Auxílio-doença pago junto com aposentadoria não pode ser devolvido

Benefícios previdenciários têm natureza alimentar, ou seja, são voltados à subsistência, e o pagamento de suas parcelas por longo período gera no segurado o sentimento de que sempre poderá contar com esse dinheiro. Assim, não é justo exigir a restituição de valores já consumidos.

INSS deve restituir descontos que promoveu na aposentadoria da autora na tentativa de compensar auxílio-doença – Agência Brasil

Com esse entendimento, o juiz Wesley Schneider Collyer, da 1ª Vara Federal de Cascavel (PR), decidiu que parcelas de auxílio-doença pagas a uma mulher não podem ser devolvidas e ainda condenou o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a restituir valores descontados da aposentadoria por invalidez recebida pela autora.

A mulher recebeu auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao mesmo tempo por certo período. Isso porque a data de início da aposentadoria por invalidez retroagiu e atingiu o período em que o auxílio-doença vinha sendo pago.

Devido ao “pagamento em duplicidade”, o INSS promoveu descontos na aposentadoria da autora, para compensar os valores recebidos no auxílio-doença.

Sem má-fé

A mulher, então, acionou a Justiça e alegou que não agiu com má-fé, nem induziu o INSS a erro. Ela pediu a devolução dos valores descontados.

O juiz Wesley Schneider Collyer concordou que “não houve ardil, nem má-fé” da autora, mas apenas a concessão da aposentadoria com data retroativa, que ocasionou o pagamento conjunto do benefício com o auxílio-doença por certo tempo.

Devido à “evidente boa-fé” da autora, somada ao “caráter alimentar do benefício recebido”, o julgador considerou que os valores “pagos em excesso” não poderiam ser devolvidos.

Atuou no caso a advogada Nayara Cadamuro Weber.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 5002966-90.2024.4.04.7005

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Projeto estabelece prisão após segunda instância e fim da audiência de custódia

O deputado federal General Pazuello (PL-RJ) apresentou projeto de lei (PL 619/2024) que estabelece a prisão após condenação em segunda instância e acaba com a audiência de custódia. Atualmente, a Constituição Federal e o Código de Processo Penal só admitem a prisão após o trânsito em julgado da sentença condenatória, salvo flagrante delito.

A proposta também dispensa a autoridade de informar à família, em um primeiro momento, ou outra pessoa indicada pelo preso sobre a prisão. Apenas o Ministério Público e advogado (ou Defensoria Pública) deverão ser avisados. Só após 24 horas da prisão, a família será contatada.

Segundo o deputado General Pazuello (PL-RJ), autor do projeto, o objetivo é eliminar lacunas interpretativas que possam gerar nulidades desnecessárias nos processos criminais. “A insegurança jurídica resultante de interpretações divergentes pode conduzir a decisões contraditórias e à soltura de indivíduos perigosos para a ordem social”, disse.

Decisão do STF

Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal mudou de entendimento e passou a permitir a execução da pena após condenação em segundo grau. A decisão foi muito elogiada pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos demais integrantes da força-tarefa da operação “lava jato”, mas severamente criticada por constitucionalistas e criminalistas.

Em 2019, porém, a corte resgatou o entendimentofirmado em 2009 e declarou a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, proibindo a execução provisória da pena.

Logo em seguida surgiram propostas para alterar a Constituição ou o CPP para voltar a permitir a prisão após condenação em segundo grau, como a apresentada agora por Pazuello.

São ideias que estão nas mesas de debate há algum tempo. Mas só poderão sair do papel se for feita uma nova Constituição. Na atual, o inciso LVII do artigo 5º diz que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. É o princípio da presunção de inocência, que não pode ser relativizado por nenhuma lei, afirmaram constitucionalistas consultados pela ConJur.

Prisão preventiva

A proposta também permite que seja decretada prisão preventiva para evitar prática de novas infrações, diferente do que estabelece o CPP atualmente. O projeto revoga a necessidade de justificar a prisão preventiva e a possibilidade de ela ser revogada.

Atualmente, esse tipo de prisão é prevista em caso de crimes dolosos punidos com pena de mais de quatro anos de cárcere.

A proposta amplia a possibilidade de preventiva para casos em que houver indícios de o acusado praticar infrações penais constantemente. Além disso, também serão objeto de prisão preventiva crimes com violência, grave ameaça, porte ilegal de arma, racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, quadrilha, crimes hediondos ou cometidos contra o Estado Democrático de Direito.

A regra vale inclusive para a presa gestante, mãe ou responsável por criança ou pessoa com deficiência. A lei atual garante prisão domiciliar para essas mulheres.

Revogações

O texto revoga as disposições sobre o juiz das garantias, função prevista no CPP para salvaguardar os direitos individuais dos investigados e a legalidade da investigação criminal durante o inquérito policial.

O projeto também revoga o acordo de não persecução penal, ajuste jurídico antes do processo fechado entre o Ministério Público e o investigado, acompanhado por seu defensor. Nele, as partes negociam cláusulas a serem cumpridas pelo acusado, que, ao final, é favorecido pela extinção da pena.

Também é revogada a cadeia de custódia  conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. Com informações da Agência Câmara.

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CGU diz que não irá criar novo índice de corrupção, mas levantar dados já existentes

A Controladoria-Geral da União publicou na segunda-feira (8/7) edital que prevê a contratação de estudo para mapear e analisar indicadores envolvendo corrupção, integridade pública, boa governança e transparência pública.

Na segunda, a revista eletrônico Consultor Jurídico divulgou que o objetivo do órgão era criar seu próprio índice sobre corrupção. A CGU, no entanto, informou que o edital tem como propósito contratar estudo para mapear e analisar indicadores já existentes.

“Este trabalho contribuirá para a missão da CGU de formular e difundir diretrizes para a implementação de políticas e programas de integridade e compliance em instituições brasileiras. Espera-se que tal estudo auxilie a CGU na formulação e avaliação de tais programas e políticas”, disse o órgão em nota.

“O processo de contratação faz parte de um acordo de cooperação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), seguindo as diretrizes estabelecidas pelo organismo internacional”, concluiu a CGU.

“Ranking”

A pesquisa encomendada pela CGU deverá ficar pronta em 90 dias. O resultado tende a confrontar o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), divulgado pela organização privada Transparência Internacional (TI).

Seis meses atrás, houve uma polêmica entre CGU e Transparência Internacional quando foi revelado o IPC de 2023. O indicador apontou que o Brasil caiu dez posições no ranking global da corrupção em relação a 2022. Integrantes da TI aproveitaram o resultado para sugerir que governo federal atual estaria “falhando” no controle da corrupção.

A entidade usou como argumento uma suposta interferência indevida do governo em indicações para vagas no Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria-Geral da República. E aproveitou ainda para criticar decisões do STF que limitaram acordos de leniência promovidos no âmbito da finada “lava jato”.

Mais tarde ficou claro que a interpretação não tinha relação com a realidade e a Transparência Internacional apenas usava o IPC para manipular a opinião pública. A entidade é alvo de uma investigação sobre as relações de seus dirigentes com integrantes da “lava jato” em um possível conluio para o desvio e a apropriação de recursos dos acordos de leniência.

Hoje se sabe que o IPC é um índice precário e incapaz de refletir o impacto de políticas públicas no controle da corrupção. Em essência, o IPC é apenas uma pesquisa de opinião com um grupo seleto de empresários. Trata-se de uma metodologia tendenciosa e de baixa credibilidade, principalmente em cenários políticos instáveis.

Não bastassem esses problemas, a pesquisa ainda usa dados velhos. Logo, seria impossível o IPC refletir acontecimentos recentes, como indicações e decisões do STF. Ou seja, a interpretação do resultado do IPC oferecida pela Transparência Internacional foi manipulada para defender as opiniões de seus integrantes, sem haver base fática para tal.

