Limites entre liberdade de organização religiosa e direito à intimidade

Recentemente, no Rio de Janeiro, a ação de uma igreja evangélica causou algumas controvérsias. A denominação utilizou suas redes sociais para revelar pecados dos seus membros, nomeando-os e especificando as punições que receberiam.

Em uma carta aberta, assinada pelo presbitério, a Igreja One enfatiza questões de integridade e santidade. Os motivos para as ações disciplinares variam desde embriaguez até comportamento autoritário e manipulador.

Igreja One/Divulgação

Segundo a nota, os líderes afastados admitiram seus erros e se arrependeram. Ato contínuo, começaram um processo de restauração. Além disso, a igreja reconheceu falhas internas na comunicação e na definição de limites claros no discipulado, comprometendo-se a desenvolver protocolos para evitar que essas situações se repitam [1].

A escolha de divulgar publicamente os pecados e as punições dos membros provoca divergências. Alguns fiéis defendem que a transparência é essencial para preservar a integridade da igreja, ao passo que outros consideram a exposição pública desnecessária e prejudicial.

Analisando essa situação do ponto de vista jurídico, precisamos compreender duas questões:

1) Do ponto de vista do pastor e da igreja, como decorrência do direito constitucional à liberdade religiosa, temos a liberdade de organização religiosa, que consiste na capacidade de as igrejas se organizarem como pessoas jurídicas de direito privado, obtendo o reconhecimento, pelo Estado, dos seus estatutos, regimentos e códigos de conduta.

Essa questão é reforçada pelo Código Civil, quando este diz no artigo 44, IV, §1º, que: “São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento”.

Em outras palavras, as igrejas possuem uma autodeterminação organizacional para definir suas regras sobre, por exemplo, corrente doutrinária, admissão e exclusão de membros, incluindo a disciplina eclesiástica de membros que incorrem em faltas ou pecados.

2) Por outro lado, do ponto de vista das pessoas expostas, a mesma Constituição estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (artigo 5º, X), além disso, o Código Penal institui os chamados crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação.

Disciplina religiosa

Pois bem. No caso em tela, é preciso considerar o seguinte: quando alguém adere a uma religião, o faz de maneira livre, pois ninguém pode ser obrigado a se filiar ou associar-se a uma denominação religiosa. É prudente que quem faz parte de uma igreja busque conhecer seu estatuto e regimento interno, para saber acerca dos seus direitos e deveres enquanto membro daquela comunidade, inclusive as regras sobre a disciplina eclesiástica dos que incorrem em pecados.

Não tivemos acesso ao estatuto da igreja em comento, todavia, caso nesse documento fosse previsto expressamente que aqueles que fossem flagrados em faltas e pecados seriam expostos por meio de cartas abertas nas mídias sociais como parte da disciplina religiosa, como pessoas que se associaram livremente àquela denominação, eles deveriam aceitá-la.

Responsabilização

Por outro lado, caso essa decisão de publicizar as condutas dos membros tenha partido de maneira arbitrária pela liderança da igreja, por mera vingança e sem nenhuma previsão normativa nesse sentido nos documentos da igreja (estatuto, regimento interno, etc.), a igreja e o pastor responsável podem sim ser responsabilizados, tanto na esfera cível, podendo ser obrigada a arcar com uma indenização por danos morais devido à ofensa à imagem dos membros, bem como na esfera penal: por injúria (artigo 140, do Código Penal), que consiste em ofender a dignidade ou o decoro de alguém, atingindo diretamente a honra subjetiva da vítima, ou seja, a percepção que ela tem de si mesma; ou por difamação (artigo 139, do Código Penal) que envolve a imputação de fato ofensivo à reputação de alguém, atingindo a honra objetiva, que é a reputação da pessoa perante terceiros.

Isso posto, em nossa compreensão, e salvo melhor juízo, a disciplina eclesiástica, sob a ótica teológica e do direito religioso, deve ser aplicada com rigor, justiça, transparência e sabedoria. Esta deve sempre se basear nas escrituras sagradas e nos documentos eclesiásticos. Contudo, é prudente que tal gestão ocorra internamente. Isto é, os pecados devem ser expostos e tratados confidencialmente entre os membros da comunidade, visando restaurar o pecador e prevenir que testemunhos negativos recaiam sobre a organização religiosa.

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Taxação das blusinhas oculta debate mais complexo do que se parece

Nos últimos dias, ganhou enorme destaque nas manchetes dos principais veículos jornalísticos a tramitação do PL 914/2024, cujo objeto consistia, segundo sua ementa inicial, na instituição do Programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação). A despeito da importância do projeto de lei e suas implicações de cunho social, econômico, tributário e ambiental, o principal destaque ficou por conta de um outro assunto: a chamada “taxação de compras internacionais” — ou “taxação das blusinhas”, em referência às lojas que se popularizaram com a venda de roupas.

Em meio às controvérsias, convém um olhar mais atento sobre a tributação dos bens provenientes das remessas internacionais no valor de até US$ 50. O aumento do uso da internet e a pandemia de Covid-19, em conjunto com investimentos que reduziram o tempo de entregas estrangeiras, colocaram os sites internacionais para concorrer com o comércio nacional.

O fenômeno não deixou de suscitar controvérsias jurídicas, inclusive no âmbito tributário, colocando o Estado brasileiro diante da necessidade de adequar a tributação sobre novas formas de desenvolvimento da atividade econômica.

