Possibilidade de prorrogação do contrato emergencial sob a nova Lei de Licitações

A regra geral da escolha de fornecedores para o poder público é a licitação, como se sabe.

No entanto, o ordenamento jurídico aplicado às licitações em geral já prevê hipóteses em que o procedimento licitatório é incompatível com os objetivos da administração, retirando seu caráter obrigatório sem que esta providência implique ilegalidade nas contratações que podem advir do procedimento de contratação direta.

De maneira simples, a realização de procedimento licitatório é a regra para a celebração de qualquer contratação feita pela administração pública. Mas essa regra admite exceções, em hipóteses taxativas ou conceituais, em que a contratação direta se mostra o veículo mais eficiente para o atingimento da finalidade perseguida com a contratação.

De fato, como se sabe, a Lei Federal n° 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) prevê expressamente o seguinte:

Art. 75. É dispensável a licitação:

(…)

VIII – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança das pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso.”

Ou seja: a lei possibilita a contratação direta em situações emergenciais para garantir a continuidade de serviços públicos, mas veda expressamente a recontratação de empresa já contratada com base na mesma justificativa.

Ocorre, no entanto, que na prática há certos casos em que se vislumbra a caracterização de hipótese que admite exceção a essa regra, ainda que, em tese, de forma contrária ao texto expresso da lei, em atenção ao interesse público e à continuidade do serviço público essencial.

E isso porque a estrita observância da lei, sem o sopesamento das possíveis consequências práticas dessa decisão, seria, na verdade, prejudicial ao interesse público, ensejando a instauração de uma situação verdadeiramente calamitosa ante a não prestação adequada de um serviço essencial.

Recontratação emergencial

De fato, em muitos casos, não se trata de uma recontratação emergencial do particular por uma emergência fabricada, mas de situação em que a administração pública, apesar dos esforços perpetrados, não foi capaz de encerrar uma nova licitação antes do encerramento do contrato emergencial então vigente, criando-se uma situação que, caso não haja a prorrogação do contrato/recontratação do mesmo particular e enquanto não celebrado um novo contrato, pode resultar (1) na assunção, pela administração pública, da prestação direta do serviço — o que demandaria equipamentos e pessoal muitas vezes não disponíveis; (2) na sua completa interrupção — aí, sim, causando prejuízo à administração e aos usuários do serviço público; ou, ainda, (3) na necessidade de uma outra contratação emergencial, de outra empresa não preparada para a assunção dos serviços, principalmente dentro de um prazo tão curto (que ainda se mobilizaria para assumir o serviço por tão pouco tempo).

E considerando que as opções cogitadas abstratamente nos itens ‘1’ e ‘2’ supra são dificilmente factíveis, e (2) é razoável se considerar que a opção do item ‘3’ não é economicamente/logisticamente interessante para qualquer empresa que não esteja já mobilizada (resultando, inclusive, em preços muito superiores ao da empresa que já está mobilizada), a prorrogação do contrato/recontratação do particular já contratado em caráter emergencial é a medida que se mostra mais razoável, permitindo uma relativização do texto expresso da lei em sua leitura isolada em prol da preservação do interesse público pela exegese sistêmica do conjunto normativo aplicável [1].

Necessário esclarecer, no entanto, que, caso haja a prorrogação do contrato/recontratação do particular nos termos acima discutidos, é recomendável que (1) sejam mantidas integralmente as condições já existentes de prestação dos serviços, sem acréscimo de valor ou escopo; (2) seja mantida a previsão expressa de cláusula resolutiva do contrato caso seja concluído o processo licitatório para nova contratação antes do termo contratual, sem qualquer ônus à administração; e (3) seja feita uma consulta prévia de eventuais interessados (e seus respectivos preços) na assunção dos serviços de forma emergencial, como forma de se evitar qualquer alegação de prejuízo ao erário.

Isso posto, o que se pode concluir é que, estando para se encerrar o prazo de vigência do contrato emergencial atual e não havendo ainda novo particular escolhido por licitação, a conclusão a que se chega é de que a solução mais proporcional e adequada ao interesse público é mesmo uma nova e excepcional prorrogação/recontratação, ainda que a legislação não preveja a possibilidade de um novo acréscimo de prazo — inclusive em consonância o artigo 22, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (norma geral com diretrizes fundamentais que orientam a aplicação e a interpretação das leis no Brasil), que prevê expressamente que “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”.

Ou seja: ainda que haja norma expressa em sentido contrário, o fundamental é que as decisões tomadas tenham como foco a continuidade do serviço público e a efetividade das políticas públicas, assegurando o cumprimento das obrigações administrativas de maneira eficiente e em conformidade com os princípios legais e constitucionais, sem apego à formalidade excessiva em casos de obstáculos inesperados encontrados pelo gestor.


[1] Nesse sentido: (1) REZENDE OLIVEIRA, Rafael Carvalho. Licitações e Contratos Administrativos, Teoria e Prática. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023; (2) BITTENCOURT, Sidney. Contratando sem Licitação: Contratação Direta ou por Dispensa ou Inexigibilidade – Lei Nº 14.133, de 1º de Abril de 2021 – Nova Lei De Licitações – Lei Nº 13.303, De 30 De Junho De 2016 – Lei Das Estatais. São Paulo: Grupo Almedina, 2021. E-book. ISBN 9786556273822. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556273822/. Acesso em: 26 abr. 2024.

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Sub-rogação legal prevista no artigo 786 do Código Civil

1. A delimitação do problema [1]

O presente texto tem como objetivo enfrentar o seguinte problema: em caso de contrato de seguro celebrado como garantia de eventual descumprimento contratual, o artigo 786 do Código Civil [2] implica, por si, a eficácia direta de convenção de arbitragem relativa ao contrato segurado perante o segurador que, dela, não participou?

A resposta, parece-nos, é negativa.

São três os principais pontos que destacaremos: (1) a natureza, o fenômeno e o regime da sub-rogação legal, que não se confunde com a cessão de crédito; (2) a distinção entre essas duas operações contratuais; (3) a relatividade dos efeitos da convenção de arbitragem.

2. Sobre o pagamento com sub-rogação

Em nosso sistema jurídico, a sub-rogação tem natureza mista: é meio de satisfação do crédito e é forma de transmissão de situação jurídica ativa, a título singular ou particular. Tem, portanto, simultaneamente, eficácias extintiva e translativa. Satisfeito o crédito, em razão do adimplemento feito pelo terceiro interessado, a relação originária extingue-se (total ou parcialmente); nada obstante, o crédito remanesce, deslocando-se, em seu polo ativo, para o terceiro que adimpliu [3].

ratio da norma é a garantia da operação subjacente ao pagamento pelo terceiro: é um reforço de reembolso, uma garantia de restituição para o terceiro que adimple [4]. A sub-rogação serve para substituir a posição de credor, do originário para aquele que pagou a dívida, justamente para impedir o enriquecimento ilícito do devedor, com o consequente empobrecimento de quem realmente adimpliu [5].

Por esse motivo, a sub-rogação é meio de proteção ao terceiro, o novo credor.

Em nosso sistema, a sub-rogação pode ser legal ou convencional.

É legal a sub-rogação que decorre da incidência do artigo 346 do Código Civil ou de outra previsão normativa específica, como no caso do artigo 786 do Código Civil, quando verificada uma das hipóteses fáticas previstas.

Nesses casos, a sub-rogação tem como causa o pagamento, um ato-fato jurídico, aquele cujo suporte fático “prevê uma situação de fato a qual, no entanto, somente pode materializar-se como resultante de uma conduta humana” [6]. O conteúdo da vontade é irrelevante nesse caso, já que não é ele que é apreendido pela norma [7].

O pagamento, como causa da sub-rogação, não é ato jurídico negocial; a vontade, aqui, é irrelevante para a apreensão do fato jurídico. E essa é uma das principais diferenças entre a sub-rogação e a cessão de crédito.

A sub-rogação legal não decorre de exteriorização de vontade das partes, não tem fonte negocial. Trata-se de efeito jurídico previsto na norma que incide com o pagamento. É nesse sentido que o artigo 346 do Código Civil diz que se opera a sub-rogação “de pleno direito”.

É convencional a sub-rogação quando a eficácia translativa do pagamento de terceiro é decorrente do exercício do autorregramento (artigo 347 do Código Civil [8]).  O artigo 348 do Código Civil dispõe que, “na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto quanto à cessão do crédito”. Cuida-se de disposição restrita à sub-rogação convencional; ela não se refere à sub-rogação legal.

A sub-rogação não se confunde com a cessão de crédito. Na cessão de crédito, o polo ativo altera-se em razão da exteriorização de vontade do credor originário (fonte negocial, portanto). Por outro lado, não há satisfação do credor originário (não há eficácia satisfativa/extintiva). Há apenas transmissão da titularidade da situação ativa, que se desloca de um patrimônio para outro, sem que se satisfaça o crédito.

A cessão de crédito tem como ratio possibilitar a circulação do crédito, como operação econômica própria e diversa daquela que originou o crédito cedido. A circulação do crédito em si não é finalidade imediata da sub-rogação, que, como visto, é meio de proteção do terceiro que paga. Por isso mesmo, ao sub-rogado só é devido o pagamento até a quantia desembolsada (artigo 350 do Código Civil [9]). A cessão de crédito, por seu turno, possui caráter especulativo; pode o cessionário cobrar a totalidade do crédito cedido (se cedido totalmente), ainda que o valor pago ao cedente tenha sido inferior ao valor total do crédito.

São institutos jurídicos distintos, que traduzem fatos jurídicos distintos, que irradiam ou abrangem efeitos próprios. Possuem, por isso, regimes jurídicos distintos.

A sub-rogação também não se confunde com a cessão de posição contratual (que também é negócio jurídico). O sub-rogado não se torna parte no contrato ou na relação contratual celebrado entre o credor originário e o devedor.