O ministro da CGU, Vinícius de Carvalho, publicou no início do ano um artigo denunciando essas falhas e apontando outras limitações do IPC. “Especialistas documentam, há mais de década, problemas com essa forma de medir a temperatura da corrupção. No mínimo, é preciso muito cuidado ao comparar notas do IPC”, afirmou ele.

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CGU diz que não irá criar novo índice de corrupção, mas levantar dados já existentes

A Controladoria-Geral da União publicou na segunda-feira (8/7) edital que prevê a contratação de estudo para mapear e analisar indicadores envolvendo corrupção, integridade pública, boa governança e transparência pública.

Na segunda, a revista eletrônico Consultor Jurídico divulgou que o objetivo do órgão era criar seu próprio índice sobre corrupção. A CGU, no entanto, informou que o edital tem como propósito contratar estudo para mapear e analisar indicadores já existentes.

“Este trabalho contribuirá para a missão da CGU de formular e difundir diretrizes para a implementação de políticas e programas de integridade e compliance em instituições brasileiras. Espera-se que tal estudo auxilie a CGU na formulação e avaliação de tais programas e políticas”, disse o órgão em nota.

“O processo de contratação faz parte de um acordo de cooperação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), seguindo as diretrizes estabelecidas pelo organismo internacional”, concluiu a CGU.

“Ranking”

A pesquisa encomendada pela CGU deverá ficar pronta em 90 dias. O resultado tende a confrontar o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), divulgado pela organização privada Transparência Internacional (TI).

Seis meses atrás, houve uma polêmica entre CGU e Transparência Internacional quando foi revelado o IPC de 2023. O indicador apontou que o Brasil caiu dez posições no ranking global da corrupção em relação a 2022. Integrantes da TI aproveitaram o resultado para sugerir que governo federal atual estaria “falhando” no controle da corrupção.

A entidade usou como argumento uma suposta interferência indevida do governo em indicações para vagas no Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria-Geral da República. E aproveitou ainda para criticar decisões do STF que limitaram acordos de leniência promovidos no âmbito da finada “lava jato”.

Mais tarde ficou claro que a interpretação não tinha relação com a realidade e a Transparência Internacional apenas usava o IPC para manipular a opinião pública. A entidade é alvo de uma investigação sobre as relações de seus dirigentes com integrantes da “lava jato” em um possível conluio para o desvio e a apropriação de recursos dos acordos de leniência.

Hoje se sabe que o IPC é um índice precário e incapaz de refletir o impacto de políticas públicas no controle da corrupção. Em essência, o IPC é apenas uma pesquisa de opinião com um grupo seleto de empresários. Trata-se de uma metodologia tendenciosa e de baixa credibilidade, principalmente em cenários políticos instáveis.

Não bastassem esses problemas, a pesquisa ainda usa dados velhos. Logo, seria impossível o IPC refletir acontecimentos recentes, como indicações e decisões do STF. Ou seja, a interpretação do resultado do IPC oferecida pela Transparência Internacional foi manipulada para defender as opiniões de seus integrantes, sem haver base fática para tal.

O ministro da CGU, Vinícius de Carvalho, publicou no início do ano um artigo denunciando essas falhas e apontando outras limitações do IPC. “Especialistas documentam, há mais de década, problemas com essa forma de medir a temperatura da corrupção. No mínimo, é preciso muito cuidado ao comparar notas do IPC”, afirmou ele.

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Formuladora de combustível tem direito a benefício fiscal concedido a refinaria

Um benefício fiscal sobre o momento de recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) concedido a refinarias e centrais petroquímicas deve ser estendido a formuladoras de combustíveis, uma vez que todas elas estão inseridas em um mesmo sistema de industrialização do petróleo. Portanto, configuraria violação da livre concorrência a imposição de cargas tributárias de forma desigual.

Com essa fundamentação, o juiz William Trigilio da Silva, da 2ª Vara da Fazenda e dos Registros Públicos de Palmas, concedeu tutela de urgência para que as filiais de uma formuladora no Tocantins possam usufruir do diferimento fiscal previsto no parágrafo 2º da cláusula 10ª do Convênio ICMS 199/2022, aderido pelo Fisco tocantinense.

Violação da isonomia tributária

A norma prevê que refinarias e centrais petroquímicas podem recolher o ICMS não no desembaraço aduaneiro, mas apenas na operação subsequente, a de venda, nas circunstâncias em que for liquidar imposto sobre importação de óleo diesel A, gás liquefeito de petróleo (GLP) e gás liquefeito derivado de gás natural (GLGN).

A formuladora contemplada pela decisão judicial argumentou que produz o diesel B, a versão que chega aos consumidores finais. Isso é feito pela mistura do biodiesel (B10O) com o diesel A, que costuma vir por importação.

Com isso, também alegou, a cessão do diferimento no ICMS apenas às refinarias e centrais petroquímicas seria uma violação da isonomia tributária, uma vez que as formuladoras de combustíveis exercem operações semelhantes.

Falta de amparo legal

Já o estado de Tocantins argumentou que a concessão do benefício à formuladora carece de amparo legal, o que seria exigido pelo parágrafo 6º do artigo 150 da Constituição Federal. Também sustentou que a Lei Complementar 192/2022 coloca formuladores de combustíveis como contribuintes do ICMS na modalidade monofásica, ocorrendo o fato gerador, no caso de importação, no momento do desembaraço aduaneiro. Ainda disse que o Convênio ICMS 199/2022 é expresso ao permitir o diferimento no pagamento do imposto apenas às refinarias e às centrais petroquímicas.

Diante da inexistência de norma, não pode o Judiciário, portanto, estender benefícios a pretexto de isonomia, sob pena de violação dos poderes e do entendimento do Supremo Tribunal Federal, afirmou o estado de Tocantins.

Violação à livre concorrência

Em sua decisão, o juiz afirmou que o entendimento do STF trata de redução ou isenção fiscal, e não de benefício de diferimento do momento do pagamento, como é o caso concreto.

Ele declarou que a benesse fiscal foi criada pelo legislador para viabilizar a operação dos importadores, que fazem compras em grandes remessas e poderiam não sustentar isso se tivessem de pagar o ICMS adiantado.

Deste modo, disse o juiz, a limitação do diferimento configura violação à livre concorrência e fere o inciso II do artigo 150 do texto constitucional, que veda “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”, como é o caso, segundo ele, das formuladoras, refinarias e centrais petroquímicas.

Isso sustentaria a probabilidade de direito, um dos dois requisitos para conceder a tutela de urgência. Já o outro, o perigo do dano, estaria expresso no fato de a não concessão do benefício fiscal poder causar grande impacto no capital de giro da formuladora de combustíveis, tendo em vista que ela importa diesel em grande quantidade.

O juiz pontuou também que, não se tratando de isenção ou redução de alíquota, mas de diferimento do momento de pagamento do ICMS, não vislumbra prejuízo ao Estado nem perigo de irreversibilidade da medida.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0024236-13.2024.8.27.2729/TO

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Proteção legal do meio ambiente do trabalho na CLT

Recepcionada pela Constituição, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no Capítulo V, trata da segurança e medicina do trabalho, trazendo importantes disposições que, se efetivamente cumpridas, contribuirão na prevenção dos riscos ambientais laborais, evitando acidentes e doenças e, com isso, protegendo a saúde dos trabalhadores.

Citarei alguns dos mais importantes artigos incluídos na CLT pela Lei nº 6.514/1977, que alterou substancialmente o Capítulo V da CLT, num momento em que o Brasil figurava no primeiro lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho.

Hoje, de acordo com levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de mortes por acidentes de trabalho.