Portarias e mais portarias

Diante desse contexto é importante relembrar que, em junho de 2023, o Ministério da Fazenda, valendo-se da permissão contida no Decreto-Lei 1.804/1980 (que será retomado mais adiante), editou a Portaria MF 612/2023.

Em suma, essa portaria reduziu a zero por cento (0%) a alíquota do Imposto de Importação (II) sobre os bens integrantes das remessas internacionais enviadas por empresas de comércio eletrônico, destinadas a pessoa física, no valor de até US$ 50, desde que respeitados os requisitos de programa de conformidade da Receita Federal [1].

Anote-se que o programa Remessa Conforme foi instituído ainda em junho de 2023 por meio da Instrução Normativa RFB 2.146/2023 e sua regulamentação se deu pouco menos de um mês após, com a edição da Portaria Coana 130/2023.

Com essas alterações normativas — todas infralegais, diga-se de passagem — o Poder Executivo foi capaz de reagir às alterações conjunturais que ocorreram no comércio eletrônico internacional de bens para adequar sua política fiscal e econômica. Todavia, essas sensíveis mudanças provocaram a reação (em alguns casos negativa) de diferentes atores políticos, econômicos e sociais, especialmente com relação às implicações das medidas na atuação do varejo brasileiro.

Um capítulo importante que aumentou a polêmica foi a edição, em fevereiro de 2024, da Portaria Coana 149/2024, que flexibilizou diversas exigências referentes à adesão ao Remessa Conforme, possibilitando que mais empresas fizessem jus à benesse fiscal.

Mas onde entra o PL 914/2024 nessa história?

A data é 21 de março de 2024. Apresentado o PL 914/2024 à Câmara dos Deputados. Inicia-se o processo legislativo e as nuances que apenas a política brasileira pode proporcionar. Conforme adiantado no início do texto, o citado Projeto versava unicamente acerca do Programa Mover. [2]

E assim se permaneceu até 3 de maio de 2024, data em que foi designado o deputado Átila Lira (PP-PI) como Relator do Projeto, que no dia seguinte apresentou Parecer Preliminar de Plenário incluindo a revogação do inciso II do artigo 2º do Decreto-Lei nº 1.804/1980 [3] — que, como visto anteriormente, é exatamente o suporte legal para que o Ministro da Fazenda pratique os atos infralegais mencionados anteriormente.

Ressalte-se que a inclusão da revogação foi desacompanhada de qualquer justificativa e não há sequer remissão a ela na íntegra do parecer.

O trâmite do PL 914/2024 seguiu com essa sutil inclusão, que não escapou dos olhos de outros deputados, na medida em que a Emenda 1 ao Projeto sugeriu a supressão da revogação da “isenção de impostos para importações abaixo de US$ 50”.

A emenda não só foi rejeitada como a redação final aprovada pela Câmara dos Deputados promoveu outra alteração no Decreto-Lei 1.804/1980: a inclusão do § 2º-A no art. 1º, prevendo alíquota de 20% do Imposto de Importação nas compras de até US$ 50.

A favor ou contra da “taxação”?

Em meio à controvérsia em torno da tributação sobre os bens provenientes das remessas internacionais de até US$ 50, cumpre-nos pontuar que há argumentos robustos para ambos os lados.

De um lado, entendemos que os principais argumentos favoráveis quanto à derrubada da isenção podem ser resumidos em dois.

O primeiro deles consiste na premissa de que a tributação via Imposto de Importação dos bens provenientes das remessas internacionais promoveria maior isonomia tributária e concretizaria o princípio da livre concorrência, na medida em que as empresas nacionais poderiam competir de forma mais igualitária com as empresas estrangeiras.

Vale notar que argumento muito semelhante foi utilizado pelo STF (Tema 906) e pelo STJ (Tema 912) ao decidir acerca da incidência de IPI no desembaraço aduaneiro de bem industrializado e na saída do estabelecimento importador para comercialização no mercado interno [4].

Essa compreensão é corroborada pelo posicionamento da CNI [5], para quem a isenção cria uma competição desleal entre as indústrias estrangeiras e brasileiras, uma vez que os produtos nacionais acabam sendo sobrecarregados por uma alta carga tributária.

O segundo argumento diz respeito à perda de arrecadação tributária (estimada em R$ 3 bilhões) ocasionada pela renúncia de receita a ser auferida pelo Estado em função da isenção. Dessa forma, para os técnicos da Fiemg (Federação da Indústria do Estado de Minas), a arrecadação adicional poderia chegar a até R$ 19,1 bilhões [6].

Do outro lado, os principais argumentos favoráveis à manutenção da isenção também se resumem a dois.

O primeiro deles fundamenta-se na premissa de que tais bens já estão sendo tributados através do ICMS-Importação de modo que não haveria que se falar em desoneração plena de tais produtos. Isto é, não haveria necessidade em se tributar tais operações via Imposto de Importação, pois a equalização da carga tributária já estaria sendo realizada via ICMS.

O segundo argumento se pauta no raciocínio de que a maior parte dos consumidores brasileiros recorre às plataformas internacionais precisamente por causa dos altos preços e da limitada diversidade de produtos no mercado nacional. Assim, o fim da isenção estaria retirando a única alternativa para que os consumidores tenham acesso a diversos produtos que não teriam condições de adquirir.