Em síntese, a hipótese do artigo 786 do Código Civil é de sub-rogação legal. Não há cessão de posição contratual: o segurador não passa a ser parte no contrato segurado. Em princípio, também não há cessão de crédito, nem sub-rogação convencional. O efeito da sub-rogação decorre da lei, em razão do pagamento, e não de vontade das partes.

3. A sub-rogação da seguradora que faz o pagamento em razão de contrato de seguro de dano

Aqui, há duas as operações contratuais: o contrato segurado e o contrato de seguro. O segurador não é, nem se torna, parte na operação contratual segurada. O segurador não é titular da obrigação decorrente do contrato segurado; ele obrigou-se a, garantindo o interesse contratual do beneficiário, arcar com os riscos e consequências do descumprimento do contrato segurado. Ao pagar, o segurador está cumprindo obrigação decorrente do contrato de seguro, e não do contrato segurado.

A sub-rogação irradiada tem como causa o pagamento (ato-fato jurídico). O pagamento é apreendido juridicamente pelas normas decorrentes dos artigos 786 e 346 do Código Civil, apreensão que, em princípio, não decorre de ato negocial, expresso ou concludente. Não se trata, assim, de sub-rogação convencional, mas, sim, de sub-rogação legal.

De outra parte, o contrato de seguro, em si, não pode ser qualificado como ato negocial suficiente para que a sub-rogação seja qualificada como convencional, nos termos do artigo 347, I, do Código Civil. O ato negocial referido no artigo 347, I, do Código Civil é aquele que tem como objeto em si o direito à sub-rogação. O contrato de seguro, em si, não significa o exercício do autorregramento sobre a sub-rogação.

4. O segurador é terceiro com relação à convenção de arbitragem

Dessa forma, o segurador não é nem se torna parte do contrato segurado, muito menos da convenção de arbitragem que lhe é relativa. Caracteriza-se, assim, como terceiro em relação à convenção de arbitragem, não titularizando o efeito próprio que lhe é decorrente.

A circunstância de ser terceiro interessado no cumprimento de uma das relações eficaciais decorrentes do contrato não o torna parte do contrato, nem da convenção de arbitragem. Terceiro interessado não é parte contratual; continua sendo qualificado como terceiro.

Por outro lado, inexiste norma do sistema que excepcione o princípio da relatividade dos efeitos contratuais (que se aplica, logicamente, e ainda com mais força, em razão das peculiaridades da jurisdição arbitral, às convenções de arbitragem). Ao contrário, o artigo 3o da Lei nº 9.307/1996 estabelece que as “partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral”. Como bem se sabe, a autonomia da vontade é a fonte da jurisdição arbitral; aqui, com ainda maior razão, a convenção de arbitragem deve ser eficaz apenas em relação aos seus signatários ou a terceiros que tenham a ela aderido, expressamente ou por meio de comportamento concludente.

5. Conclusão: a ineficácia da cláusula compromissória perante o segurador que dela não é parte

Do teor do artigo 786 do Código Civil, não se faz possível extrair norma que vincule o segurador ao efeito direto da convenção arbitral, com a qual não concordou, expressa ou tacitamente.

Também do artigo 349 do Código Civil não se depreende tal regra. Ao contrário, o dispositivo prevê que a sub-rogação transfere, ao novo credor, juntamente com o crédito, todos os “direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores” (a ratio, vale lembrar, é justamente proteger o terceiro que paga a dívida). Não se fala em transmissão de cláusula compromissória, nem de negócios processuais celebrados pelo credor originário, o que seria incompatível com a ratio normativa.

Não nos parece possível considerar uma transmissão automática do efeito direto da cláusula compromissória, que, inclusive, é autônoma das demais disposições contratuais (artigo 8o, Lei nº 9.307/1996), em razão de uma sub-rogação legal, sem que tenha ocorrido qualquer exteriorização de vontade do segurador-terceiro, ainda que tácita.

Não bastasse tudo isso, e especificamente no que concerne ao regime jurídico da sub-rogação legal no âmbito do contrato de seguro de dano, o § 2o do artigo 786 do Código Civil assim prevê: “É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo”.

Em síntese, não se pode extrair, dos textos normativos citados, qualquer norma que excepcione o princípio da relatividade dos efeitos negociais no caso de sub-rogação legal de segurador no âmbito de contrato de seguro de dano. É possível que, no caso concreto, o segurador tenha concordado ou aderido à convenção de arbitragem, mas aí a sua vinculação decorre do autorregramento, e não do efeito legal da sub-rogação.

Essa ratio, inclusive, é verificada em precedentes do Superior Tribunal de Justiça, ao enfrentar a questão da eficácia da cláusula de eleição de foro constante no contrato segurado com relação ao segurador sub-rogado. No julgamento do Recurso Especial nº 1.962.113/RJ, decidiu-se que “o instituto da sub-rogação transmite apenas a titularidade do direito material, isto é, a qualidade de credor da dívida, de modo que a cláusula de eleição de foro firmada apenas pela autora do dano e o segurado (credor originário) não é oponível à seguradora sub-rogada” (REsp nº 1.962.113/RJ, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 22/3/2022, DJe de 25/3/2022) [10].

Com relação à eficácia da cláusula compromissória perante o segurador, a questão foi enfrentada no julgamento do Recurso Especial nº 1.988.894/SP (REsp nº 1.988.894/SP, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 9/5/2023, DJe de 15/5/2023). Em um primeiro momento, a construção da fundamentação do acórdão foi no sentido ora defendido, de não transmissibilidade automática da cláusula compromissória, inclusive com citações ao artigo de nossa autoria publicado na Revista de Direito Civil Contemporâneo.

Sucede que, na sequência, o acórdão considera que a ciência prévia da cláusula compromissória pelo segurador bastaria para a sua vinculação. A questão é analisada não sob a perspectiva de possível anuência tácita do segurador, mas como se, com a ciência da cláusula, ela passasse a ser objeto do risco segurado, o que, com todo respeito, não nos parece ser o caso. O risco segurado é o inadimplemento contratual; é sobre ele que se negocia no âmbito do contrato de seguro, abstratamente considerado.

De outra parte, não nos parece que apenas a ciência da cláusula compromissória, por si, seria suficiente para a configuração de uma exteriorização tácita de vontade. Sendo esse o raciocínio, haveria sempre a transferência automática da cláusula compromissória constante em contrato de seguro garantia – e, como demonstrado, não há tal regra em nosso sistema jurídico. Por meio do contrato de seguro em si, não se negocia sobre o conteúdo da sub-rogação.


[1] Escrevemos mais longamente sobre o tema em DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela Santos. A sub-rogação prevista no art. 786 do Código Civil e a convenção de arbitragem celebrada pelo segurado. Revista de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: RT, 2020, v. 24, p. 95 e segs.

[2] “Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.” Cuida-se de previsão normativa específica da sub-rogação legal, que está em consonância com a regra decorrente do art. 346, III, do Código Civil, segundo a qual “a sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor: III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.”

[3]  Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, parte especial, Tomo XXIV. Editor Borsoi: Rio de Janeiro, 1971, p. 283; CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português. Direito das Obrigações. Tomo IV:  cumprimento e não cumprimento, transmissão, modificação e extinção, garantias, cit., p. 233.

[4] Nesse sentido, também SIMÕES, Marcel Edvar. Transmissão em direito das obrigações: cessão de crédito, assunção de dívida e sub-rogação pessoal. Dissertação de Mestrado em Direito Civil apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2011, p. 121.

[5] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil, volume V, tomo I: do direito das obrigações, do adimplemento e da extinção das obrigações / Judith Martins-Costa; Coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 432; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, parte especial. Tomo XXIV, cit., p. 285.

[6] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 130.

[7] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo I. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 83.

[8] “Art. 347. A sub-rogação é convencional: I – quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos; II – quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.

[9] “Art. 350. Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até à soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor.”

[10] No mesmo sentido, STJ, 3ª T., REsp n. 1.038.607/SP, rela. min. Massami Uyeda, j. em 20.5.2008, DJe de 5.8.2008.

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Registros civis serão disponibilizados online para atender emigrantes

Os mais de cinco milhões de brasileiros que moram no exterior serão beneficiados com o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) intermediado pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio da Corregedoria Nacional de Justiça.

O convênio celebrado entre o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Operador Nacional de Registro Civil de Pessoas Naturais (ON-RCPN) possibilitará que, em um prazo de 30 dias, as 186 representações consulares espalhadas pelo mundo acessem dados de registros civis feitos tanto no Brasil quanto no exterior.

“É um passo gigantesco para essa comunidade”, avaliou o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão.

Assinado nesta terça-feira (31/7), o ACT foi autorizado pela Corregedoria Nacional, “a partir de agora as autoridades consulares poderão consultar diretamente os registros civis, atendendo melhor a população que reside no exterior”, avaliou o ministro Salomão.

O banco de dados com as informações será disponibilizado de forma eletrônica na Central de Informações de Registro Civil de Pessoas Naturais (CRC). Por meio dessa plataforma, será possível consultar dados relacionadas ao registro civil de pessoas naturais praticados tanto no Brasil quanto no exterior.

A partir da assinatura do acordo, haverá o franqueamento de acesso para consulta da base de dados da CRC pelo Ministério de Relações Exteriores.

Em seguida, inicia a fase de testes e homologação do arquivo de dados a ser fornecido pelo MRE periodicamente para alimentar tal base de dados.

Por fim, haverá a operacionalização regular do fornecimento de dados pelo MRE, com a automatização e integração dos sistemas. Nessa fase, será possível o compartilhamento de dados em tempo real.

“A previsão é que essa CRC internacional seja disponibilizada tanto para consulta e busca de certidões pelos consulados, quanto essas repartições poderão fazer seus atos dentro da plataforma”, explicou a juíza auxiliar da Corregedoria Carolina Ranzolin. Da mesma forma, os brasileiros terão mais agilidade na obtenção de suas certidões e informações, além de fazer pedidos de ajuste no registro civil diretamente nos consulados com uso da CRC, em um prazo de 30 dias.