Dispositivos

Por oportuno, dentre tais dispositivos legais incluídos na CLT destaco, pela sua importância, o artigo 156 (artigo 156 – Compete especialmente às Delegacias Regionais do Trabalho, nos limites de sua jurisdição: I – promover a fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho; II – adotar as medidas que se tornem exigíveis, em virtude das disposições deste Capítulo, determinando as obras e reparos que, em qualquer local de trabalho, se façam necessárias; III – impor as penalidades cabíveis por descumprimento das normas constantes deste Capítulo, nos termos do artigo 201”), que trata da competência do Estado, por meio das Delegacias Regionais do Trabalho e de outros órgãos de fiscalização sobre a orientação, fiscalização, adoção de medidas de proteção ao meio ambiente do trabalho e aplicação das penalidades cabíveis no caso de descumprimento das normas atinentes, incluindo a interdição e o embargo.

Já o artigo 157 (artigo 157 – “Cabe às empresas: I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente”), por seu turno, determina aos tomadores de serviços a obrigação de cumprirem e fazerem cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, adotando medidas coletivas e individuais de prevenção e proteção necessárias, orientando e instruindo os trabalhadores sobre a implementação dessas medidas e informando-os a respeito dos riscos decorrentes das atividades desenvolvidas.

Também importante é o artigo 158 (artigo 158 – “Cabe aos empregados: I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior; Il – colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo. Parágrafo único – Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada: a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior; b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa”), que obriga os empregados a cumprirem as normas ambientais laborais, seguindo as orientações do empregador, sob pena de incorrerem em ato faltoso, punível proporcionalmente à sua gravidade.

O artigo 160 estabelece a obrigatoriedade da inspeção prévia nos estabelecimentos, antes do seu funcionamento, como a mais importante forma de prevenção dos agravos à saúde do trabalhador, embora, na prática seja pouco cumprido (artigo 160 – “Nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspeção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho.§ 1º – Nova inspeção deverá ser feita quando ocorrer modificação substancial nas instalações, inclusive equipamentos, que a empresa fica obrigada a comunicar, prontamente, à Delegacia Regional do Trabalho. § 2º – É facultado às empresas solicitar prévia aprovação, pela Delegacia Regional do Trabalho, dos projetos de construção e respectivas instalações”).

O artigo 161 (artigo 161 – “O Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortúnios de trabalho”) assegura ao Delegado Regional do Trabalho, hoje Superintendente Regional do Trabalho, ante a existência de risco grave e iminente para o trabalhador, interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento ou embargar obra, o que representa um dos mais efetivos e ágeis instrumentos de prevenção do meio ambiente e de eliminação de risco de vida para os trabalhadores. Esse dispositivo legal, que nos seus primórdios teve pouquíssima aplicação, vem sendo utilizado com certa frequência pelos órgãos do Ministério do Trabalho e Emprego como forma de preservação da saúde do trabalhador.

O artigo 184 (artigo 184 – “As máquinas e os equipamentos deverão ser dotados de dispositivos de partida e  parada e outros que se fizerem necessários para a prevenção de acidentes do trabalho, especialmente quanto ao risco de acionamento acidental. Parágrafo único – É proibida a fabricação, a importação, a venda, a locação e o uso de máquinas e equipamentos que não atendam ao disposto neste artigo”) dispõe sobre a necessidade de as máquinas e equipamentos que ofereçam perigo para os trabalhadores conterem dispositivos de proteção, impondo a responsabilidade solidária pelo cumprimento dessa obrigação ao fabricante, ao importador, ao vendedor, ao locador e ao usuário.

Cabe registrar que as alterações incluídas na CLT pela Lei nº 6.514/1977, que alterou seu Capítulo V, endurecendo as normas sobre segurança e saúde no trabalho, juntamente com algumas políticas de prevenção foram responsáveis pela diminuição do índice de acidentes de trabalho no Brasil, que, de qualquer forma, ainda registra indicies preocupantes, com grandes prejuízos financeiros, sociais e humanos. Por isso, sempre é necessário reiterar que o melhor remédio para evitar acidentes de trabalho é a prevenção dos riscos ambientais laborais.

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Corretagem de seguros e comissão contingente

Os corretores de seguros desempenham um papel fundamental na intermediação de seguros entre as seguradoras e os clientes. A remuneração desses profissionais pode variar de acordo com diferentes modelos — que, por sua vez, são influenciados pelo mercado, pelo tipo de seguro, e pelas práticas específicas de cada seguradora.

Spacca

Tradicionalmente, os corretores são remunerados por meio de comissões, que correspondem a uma percentual do prêmio pago pelo segurado. Esse percentual pode variar consoante o tipo de seguro e as nuances da contratação entre as partes.

Além das comissões regulares, os corretores de seguros eventualmente podem receber uma remuneração adicional por atingirem objetivos específicos de vendas ou de retenção de clientes, definidos pelas seguradoras.

A chamada “comissão contingente” é uma forma de remuneração extra baseada no cumprimento de objetivos que vão além da venda de apólices. Esses objetivos geralmente incluem: i) aumentar o volume total de vendas de seguros dentro de um período específico, frequentemente estipulado por ano; ii) manter um certo nível de retenção de clientes ou renovações de apólices, demonstrando que a corretora não apenas atrai novos clientes; e, em alguns casos, iii) a rentabilidade das apólices vendidas, com seguradoras avaliando se as apólices geram lucro, considerando a relação entre prêmios recebidos e sinistros pagos. Adicionalmente, indicadores de satisfação do cliente e a qualidade no serviço prestado também podem influenciar o pagamento de comissões contingentes.

Embora esteja sendo mais aplicada nos últimos anos, especialmente em grandes operações de seguros massificados, pairam algumas dúvidas sobre a legalidade da prática da comissão contingente (por vezes mencionada como “remuneração adicional”) no Brasil. O presente artigo tem como escopo analisar os principais contornos desse importante tema.

Remuneração do corretor de seguros

Um conjunto de normas legais e infralegais tratam da corretagem de seguros e, ainda que lateralmente, da remuneração do corretor. São elas: o Código Civil; a Lei nº 4.594/1964, que regula a profissão de corretor de seguros; o Decreto Lei nº 73/1966, que dispõe sobre o SNSP (Sistema Nacional de Seguros Privados) e regulamenta as operações de seguros; o Decreto n° 60.459/1967 (que regulamenta o Decreto-Lei nº 73/1966); e o Decreto nº 56.903/1965, que regulamenta especificamente a profissão de corretor de seguros de vida e de capitalização.

Dentre as normas infralegais, pode-se citar a Circular Susep nº 510/2015, que aborda a atividade de corretagem de seguros; a Resolução CNSP nº 382/2020, que versa sobre princípios a serem observados pelos intermediários nas práticas de conduta; e, em caso de inobservância de normas regulatórias, a Resolução CNSP nº 393/2020, que dispõe sobre sanções administrativas.

Sem a pretensão de examinar cada uma das referidas fontes normativas, o Código Civil, em seus artigos 725 e 728, dispõe, de forma geral, acerca da remuneração proveniente de uma relação baseada no contrato de corretagem – independentemente de ser na intermediação de seguros. Esta deve ser paga ao corretor quando i) este conseguir o resultado da contratação, ou, ii) mesmo quando não conseguir, se a contratação não ocorrer porque as partes se arrependeram da contratação.

A Lei nº 4.594/1964, específica para os corretores de seguros, estabelece outros requisitos para o pagamento da comissão de corretagem, quais sejam: i) o corretor estar devidamente habilitado para o exercício da profissão, com cadastro ativo perante a SUSEP; e ii) o corretor ter assinado a proposta, que deve ser encaminhada às seguradoras, na forma dos artigos 13, caput e 14 da referida lei.

O Decreto-Lei nº 73/1966, o Decreto nº 60.459/1967 e o Decreto nº 56.903/1965, que regulam o DL nº 73/1966, repetem esses mesmos requisitos. Entretanto, por conta também de alteração legislativa por meio da Lei nº 14.430, de 2022, o atual artigo 124 do Decreto-Lei nº 73, de 1966, prevê que “as comissões de corretagem somente poderão ser pagas a corretor de seguros devidamente habilitado e deverão ser informadas aos segurados quando solicitadas”.