Particularmente, acreditamos que o fim da isenção seria a medida mais adequada para o atual momento. Porém, a conclusão da Câmara dos Deputados em restabelecer a tributação ao patamar de 20% foi tomada às pressas e demanda-se maior reflexão para se atingir a alíquota ideal, bem como a coleta de dados e estudos que poderiam fornecer a solução mais justa sob o ponto de vista tributário.

A alternativa sugerida pela deputada Adriana Ventura [7] de se isentar os impostos federais sobre compras nacionais de até R$ 250, mostra-se interessante sob o ponto de vista de se assegurar a competição entre as empresas nacionais e estrangeiras e igualmente em se baratear os preços dos produtos – levantando-se dúvidas tão somente quanto aos impactos arrecadatórios dessa solução.

A discussão, entretanto, está excessivamente centrada em uma perspectiva dualista entre “taxar ou não taxar”. Embora os argumentos se concentrem na alta carga tributária, pouco se discute a alternativa de reduzi-la, conforme sugerido pela deputada.

A proposta de isentar impostos federais sobre compras nacionais de até determinada quantia também merece espaço, sobretudo para verificar sua viabilidade, pois pode assegurar a competitividade entre empresas nacionais e estrangeiras, bem como contribuir para a redução dos preços dos produtos e garantir justiça social.

Necessidade de debate para preservar a segurança jurídica

Qualquer que seja a posição a ser adotada, compartilhamos da visão de que essa temática precisa ser mais bem debatida pelo Congresso. Afinal, trata-se de um fenômeno de grande impacto econômico e social, especialmente sobre a população de menor renda, que não pode ser decidida de modo açodado.

O debate, a propósito, fortalecerá a segurança jurídica e poderá traçar um panorama normativo que regerá o contexto atual e futuro de forma mais efetiva, justificando-se o papel do Estado e da tributação no Brasil. O alerta quanto à complexidade do tema já foi abordado em outras ocasiões nesta ConJur, especialmente em artigo de autoria de Fernando Pieri Leonardo [8].

Por fim, merece destaque que a inclusão da temática no PL 914/2024 não atende à melhor técnica legislativa (vide LC nº 95/98) e representa verdadeiro “jabuti”, o que não nos parece o melhor caminho a ser seguido. Então, inobstante o presidente da Câmara dos Deputados ter afirmado que o mais importante do fim da isenção de pequenas compras internacionais foi “a discussão longa” e “que foi o possível para esse momento” [9], acreditamos que ainda há muito a se discutir sobre o tema.

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[1] Portaria MF nº 156, de 24 de junho de 1999. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=23977.

[2] Cf. EMI nº 00006/2024 MDIC MCTI MF. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2398197&filename=Tramitacao-PL%20914/2024.

[3] “Art. 2º O Ministério da Fazenda, relativamente ao regime de que trata o art. 1º deste Decreto-Lei, estabelecerá a classificação genérica e fixará as alíquotas especiais a que se refere o § 2º do artigo 1º, bem como poderá:

(…) II – dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas.”

[4] Cf. STF, Pleno, RE 946.648/SC, Red. p/Acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJe de 13/11/2020; e STJ, 1ª Seção, EREsp 1.403.532/SC, Red. p/Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 18/12/2015.

[5] Cf. https://www.poder360.com.br/economia/imposto-de-20-para-compras-ate-us-50-e-insuficiente-diz-cni/.

[6] Cf. https://static.poder360.com.br/2024/01/estudo-fiemg-impactos-sobre-compras-internacionais-taxacao.pdf. Acesso em 03/06/2024.

[7] Cf. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/relator-quer-votar-taxacao-de-blusinhas-nesta-segunda-feira-mesmo-sem-acordo/.

[8] LEONARDO, Fernando Pieri. Cross-border e-commerce, descaminho digital e algumas reflexões. ConJur, 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-abr-25/territorio-aduaneiro-cross-border-commerce-descaminho-digital-algumas-reflexoes/.

[9] Cf. https://www.camara.leg.br/noticias/1067312-para-lira-fim-da-isencao-de-pequenas-compras-internacionais-foi-um-acordo-possivel-e-justo/.

Fonte: Conjur

PLP 68/2024 e o IBS sobre a atividade financeira: requentando normas?

A Emenda Constitucional nº 132 alterou o sistema tributário nacional introduzindo, dentre outras novidades, imposto de competência compartilhada entre estados, Distrito Federal e municípios, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), bem como Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), essa de competência da União  que tributa operações com bens e serviços.

Em fins de abril foi apresentado pelo Poder Executivo, à Câmara dos Deputados, em atendimento ao disposto no artigo 156-A da Constituição, o Projeto de Lei Complementar 68/2024 que institui, dentre outras providências, o IBS e a CBS. No dia de hoje, o que nos interessa, é seu Capítulo II que contempla as regras de incidência desses tributos sobre os serviços financeiros.

O artigo 170, do PLP 68/2024, dispõe que os serviços financeiros ficam sujeitos a regime específico de incidência do IBS e da CBS. Isso significa que os serviços financeiros estarão submetidos a um tratamento na cobrança desses tributos diverso daquele aplicável aos demais serviços, seja por sua base de cálculo seja por sua alíquota. De sua vez, o artigo 171 elenca os serviços financeiros objeto de tributação atendo-se, fortemente, às definições contempladas nas normas regulatórias que tratam dessa atividade no sistema jurídico brasileiro.