Para a secretária das Comunidades Brasileiras no Exterior e Assuntos Consulares e Jurídicos, embaixadora Márcia Loureiro, o convênio representa um avanço para os brasileiros que moram no exterior.

“Temos o desafio de atender da melhor forma possível essa vasta e heterogênea comunidade, com eficiência, celeridade e garantindo a cidadania desses brasileiros que moram fora do país”, salientou.

O compartilhamento das informações pelo MRE em uma mesma base de dados, representa ainda mais segurança aos cartórios, conforme avaliou a diplomata.

Já o presidente do Operador Nacional do Registro Civil do Brasil, Luis Carlos Vendramin Júnior, enfatizou a relevância do convênio que foi possibilitado “pelo empenho do CNJ em concretizar uma iniciativa que vai desburocratizar e dar segurança a inúmeros serviços”.

Também acompanharam a assinatura do termo o diretor do Departamento da Secretaria de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos (Secc) do MRE, ministro Aloysio Gomide Filho, acompanhado de outros representantes do órgão, além da juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Liz Rezende. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça.VER COMENTÁRIOS

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O impacto da reforma tributária

Dando continuidade ao exame da reforma tributária proposto no artigo “O impacto da reforma tributária no comércio exterior (parte 1)” [1], vamos discorrer sobre a atuação das empresas comerciais exportadoras e as novas regras para essa atividade constantes do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024.

Cumpre lembrar que a atividade das empresas comerciais exportadoras no comércio internacional brasileiro remonta formalmente a pouco mais de meio século.

O regime jurídico das trading companies

A publicação do Decreto-Lei nº 1.248, de 29 de novembro de 1972, que, segundo sua exposição de motivos [2], tinha por objetivo criar um mecanismo ágil e flexível que possibilitasse uma maior participação dos pequenos e médios produtores nacionais no mercado internacional, permitiu que as chamadas trading companies [3] adquirissem mercadorias manufaturadas no mercado interno com o fim específico de exportação [4]. A ideia era que as operações fossem estruturadas em volumes adequados para se beneficiarem das economias de escala.

Para os produtores-vendedores, o Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, oferecia os benefícios fiscais concedidos para incentivo à exportação [5]. Para as empresas comerciais exportadoras, além desses benefícios, estava reservada uma dedução do lucro real das parcelas correspondentes à diferença entre o valor dos produtos manufaturados comprados de produtores-vendedores e o valor FOB de venda.

Mas as empresas comerciais exportadoras deviam, efetivamente, exportar as mercadorias adquiridas com o fim específico de exportação, sob pena de, além de não fazerem jus aos benefícios, responderem pelos tributos devidos e pelos benefícios fiscais auferidos pelos produtores-vendedores.

O legislador, devido ao caráter excepcional desses benefícios [6] e visando à proteção e segurança das relações no país, estabeleceu condições mínimas para a atuação dessas empresas comerciais exportadoras: constituição sob a forma de sociedade por ações; registro especial (precário) junto à Receita Federal e à Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços [7]; e ainda um capital mínimo.

As demais empresas comerciais exportadoras e seu regime jurídico 

Depois disso, diversos outros diplomas legais atualizaram e complementaram os benefícios relativos às vendas feitas pelos produtores-vendedores às empresas comerciais exportadoras com o fim específico de exportação [8], a maioria deles sem fazer qualquer referência ao Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, ou aos requisitos nele estabelecidos, ampliando, com isso, o alcance dos benefícios concedidos.

A construção legislativa, da forma como foi desenhada, acabou criando na prática duas espécies de empresas comerciais exportadoras com benefícios muito semelhantes: aquelas constituídas com base no Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, também conhecidas como trading companies, e as demais, que são sociedades empresárias constituídas sem qualquer exigência relativa à sua natureza, à necessidade de registro para controle ou a capital social mínimo [9]. Para essa segunda espécie, basta que a sociedade atue como empresa comercial exportadora, adquirindo no mercado interno produtos com o fim específico de exportação.

As controvérsias sobre as diferenças entre os dois regimes jurídicos

Em relação aos benefícios oferecidos a essas duas espécies de empresas comerciais exportadoras, a principal diferença está no fato de que as trading companies estão autorizadas a manter as mercadorias adquiridas no mercado interno em depósito privativo, pelo prazo de até 180 dias, sob regime aduaneiro especial de entreposto extraordinário na exportação, ao passo que as aquisições das demais devem ser remetidas diretamente para embarque de exportação ou para recintos alfandegados.

Isso é o que temos em termos de legislação. Nesse contexto, há pelo menos uma controvérsia e um problema nessa construção, que fica por conta do conceito relativo a “fim específico de exportação”.

Nos termos do Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, “consideram-se destinadas ao fim específico de exportação as mercadorias que forem diretamente remetidas do estabelecimento do produtor-vendedor para: a) embarque de exportação por conta e ordem da empresa comercial exportadora; b) depósito em entreposto, por conta e ordem da empresa comercial exportadora, sob regime aduaneiro extraordinário de exportação, nas condições estabelecidas em regulamento”, enquanto que a Lei nº 9.532, de 1997, diz que “consideram-se adquiridos com o fim específico de exportação os produtos remetidos diretamente do estabelecimento industrial para embarque de exportação ou para recintos alfandegados, por conta e ordem da empresa comercial exportadora”.

Em síntese, esses dois dispositivos legais dizem a mesma coisa. A diferença dos termos utilizados fica por conta de que o Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, aplicável apenas para as trading companies, que prevê a possibilidade de envio das mercadorias adquiridas no mercado interno para um entreposto extraordinário na exportação, e a Lei nº 9.532, de 1997, estabeleceu uma suspensão do IPI para toda e qualquer empresa comercial exportadora, mesmo aquelas que não fazem jus à manutenção de um entreposto extraordinário na exportação.

Mas a controvérsia propriamente dita reside no termo “diretamente”, utilizado em ambos os conceitos. A Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 24, de 2019, entendeu que o único significado possível para o conceito de “remetidos diretamente” é de que a remessa dos produtos destinados a exportação “deve ser imediata, sem paradas, sem desvios, do estabelecimento industrializador-vendedor para o embarque de exportação ou para os recintos alfandegados”.

Esse também tem sido o entendimento do Carf em grande parte de suas decisões, a exemplo do que foi decidido no Acórdão 9303-014.389, da 3ª Turma da Câmara Superior, que traz, no voto da Conselheira relatora, o argumento de “que não basta comprovar a venda para uma comercial exportadora ou que a exportação foi por ela realizada. A operação de venda tem que ter sido feita com o ‘fim específico de exportação’ e cumpridos os requisitos para tal, que estão expressamente previstos na Lei (não cabendo interpretação ampliativa, como obsta o artigo 111, do CTN), e que permitem o efetivo controle aduaneiro exercido pela administração tributária”. Importante ter presente que essa interpretação ainda tem sido objeto de críticas no sentido de que seria muito restritiva.

Outro ponto a ser considerado diz respeito ao fato de que a Constituição de 1988, diferentemente da Constituição de 1967, trata expressamente da imunidade do IPI na exportação e da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre as receitas decorrentes de exportação [10]. Além disso, o próprio STF decidiu no RE nº 759.244 que a imunidade tributária alcança as exportações de produtos por meio de empresas comerciais exportadoras, se bem que em matéria relacionada com contribuição previdenciária, tendo produzido a seguinte tese de repercussão geral (Tema 674): “A norma imunizante contida no inciso I do §2º do artigo 149 da Constituição da República alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação de sociedade exportadora intermediária”.

Quanto ao problema, ele parece trazer consequência um pouco mais grave. Ao estender os benefícios para outras empresas comerciais exportadoras que não aquelas constituídas nos termos do Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, a legislação abriu caminho para a prática de fraudes.

Ressalte-se que há muitas e muitas empresas que trabalham com seriedade no comércio exterior, mas é preciso reconhecer também (e a prática demonstra isso) que a falta de requisitos mínimos para a atuação de empresas comerciais exportadoras facilita que algumas empresas inidôneas adquiram mercadorias no mercado interno com desoneração de tributos e destine essa mercadoria não para exportação, mas sim para o próprio mercado interno. Nessa operação, o produtor-vendedor recebe todos os benefícios relativos aos tributos federais e a responsabilidade passa a ser da empresa comercial exportadora que, quando autuada, encerra suas atividades e desaparece, deixando um crédito incobrável para o fisco federal. Essa conduta, além de frustrar o recolhimento de tributos, prejudica, por meio de concorrência desleal, as empresas idôneas.

O novo regime trazido pelo PLP nº 68, de 2024

Com o objetivo de afastar essa controvérsia e pensando em resolver esse problema, que o grupo de trabalho que participou da elaboração do texto que resultou no PLP nº 68, de 2024, procurou construir uma solução para a questão envolvendo o IBS e a CBS no fornecimento de bens materiais a empresa comercial exportadora.

A consciência de que as vendas para empresas comerciais exportadoras destinadas para exportação são, em última análise, equiparadas à exportação, e, por isso mesmo, (potencialmente) imunes do IBS e da CBS, exigia que quaisquer requisitos que se pretendesse estabelecer para a atuação das empresas comerciais exportadoras estivessem especificados na lei complementar.

É por esse motivo que o caput do artigo 81 do PLP nº 68, de 2024, traz em seus incisos cinco requisitos de observância obrigatória para que possa ser aplicada a suspensão do IBS e da CBS no fornecimento de bens materiais com o fim específico de exportação a empresa comercial exportadora: (1) certificação no Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado (OEA); (2) patrimônio líquido igual ou superior ao maior entre os seguintes valores: R$ 1 milhão e uma vez o valor total dos tributos suspensos; (3) opção pelo DTE; (4) manutenção e apresentação de escrituração contábil em meio digital; e (5) regularidade fiscal perante as administrações tributárias federal, estadual ou municipal de seu domicílio.

