência para as próprias empresas do setor a responsabilidade de “conscientizar” os apostadores sobre a importância do “jogo responsável”.

Em linha de continuidade com a “Portaria do Jogo Responsável”, cumpre destacar duas subsequentes portarias do Ministério da Fazenda: Em agosto, a Portaria nº 1.231/24, que estabelece “regras e diretrizes para o jogo responsável e para as ações de comunicação, de publicidade e propaganda e de marketing”, além de regulamentar “os direitos e deveres de apostadores e de agentes operadores”. Em setembro, a Portaria nº 1.475/24, que dispõe sobre as condições e os prazos de adequação para as pessoas jurídicas (“operadoras”) que exploram a modalidade lotérica de apostas de quota. E regula a permissão para operação legal das plataformas no Brasil, as “bets autorizadas”. As que não se adequarem às novas exigências da regulamentação e as que não solicitarem permissão ao Ministério da Fazenda até 17 de setembro de 2024 serão proibidas de operar no Brasil (artigo 2º, §1º) e terão o prazo até o dia 10 de outubro para permitir o resgate dos valores depositados pelos apostadores (artigo 2º, §2º).

Para as autorizadas, então, cumpre a observância do disposto na primeira Portaria, de nº 1.231/24, que considera jogo responsável (artigo 2º, I) o que está sujeito ao conjunto de regras – no contexto da modalidade lotérica de aposta de quota fixa – que visa garantir duas linhas principiológicas aparentemente paradoxais: a) exploração econômica, promoção e publicidade saudável e socialmente responsável dessa modalidade (artigo 2º, I, a); e b) prevenção e mitigação de malefícios individuais ou coletivos decorrentes da atividade (artigo 2º, I, b), cujas consequências afetam negativamente a saúde física e mental do apostador em virtude de dependência, compulsão, mania ou qualquer transtorno associado ao jogo ou apostas e violam direitos do consumidor, especialmente os associados a problemas financeiros, de endividamento e de superendividamento.

A primeira portaria estabelece deveres do “Agente Operador de Apostas para Garantia do Jogo Responsável”; destaca-se, mormente, o dever de informação (artigo 4º), isto é, a transparência a todo momento quanto aos riscos de dependência, de transtornos do jogo patológico e de perda dos valores das apostas (artigo 4º, I). Além disso, destaca-se o dever de fornecer alguma medida do risco em que o apostador incorre, proporcionando-lhe recursos para optar ou não por determinado jogo, ao informar o “retorno teórico ao jogador” de cada jogo online disponibilizado no sistema de apostas (artigo 4º, II).

Importante atentar ao que a portaria apresenta como este “retorno teórico ao jogador” (RTP, como em theoretical return to player), que deveria ser informado. RTP seria o

“percentual de ganho programado pelo agente operador de apostas para o sistema de apostas, em relação ao valor total de apostas feitas em certa quantidade de eventos ou período, e que serve de medida de retorno agregado e teórico do sistema de apostas, não podendo ser interpretado como expectativa de ganho individual do apostador por aposta.” (Artigo 2º, XX)

A regulação, então, aposta na transparência e na informação como meios de prevenção e mitigação dos malefícios individuais ou coletivos já causados pela própria atividade cuja exploração econômica deseja seguir promovendo e publicizando de maneira “saudável e socialmente responsável”. O paralelismo acaba por descortinar o paradoxo em que mira a produção legislativa: da impossibilidade de coexistência de uma “informação clara e precisa” e oposição de deveres da boa-fé com o modelo dos jogos de azar/Bets.