Assim o PLP considera como serviços financeiros aqueles objeto de normatização pelos componentes do Sistema Financeiro Nacional (SFN), que estão assim segmentados: (1) moeda, crédito, capitais e câmbio, normatizados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e tendo como agentes fiscalizadores o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM); (2) seguros privados, normatizados pelo Conselho Nacional de Seguros (CNSP) e tendo como agente fiscalizador a Superintendência  de Seguros Privados (Susep) e (3) previdência fechada, tendo como agente normalizador e fiscalizador o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) [1].

Indagação

A leitura do artigo 170 do PLP 68/2024 gera, de imediato, uma primeira indagação visto que o Código Tributário Nacional (CTN), fruto da Emenda Constitucional nº 18/1965, editado em 1966, contempla um capítulo voltado aos tributos sobre a produção e a circulação, dentre eles o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, e sobre Operações Relativas a Títulos e Valores Mobiliários, em seu artigo 63, depois incorporado à Constituição vigente, em seu artigo 153, sob a mesma denominação.

A regulação do artigo 63 do CTN ocorreu ao longo do tempo, mediante a edição de vários atos normativos, que sempre se referem a operações, e, a despeito de seu complexo nome, como acima, por envolver diversas hipóteses de incidência, acabou sendo tratado na lei, na jurisprudência e na doutrina como IOF, Imposto sobre Operações Financeiras, por conta da Lei nº 5.143/1966, que introduziu tal incidência no cenário brasileiro, antecedendo o próprio CTN e cujo texto foi por ele incorporado.

No que tange à denominação genérica adotada pelo CTN, tributo sobre a circulação (de bens, no caso a mercadoria dinheiro), ela sempre nos pareceu adequada e segue sendo adequada, visto que tributa fluxos de recursos, capitais investidos independentemente de seus resultados, positivos ou negativos, aplicados em negócios de caráter financeiro, que envolvem o dinheiro [2]. O IOF entra na categoria de tributo extra fiscal, pois mais do que se prestar a “encher” os cofres públicos, volta-se a regular a moeda e o crédito.

Dito isso o que, rigorosamente, diferencia o IOF do IBS sobre “serviços financeiros”?  As que operações esses dois tributos se referem: as mesmas ou elas se diferenciam? A competência estadual para o IBS confronta com a competência federal do IOF? O que as distingue? Deveria a Constituição ter sido alterada para extinguir o IOF ou há algum detalhe específico que sustenta essa “dupla” tributação? O tema, para nós, ainda é obscuro e envolve questão a nosso ver de cunho constitucional, que não abordaremos, para tratar de outros aspectos que nos preocupam e que também podem comprometer o novo modelo tributário desenhado para o segmento financeiro se não devidamente resolvidos.

Concessão de crédito

Dada a amplitude da incidência do IBS sobre serviços financeiros, como se observa da lista proposta no artigo 170 do PLP 68/2024, examinaremos, de forma breve, apenas as operações que envolvem a concessão de crédito, próprias das instituições financeiras, normatizadas pelo CMN e fiscalizadas pelo BC.

De acordo com o artigo 171 do PLP 68/2024 consideram-se, dentre outros, como serviços financeiros, as operações de crédito, assim entendidas as operações de adiantamento, empréstimo, financiamento e desconto de títulos. Essa repartição das operações de crédito corresponde à definição contemplada no Cosif, Padrão Contábil das Instituições Reguladas pelo BC.

Assim o Cosif define: empréstimo como operação de entrega de recursos realizada sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos; desconto de títulos como operação de adiantamento de numerário e financiamento como operação de entrega de recursos realizada com destinação específica, vinculada à comprovação da aplicação desses recursos.

É interessante destacar que a Lei nº 4.595/1964, que trata das instituições monetárias, bancárias e creditícias, em seu artigo 17 considera como instituição financeira, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Essa definição pode ser resumida para levar à conclusão de que a atividade principal das instituições financeiras é, estritamente, de intermediação do dinheiro: captar ou utilizar recursos próprios para mutuá-los no mercado, com remuneração (juros).

Os mútuos que não têm natureza econômica, não remunerados, não são praticados pelas instituições financeiras e tampouco interessam ao direito tributário, pois se colocam fora da economia (artigos 586 a 592, do Código Civil). Ainda que o mútuo transfira a propriedade dos recursos, por força da natureza do dinheiro (bem fungível) e da lei (artigo 587, do Código Civil), existe uma contrapartida que é a obrigação de devolvê-los por parte do mutuário, além de um direito a recebê-los de volta, por parte do credor.

A atividade bancária, pela forma como se desenvolve, é remunerada pelo chamado “spread” diferença entre o que se empresta e o que se recebe de volta. A atividade de custódia ou intermediação (aproximação de partes) é remunerada por taxas, tarifas e comissões e não se confunde, em nenhum momento, com o spread, ganho financeiro da instituição.

De forma resumida, até a Emenda Constitucional nº 132, a atividade econômica das entidades financeiras vinha sofrendo as seguintes incidências: (1) sobre o lucro: Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro, ambos calculados a partir do lucro líquido, apurado conforme as normas contábeis do BC; (2) sobre a receita operacional deduzida dos custos de captação: Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), no regime  cumulativo (Lei nº 9.718/98); (3) sobre a prestação de serviços: Imposto sobre Serviços conforme a Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2000.

A nova tributação que se está instituindo incide sobre os serviços financeiros assim entendidos como operações de crédito e elimina, a partir de 2027, as contribuições para o PIS e a Cofins, bem como o ISS. Cabem algumas anotações sobre o tema.