Não cumprir tais requisitos não significa dizer que a empresa não é uma comercial exportadora, ou que não possa fruir dos benefícios estabelecidos pelas demais leis que tratam da matéria, mas sim que não poderá ser habilitada [11] para fins de suspensão do IBS e da CBS.

Note-se que a presença desses requisitos na Lei Complementar, juntamente com o rito de cancelamento da habilitação previsto no artigo 82, mostra-se importante não para restringir o acesso das empresas à atividade de comercial exportadora, mas sim para mitigar a ocorrência de fraudes nesse tipo de operação.

Quanto ao fato de o caput do artigo 81 ter estabelecido uma suspensão do pagamento do IBS e da CBS ao invés de uma “não incidência”, o que seria mais alinhado com a ideia de que estamos diante de uma imunidade, a explicação está na resistência encontrada no sentido de se conceder um crédito antes de a exportação ser efetivada, ou antes de a empresa comercial exportadora recolher o IBS e a CBS em razão da não exportação dos bens materiais.

No que diz respeito à controvérsia sobre o conceito de “fim específico de exportação”, apesar de o caput do artigo 81 do PLP nº 68, de 2024, manter a mesma expressão, o § 3º deste mesmo artigo 81 traz uma definição mais adequada ao que se espera nesse tipo de operação.

Além de ter sido retirado do conceito o termo “diretamente”, foi acrescentado ao final aquilo que efetivamente se quer vedar, ou seja, que a mercadoria seja objeto de qualquer operação comercial ou industrial entre a saída do vendedor e o embarque para exportação ou a chegada em recinto alfandegado [12].

Ademais, os incisos I e II do § 10 desse mesmo artigo 81 permitem que o regulamento estabeleça hipóteses em que os bens possam ser remetidos para locais diferentes daqueles previstos no § 3º (sem que reste descaracterizado o fim específico de exportação) e também que estabeleça requisitos e condições para a realização de operações de transbordo, baldeação, descarregamento ou armazenamento no curso da remessa a que se refere o § 3º.

Considerações finais

Tudo isso, nos parece, torna o conceito de “fim específico de exportação” mais aderente à realidade das operações de exportação realizadas por meio de empresas comerciais exportadoras.

Talvez não tenhamos evoluído tudo aquilo que seria possível, ou desejável, em relação à atuação das empresas comerciais exportadoras na proposta de reforma tributária expressa por meio do PLP nº 68, de 2024, mas nos parece que há uma evolução significativa em relação ao que temos hoje em nossa legislação. Agora é esperar para ver o que o Congresso aprovará.


[1]  Artigo de autoria de Liziane Angelotti Meira, (Disponível em < https://www.conjur.com.br/2024-mai-21/o-impacto-da-reforma-tributaria-no-comercio-exterior-parte-1/>. Acesso em: 26.jul.2024).

[2] Publicada nas páginas 39 e 40 do Diário do Congresso Nacional do dia 21 de março de 1973.

[3] Expressão utilizada para se referir às empresas comerciais exportadoras que atendem aos requisitos estabelecidos pelo Decreto-Lei nº 1.248, de 1972.

[4] O Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, define como destinadas ao fim específico de exportação as mercadorias remetida diretamente do estabelecimento do produtor-vendedor para embarque de exportação ou para depósito em entreposto, sob regime aduaneiro extraordinário de exportação.

[5] O Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981, alterou a redação do art. 3º para restringir o aproveitamento de créditos tributários sobre as vendas para o exterior, concedidos como ressarcimento de tributos pagos internamente, apenas para as empresas comerciais exportadoras.

[6] A Constituição de 1967 (com a emenda de 1969), vigente à época, tratava tão somente da não incidência do ICMS na exportação de produtos industrializados (e outros que a lei indicasse), sem qualquer referência ao IPI ou às contribuições na exportação.

[7] Havia necessidade, também, de um registro especial junto à Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil S/A (Cacex).

[8] A Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, equiparou as vendas feitas para as empresas comerciais exportadoras à exportação para fins de não incidência do ICMS; a Lei nº 9.363, de 13 de dezembro de 1996, permitiu que os produtores-vendedores apurassem crédito presumido do IPI; a Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, suspendeu o pagamento do IPI nessas operações; a MP nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, isentou da Cofins (cumulativa) as receitas auferidas pelos produtores-vendedores; e a Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e a Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, estabeleceram a não incidência, respectivamente, da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre as receitas decorrentes dessas operações.

[9] A Receita Federal reconheceu essas duas espécies de empresas comerciais exportadoras, e os benefícios aplicáveis a elas, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 80, de 24 de janeiro de 2017, e da Solução de Consulta Cosit nº 24, de 18 de janeiro de 2019.

[10] Imunidade introduzida pela Emenda Constitucional n º 33, de 2001.

[11] Para fins de suspensão do IBS e da CBS, a empresa comercial exportadora deverá ser habilitada em ato conjunto da RFB e do Comitê Gestor do IBS (§ 1º do art. 81 do PLP nº 68, e 2024.

[12] § 3º. Consideram-se adquiridos com o fim específico de exportação os bens remetidos para embarque de exportação ou para recintos alfandegados, por conta e ordem da empresa comercial exportadora, sem que haja qualquer outra operação comercial ou industrial nesse interstício.

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O novo ‘ouro negro’: créditos de carbono no sistema monetário global

Um relatório divulgado no começo do ano pela Bolsa de Valores de Londres — London Stock Exchange Group (LSEG) — superou expectativas e trouxe o valor de US$ 949 bilhões em créditos de carbono negociados no ano de 2023. O número próximo a US$ 1 trilhão impressiona, mas ainda é uma gota no oceano. Estados Unidos e China, de longe os maiores emissores de carbono, mal triscaram o novo “ouro negro”. Quando isso acontecer, o sistema monetário global pode virar de cabeça para baixo.

Os resultados serão imprevisíveis e perigosos. Um mercado global de títulos lastreados em créditos de carbono pode assumir as funções de uma quase-moeda de circulação internacional, à imagem do que fazem hoje os títulos da dívida dos EUA, os “Treasuries”. Alguns países, principalmente a China, estão especialmente interessados nesse cenário.

Assim como o padrão dólar ajudou os EUA a financiar sua economia após a Segunda Guerra Mundial, o “padrão carbono” pode ajudar países líderes no mercado de carbono a extraírem vantagens para sua própria economia à custa do resto do mundo. O agravante é não se saber exatamente como esse “padrão carbono” vai se comportar.

A moeda de carbono não seria uma moeda como as que conhecemos, pois trata-se de um título lastreado em um produto real. O sistema lembra “padrão ouro”, ordem monetária vigente em meados do século 20, que resultou em recessão e crise em grandes proporções, mas não para todo mundo. Nesse jogo, alguns ganham e o resto perde.

Ganhadores e perdedores

Nem todos terão fôlego para acompanhar a mudança. Alguns sistemas produtivos, como parte do agronegócio, do setor de transportes e a cadeia da construção civil simplesmente não dispõem de alternativas tecnológicas viáveis para reduzir emissões. Estudos indicam que o maior gargalo para a redução de emissão por negócios locais continua sendo o acesso a crédito, algo que os mercados de carbono não têm se mostrado capazes de resolver.

Há também dúvidas se o modelo de créditos de carbono tem realmente algo a ver com meio ambiente. Muitos dos títulos não absorvem carbono nenhum, e são comuns denúncias de fraudes e falsificação. Críticas e abaixo-assinados de autoridades, especialistas e ativistas são o novo normal. Enquanto isso vai ficando claro que os apoiadores do modelo parecem estar mais interessados em taxas de administração e corretagem.

No Brasil, o modelo do mercado de carbono está em fase final de definição de suas bases jurídicas e regulatórias no Projeto de Lei 2.148/2015, aprovado na Câmara depois de uma tramitação tumultuada, agora em andamento no Senado. A percepção de que os apoiadores do modelo estão mais preocupados com derivativos e a reforma do sistema monetário internacional pode servir de alerta para os legisladores favoráveis à proposta.

O sistema de créditos de carbono é propenso a fraudes e manipulação, distribui custos de forma desigual ao longo da cadeia produtiva da economia e distorce o funcionamento dos mercados. É um assunto sensível e complexo, para o qual reguladores locais, a exemplo da Comissão de Valores Imobiliários (CVM), dificilmente estarão equipados. Não bastasse isso, a regulação do carbono pode abrir as portas para uma nova ordem monetária global na qual o Brasil pode ser dar mal.

A China entra no jogo

Alguns movimentos indicam que a China já se posiciona para ser o dono da bola no jogo global da economia do carbono. Depois de uma entrada tímida no mercado no início dos anos 2010 acompanhada de um recuo estratégico, o interesse ressurgiu redobrado. A primeira jogada foram investimentos maciços em “energia limpa”, principalmente painéis solares, baterias de lítio e carros elétricos, seguidos da criação de um novo arcabouço regulatório do carbono.

“Os investimentos chineses representam um terço dos investimentos em energia limpa em todo o mundo e uma parte importante do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da China. Em 2023, a China encomendou tanta energia solar fotovoltaica como o mundo inteiro. O ano de 2023 assistiu a um crescimento robusto das chamadas “três novas” (xin-sanyang) indústrias – células solares, baterias de lítio e veículos elétricos – que registaram um salto de 30% nas exportações em 2023”, diz relatório da Agência Internacional de Energia.

Aparentemente a tecnocracia chinesa decretou que a mudança de matriz energética é vantajosa para o país. Por um lado, o investimento coordenado no complexo industrial mineral, químico e metal-mecânico é próprio ao modelo de economia planejada chinês e faz contrapeso ao estouro da bolha imobiliária local. Por outro lado, inundar o planeta com painéis fotovoltaicos, carros elétricos e baterias de lítio produz montanhas de créditos de carbono, que podem ter importância estratégica a longo prazo.