É preciso garantir que o consumidor compreenda o que está sendo informado

O caso é que esse paradoxo abre outra discussão, qual seja, a da natureza jurídica dessa relação. É certo que o “ganho” e a “promessa de ganho” configuram algo de natureza distinta do crédito, tal como a vantagem auferida pelas plataformas é diversa de juros, o que complexifica a discussão sobre a responsabilidade. Isto é, o conceito de crédito pode ser concebido próximo ao de responsabilidade, seja para credor ou devedor (contrato). É o caso do crédito tomado para produção de outros produtos e serviços que, adiante, cobra os juros. É diverso, também, dos serviços que envolvem álea como seguros e planos de saúde, em que há um bem “segurança/tranquilidade” sendo preservado, serviços cuja viabilidade estaria na diluição da álea em um modelo de mútuo.

O fenômeno das bets gerou malefícios individuais e coletivos tão logo se instaurou, criando alarmante quadro crítico. Em recente decisão, o ministro Luiz Fux ressalta a urgência:

“o atual cenário de evidente proteção insuficiente, com efeitos imediatos deletérios, sobretudo em crianças, adolescentes e nos orçamentos familiares de beneficiários de programas assistenciais, configura manifesto periculum in mora, que deve ser afastado de imediato, sob pena de a inaplicação de normas já editadas, até janeiro de 2025, agravar o já crítico quadro atual” (STF, ADI 7.721 MC / DF, ministro Luiz Fux, j. 12/11/2024).

Em referida cautelar, o ministro determinou a aplicação imediata de duas medidas previstas na Portaria 1.231/2024 do Ministério da Fazenda: medidas de fiscalização e controle voltadas para crianças e adolescentes e medidas imediatas de proteção especial que impeçam a participação nas apostas de quota fixa com recursos provenientes de programas sociais e assistenciais. A despeito da limitação à aplicação imediata de parte da portaria, reconheceu “os efeitos imediatos deletérios” que vêm ocorrendo por conta da proteção insuficiente.

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O caso é que, na melhor das hipóteses, a portaria tornaria as apostas menos obscuras, fornecendo outra resposta insuficiente para uma atividade que tem apresentado consequências fisiológicas no corpo social de magnitude semelhante às de saúde pública – a exemplo das políticas públicas relativas ao cigarro e ao álcool. Estudos apontam para o desenvolvimento de condições complementares como a ludopatia e, inclusive, o neurodano [4].

Ludopatia, condição médica caracterizada pelo desejo incontrolável de continuar jogando, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde. No Brasil, CID 10-Z72.6 (mania de jogo e apostas) e CID 10-F63.0 (jogo patológico). E o neurodano, em absoluta complementaridade, consiste na lesão à capacidade de manter a atividade mental protegida hígida, gerando alto grau de dependência do apostador. Assim, paulatinamente, retira do apostador a possibilidade de tomada de decisões racionais capazes de controlar sua integridade mental e identidade digital [5].

O paradoxo da transparência está justamente na tentativa de dar “informação clara e precisa” a um apostador que tem a visão turva por “efeitos imediatos deletérios”. E, ainda que estivesse plenamente livre desses efeitos e capaz, “o fornecedor somente se desincumbe de forma satisfatória do dever de informar quando os dados necessários à tomada de decisão pelo consumidor são por ele cognoscíveis” (TJ-RS, ACív nº 70044971505, des. Túlio de Oliveira Martins, j. 5/10/2011).

Isto é, não basta simplesmente disponibilizar a informação, mas garantir que o consumidor efetivamente compreenda o que está sendo informado [7]. Logo, as medidas como as de obrigatoriedade de informação pelas operadoras sobre o “retorno teórico ao jogador” (RTP) não são suficientes para que um apostador possa compreender o grau de risco que aquele jogo pode impingir-lhe.

O RTP representa, em média – na medida em que é reforçado com o tempo e o número de jogadas (fatores que também podem ser modulados pelas casas de aposta) –, a fração/parte da aposta que “retorna” ao apostador, considerando uma perspectiva de retorno a longo prazo para cada tipo de jogo específico. O RTP é calculado pela razão entre o valor total ganho por jogadores e o valor total apostado por eles após várias jogadas, refletindo, portanto, uma perspectiva de longo prazo.