Tema 372

Quando introduzida a Lei nº 9.718/1998, que passou a tributar pelas contribuições para o PIS e a Cofins, o faturamento das pessoas jurídicas, assim entendido como a receita bruta (artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/1977), as instituições financeiras levaram o tema ao Poder Judiciário sob o argumento de que receitas financeiras não integrariam a base de cálculo dessas contribuições, devendo elas incidirem apenas sobre o fruto de serviços financeiros desenvolvidos, logo sobre taxas, tarifas e comissões.

A decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal na sessão virtual finalizada em 12/6/2023, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 609.096, com repercussão geral reconhecida (Tema 372) restando pacificada a tese no sentido de que “as receitas brutas operacionais decorrentes da atividade empresarial típica das instituições financeiras integram a base de cálculo PIS/Cofins cobrado em face daquelas ante a Lei nº 9.718/98, mesmo em sua redação original, ressalvadas as exclusões e deduções legalmente prescritas”.

O PIS e a Cofins sempre foram tributos controvertidos, por suas características regressivas, incidindo sobre receitas, afastando a não cumulatividade, na hipótese do regime cumulativo e, por fim, tendo a sua própria constitucionalidade discutida sob diversos ângulos e por um longo tempo. No caso específico das instituições financeiras, o PIS e a Cofins ao tomarem como base de cálculo a receita operacional deduzida dos correspondentes custos e despesas, tributam, na realidade, o lucro bruto, o que torna essa incidência ainda mais curiosa, assemelhando-a a um tributo sobre o lucro, a exemplo do Imposto sobre a Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro.

Para fins de ISS, a base de cálculo sempre foi o preço dos serviços contemplado na Lista de Serviços da Lei Complementar nº 116/2003, no caso o item 15, sob a designação de “Serviços relacionados ao setor bancário ou financeiro”. O preço desses serviços corresponde a taxas, comissões e tarifas vinculadas à atividade de intermediação bancária.

Distorção

O grande objetivo do PLP 68/2024 é tributar o consumo, mas o que é o consumo para fins de serviços financeiros? Consumo, de forma geral, é o ato de gastar/destruir algo. O que se consome para fins tributários? Riqueza ou utilidade? Riqueza é algo que acresce, do ponto de vista patrimonial, e assim integrada ao patrimônio de alguém se presta a gerar novas riquezas ou ser consumida/fruída na aquisição de utilidades. Quem consome serviços financeiros está apenas adquirindo utilidades ofertadas pelo sistema financeiro, como intermediação em negócios, administração e custódia de bens, dentre outros.

Esse conceito é utilizado em todos os países que adotaram o IVA, Imposto de Valor Agregado, como é o caso da União Europeia, onde o que se tributa são taxas, tarifas e comissões pagas por aqueles que se valem dos serviços prestados por essas instituições. A receita financeira originada por negócios de mútuo e similares não é objeto de tributação pelo IVA, estando tal desoneração expressamente prevista em lei. Por essa razão, adotar conceitos e orientação jurisprudencial do PIS, da Cofins e do ISS, no Brasil, pode não ser prudente quando se fala de tributo sobre o consumo.

De acordo com o artigo 174, do PLP 68/2024, o IBS e a CBS, incidem, de forma geral, sobre as receitas de serviços financeiros, “excluídas as reversões de provisões e as recuperações de créditos baixados como prejuízo”. Ora, se a receita gerada pela atividade financeira decorre da atividade de intermediação, não faz sentido considerar base de cálculo a receita financeira, o spread, originado de aplicações de recursos integrados ao patrimônio do banco, como no caso do PIS e da Cofins. Na realidade se está a importar a base de cálculo do PIS e da Cofins veiculada pela Lei nº 9.718/1998, como já comentado, trazendo imensa distorção nos critérios do IBS e da CBS.

É de pasmar que a Exposição de Motivos do PLP 68/2024, ao tratar do Capítulo II da Lei, esclareça em seu item 129 que os “(…)  países que adotam o IVA geralmente isentam os serviços financeiros, principalmente aqueles remunerados por margem (spread) (…)  Países com modelos de IVA mais modernos, como Canadá, África do Sul e Cingapura, passaram a tributar os serviços financeiros remunerados por tarifa ou comissão, mantendo a isenção para outras atividades. 130. A isenção total ou parcial dos serviços financeiros trouxe inúmeras distorções econômicas nos países, tais como cumulatividade (acúmulo de créditos não recuperáveis), incentivo à integração vertical (em detrimento da contratação de prestadores de serviços externos) e elevados custos administrativos, judiciais e de conformidade. (…) 131.O Brasil será pioneiro ao tributar os serviços financeiros remunerados por margem pelo IBS e pela CBS. que impliquem captação, repasse, intermediação, gestão ou administração de recursos”. De tudo isso, o que se infere é que o Brasil adotará um IVA que é diverso daquele adotado nos outros países, desprezando experiências anteriores, pois IBS/CBS incidirão sobre o lucro bruto das transações financeiras, onerando o spread, objeto, isso sim do Imposto sobre a Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro.

Reflexos preocupam

Tudo isso gera reflexos preocupantes à luz da experiência brasileira, especialmente porque a atuação e desempenho do segmento sempre gera impactos no preço dos juros. O que se tem, portanto, é a manutenção de velhas práticas, “mais do mesmo”, podendo o  PIS e a Cofins adquirir uma sobrevida não esperada após o ano de 2027, ainda que revogados! Seria por isso que a lei esclarece que os serviços financeiros estarão submetidos a um tratamento diverso na cobrança, quer por sua base de cálculo quer por sua alíquota? Depreende-se que o principal objetivo, de curto prazo, é arrecadar e não reformar o sistema tributário, como tanto se propalou.