O ‘padrão carbono’

Alguns trabalhos publicados na China apresentam a tese de que, havendo regulação adequada e um volume suficientemente grande de créditos de carbono em circulação, é possível criar um sistema monetário internacional baseado no “padrão carbono”. A principal vantagem é destruir o padrão dólar, objetivo histórico da política econômica chinesa.

O ensaio “A viabilidade da emissão de uma moeda de carbono” divulgado em conferência da Universidade de Chongqing em janeiro de 2022 apresentou a tese de que uma moeda baseada em carbono é um modelo não só viável como superior ao padrão dólar. “Sob o atual sistema monetário unilateral do dólar norte-americano, a ordem econômica é volátil e propensa a crises”, diz o texto.

A pesquisa “Uma teoria de uma moeda de carbono”, publicada em maio de 2022 pela revista Pesquisa Básica (Fundamental Research), da Fundação Nacional de Ciências Naturais da China, assinada por economistas da Universidade de Pequim, apresenta um manual prático de como colocar o modelo em pé.

“Propomos um novo sistema monetário internacional baseado na moeda de carbono (o padrão carbono) para enfrentar externalidades no contexto econômico e político global de hoje. O Federal Reserve implementa cada vez mais políticas monetárias não alinhadas com o interesse comum global”, diz o artigo.

O trabalho apresenta um desenho completo de como seria um mundo dominado pelo padrão carbono. Prevê regras e mecanismos regulatórios, enumera vantagens sobre outras alternativas e antecipa a necessidade da criação de uma espécie de “Fundo Monetário Internacional (FMI) do carbono” para o sistema funcionar.

A pesquisa sugere que o padrão carbono pode penalizar quem ficar para trás e mostra semelhanças entre esse sistema e o padrão-ouro. Tanto no padrão ouro como no padrão carbono as moedas são lastreadas a um produto real. Isso torna a oferta monetária rígida e traz consequências graves em caso de desequilíbrios cambiais.

O lobby do padrão-carbono

O principal lobby internacional pela criação de um padrão-carbono é a organização não-governamental Global Carbon Reward, fundada pelo engenheiro civil australiano Delton Chen. A organização não esconde a semelhança entre o padrão carbono e o padrão ouro e até faz uso dessa comparação: “A moeda de carbono será um novo tipo de ‘dinheiro representativo’ porque representará o carbono mitigado. Isto é análogo a representar o ouro armazenado sob um padrão de troca de ouro”, diz a Global Carbon Reward.

No padrão ouro, bancos centrais mantinham reservas em ouro para lastrear o papel moeda em circulação. O resultado é um sistema monetário rígido, que leva ao acúmulo de reservas em alguns países e a crises cambiais e recessão nos demais. Vigorou de forma instável entre o fim do século 19 e a Segunda Guerra Mundial, e uma versão alternativa usando o dólar como intermediário foi implantada após o “Acordo de Bretton Woods”, nos anos 1940, mas entrou em colapso nos anos 1970.

Greenwashing

Em junho deste ano, a Polícia Federal lançou a Operação Greenwashing, que desbaratou um esquema que vendeu R$ 180 milhões em créditos de carbono de terras griladas da União. Ano passado uma série de reportagens descobriu que a Verra, uma das maiores fornecedoras de créditos de carbono verificados do mundo, vendia até 90% de “créditos fantasmas”. Ou seja, áreas florestais “protegidas” não tinham redução relevante de desmatamento.

No início de julho deste ano uma carta assinada por 80 entidades representativas de movimentos ambientais pediu o fim da política de créditos de carbono. António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, é crítico contumaz do modelo. Um relatório do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento — International Institute for Environment and Development (IIED) — de 2023 defende que o modelo pode distorcer mercados, destruir negócios e prejudicar projetos que realmente reduzem emissões.

Não está nem um pouco claro que o modelo dos créditos de carbono é a melhor resposta para o problema dos gases estufa. Também não está claro o que pode ser colocado no lugar, mas simplesmente fixar tetos para emissões e jogar o problema no colo do mercado não é uma solução realista. Como vimos, o modelo dos créditos de carbono tem fortes indícios de atender apenas a ambições de especuladores financeiros e autoridades monetárias estrangeiras. Quem vai pagar a conta não são eles.

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Limitação à eleição de foro pode afetar interesse por investimentos

Ao redigir contratos, as partes em uma transação econômica escolhem livremente as regras às que estarão sujeitas. Determinam, ainda, a forma de resolução de eventuais litígios (se por arbitragem ou por um juiz estatal e, neste último caso, a comarca de tramitação) considerando critérios como isenção, agilidade e aptidão técnica do órgão julgador.

Essa escolha, que é um relevante mecanismo de proteção da transação econômica negociada entre as partes, foi drasticamente afetada por recente mudança legislativa: a Lei nº 14.879/2024, que estabelece que a eleição de foro judicial deve guardar pertinência com o domicílio das partes ou com o local da obrigação.

troca de contrato

Até então, desde o Código de Processo Civil de 1973, era reconhecido que as partes contratantes tinham autonomia para escolher o foro competente para resolver suas disputas.

A justificativa apresentada para essa modificação foi de que, embora o Código de Processo Civil autorize a eleição de foro, esta escolha não pode ser aleatória, sob pena de violação da boa-fé e de prejuízo ao interesse público, sobrecarregando certos tribunais (em especial, dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e do Distrito Federal) que são escolhidos pelas partes com maior frequência, mesmo sem terem relação com o caso concreto, em razão de possuírem varas especializadas em determinadas matérias, assim como por serem foro neutro em relação às partes, justamente por nenhuma delas possuir domicílio ali, e por resolverem mais rapidamente os litígios, comparativamente à média nacional.

Tal preocupação com a sobrecarga de certos tribunais, no entanto, certamente poderia ser endereçada de outras formas, considerando inclusive que as partes litigantes pagam custas para utilizar-se do Poder Judiciário para dirimir suas disputas.

Os efeitos negativos da nova lei são diversos, a começar pela insegurança jurídica gerada, não apenas para as partes contratantes — que verão reduzida sua autonomia e liberdade de contratar —, como também para a coesão do ordenamento jurídico brasileiro. Se antes a desconsideração do foro judicial escolhido pelas partes era a exceção, aplicável somente a casos limitados, envolvendo algum grau de desequilíbrio contratual (por exemplo, nas relações de consumo), agora o juiz poderá negar o prosseguimento de um processo quando entender que o foro escolhido não guarda relação com as partes ou com a obrigação — o que não raras vezes ficará sujeito ao arbítrio do julgador, sobretudo para operações comerciais complexas que envolvam múltiplas partes e cadeia obrigacional multifacetada.

Alguns exemplos do problema são: em um contrato envolvendo A, B e C, no qual o foro eleito corresponde ao domicílio de C, fica a dúvida se A e B poderão litigar naquele foro. Situação mais complexa ainda poderá ocorrer em contratos coligados, quando A, B e C poderão figurar em um contrato, mas somente A e B figurarão em outro, tendo as partes eleito foro único exatamente em virtude da coligação contratual, para que possam reunir eventuais disputas. Da mesma maneira, coloca-se em xeque as situações de sucessão, em que o domicílio dos sucessores pode não coincidir com a dos contratantes originários.

Redução de investimentos estrangeiros

A mudança legislativa pode gerar, ainda, uma redução dos investimentos estrangeiros em regiões cujos foros que não são usualmente elegidos pelas partes contratantes, pois o investidor estrangeiro que pretender contratar com parte sediada nessas localidades, afastadas de grande centro comercial, terá de possivelmente litigar ali, o que modifica a avaliação de risco do investimento, podendo encarecê-lo ou até mesmo inviabilizá-lo.

Nesse mesmo sentido, essa limitação à eleição de foro pode levar ao aumento da inclusão de cláusulas arbitrais nos contratos: não sendo possível eleger foro judicial neutro, mais célere e/ou mais especializado, a alternativa será a resolução dos litígios mediante arbitragem. Isso pode ocorrer mesmo em casos em que, em razão das peculiaridades do caso concreto, o Poder Judiciário poderia ter sido o foro mais adequado para resolução de disputas.

Vislumbra-se, ainda, que a mudança possa aumentar os custos de transação para negociação dos contratos e levar à abertura de inúmeras novas filiais pelas empresas tão somente para que as partes possam, dessa forma, eleger o foro daquela localidade onde se instaurou a filial para apreciar e julgar demandas advindas dos contratos celebrados por ela, o que pode ter efeitos tributários.

Além disso, essa alteração parece ir na contramão dos esforços legislativos feitos recentemente para incentivar contratações e atividades econômicas no Brasil, como a Lei da Liberdade Econômica, que firmou a regra geral de que, nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual, e o próprio Código de Processo Civil de 2015, que permitiu às partes em juízo maior flexibilidade e autonomia na condução da disputa, por meio da celebração de negócios jurídicos processuais.

A contradição é evidente: amplia-se a liberdade econômica, apregoando-se mínima intervenção estatal nas relações entre agentes econômicos, atribuindo-se maior flexibilidade para que as partes decidam como pretendem solucionar seus litígios, mas repentinamente se cria entrave para que elejam o foro dessa disputa. Como exposto, há muitos fatores que aparentemente deixaram de ser considerados na aprovação da nova lei e que têm impacto direto no ambiente institucional para realização de investimentos no Brasil.

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Ajuste em contratos de mini e microgeração distribuída de energia

Muitos consumidores com sistema de mini e microgeração distribuída de energia têm sido surpreendidos com cobranças de valores abusivos. Isso porque muitos foram notificados, com letras miúdas em suas contas de energia, para que no prazo de 60 dias promovessem “ajustes” em seus contratos com a distribuidora, adequando-se às regras tarifárias trazidas pela Resolução Normativa nº 1.059, de 7 de fevereiro de 2023, publicada pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Energia elétrica

 

Dentre esses “ajustes contratuais”, inclui-se o dever de o consumidor efetuar a contratação de “demanda de injeção de geração”. Ocorre que o consumidor sequer sabe o que é “demanda de injeção de geração”, tampouco a quantidade de demanda que deve ser contratada.