Retornando ao âmbito da Lei nº 4.594/1964, relativamente recente alteração legislativa, implementada pela Lei nº 14.430/2022, traz interessante ponto para este estudo. Na forma como redigido originalmente, o artigo 1º da Lei nº 4.594/1964 apresentava apenas o caput, em que é disposto:

O corretor de seguros, seja pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguros, admitidos pela legislação vigente, entre as Sociedades de Seguros e as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado.

Por esta aproximação, relacionada à angariação e promoção de contratos de seguros, o corretor fazia jus à comissão de corretagem, prevista no artigo 13, caput, da Lei nº 4.594/1964. Entretanto, após a entrada em vigor da Lei nº 14.430/2022, em 03/08/2022, outras tantas atribuições foram impostas ao corretor, de modo que, no fim do dia, por todas elas cabe ele ser remunerado. São elas:

“Parágrafo único. São atribuições do corretor de seguros:

I – a identificação do risco e do interesse que se pretende garantir;

II – a recomendação de providências que permitam a obtenção da garantia do seguro;

III – a identificação e a recomendação da modalidade de seguro que melhor atenda às necessidades do segurado e do beneficiário;

IV – a identificação e a recomendação da seguradora;

V – a assistência ao segurado durante a execução e a vigência do contrato, bem como a ele e ao beneficiário por ocasião da regulação e da liquidação do sinistro;

VI – a assistência ao segurado na renovação e na preservação da garantia de seu interesse.”

Legalidade da comissão contingente

Segundo o relatório “A Prática na Atividade dos Intermediários de Seguros no Mercado Americano”, [1] a comissão contingente trata-se de “uma prática estabelecida legalmente na indústria já há muitos anos, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo” e consiste em pagamentos feitos aos corretores, para além da comissão por aproximação das partes do negócio, que estão vinculados a “uma variedade de fatores, tais como, o volume de negócios, de negócio novo gerado, de negócio existente retido, e da experiência de resultado do negócio colocado na seguradora”sendo impossível determinar, com correção, a parcela de uma comissão contingente atribuída a um cliente ou a um risco em particular”.

Após exame detido das normas mencionadas anteriormente, bem como do ordenamento jurídico como um todo, é possível concluir que, atualmente, não existem limitações legais ou regulatórias específicas que proíbam o pagamento de comissão contingente no Brasil.

Em termos de direito a ser constituído, a possibilidade de instituição da comissão contingente ganhou ainda mais força recentemente. Isso porque foi retirada do PL 29/2017, aprovado pelo Senado no dia 18/06/2024, a aparente vedação do pagamento desta comissão, antes disposta no artigo 43, § 1º do PL. [2]

Este texto recebeu emenda do senador Jader Barbalho, relator do projeto de lei no Senado, que removeu o parágrafo único do referido artigo 43, convertido ao artigo 40 no texto da emenda, expressamente mencionando que a mudança visa a manter a possibilidade de “participações contingentes” serem pagas ao corretor. A justificativa do relator foi a seguinte:

“Suprimimos o § 1º do artigo 43. Embora o propósito do dispositivo seja digno de nota — evitar conflito de interesses entre segurados e corretores, que assumem cada vez mais o papel de assessores do segurado —, a vedação absoluta de participações contingentes pode ser danosa para o mercado, prejudicando a corretagem em seguros massificados. Melhor é, na linha do que se pratica no mercado europeu, a punição dos casos excepcionais em que se comprova o conflito de interesses do corretor em função da chamada comissão contingente, em vez da vedação geral.” [3]

De fato, uma proibição genérica seria desaconselhável, especialmente em um país que tem baixa penetração de seguros, inclusive por falta de adequada cultura securitária, e precisa de mais profissionais atuando como corretores de seguros.

Por outro lado, não se pode perder de vista que a forma como essa comissão contingente é implementada na prática deve ser cuidadosamente considerada. Por exemplo, utilizar a rentabilidade da carteira e o número de sinistros como critérios pode ser problemático do ponto de vista do tratamento adequado ao cliente e da mitigação de possíveis conflitos de interesse, nos termos da Resolução CNSP n° 382/2020 (que dispõe sobre princípios a serem observados nas práticas de conduta adotadas pelas seguradoras e intermediários). [4]

Critérios para implementação apropriada

Para garantir uma implementação adequada da comissão contingente, as corretoras de seguros e seguradoras devem ao menos assegurar que: i) a remuneração seja informada aos segurados sempre que solicitada; e ii) os critérios adotados para o pagamento da comissão contingente sejam definidos de maneira a não criar potenciais conflitos de interesse, de modo que as recomendações aos segurados sejam baseadas exclusivamente nas necessidades deles, e não influenciadas pela potencial rentabilidade para o corretor ou para a seguradora.

Medidas recomendadas para mitigação dos riscos

Entre outras medidas, é recomendável que as cláusulas contratuais referentes ao pagamento da comissão contingente no contrato entre a seguradora e a corretora sejam redigidas de forma clara e objetiva, estabelecendo critérios específicos e prazos para o pagamento. Além disso, preocupações sobre transparência e conflitos de interesse podem ser minimizadas se a corretora e/ou seguradora incluir em seu site uma seção que informe, de maneira geral, sobre suas práticas de remuneração, incluindo a “comissão contingente” (ou “remuneração adicional”). [5]

Conclusão

A prática da comissão contingente, como forma adicional de remuneração dos corretores de seguros, tem-se tornado cada vez mais comum, sobretudo nas operações de maior escala nos seguros massificados. No entanto, essa prática, embora permitida, não é isenta de controvérsias e desafios na sua implementação.

A ausência de proibição explícita nas normas vigentes e, até onde vai a vista, de punições em âmbito judicial ou administrativo não elimina a necessidade de cuidados específicos na aplicação desse tipo de comissão.

Portanto, os corretores e seguradoras devem observar os princípios da transparência e evitar potenciais conflitos de interesse na definição dos critérios para o pagamento de comissões contingentes.

Além disso, com a tramitação do Projeto de Lei nº 29/2017 (que retornou à Câmara sob o número 2.597/2024), é importante ao leitor manter-se atualizado sobre quaisquer mudanças legislativas e/ou regulatórias que possam afetar a regulação das comissões contingentes no setor de seguros. A recente alteração que permite a continuação das “participações contingentes” reforça a necessidade de uma abordagem equilibrada que tenha em conta tanto a competitividade do mercado como a proteção dos consumidores.

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[1] Tradução do relatório Background on Insurance Intermediaries, divulgado pelo Insurance Information Institute de Nova York. Disponível em: http://www.siscorp.com.br/intermediarios_usa.asp. Acesso em 02/07/2024.

[2] Veja-se: “Art. 43. Pelo exercício de sua atividade o corretor de seguro fará jus à comissão de corretagem. § 1º O corretor de seguro não pode participar dos resultados obtidos pela seguradora.”

[3] Conforme documento P.S 11/2024 – CCJ, de autoria da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Senador Jader Barbalho (MDB/PA), Senador Davi Alcolumbre (UNIÃO/AP), de 10/04/2024. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128831. Acesso em 03/07/2024.

[4] Segundo o art. 4º da Resolução CNSP nº 382/2020: “[a] relação entre o ente supervisionado e o intermediário não deve prejudicar o tratamento adequado do cliente, devendo ficar claro para os clientes qualquer conflito de interesses decorrente desta relação”.

[5] Já existem exemplos no mercado, incluindo pelo menos uma corretora e uma seguradora, que adotaram essa prática no Brasil.