É interessante destacar que o Brasil utiliza o modelo e a experiência de IVA de outros países, no que lhe interessa, sendo certo que para instituições financeiras essa experiência é destituída de importância.

Em conclusão, nossa reforma tributária deve guardar coerência com o modelo eleito. O PLP 68/2024 se anuncia como gerador de futuros questionamentos, na medida em que repete, sem pudor, a incidência do PIS e da Cofins sobre o lucro bruto, fruto da remuneração das entidades responsáveis pela concessão de crédito, um dos mais importantes pilares de nossa economia.


[1] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/sfn

[2] Veja-se Elidie Palma Bifano,  Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, e sobre Operações Relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), in Tratado de Direito Tributário , coord. Ives Gandra da Silva Martins et alt. ,  vol. 1, São Paulo:  Saraiva, 2011, pp. 468-499.

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Certidão com efeito de negativa prova quitação de dívida, decide TJ-DF

A certidão positiva de débitos com efeito de negativa funciona como prova de que a dívida tributária foi quitada, o que autoriza a expedição do formal de partilha, documento expedido pela Justiça para a conclusão das ações de inventário.

Com base nessa premissa, a 7ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal concedeu liminar autorizando a expedição do formal de partilha em um inventário.

TJ-DF aplicou jurisprudência sobre certidão positiva com efeitos de negativa – Divulgação/CNJ

 

Segundo os autos, o juízo da Vara Cível de Família e de Sucessões do Núcleo Bandeirante negou aos herdeiros de uma mulher a homologação do plano de partilha do espólio enquanto eles não apresentassem a certidão negativa de débitos comprovando o pagamento de uma dívida tributária.

Com isso, eles ficaram sem receber o formal de partilha. Os herdeiros, então, entraram com agravo de instrumento com pedido de liminar alegando que, embora a Fazenda Pública apontasse a existência da dívida, ela estava em processo de compensação com precatório. E isso, segundo eles, não inviabiliza a emissão do documento, já que não há norma nesse sentido.

 

Jurisprudência aplicada

Relator do agravo, o desembargador Robson Barbosa de Azevedo explicou que o artigo 192 do Código Tributário Nacional estabelece que o formal de partilha só pode ser expedido mediante a quitação dos tributos devidos à Fazenda Pública. Ocorre que, no caso em questão, o débito foi suspenso, pois está em processo de compensação com precatório.

Ele observou também que, com a suspensão da dívida, os herdeiros receberam uma certidão positiva de débitos com efeitos de negativa, o que prova que o tributo foi quitado, conforme entendimento do próprio TJ-DF.

“Assim, a Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa apresentada nos autos autoriza a expedição do formal de partilha, em razão da suspensão da exigibilidade do tributo e dos efeitos da certidão”, disse Azevedo. Seu voto foi seguido pelos desembargadores Sandra Reves e Mauricio Silva Miranda.

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Central vai dar agilidade a processos judiciais relacionados às chuvas

Desde o início do mês, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) vem procurando sistematizar os processos judiciais relacionados à catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul a partir do fim de abril deste ano.

O trabalho está a cargo da Central de Monitoramento de Demandas Decorrentes do Desastre Climático, que o tribunal criou no fim de maio para acompanhar o andamento processual destas ações, monitorar processos com potencial de gerar grandes impactos e repercussões e propor estratégias de atuação judicial.

“A Central também busca evitar o aumento das demandas e, quando possível, dos litígios [processos]”, afirmou à Agência Brasil o coordenador da Central, o juiz federal Alex Peres Rocha, da 4ª Vara Federal de Novo Hamburgo (RS), sugerindo que a iniciativa pode agilizar a tramitação da análise das demandas judiciais.

“Estamos tentando, através da jurisdição, com nossa atividade diária, auxiliar todas as pessoas atingidas por este desastre”, acrescentou o juiz federal.

Para facilitar o trabalho, o TRF-4 criou um código para identificar as ações que tenham relação direta com os recentes eventos climáticos no estado. “Com isso, conseguiremos ter uma estatística mais confiável dos processos diretamente ligados ao evento climático”, assegurou Rocha, revelando que a estratégia já permitiu ao tribunal identificar alguns dados preliminares.

Até a última quarta-feira (5), já havia 68 novos processos relacionados às chuvas. Além disso, advogados acrescentaram outras 80 petições a ações que já tramitavam na Seção Judiciária Federal do Rio Grande do Sul

A maioria dos novos processos está relacionada a demandas na área cível, como pedidos de indenização por danos materiais e morais, e na área previdenciária – objeto de um projeto do Poder Judiciário, o SOS Chuvas RS, que envolve um mutirão colaborativo de entidades do Sistema de Justiça para tentar promover acordos de conciliação em processos de benefícios previdenciários movidos por pessoas residentes no estado. 

“São processos que já estavam em andamento e cujos autores foram atingidas ou vitimadas pelos recentes eventos climáticos e, por isso, passaram a pedir urgência, prioridade, na análise dos seus pedidos”, explicou Rocha, destacando que, nos últimos dias, o tribunal identificou um crescente número de pedidos de indenização movidas contra entes públicos.