Como era de se esperar, alguns consumidores contrataram abaixo do necessário e acabaram pagando tarifas até três vezes mais caras que a originalmente contratadas. Outros não contrataram e seguiram pagando tudo ao custo da demanda ativa.

1. Das conceituações

Antes de aprofundar no tema, necessário fazer o que a lei, as concessionárias e as agências reguladoras não fizeram, informar e esclarecer os conceitos de cada coisa.

Demanda pode ser compreendida como a quantidade de eletricidade que você precisa em um determinado momento. Pense nisso como a quantidade de energia que todas as suas luzes, aparelhos e equipamentos juntos estão usando ao mesmo tempo. Por exemplo, quando você liga a TV, o micro-ondas e o ar-condicionado ao mesmo tempo, a demanda de energia aumenta.

Demanda de Injeção de Geração é a quantidade de eletricidade que um sistema de energia, como painéis solares, coloca na rede elétrica. Imagine que você tem painéis solares no seu telhado que geram mais energia do que você está usando em casa. Essa energia extra vai para a rede elétrica da cidade, e isso é a demanda de injeção.

2. Marco legal da microgeração e minigeração distribuída no Brasil

A Lei nº 14.300, de 6 de janeiro de 2022, institui o Marco Legal da Microgeração e Minigeração Distribuída no Brasil, estabelecendo um framework regulatório para consumidores que desejam gerar sua própria energia a partir de fontes renováveis, como solar e eólica.

Definições e categorias

A lei trouxe o conceito e distinção entre microgeração distribuída, compreendida como sistemas com potência instalada menor ou igual a 75 kW; e minigeração distribuída: definido como sistemas com potência instalada superior a 75 kW e menor ou igual a 5 MW para fontes renováveis.

Sistema de compensação de energia elétrica

A lei permitiu que os consumidores que geram sua própria energia podem injetar o excedente na rede elétrica e receber créditos com validade de 60 meses, que podem ser usados para abater o consumo em outros momentos.

Tarifas e custos

A lei trouxe a infeliz novidade de submeter os novos consumidores de micro ou minigeração distribuída ao pagamento de tarifas de uso do sistema de distribuição (Tusd) e de transmissão (Tust) sobre a energia injetada na rede, isentando os consumidores que já possuíam o sistema de micro ou minigeração distribuída do pagamento das referidas tarifas até 2045.

3. Alteração das regras para a conexão e o faturamento de centrais de microgeração e minigeração distribuída

A Resolução Normativa nº 1.059, de 7 de fevereiro de 2023, publicada pela Aneel, trouxe mudanças significativas nas regras de contratação de demanda para consumidores e geradores de energia, especialmente aqueles com sistemas de geração distribuída, como placas solares.

A REN Aneel nº 1.059/2023 foi introduzida com o objetivo de atualizar e consolidar a regulamentação do setor elétrico brasileiro, especialmente em relação à micro e minigeração distribuída. Esta resolução visava garantir a adequação das demandas contratadas pelos consumidores e geradores, promovendo a eficiência e a estabilidade do sistema elétrico.

No entanto, a implementação dessas mudanças resultou em desafios significativos para muitos consumidores, particularmente aqueles que possuem sistemas de geração distribuída, como placas solares.

Dentre as principais alterações trazidas pela REN Aneel nº 1.059/2023 e que merecem destaque, trata-se da alteração do artigo 23 da Resolução Normativa nº 1.000, de 7 de dezembro de 2021, que passou a vigorar com a regra de que a unidade consumidora com minigeração distribuída (potência instalada superior a 75 kW) deve ser enquadrada no Grupo A e que os consumidores com microgeração distribuída pode ser enquadrada no Grupo A, desde que tenha potencial de prejudicar a prestação do serviço a outros consumidores e demais usuários, e seja justificado no estudo da distribuidora.

O enquadramento do consumidor no grupo A tem várias implicações importantes que afetam tanto o custo da energia elétrica quanto a forma como a energia é fornecida e faturada. O grupo A é composto por consumidores que recebem energia em alta tensão, como indústrias, grandes comércios e outros grandes consumidores. As principais consequências do enquadramento no grupo A incluem:

Modalidade Tarifária Diferenciada

Os consumidores do grupo A podem optar por diferentes modalidades tarifárias, como a tarifação horária verde ou azul. Essas modalidades oferecem tarifas variáveis de acordo com o horário de consumo (ponta e fora de ponta), incentivando um uso mais eficiente da energia.

Demanda contratada

Consumidores do grupo A devem contratar uma demanda de potência junto à distribuidora, o que significa que eles se comprometem a não ultrapassar um determinado limite de consumo de energia. Ultrapassar essa demanda resulta em penalidades financeiras, chamadas de tarifas de ultrapassagem.

 Custos com demanda de injeção de geração

Para aqueles que geram sua própria energia, como através de painéis solares, a demanda de injeção de geração é uma nova exigência. A falta de contratação adequada pode resultar em custos elevados e multas significativas.

Penalidades por ultrapassagem de demanda

Se a demanda medida durante o período de testes ou após o ajuste contratual exceder a demanda contratada, o consumidor é sujeito a penalidades significativas. A ultrapassagem pode resultar em tarifas três vezes mais altas, conforme estipulado pelo artigo 301 da REN Aneel 1.000/2021.

Acréscimos e reduções de demanda

Os consumidores do grupo A têm a flexibilidade de ajustar suas demandas contratadas, mas isso deve ser feito com cuidado para evitar penalidades. Acréscimos de demanda superiores a 5% da contratada precisam ser comunicados e ajustados de acordo com os regulamentos vigentes.

A título ilustrativo pode-se referir aos valores praticados pela Equatorial S/A no Estado do Pará para as demandas ativa e demanda de geração, onde a primeira possui um custo de R$ 67,38 o KW, ao passo que a segunda possui um custo de R$ 43,77.

Período de testes

Como muitos consumidores são leigos e não possuem noção do quanto deveriam contratar a título de demanda de injeção de geração, aliado ao fato de que os sistemas de geração distribuída, como placas solares, têm uma variabilidade natural na geração de energia devido a fatores climáticos e sazonais.

O artigo 311 da REN Aneel nº 1.059/2023 estabelece um período de testes de três ciclos consecutivos e completos de faturamento. Durante esse período, os consumidores podem ajustar suas demandas sem penalidades imediatas, mas devem estar cientes das exigências para evitar cobranças excessivas após o período de testes.

Ultrapassagem de demanda durante o período de testes

Contudo, essa regra do período de testes trouxe consigo o que identificamos como uma pegadinha, haja vista que durante o período de testes, a distribuidora faturará a demanda medida, exceto em casos de acréscimo de demanda, onde será considerado o maior valor entre a demanda medida e a demanda contratada anteriormente.

Diz-se que há uma pegadinha pois, segundo a resolução, se a demanda medida exceder em mais de 35% a demanda inicial contratada na hipótese de início de fornecimento ou se a demanda medida exceder somatório da nova demanda contratada, 5% da demanda anterior e 30% da demanda adicional no caso de ligações já existentes e que apenas solicitaram aumento de demanda, a distribuidora aplicará uma multa pela ultrapassagem de demanda, com a cobrança de tarifa que pode ser até três vezes mais cara que a tarifa regular da demanda contratada.

Exemplo prático: imagine que um consumidor tenha contratado em início de fornecimento uma demanda inicial de 100 kW. Durante o período de testes, sua demanda medida foi de 140 kW. A distribuidora não pode cobrar multa, pois a demanda medida não excedeu 135 kW (100 kW + 35%). Se a demanda medida fosse 140 kW, a multa seria aplicada.

Para consumidores que já possuíam o fornecimento e apenas solicitaram aumento de demanda, pode-se ilustrar da seguinte forma: consumidor possuía uma demanda contratada de 100 kW e contratou uma nova demanda de 120 kW. Caso a demanda medida seja superior 131 kW (120 kW + 5 kW + 6 kW), o consumidor estará sujeito ao pagamento da tarifa excedente que pode ser até três vezes mais cara que a tarifa regular da demanda contratada.

4. Dever de informação

O Superior Tribunal de Justiça em diversos julgados tem afirmado que a Informação é um dos direitos básicos do consumidor, talvez o mais elementar de todos na classe dos instrumentais (em contraste com direitos substantivos, como proteção da saúde e segurança), daí a sua expressa prescrição pelo artigo 5º , XIV , da Constituição de 1988 e no artigo 6º , III e IV do CDC.

No julgamento do Recurso Especial nº 1.447.301 CE 2014/0052859-2, pela 2ª Turma do STJ [1], sob a relatoria do ministro Herman Benjamin, DJe 26/08/2020, o tribunal afirmou que: “a falta ou a deficiência material ou formal de informação não só afrontam o texto inequívoco e o espírito do CDC , como também agridem o próprio senso comum, sem falar que convertem o dever de informar em dever de informar-se, ressuscitando, ilegitimamente e contra legem, a arcaica e renegada máxima caveat emptor (=o consumidor que se cuide)”.

Destacou o relator que “só respeitam o princípio da transparência e da boa-fé objetiva, em sua plenitude, as informações que sejam “corretas, claras, precisas, ostensivas” e que indiquem, nessas mesmas condições, as “características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados” do produto ou serviço, objeto da relação jurídica de consumo (art. 31 do CDC)”.