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Em dez anos, produção de relatórios do Coaf a pedido de MP e delegados cresce 1.300%

Em dez anos, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) aumentou em 1.339,4% o número de relatórios de inteligência financeira (RIFs) produzidos por iniciativa das Polícias Civil e Federal e do Ministério Público.

Dados do Coaf mostram que, em 2014, foram produzidos 1.035 RIFs a partir de comunicações feitas por essas instituições. Em 2023, a produção chegou a 13.863, um recorde.

Advocacia, advogado, sustentação oral, documento
Relatórios fornecidos pelo Coaf servem para abastecer investigação criminal – Pedro França/STJ

Isso significa que, no ano passado, o Coaf produziu e entregou aos órgãos de persecução penal 38 relatórios por dia. E sem a necessidade de qualquer controle judicial prévio.

boom de interesse de delegados de polícia e membros do Ministério Público ocorre no momento em que o Poder Judiciário ainda discute os limites para o compartilhamento dessas informações.

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o compartilhamento, de ofício, de informações sigilosas pelos órgãos de inteligência (Coaf) e fiscalização (Receita Federal) para fins penais, sem autorização judicial prévia.

Ao interpretar as teses do STF, o Superior Tribunal de Justiça inicialmente entendeu que, quando a informação é obtida pelo caminho inverso — por iniciativa do órgão de investigação —, é necessário passar pelo crivo do juiz antes.

Essa interpretação foi derrubada pela 1ª Turma do STF neste ano. O relator do caso, ministro Cristiano Zanin, entendeu que, de ofício ou a pedido do investigador, o Coaf pode compartilhar os relatórios sem autorização judicial prévia. A 2ª Turma e o Plenário da corte não se posicionaram ainda.

O STJ, então, fez uma adequação e, recentemente, avançou na discussão ao estabelecer que esse compartilhamento só é válido se já houver inquérito instaurado — antes disso, na fase da análise de notícia de fato pelo MP ou da verificação preliminar pela polícia, não cabe a medida.

ConJur

 Mapa de calor

As informações que o Coaf fornece à investigação criminal indicam apenas uma coisa: que há em sua base de dados movimentações suspeitas praticadas pelas pessoas ou empresas alvos da investigação.

Movimentações suspeitas não são necessariamente ilícitas: são aquelas que fogem dos padrões ou que ultrapassam determinados limites de valor. Elas são informadas ao Coaf por bancos e setores obrigados por lei — em regra, aqueles mais propensos a serem usados para lavagem de dinheiro.

O relatório do Coaf, portanto, não gera prova. Ele apenas indica a delegados de polícia e membros do MP onde investigar. Em palestra recente, o diretor de supervisão do Coaf, Rafael Ximenes, classificou-os como “mapas de calor”.

MPs e polícias podem solicitar dados porque tanto a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998) quanto o Estatuto do Coaf (Decreto 9.663/2019) autorizam o intercâmbio de informações de inteligência financeira. Também têm essa prerrogativa a Controladoria-Geral da União (CGU), órgãos do Poder Judiciário e Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).

Para permitir esse contato, foi criado o Sistema Eletrônico de Intercâmbio (SEI-C), plataforma digital em que essas instituições registram dados sobre pessoas investigadas, ilícitos e modus operandi por elas utilizados.

Ao receber essas comunicações, o Coaf verifica nos dados que possui — aqueles já informados pelos setores obrigados a isso — se existem informações sobre os investigados. Se a resposta é positiva e há coerência entre a suspeita e as movimentações financeiras, um RIF é produzido e encaminhado.

Segundo o Coaf, os crimes que mais geraram produção de relatórios de inteligência financeira em 2023 foram tráfico de drogas, fraudes, corrupção e organização criminosa.

ConJur

 Encomenda ‘de ofício’

O Coaf rejeita o jargão “RIF por encomenda”. Isso porque o relatório de inteligência financeira é produzido apenas se houver correspondência em sua base de dados e acaba compartilhado “de ofício”.

Fato é que a imensa maioria dos RIFs produzidos pelo órgão segue esse modelo. Em 2023, o Coaf produziu 16.411 relatórios, sendo 14.816 (90,2%) decorrentes de comunicações feitas pelo SEI-C.

A maioria esmagadora desses RIFs partiu de iniciativa de delegados das Polícias Civil e Federal: foram 12.013 no ano passado, ou 73,2% do total produzido pelo Coaf.

A Polícia Civil é a que mais utiliza essa ferramenta. Em 2023, enviou incríveis 11.012 comunicações ao Coaf — 29 vezes mais do que em 2014, quando foram apenas 379. E recebeu 7.055 RIFs.

Já os Ministérios Públicos, incluindo a Procuradoria-Geral da República, motivaram 11% dos relatórios concluídos em 2023. Juntos, polícias e MPs representam 84,4% de todos os RIFs do ano passado — 13.863 ao todo.

O crescimento da produção de relatórios foi possível também porque há um aumento exponencial do número de comunicações feitas ao Coaf pelos setores obrigados. Em 2023, foram mais de 7,6 milhões. Há dez anos, não alcançavam nem 1,2 milhão.

Já o número de relatórios aumentou mais de cinco vezes na última década. Em 2023, foram 16.411, contra 3.178 em 2014.

 

 Fishing expedition

Para os advogados de defesa, o fato de delegados e MPs acessarem informações financeiras sigilosas de seus clientes sem passar pelo crivo do Judiciário é um enorme problema. A experiência mostra que os investigados só sabem que seus dados foram compartilhados quando são formalmente indiciados, denunciados ou se tornam alvos de diligências.

Antes disso, os RIFs passam por análises de setores técnicos e geram outras ações investigatórias. Diluídas e incorporadas, as informações financeiras se tornam parte de uma tese acusatória.

Quando essa tese é apresentada, cabe às defesas comprovar, entre outros tópicos, que as movimentações financeiras registradas pelo Coaf não são produtos do crime.

Para o advogado André Coura, sócio e fundador do escritório Coura e Silvério Neto, na prática há a inversão do ônus da prova. O MP apresenta uma acusação e um emaranhado de operações financeiras, e o réu que comprove que não há crime.

Ele classifica esse rito como “um convite à pesca probatória” (fishing expedition) porque a investigação migra dos fatos criminosos, que o Coaf não tem como comprovar, para a figura dos suspeitos, dos quais o órgão pode ter informações.

Além disso, há a captura da cognição do juiz. Quando a licitude do acesso aos dados do Coaf é avaliada pelo magistrado — que, até a implantação do juiz das garantias, é o mesmo que vai julgar o mérito da causa —, ele já absorveu o conteúdo e seus impactos.

“O relatório de inteligência financeira é uma ferramenta poderosa, que mereceria sindicância judicial prévia porque a investigação trabalha essas informações como melhor lhe aprouver, sem nenhum contraditório. Isso vai para o processo, instrui a denúncia e, só mais para frente, haverá controle judicial, mas para tratar do compartilhamento, não do mérito”, disse Coura.

O advogado define o Coaf como “uma verdadeira caixa preta bancária e financeira” à disposição da acusação. “É como dar a chave de acesso de um cofre com informações valiosas para o investigador.”

O caminho do dinheiro

Para a persecução penal, o relatório do Coaf é realmente um enorme aliado, especialmente em um mundo globalizado, com organizações criminosas estruturadas e com o amplo uso da tecnologia para disfarçar suas operações.

Por isso, os RIFs são apenas um ponto de partida. Eles são usados para decidir se vale a pena investigar, se há realmente indícios. E apontam o caminho do dinheiro, um dos critérios mais valiosos para a investigação.

Membro da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Márcio Gomes explica que seria um atraso o Coaf se limitar a dizer que existe movimentação atípica de determinada pessoa ou empresa.

“Não é que a polícia vá determinar que se faça algum tipo de relatório de inteligência financeira. O que há é saber se existe movimentação atípica referente a determinada situação. Não se escolhe ao léu algum CPF ou CNPJ para mandar o Coaf fazer uma busca minuciosa. Não é uma prospecção.”