Reparação

A comerciante aposentada Aida dos Santos Pereira, de 75 anos, é um exemplo de quem busca na Justiça reparação para os prejuízos decorrentes das chuvas. Moradora de uma das cidades mais afetadas, Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, perdeu quase todos os bens que tinha em sua residência, no bairro Harmonia, incluindo o carro da família. 

Ela e o marido, de 76 anos, tiveram que passar mais de 20 dias fora de casa, à espera da água baixar. E, na volta, gastaram R$ 10,5 mil para uma empresa remover a lama e limpar a sujeira deixada pelas enchentes.

“Estamos pleiteando uma indenização dos governos [municipal, estadual e federal], que falharam. Moramos neste mesmo terreno há cerca de 40 anos e nunca aconteceu nada parecido. A partir de 3 de maio, quando tivemos que sair, nossa casa foi atingida por duas enchentes sucessivas.”, comentou Aida.

“Eu e meu marido estávamos assistindo TV, quando, por volta das 22 horas, a sobrinha dele, que mora aqui perto, veio nos avisar do que estava acontecendo na rua e que estava deixando a casa dela. Como nossa casa fica em um lugar alto, não sabíamos de nada. Até que ela nos avisou e nos alertou para irmos embora. Tentamos sair de carro, levando algumas roupas e pertences, mas já não era mais possível. Tivemos que voltar, deixar o carro e sair a pé, com água na altura dos joelhos”, acrescentou a aposentada, que perdeu móveis, eletroeletrônicos e objetos pessoais.

“Foi quase tudo para o lixo. Estou aqui, sentada, sem poder fazer nada além de esperar que a justiça seja feita. Até porque, não fomos só eu e meu marido ou outras três pessoas prejudicadas, foram milhares. Espero que nos paguem pelas falhas dos governos”, criticou Aida.

O coordenador da Central de Monitoramento do TRF-4 também prevê um “aumento muito grande” do número de processos. “Esta foi só a segunda semana com o tempo um pouco melhor, com as condições [climáticas] voltando a se estabilizar e as pessoas conseguindo ter suas necessidades primárias atendidas. À medida que elas estão retomando suas atividades, estão começando a surgir mais demandas judiciais”, comentou o juiz federal Alex Peres Rocha. 

Devido à inundação do edifício-sede do tribunal, o sistema judicial eletrônico do TRF-4 passou 18 dias desligado, tendo sido restabelecido no último dia 21.

Fonte: 

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Proporcionalidade das multas introduzidas pela nova Lei de Preços de Transferência

As operações de exportação e importação entre empresas vinculadas em países diferentes e paraísos fiscais são regulamentadas por regras de transfer pricing. No Brasil, a matéria é disciplinada pela Lei nº 14.596/2023, que, em 14 de junho de 2023, alterou a Lei nº 9.430/96.

Dentre as alterações trazidas pela Lei nº 14.596/23 destaca-se a ampliação das hipóteses quanto à aplicação da multa pelo descumprimento da obrigação acessória.

Essa penalidade também é chamada de multa isolada e decorre da não apresentação da documentação referente a operação que será objeto de tributação.

Importante frisar que a Lei 14.596/2023 não relaciona a aplicação da multa ao lançamento de ofício do tributo, pelo contrário, a multa prevista pela nova legislação está atrelada unicamente ao descumprimento da obrigação acessória, prevista nos artigos 34 e 35 da lei.

O artigo 34 da Lei nº 14.596/23, determina que o sujeito passivo deve apresentar os documentos e as informações que demonstrem que a base de cálculo aplicada ao IR e a CSLL estão em conformidade com o princípio arm’s length.

Caso contrário, o contribuinte estará sujeito a adoção de medidas pela autoridade fiscal, sem prejuízo da aplicação das multas previstas no artigo 35 da lei, nos seguintes termos:

“Art. 35. A inobservância do disposto no art. 34 desta Lei acarretará a imposição das seguintes penalidadessem prejuízo da aplicação de outras sanções previstas nesta Lei:

I – quanto à apresentação da declaração ou de outra obrigação acessória específica instituída pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil para fins do disposto no art. 34 desta Lei, independentemente da forma de sua transmissão:

a) multa equivalente a 0,2% (dois décimos por cento), por mês- calendário ou fração, sobre o valor da receita bruta do período a que se refere a obrigação, na hipótese de falta de apresentação tempestiva;

b) multa equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o valor da transação correspondente ou a 0,2% (dois décimos por cento) sobre o valor da receita consolidada do grupo multinacional do ano anterior ao que se referem as informações, no caso de obrigação acessória instituída para declarar as informações a que se referem os incisos III e IV do caput do art. 34 desta Lei, na hipótese de apresentação com informações inexatas, incompletas ou omitidas; ou

c) multa equivalente a 3% (três por cento) sobre o valor da receita bruta do período a que se refere a obrigação, na hipótese de apresentação sem atendimento aos requisitos para apresentação de obrigação acessória; e

II – quanto à falta de apresentação tempestiva de informação ou de documentação requerida pela autoridade fiscal durante procedimento fiscal ou outra medida prévia fiscalizatória, ou a outra conduta que implique embaraço à fiscalização durante o procedimento fiscal, multa equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o valor da transação

§1º. As multas a que se refere este artigo terão o valor mínimo de R$20.000,00 (vinte mil reais) e o valor máximo de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).

§2º. Para estabelecer o valor da multa prevista na alínea “c” do inciso I do caput, será utilizado o valor máximo previsto no § 1º deste artigo:

I – caso

o sujeito passivo não informe o valor da receita consolidada do grupo multinacional no ano anterior; ou

II – quando a informação prestada não houver sido devidamente comprovada.