Cláudia Lima Marques [2], uma das mais renomadas juristas em Direito do Consumidor no Brasil, aborda o dever de informação de forma detalhada em suas obras. Ela define o dever de informação como um dos pilares da proteção do consumidor, sustentando que:

“O dever de informar é uma obrigação fundamental no direito do consumidor, que visa equilibrar a relação contratual, tornando-a mais justa e transparente. Esse dever impõe ao fornecedor a responsabilidade de fornecer todas as informações necessárias para que o consumidor compreenda plenamente o produto ou serviço adquirido, incluindo características, riscos, preços, condições de pagamento, entre outros aspectos relevantes” (MARQUES, 2015, p. 103).

Marques enfatiza que a falha no cumprimento desse dever pode ser considerada uma prática abusiva e, em alguns casos, pode gerar a responsabilidade civil do fornecedor por eventuais danos causados ao consumidor devido à ausência ou insuficiência de informações.

5. Considerações finais

A REN Aneel nº 1.059/2023 trouxe mudanças importantes para a regulamentação do setor elétrico, mas sua implementação destacou falhas significativas na comunicação e na educação dos consumidores, o que tem provocado cobranças abusivas e, por consequência, o ajuizamento de inúmeras ações judiciais que buscam dizer o óbvio, é dever do fornecedor informar e esclarecer o consumidor.

Ao tempo em que mundialmente se busca por iniciativas e geração de energias limpas e renováveis, alguns aspectos legais e regulamentares parecem andar na contramão, na medida em que encarece o custo de geração de energia por consumidores com micro e minigeração de distribuição de energia instalado.

É essencial que a Aneel e as distribuidoras melhorem a clareza e a acessibilidade das informações fornecidas aos consumidores para evitar cobranças abusivas e garantir que todos estejam plenamente cientes de suas obrigações contratuais.


[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1.447.301 CE 2014/0052859-2, relator: ministro HERMAN BENJAMIN, data de julgamento: 08/11/2016, T2 – 2ª Turma, data de publicação: DJe 26/8/2020

[2] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

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Um ano após entrada em vigor, Lei da Igualdade Salarial resulta em batalha de liminares

Um ano após sua publicação, a Lei da Igualdade Salarial vem sendo contestada por empresas na Justiça. A principal regra questionada é a da publicação dos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios. Algumas liminares já foram concedidas para afastar tal exigência por violações à liberdade empresarial e à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), embora especialistas no assunto entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico não concordem com essa interpretação.

A lei contestada, de julho do último ano, trata da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres. Ela estabeleceu obrigações para empresas com cem ou mais empregados. A norma foi regulamentada pelo Decreto 11.795/2023. Este, por sua vez, foi regulamentado pela Portaria 3.714/2023 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Ambos trouxeram regras sobre o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios, que busca comparar de forma objetiva os salários, as remunerações e a proporção de ocupação de cargos. O relatório é elaborado pelo MTE com base em dados do sistema de prestação de informações trabalhistas ao governo federal.

A regulamentação da Lei da Igualdade Salarial estipulou, por exemplo, que o relatório precisa ser publicado nos sites ou nas redes sociais das empresas. Também é preciso apresentar um plano de ação para corrigir eventuais discrepâncias salariais.

O decreto e a portaria ainda citam diversas informações que devem constar do relatório, o que inclui os cargos ou as ocupações, com as respectivas atribuições, e os valores das remunerações.

Já existem decisões liminares que suspendem a divulgação do relatório, mas há também decisões que negam pedidos do tipo e determinam a aplicação da regra.

As empresas defendem que o relatório contém dados pessoais sensíveis dos empregados e seus salários. Outro argumento é que sua imagem poderia ser abalada com a divulgação de tais informações. Há ainda alegações de que as regras de elaboração do documento não são tão claras e de que a regulamentação extrapolou as previsões da lei.

Por outro lado, a Advocacia-Geral da União argumenta que os dados são anonimizados e que não há danos à imagem ou violação da liberdade porque o relatório traz estimativas, e não dados individualizados.

Polêmica judicializada

Em março deste ano, a 7ª Vara Cível Federal de São Paulo proibiu a União de fazer a uma empresa diversas exigências previstas na Lei da Igualdade Salarial, entre elas a divulgação e publicação do relatório de remuneração e critérios remuneratórios em site ou redes sociais.

A juíza Paula Lange Canhos Vieira citou receio de desrespeito à LGPD caso todas as informações fossem fornecidas: “Em empresas com estruturas gerenciais reduzidas, será perfeitamente possível identificar a remuneração de seus funcionários, o que contrasta com a determinação de fornecimento de ‘dados anonimizados’ determinada pela lei”, concluiu a julgadora.

Naquele mesmo mês, a juíza plantonista Pollyanna Kelly Maciel Martins Alves concedeu, no mesmo dia, duas liminares semelhantes em Varas Federais Cíveis do Distrito Federal: uma (na 14ª Vara) para 11 empresas de um mesmo grupo econômico e outra (na 8ª Vara) para as sociedades de advogados representadas pelo respectivo sindicato nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (Sinsa).

A juíza suspendeu a divulgação dos relatórios, pois entendeu que a Lei da Igualdade Salarial criou obrigações que invadem a “liberdade da atividade econômica e negocial das empresas”.

Segundo ela, as diferenças salariais por motivos de gênero podem ser evitadas por meio da “regular fiscalização dos órgãos competentes” e sem a “publicização das informações da empresa”.

A lei já foi contestada no Supremo Tribunal Federal em duas ações diretas de inconstitucionalidade. Em uma delas, as autoras — a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC) — afirmam que a divulgação do relatório causa dano injusto à reputação das empresas e que a elaboração de plano de carreira corporativo vai muito além da questão de gênero.

Já na outra ADI, o Partido Novo diz que a divulgação do relatório é inconstitucional, pois expõe informações sensíveis sobre estratégia de preços e custos das empresas, o que viola o princípio da livre iniciativa.

A advogada Gisela da Silva Freire, presidente do Sinsa e sócia do escritório Peixoto & Cury Advogados, diz que a publicação das informações salariais pode, de fato, “expor as políticas de remuneração da empresa a concorrentes, em especial em alguns setores mais competitivos, em que as políticas salariais são um diferencial importante”. Segundo ela, isso pode causar uma “desvantagem competitiva”.

Para a advogada, a exigência de divulgação é “questionável do ponto de vista legal” e “desproporcional”, pois “vai além do necessário para o atingimento dos objetivos da lei e pode causar grandes prejuízos à imagem da empresa”.

Gisela explica que a empresa exposta pode sofrer “críticas e julgamentos precipitados, especialmente nas plataformas onde a opinião pública é formada de maneira imediata, sem o conhecimento profundo da situação”.

Ana Paula Oriola de Raeffray, sócia do Raeffray Brugioni Advogados e doutora em Direito pela PUC-SP, afirma que a lei é “muito importante para reduzir as desigualdades salariais em razão do gênero”, mas aponta que “sua regulamentação tem lacunas”.

De acordo com ela, o decreto e a portaria deixam dúvidas “acerca das premissas para a elaboração do relatório, o que pode levar a distorções no seu resultado”.

Violações negadas

Por outro lado, em abril, a 8ª Vara Federal de Campinas (SP) negou o pedido de uma empresa e manteve a obrigação de divulgação do relatório. Da mesma forma, no último mês de junho, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região suspendeu uma decisão que isentava um supermercado de divulgar o documento.

A advogada Gisele Truzzi, especialista em Direito Digital, explica que não há infração à LGPD se os dados estiverem anonimizados. E a própria Lei da Igualdade Salarial determina tal anonimização dos dados do relatório.

A anonimização, explica ela, é a exclusão de informações como o nome do empregado, o CPF ou qualquer outro dado que permita a identificação do indivíduo. Com isso, a pessoa não fica exposta.

A lei de 2023 determina que a divulgação do relatório deve observar a proteção de dados pessoais tratada na LGPD. Já a regulamentação não prevê a divulgação de qualquer dado que identifique os empregados.

Maria Lucia Benhame, advogada especialista em Direito do Trabalho, lembra que as empresas, especialmente aquelas ligadas ao Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) — iniciativa para engajar companhias na adoção de certos princípios em áreas como direitos humanos e trabalho —, já publicam vários dados, muitos deles em seus programas de governança ambiental, social e corporativa (ESG).

No âmbito do Pacto Global, existem, por exemplo, os princípios de empoderamento das mulheres (WEPs), compromissos assinados pelas companhias para promover a igualdade de gênero. Empresas engajadas nisso e em outros movimentos similares costumam publicar relatórios com dados de empregados.

De acordo com Maria Lucia, a lógica de relatórios públicos com verificação estatal e participação sindical “existe em diferentes países do mundo, especialmente na Europa”.

Apesar da resistência das empresas à divulgação de dados, a advogada trabalhista Amanda Paoleli, do escritório Calcini Advogados, entende que a medida, assim como a elaboração dos planos de mitigação, é uma oportunidade “para as empresas contextualizarem e explicarem as estatísticas, auxiliando os órgãos competentes na fiscalização”.

Ela lembra que o inciso XXX do artigo 7º da Constituição proíbe a diferença de salários “por motivo de sexo”. O artigo 461 da CLT, por sua vez, determina salários iguais para trabalhos de igual valor no mesmo estabelecimento, “sem distinção de sexo”.

Para a advogada, a Lei da Igualdade Salarial “se insere no contexto dos princípios constitucionais do artigo 170, que orientam o exercício da livre iniciativa empresarial, incluindo a proteção dos empregados e a redução das desigualdades”.

Segundo Amanda, o poder público tem competência para legislar sobre os assuntos listados nesse artigo, de forma a concretizar os princípios, “inclusive diante do dever de fiscalizar contratos de trabalho visando à proteção dos direitos humanos, à garantia do não retrocesso social e à efetividade das normas já vigentes, que estabelecem há muito o princípio da igualdade”.

Alegação que não se sustenta

Na visão da também advogada trabalhista Fabíola Marques, professora da PUC-SP, “a alegação das empresas de que (a lei) viola a liberdade de contratação e administração não se sustenta”. Segundo ela, “as empresas não querem mostrar a verdade” — que o número de homens contratados é superior ao de mulheres.