Para o delegado da PF, o tema dos RIFs é pouco compreendido e precisa ser alvo de uma definição jurídica por parte dos tribunais. Ele nada mais é do que uma notícia de movimentação atípica, sem qualquer análise de mérito.

Por meio dessas movimentações, a investigação encontra caminhos para exercer uma das principais estratégias de desarticulação do crime organizado: a asfixia financeira.

“É preciso identificar para onde o dinheiro está vertendo, para que seja possível sequestrar bens e tornar essa atividade pouco interessante. Na medida em que você impede que a organização criminosa consiga seu fim último, que é o lucro pela compra de bens, negócios ou o que seja, você torna o crime uma atividade pouco atrativa.”

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Sobre a oferta gratuita de água potável em estabelecimentos comerciais

A oferta gratuita de água potável em estabelecimentos comerciais tem sido objeto de intensos debates no cenário jurídico brasileiro, especialmente após a promulgação da Lei nº 17.747, de 12 de setembro de 2023, no estado de São Paulo. Referida norma teve sua eficácia suspensa em virtude de liminar concedida nos autos da ADI 2244219-80.2023.8.26.0000 no dia subsequente à sua entrada em vigor, sob o argumento de violação à livre iniciativa.

Na análise dos autos, a Procuradoria Geral do Estado, o Procurador Geral de Justiça, o governador do Estado e o presidente da Assembleia Legislativa defenderam, de forma uníssona, a constitucionalidade da norma. Segundo a PGE, a legislação está alinhada com a proteção do consumidor e da saúde pública, matérias sob competência legislativa concorrente do Estado, conforme os incisos VIII e XII do artigo 24 da Constituição Federal. O governador do estado endossou essa posição.

O procurador-geral de Justiça argumentou que a norma protege efetivamente a saúde pública, o consumidor e o meio ambiente, afetando minimamente a atividade econômica dos empresários. Defendeu que as restrições à livre iniciativa são adequadas, necessárias e proporcionais aos objetivos da lei.

O presidente da Alesp, por seu turno, destacou que os custos adicionais para a iniciativa privada são insignificantes quando comparados aos benefícios sociais da medida, especialmente no que tange à saúde pública, ao direito do consumidor e à proteção ambiental. Ressaltou, ainda, que a livre iniciativa, prevista no artigo 170 da Constituição [1], não é absoluta e deve ser interpretada em conjunto com outros princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, o direito à saúde, a proteção do consumidor e do meio ambiente. Além disso, mencionou os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal que reconheceram intervenções estatais na ordem econômica como constitucionalmente legítimas:

  • Fixação de horário de funcionamento para estabelecimento comercial (STF – 2ª turma, AI n. 781.886 – AgR, reI. Min. Carlos Velloso, j. 15.2.2005);
  • Determinação de cota de veículos adaptados a pessoas com deficiência em locadora (STF, Pleno, ADI n. 5.452, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.08.2020);
  • Determinação de meia-entrada em estabelecimentos culturais e esportivos (STF, Pleno, ADI n. 2.163·RJ, reI. Min, Luiz Fux, red, do Ac, Min, Ricardo Lewandowski, j. 12.04.2018);
  • Proibição de pulverização de agrotóxicos (STF, Pleno, ADI n. 6137, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 14.06.2023);
  • Obrigação de estender os benefícios de novas promoções de telefonia aos clientes preexistentes (STF, Pleno, ADI n. 5939, reI. Min. Alexandre de Moraes, j. 06.08.2020);
  • Proibição de extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte de asbesto/amianto (STF, Pleno, ADI n. 4066, reI. Min. Rosa Weber, DJe 07.03.2018).

No acórdão datado de 19 de junho de 2024, prevaleceu o entendimento de que a norma apresentava vício material consistente na violação ao princípio da razoabilidade (artigo 111 da Constituição Estadual), da livre iniciativa e do livre exercício da atividade econômica insculpidos nos arts. 1º, IV, e 170, caput e parágrafo único da Constituição Federal. Segundo o entendimento majoritário [2] do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, a determinação acarretaria custos adicionais aos comerciantes, com potencial redução de receita na venda de bebidas em geral. No entendimento da relatora, desembargadora Luciana Bresciani:

“(…) é notório que tal imposição acarreta custos para os estabelecimentos (na aquisição da água propriamente dita, ainda que com custo reduzido; na compra e manutenção de filtros e na disponibilização e reposição de jarras e copos). Ademais, tal obrigação tem potencial de provocar redução na receita da venda não somente de água mineral, como outras bebidas, salientando-se que as bebidas em geral são parte importante da gama de produtos comercializados nos estabelecimentos alcançados pela norma”.

No voto vencido, o desembargador Figueiredo Gonçalves argumentou que a solidariedade social, princípio constitucional expresso no artigo 3º, I, da Carta Maior, permite que pequenos gestos e ações sejam exigidos da atividade privada. Destacou, ainda, que a lei possui uma finalidade adequada, tem interesse público justificável e aborda preocupações ambientais, já que a maioria das embalagens de água mineral servidas em restaurantes e similares são de plástico, prejudicando o meio ambiente. Esse impacto seria ligeiramente reduzido pelo consumo de água filtrada.

Além disso, discordou da alegação de que a lei representaria uma intervenção desproporcional do Estado na atividade comercial, apresentando dados [3] extraídos do Diário Oficial do Estado que demonstram que o custo de fornecer água filtrada é irrisório e não prejudica significativamente os estabelecimentos comerciais. Em sua conclusão, afirmou:

“Finalmente, o fornecimento de água filtrada nos estabelecimentos onde servidas refeições, não é criação de um desmedido gênio tupiniquim com devaneios socialistas. Replica exemplos existentes, há anos, em países capitalistas, onde se presa e se vela pela livre iniciativa e a atividade econômica privada, como os países europeus (França, Inglaterra, Itália, Alemanha etc.) e outros americanos (como os Estados Unidos, México e Argentina). Jamais se percebeu, nessas terras, qualquer sinal de invasão do sistema de livre iniciativa, pelo singelo fornecimento de água filtrada durante refeições, para eventuais clientes que a demandem. Portanto, com a devida licença dos respeitáveis entendimentos diversos, não há ônus desmedido para os agentes da atividade econômica, com qualquer prejuízo significativo aos estabelecimentos-alvos da norma ora examinada.”

A Corte Paulista já havia se manifestado pela inconstitucionalidade de legislação semelhante editada pelo município de São Paulo (Lei nº 17.453/2020, ADI 2201038-97.2021.8.26.0000). Naquela ocasião, porém, apenas os desembargadores Torres de Carvalho e Figueiredo Gonçalves foram vencidos (acórdão datado de 8 de junho de 2022). Com relação a essa ação, ainda pende julgamento pelo STF (RE 1.419.260).

O entendimento firmado pela Corte Paulista, no entanto, diverge dos precedentes estabelecidos no Distrito Federal [4] e no Rio de Janeiro [5], que reconheceram a constitucionalidade de leis semelhantes. Em outros dois tribunais, como Espírito Santo [6] e Minas Gerais [7], normas com o mesmo escopo também foram reputadas inconstitucionais.

Recentemente, o ministro Dias Toffoli entendeu que o princípio da livre iniciativa não é absoluto e deve ser harmonizado com outros valores constitucionais, como a defesa do consumidor, dignidade da pessoa humana, direito à vida e à saúde:

“É certo, nesse caminho, que o princípio da livre iniciativa, como qualquer outro princípio constitucional, não é absoluto. In casu, há de se ponderar tal garantia com a defesa do consumidor, elevada ao status de direito fundamental pela Constituição Pátria, além de erigida a princípio destinado a propiciar o regular funcionamento da ordem econômica, conforme estabelecem, respectivamente, os arts. 5°, XXXII, e 170, V da Carta Magna.