Suponhamos que o percentual de RTP de um jogo seja 100%. Então, a cada vez que um jogador aposta R$ 30, é esperado que receba de volta esses R$ 30 Nesse exemplo hipotético, a operadora de apostas de um jogo cujo RTP for igual a 100% tornará o jogo infinito; se for superior a 100%, a longo prazo, perderá dinheiro.

Como não se pode esperar que uma operadora que explora uma atividade com fins econômicos perca dinheiro, o RTP dos jogos que administra será necessariamente inferior a 100%. Caso contrário, não obteria margem de lucro necessária para viabilizar a exploração da atividade, e nosso problema com “efeitos imediatos deletérios” tomaria ares caritativos e de ludicidade. Em um exemplo mais “realista”, um jogo com RTP = 80% significa que a operadora reserva para si uma margem de lucro, a longo prazo, equivalente a 20% de todo o dinheiro apostado.

Retorno agregado não significa ganho por aposta, sequer qualquer retorno. Como diz o nome, jogos de azar lidam com infortúnios. “Retorno teórico ao jogador”, portanto, não mantém qualquer identidade com o princípio da boa-fé objetiva. Como a própria portaria estabelece, o RTP “serve de medida de retorno agregado e teórico do sistema de apostas, não podendo ser interpretado como expectativa de ganho individual do apostador por aposta” (artigo 2º, XX).

Logo, afora o problema de a taxa RTP não demonstrar o grau de retorno ou oferecer medida do risco inteligível e suficiente para que o apostador possa optar, a determinação de seu valor percentual deveria competir aos órgãos de proteção ao consumidor, por sua forma e linguagem protetiva. Dada a magnitude das consequências desses “efeitos imediatos deletérios”, o problema das bets adentra a esfera da saúde pública.

A aposta na regulação dos jogos de azar por meio de um “jogo responsável” e informado capaz de prevenir e mitigar os malefícios individuais e coletivos já causados pela própria atividade é uma aposta sem retorno. Criar uma atmosfera de jogo menos “desinformado” não o torna responsável, uma vez que não dá conta daqueles “efeitos imediatos deletérios” que vêm acometendo os apostadores há tempos.

É difícil dizer se o lobby e o poder econômico das casas de aposta superam os das partes prejudicadas (fornecedores). Espera-se que dessa luta de gigantes o “vencedor” não permaneça na posição de abuso contra os vulneráveis.

Por Bernardo Mercante Marques, Daniela Suarez Pombo, Ivan Cavallazzi da Silva, Rosângela Lunardelli Cavallazzi e Vivian Alves de Assis, pesquisadores do Laboratório de Direito e Urbanismo (Ladu) do Prourb/UFRJ e PPGD/PUC-Rio.


[1] Ver CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli. O Plano da Plasticidade da Teoria Contratual. Rio de Janeiro, 1993. Tese (Doutoramento) – UFRJ, Rio de Janeiro, 1993.

[2] Ver CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli; LIMA, Clarissa Costa de. A força do microssistema do CDC: tempos de superendividamento e de compartilhar responsabilidades. In: MARQUES, Cláudia Lima. CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli. LIMA, Clarissa Costa de (Org.). Direitos do Consumidor Endividado II: vulnerabilidade e inclusão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 15-43.

[3] São jogos de quotas fixas aqueles cujo prêmio é predeterminado pelo empreendedor ao apostador em caso de acerto.

[4] MARTINS, Fernando Rodrigues. MARTINS, Guilherme Magalhães. MARQUES, Claudia Lima. Economia da atenção, gamificação e esfera lúdica: hipótese de nulidade e neurodano das apostas online. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-out-03/economia-da-atencao-gamificacao-e-esfera-ludica-hipotese-de-nulidade-e-neurodano-decorrentes-dos-abusos-em-apostas-e-jogos-on-line/?action=genpdf&id=818422>. Acesso em: 19 nov. 2024.

[5] Ibid.

[6] Ver MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: RT, 2019.

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