Da mesma forma, “não interessa mostrar que existem poucas mulheres em cargos de direção e gestão e que as poucas que existem têm salários inferiores aos dos homens na mesma posição” — o que também ocorre em atividades mais simples.

“Como as empresas não querem ser vistas pelo público como empresas que discriminam e não incentivam o trabalho das mulheres, como não querem ser vistas como machistas, recorrem ao Judiciário para tentar justificar o injustificável”, assinala Fabíola.

Ela recorda que, conforme pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres têm uma taxa de desemprego maior do que a dos homens, apesar da escolaridade superior.

Amanda Paoleli cita estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que mostra as disparidades: mulheres ganham cerca de 20% menos do que os homens e foram afetadas de forma desproporcional pela crise da Covid-19 — tanto em termos de segurança de renda quanto de responsabilidades familiares.

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Blackbox e manipulação de sistemas de IA na prática forense

São cada vez mais intensas e controversas as discussões de como a inteligência artificial (IA) tem se tornado uma ferramenta essencial na prática forense, facilitando a resolução de crimes e a análise de evidências (Russell; Norvig, 2016). No entanto, surgem preocupações éticas e de segurança quando se tenta contornar os “filtros” internos de sistemas de IA, como o ChatGPT, para obter informações de forma ilegal. Este Op-Ed examina brevemente os riscos ocultos dessas práticas e como a opacidade dos modelos de “caixa preta” pode minar a confiança nas análises forenses.

As discussões sobre a utilização de modelos de IA já estão focadas na produção de decisões judiciais em matéria penal, ou seja, no debate sobre as (im)possibilidades de modelos de apoio à decisão penal. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou as Resoluções 332/2020 e 363/2021 e a Portaria 271/2020, regulamentando a pesquisa, o desenvolvimento e a implementação de Modelos nos Tribunais (Peixoto, 2020). No entanto, muitas iniciativas acontecem “fora do radar”, sem um mínimo de maturidade tecnológica, no “oba-oba” da aparente facilidade da inteligência artificial generativa.

Embora não proibida no domínio penal, a IA “não deve ser estimulada, sobretudo com relação à sugestão de modelos de decisões preditivas” (Resolução 332/2020, artigo 23). Confira a publicação sobre “O Manto de Invisibilidade do uso da Inteligência Artificial no Processo Penal” ler (aqui) pois, este artigo já chamava a atenção para a complexidade do tema e para a questão relevante e pouco problematizada do “uso” de prova adquirida por “Modelos de Inteligência Artificial” implementados pelos Órgãos de Investigação e de Controle, em desconformidade com as normas de transparência, produção, tratamento de dados e auditabilidade algorítmica.

Filtros

Os filtros internos são cruciais para impedir o uso mal-intencionado da IA protegendo a integridade dos dados e garantindo conformidade com normas legais e éticas (Floridi; Cowls, 2019). Esses filtros atuam como barreiras, evitando que informações sensíveis ou ilegais sejam acessadas ou manipuladas. A transparência desses filtros é essencial para manter a confiabilidade e a legitimidade das ferramentas de IA na prática forense (Goodman; Flaxman, 2017).

Qualquer uso de IA em contextos forenses deve respeitar as regras do jogo para evitar abusos e garantir a integridade das provas. No entanto, oportunistas operam sob o manto aparente da invisibilidade, mas deixam pegadas digitais que podem ser identificadas. Basta saber pedir as informações de acesso [logs, p.ex.].

Onde está o problema? Os modelos de “caixa preta” são frequentemente criticados pela falta de explicabilidade e transparência. Na prática forense tanto clareza quanto precisão são indispensáveis, razão pela qual a utilização desses modelos pode ser problemática (Doshi-Velez; Kim, 2017).

A incapacidade de explicar como um modelo de IA chegou a uma determinada conclusão compromete a integridade das análises forenses e a confiança pública nos resultados apresentados em tribunal (Lipton, 2018). Além disso, a utilização de modelos de IA por órgãos estatais sem a devida conformidade com normas de transparência e auditabilidade algorítmica impõe um sério risco à concretização de direitos fundamentais e ao devido processo legal.

A ausência de controle efetivo sobre a aquisição e o processamento de dados materializados em provas judiciais pode “legitimar” comportamentos oportunistas e abusivos, criando um “Manto da Invisibilidade” (Bierrenbach, 2021).

Contornar os filtros internos de sistemas de IA não só compromete a segurança, mas também a legalidade das operações forenses. Vamos além…a manipulação desses filtros pode levar a falhas graves na análise de evidências, prejudicando investigações e julgamentos. Além disso, tais práticas podem resultar em sanções legais severas e minar a confiança na aplicação da lei e na justiça (Mittelstadt et al., 2016).

A questão do “uso de prova”, por exemplo, já dito anteriormente, adquirida por “Modelos de Inteligência Artificial” implementados pelos Órgãos de Investigação e de Controle em desconformidade com a normativa do CNJ e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ilustra bem os perigos envolvidos. O paradoxo se estabelece quando práticas vedadas internamente são aceitas externamente, criando um dualismo incoerente.

Em face do exposto, manter filtros robustos e transparentes nos sistemas de IA é essencial para proteger contra o uso ilegal e antiético dessas tecnologias na prática forense. A confiança nas análises forenses depende de um equilíbrio (…) de práticas éticas e de segurança no desenvolvimento de IA. Qual é o desafio?

O desafio é desenvolver IA que seja ao mesmo tempo poderosa e transparente, promovendo uma prática forense que respeite tanto a precisão quanto a ética (Rudin, 2019). Ao que tudo indica, a utilização responsável da IA alinha-se melhor com a proteção dos direitos fundamentais e o Devido Processo Legal.

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Referências

Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Resoluções 332/2020 e 363/2021.

DOSHI-VELEZ, F.; KIM, B. Towards a Rigorous Science of Interpretable Machine Learning. [ArXiv:1702.08608], 2017. Disponível em: https://arxiv.org/abs/1702.08608. Acesso em: 18 jul. 2024.

FLORIDI, L.; COWLS, J. et al. An Ethical Framework for a Good AI Society: Opportunities, Risks, Principles, and Recommendations. Minds and Machines, v. 28, n. 4, p. 689-707, 2018. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11023-018-9482-5. Acesso em: 18 jul. 2024.

GOODMAN, B.; FLAXMAN, S. European Union Regulations on Algorithmic Decision-Making and a “Right to Explanation”. AI Magazine, v. 38, n. 3, p. 50-57, 2017. Disponível em: https://ojs.aaai.org/index.php/aimagazine/article/view/2741. Acesso em: 18 jul. 2024.

LIPTON, Z. C. The Mythos of Model Interpretability. Communications of the ACM, v. 61, n. 10, p. 36-43, 2018. Disponível em: https://dl.acm.org/doi/10.1145/3233231. Acesso em: 18 jul. 2024.

MITTELSTADT, B. D.; ALLAIRE, J. C.; TSAMADOS, A. The Ethics of Algorithms: Mapping the Debate. Big Data & Society, v. 3, n. 2, p. 2053951716679679, 2016. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/2053951716679679. Acesso em: 18 jul. 2024.

PEIXOTO, Fabiano Hartmann. “Referenciais Básicos”.

RUDIN, C. Stop Explaining Black Box Machine Learning Models for High Stakes Decisions and Use Interpretable Models Instead. Nature Machine Intelligence, v. 1, n. 5, p. 206-215, 2019. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s42256-019-0048-x. Acesso em: 18 jul. 2024.

RUSSELL, S.; NORVIG, P. Artificial Intelligence: A Modern Approach. 3. ed. Upper Saddle River: Prentice Hall, 2016.

BIERRNEBACH, Juliana. Manto da Invisibilidade. Consultor Jurídico, 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jan-07/limite-penal-manto-invisibilidade-uso-ia-processo-penal.

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Afastamento por doença causada pelo empregador não retira adicional de atividade

A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve, por unanimidade, adicional de atividade a uma carteira que teve de ser readaptada após ter sido afastada das funções de distribuição e coleta de correspondências e encomendas em vias públicas pelos Correios.

trabalhadora deposita envelope em caixa de correio
Trabalhadora teve lesão causada por esforço excessivo em manejar entregas

O afastamento se deu por doença profissional causada pelo esforço excessivo ao manejar, sacudir e arremessar objetos. Segundo os autos, a profissional foi removida das atividades externas em maio de 2022, inicialmente por 90 dias, mas as restrições foram mantidas após esse período.

Com isso, em janeiro de 2023, a empresa cortou o pagamento do adicional de atividade. No entanto, o TRT-2 interpretou que, ainda que a trabalhadora tenha deixado de realizar tais tarefas, não pode ter prejuízo devido a um quadro de saúde provocado pelo próprio empregador.

A magistrada Eliane Aparecida da Silva Pedroso, relatora do caso, destacou no acórdão que a conduta dos Correios é indevida, uma vez que a profissional foi vítima de doença de trabalho e não deu causa à readaptação funcional, compatível com as limitações adquiridas em decorrência de suas atividades. “Inadmissível, portanto, onerar a própria vítima, impondo-se a manutenção da verba.”

A decisão se baseia no artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal, que consagra a irredutibilidade salarial, e nos artigos 187, 927 e 950 do Código Civil, que determinam o dever objetivo de reparação àqueles que causam dano. Fundamenta-se, também, em jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho envolvendo o mesmo adicional.

Com a decisão, a instituição terá que restabelecer o pagamento do adicional, desde a data da supressão, com todos os reflexos em férias, 13º salário e depósitos do FGTS. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-2.

Clique aqui para ler o acórdão
Processo 1000422-32.2023.5.02.0434

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Nota de alerta
Prevenção contra fraudes com o nome do escritório Aragão & Tomaz Advogados Associados