Deveras, o diploma impugnado é resultado de ponderação principiológica, sobretudo entre os dois princípios supramencionados, estando em plena consonância com o já citado art. 170 da Constituição Federal. Efetivamente, o exercício da competência legislativa dos Estados-membros em determinadas matérias pode gerar consequências para as atividades econômico-empresariais sem que isso importe qualquer inconstitucionalidade, desde que proporcional e razoável a restrição, obrigação ou modificação estabelecida pela norma editada, o que se verifica na hipótese.

Em arremate, releva registrar que a determinação do fornecimento de água potável e filtrada pelos estabelecimentos abrangidos pela norma impugnada aos seus clientes atende, além de ao princípio da defesa do consumidor, ao princípio da dignidade da pessoa humana, ao direito à vida e ao direito à saúde.  Cuida-se, afinal, de norma que legitimamente veicula o livre acesso a um bem essencial, vital ao saudável desenvolvimento físico dos seres humanos e umbilicalmente ligado, por conseguinte, à dignidade e à subsistência humanas.” (ARE n. 1.437.523-RJ, decisão monocrática, j. 30.08.2023)

O julgamento da ADI 2244219-80.2023.8.26.0000 pelo TJ-SP não encerra a controvérsia em questão. Argumentos convincentes emergem de ambos os lados: os críticos entendem que a norma intervém na iniciativa privada, impondo encargos financeiros desproporcionais aos empresários. Em contrapartida, os defensores da constitucionalidade sustentam que a obrigação imposta resguarda a saúde pública, o consumidor e o meio ambiente, afetando de maneira ínfima a atividade econômica dos empresários.

Certamente, a Lei Estadual nº 17.747/2023 seguirá caminho semelhante ao da Lei nº 17.453/2020, do município de São Paulo, que foi encaminhada ao Supremo para decisão final. O processo da capital paulista está concluso sob a relatoria do ministro Edson Fachin desde 9 de fevereiro de 2023.

Esta discussão transcende o debate jurídico e, dependendo do entendimento da instância superior, poderá acarretar mudanças comportamentais significativas na sociedade. Caberá à Suprema Corte ponderar os princípios constitucionais envolvidos e oferecer a solução adequada para esta questão, harmonizando os interesses públicos e privados. Aguardemos, portanto, os desdobramentos dessas ações judiciais.

_________________________________________________ 

[1] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego;  IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

[2] Foram vencidos os Exmos. Srs. Desembargadores Figueiredo Gonçalves, Beretta da Silveira, Francisco Loureiro, Vico Manas, Silvia Rocha, Carlos Monnerat, Gomes Varjão e Luiz Antonio Cardoso.

[3] Conforme publicação no Diário Oficial do Estado, o custo do fornecimento de 10 metros cúbicos (10.000 litros) de água tratada pela SABESP, para os estabelecimentos comerciais, resulta numa tarifa de R$ 143,96. Um litro de água equivale a 5 copos de 200ml, significando que, por esse custo, podem ser servidos 50.000 copos de água. Se em cada refeição forem fornecidos 2 copos d’água, isso representará serviço para 25.000 refeições. No movimento de um restaurante, servidas 400 refeições diárias, levar-se-ia mais de 2 meses para o consumo dessa água. Certamente, a despesa é irrisória, ante o lucro obtido nessas ocasiões.

[4] TJDF, ADI n° 0023878-89.2017.8.07.0000, Rel. Des. Roberval Casemiro Belinati, j. em 04.12.2018.

[5] TJRJ, ADI n° 0014273-23.2016.8.19.0000, Rel. Des. Caetano Ernesto da Fonseca Costa, j. em 15.05.2017.

[6] TJES, ADI nº 0033070-82.2018.8.08.0000, Rel. Des. Arthur José Neiva de Almeida, j. em 18.07.2019.

[7] TJMG, ADI nº 0909252-14.2013.8.13.0000, Rel. Des. Cássio Salomé, j. 25.06.2014.

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Nulidade de algibeira não tem chance num recente julgado do STJ

O exercício profissional revela que há julgamentos que marcam época e, pela sua relevância, estão vocacionados a potenciar precedentes em prováveis futuras situações análogas.

Chamo a atenção para o formidável desfecho, aliás, aguardado com muita expectativa pela comunidade jurídica paulista do Recurso Especial 2.101.901/SP, então interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça bandeirante, que rechaçara a alegação de nulidade da sentença arbitral, lastreada no defeito de revelação, visto que um dos árbitros deixara de informar certa relação profissional com uma empresa que mantinha negócios com a parte que o indicara para atuar num determinado processo arbitral.

Por maioria de votos, na sessão do dia 18 de junho passado, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça desproveu a mencionada impugnação, com voto condutor da ministra Nancy Andrighi.

O mais interessante nesse julgamento é que os cinco ministros, na motivação dos respectivos votos declarados, não divergiram quanto aos pressupostos legais que devem prevalecer no que se refere ao dever de revelação.

Ocorre que a maioria, formada pela eminente relatora e pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze, além da fundamentação teórica, examinaram a questão sob a perspectiva de seus pontos peculiares.

A rigor, como tenho afirmado, vieses de argumentação jurídica que não se importam com a aplicação das regras do direito em situações concretas tornam o julgamento estéril e puramente dogmático.

Dever de revelação

Considerando o caráter preponderantemente consensual da arbitragem, durante o procedimento de escolha dos árbitros, têm estes o dever de declinar absoluta isenção ao assumir o encargo para atuar de forma independente e imparcial. É esse o momento no qual os árbitros indicados têm também o dever de revelar qualquer relação que não seja de conhecimento público, mínima que seja, com uma das partes. A inobservância do dever de revelação, que realmente tenha relevância, já evidencia inaptidão para o exercício legítimo da função de árbitro.

A rigor, é exatamente o que ocorre na esfera do processo estatal, no qual o juiz deve, de logo, afastar-se de um determinado caso se tiver alguma espécie de relacionamento que possa comprometer a sua imparcialidade e independência.

Com efeito, dispõe o artigo 146 do Código de Processo Civil que o próprio juiz pode reconhecer a sua suspeição, remetendo os autos ao seu substituto legal. Dúvida não há de que o juiz que descumpre esse mister afasta-se da postura de impessoalidade, isto é, do dever de declinar aspecto crucial que caracteriza a pedra angular da imparcialidade.

O artigo 14 da Lei de Arbitragem, nesse particular, faz expressa remissão ao Código de Processo Civil, aplicando aos árbitros os mesmos motivos de impedimento e de suspeição, previstos respectivamente nos artigos 144 e 145.

Nos domínios da arbitragem, destarte, exige-se a imparcialidade e a independência dos árbitros como pressuposto de validade do respectivo processo. Daí, porque o parágrafo 1º do aludido artigo 14 dispõe que: “As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”.

Esse conhecido critério da “dúvida justificada”, adotado pelo texto legal pátrio, segundo ensina Gary Born, deve ser analisado de forma objetiva, ou seja, “qualquer objeção em relação à imparcialidade ou independência do juiz deve fundamentar-se em provas suficientes a afastar o árbitro” (International Commercial Arbitration, vol. 1, Kluwer Law International, 2009, pág. 1.477-1.478).

Ações anulatórias

Ocorre que, mais recentemente, embora sem dispormos de estatística atualizada, a experiência revela que tem aumentado à toda evidência o número de ações anulatórias ajuizadas pela parte que sucumbiu (portanto, depois de a sentença ter sido proferida), com fundamento na falha do dever de revelação imposto ao árbitro e, portanto, da exigência de imparcialidade.

Numa obra pouco conhecida e hoje rara, intitulada O Advogado da Roça (Rio de Janeiro, Typ. Fonseca, 1917, pág. 28), ressalta Manoel Martins da Costa Cruz que a parte derrotada pode suscitar tudo que desejar nas razões de um eventual recurso de apelação, mas não pode apontar vício formal atinente à pessoa do magistrado que tenha ocorrido antes da prolação da sentença. Nestes casos, frisa ele com peculiar simplicidade trata-se de “nulidade de algibeira”, expressão essa que ficou consagrada no nosso vocabulário jurídico, a indicar o comportamento desleal do litigante matreiro, que imagina ter ficado com uma carta na manga, para utilizá-la após o proferimento da sentença, caso lhe seja desfavorável.

E, assim, no âmbito do processo arbitral, a parte que desejar arguir a incapacidade do árbitro por algum motivo de suspeição, a teor do artigo 20 da Lei n. 9.307/96, deverá “fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem”.

Constata-se, no entanto, que, na maioria das ações anulatórias, a parte que sai derrotada no processo arbitral guarda “no bolso do colete” a alegação (tardia) de suspeição do árbitro, para suscitá-la na ação judicial em que busca a anulação da sentença arbitral. Configura-se aí um caso clássico da denominada “nulidade de algibeira”!

Como bem frisado por Hermes Marcelo Huck, em original ensaio intitulado As táticas de guerrilha na arbitragem (publicado na coletânea 20 anos da lei de arbitragem, São Paulo, Gen-Atlas, 2017, p. 312):

“Há práticas processuais de guerrilha que extrapolam os limites e podem ser consideradas litigância de má-fé. A tática primeira do guerrilheiro arbitral é fugir do processo. Tão logo notificado do requerimento de arbitragem ou se queda silente ou encaminha a petição à Câmara argumentando sobre o descabimento da arbitragem. São os brados de inarbitrabilidade objetiva ou subjetiva que primeiro são ouvidos pelas Câmaras. A lei oferece instrumentos para superar tais chicanas, porém a inafastável consequência dessas práticas — por mais infundadas que sejam — implicam o retardamento do início do processo. Não raro, a parte fugitiva, esgotadas as manobras diversionistas, acaba por surgir no dia da audiência para assinatura do termo, reiterando protestos e clamando ameaças de nulidade. Essa é apenas a tática inicial, pois outras tantas podem surgir, na sequência… Cabe também mencionar o velho estratagema de retardar o processo apresentando impugnações frívolas ao nome do árbitro indicado pela parte contrária ou ao presidente do tribunal. Casos há em que o guerrilheiro apresenta impugnação ao próprio árbitro por ele nomeado. Não raro, para postergar a formação do tribunal, a parte chicaneira submete questionários despropositados a serem respondidos pelos árbitros já indicados, e, quando não, levanta exigências solicitando revelações descabidas, que resultam em impugnações igualmente descabidas. A literatura arbitral é prolífica em tratar casos dessa estirpe que, ao final, são resolvidos — mas não raro —, implicam renúncias desnecessárias e significativo atraso no curso do processo.”

Em determinadas circunstâncias, ainda mais graves, a alegação de suspeição ocorre apenas na petição inicial da ação anulatória da sentença arbitral. Nesses casos, em várias ocasiões, age a parte demandante imbuída de inequívoca má-fé, pois retira do árbitro a oportunidade de apresentar esclarecimentos aos fatos que lhe são imputados, porque toma conhecimento de tais alegações somente depois de ajuizada a ação anulatória.

Importa consignar que a arguição de parcialidade é muito séria, em particular, para o árbitro impugnado, uma vez que, em regra, atinge ela de modo indelével a sua própria honra! Todavia, no nosso direito, não há previsão alguma para uma adequada reprimenda àquele que ajuizou uma ação anulatória despida de provas.

Aduza-se, outrossim, que a alegação extemporânea atinente à suspeição do árbitro, por motivos anteriores à própria instauração do processo arbitral, não pode ser acolhida quando deduzida como alicerce da ação anulatória. E isso porque operou-se, de forma inequívoca, preclusão temporal acerca dessa questão. É dizer: a suspeição do árbitro não alegada no momento processual oportuno, no bojo do processo arbitral, não mais pode ser objeto de discussão em futura ação anulatória.

Fundamentos

Pois bem, no caso julgado pela 3ª Turma, acima referido, a causa petendi deduzida na ação anulatória escudava-se em dois fundamentos, a saber: a) o árbitro declarou no questionário enviado pela câmara que nunca havia atuado na função anteriormente; e b) omitiu que integrava escritório de advocacia que prestava serviços para uma empresa que depende financeiramente da parte que o indicou como coárbitro.

O voto vencedor, da ministra relatora Nancy Andrighi, assevera que eventual omissão no dever de revelação por si só não é motivo suficiente para anulação da sentença arbitral. Tal posição longe está de flexibilizar o dever de revelação. E isso, porque se descortina imprescindível a existência de um conjunto probatório irrefutável, apto a demonstrar que o árbitro, ao escamotear algum fato relevante, tinha em mente beneficiar uma parte em detrimento da outra, textual:

O fato não revelado apto a anular a sentença arbitral precisa demonstrar extinguir a confiança da parte e abalar a independência e a imparcialidade do julgamento do árbitro. Para tanto, são necessárias provas contundentes, não bastando alegações subjetivas desprovidas de relevância no que tange aos seus impactos…”

Na hipótese concreta, entendeu a eminente ministra que todos os argumentos expendidos pela demandante recorrente já eram de conhecimento público desde o início da arbitragem.

Salientou outrossim que seu convencimento decorre da circunstância de que no caso em apreço há uma peculiaridade, qual seja, a de que a alegação de parcialidade foi suscitada apenas após a prolação da sentença que foi desfavorável à parte que, posteriormente, ajuizou a indigitada ação anulatória.

O ministro Ricardo Cueva, a seu turno, acompanhando a relatora, seguiu a mesma linha de raciocínio, pontuando que, à luz das diretrizes internacionais e nacionais que orientam as relações entre os protagonistas do processo arbitral, se de um lado há o dever de revelação, de outro, há o denominado “dever de curiosidade ativa”, pelo qual as partes devem igualmente, na medida do possível, sindicar as condições pessoais do árbitro indicado pelo outro litigante.

Nesse sentido, ainda, o pronunciamento judicioso e convergente do ministro Marco Aurélio Bellizze, acrescentando, com arrimo nas diretrizes da IBA (International Bar Association), que a mera alegação de quebra do dever de revelação não implica automaticamente parcialidade do árbitro, in verbis:

“(…) a violação ou a inadequada observância do dever de revelação pelo árbitro, isoladamente considerada, não tem o condão de anular automaticamente a sentença arbitral, devendo o Poder Judiciário, a esse propósito, no âmbito da correlata ação, se assim provocado tempestivamente, examinar se o fato não revelado tem o condão de, concretamente, comprometer a parcialidade e a independência do árbitro na solução do conflito de interesses que lhe foi submetido” (destaques no original).

Desse modo, ao negar provimento ao mencionado recurso especial, a 3ª Turma manteve a improcedência do pedido de ação anulatória, num caso que teve grande repercussão, ao concluir que, à míngua de prova robusta, não restou demonstrada qualquer ofensa ao princípio da confiança.

Ressalte-se, por fim, a conclusão do ministro Ricardo Cueva, ao afirmar que o Superior Tribunal de Justiça, por força da Emenda Constitucional nº 45, outorgou ao STJ a prerrogativa de ser o guardião do sistema arbitral brasileiro e, assim, nessa condição, tem prestigiado, tanto quanto possível, a higidez das sentenças arbitrais, em prol da segurança jurídica.

De minha parte, tenho convicção de que este importantíssimo precedente vira uma página da exitosa trajetória da arbitragem no Brasil, ao mesmo tempo que tem o mérito de contribuir para a correta delimitação do dever de revelação imposto aos árbitros.

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