§3º. Para fins de aplicação da multa prevista na alínea “a” do inciso I do caput deste artigo, será considerado como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo originalmente estabelecido para o cumprimento da obrigação e como termo final a data do seu cumprimento ou, no caso de não cumprimento, da lavratura do auto de infração ou da notificação de lançamento.

§4º. A multa prevista na alínea “b” do inciso I do caput deste artigo não será aplicada nas hipóteses de erros formais devidamente comprovados ou de informações imateriais, nas condições estabelecidas em regulamentação editada pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil.”

Proporcionalidade

O presente artigo visa analisar a proporcionalidade das multas previstas no artigo 35, com base em parâmetros internacionais e na jurisprudência brasileira.

Em primeiro plano, é possível notar que a aplicação das multas em virtude do descumprimento da obrigação acessória não é desproporcional se comparada aos critérios utilizados em países como Alemanha, Reino Unido, Portugal e Canadá.

Nesses países, o Poder Judiciário por muito tempo observou que empresas multinacionais como Google, Cisco, Pfizer, Merck, Coca-Cola e Facebook, situadas no continente europeu, burlavam o sistema de pagamento de impostos sobre sociedades situadas nos Estados Unidos em até 35% por meio de truques fiscais, escondendo documentações.

Esse fato levou à alteração das regras de transfer pricing, com a aplicação de multas em percentuais que podem chegar a 100% do tributo devido, podendo, inclusive, haver a cumulação de penalidades.

O que demonstra que os percentuais adotados pelos artigos 34 e 35 da Lei nº 14.596/23 para aplicação das multas estão em conformidade com o previsto pelas principais potências econômicas mundiais.

STF, confisco e o limite da multa

Por outro lado, os tribunais brasileiros, ao analisarem o tema, construíram a jurisprudência pautados no raciocínio de que a multa por descumprimento de obrigação acessória seria desproporcional quando a sua aplicação configurasse confisco.

O Supremo Tribunal Federal afetou a matéria com Repercussão Geral, por meio do RE nº 640.452/RO (Tema 487). Sem o encerramento do julgamento, há a proposição de duas teses com diferentes parâmetros de limitação às multas por descumprimento de obrigação acessória.

De acordo com a tese proposta ministro relator, Roberto Barroso, o limite da multa deve ser fixado em 20% do valor do tributo devido, desde que haja uma obrigação principal subjacente [ou seja, um tributo devido]. Sob essa perspectiva, não há como afirmar que as multas estipuladas pela Lei nº 14.596/23 são confiscatórias e desproporcionais, uma vez que as bases de cálculo previstas no artigo 35 divergem das adotadas pela tese apresentada pelo ministro (valor do tributo).

Em contrapartida, o ministro Dias Toffoli propôs uma tese distinta. Quando não houver uma obrigação principal subjacente, a multa deve respeitar o limite de 20% do valor da operação vinculada à penalidade.

A aplicação desse entendimento à multa prevista no artigo 35 da Lei nº 14.596/23 leva à conclusão de sua legalidade e proporcionalidade, uma vez que o limite estabelecido foi de 5% (cinco por cento) sobre o valor da operação.

Com relação à jurisprudência do Carf, sob a vigência da Lei 9.430/96 (legislação anterior de TP), coube a análise dos casos que envolveram a aplicação da multa de 75% por descumprimento de obrigação acessória. Contudo, pela própria natureza e limitação do tribunal, o caráter confiscatório não foi objeto de discussão.

Conclusão

Posto isto, considerando a pendência de julgamento no Supremo Tribunal Federal (RE 640.452/RO – Tema 487), que será retomada em sessão presencial com o voto de outros nove ministros e ministras, é possível concluir que os percentuais introduzidos pelo artigo 35 da Lei nº 14.596/23 não possuem, na jurisprudência pátria, indícios de caráter confiscatório ou desproporcional.

Nesse sentido, a partir da comparação com os parâmetros adotados em outros países, a conclusão é de que as multas introduzidas pela nova Lei de Transfer Pricing não são desproporcionais. Sob a ótica comparada, há, inclusive, penalidades fixadas com índices superiores aos adotados pela Lei nº 14.96/23. Conclusão esta que poderá ser reforçada no julgamento pelo STF do Tema 487, caso a tese proposta pelo ministro Dias Toffoli seja adotada.


Bibliografia:

União Europeia. Tribunal de Justiça. Acórdão no Processo C-255/02,

União Europeia. Tribunal Português. Acórdão no Processo 01508/02 do STA e 025744 do STA

https://amp.theguardian.com/technology/2020/jan/01/google-says-it-will-no-longer-use- double-irish-dutch-sandwich-tax-loophole

CLAUSING K. A. (2003) – Tax motivated transfer pricing and Us intrafirm trade Prices – Journal of Public Economics 87 (2003)- Tribunal Norte Americano- Processo 2207-2223

GALBIATI W. (2014, Giugno 11) – Fisco, la Ue apre inchiesta su Fiat, Apple e Starbucks. Sotto accusa il transfer pricing – Repubblica “Economia&Finanza”. Disponibile su: http://www.repubblica.it

https://thesis.unipd.it/bitstream/20.500.12608/25695/1/Barbieri_Federica.pdf

DEL GATTO M. – Transfer Pricing: Linee guida OCSE, comparabilità e determinazione del prezzo – Università degli Studi G.d‟Annunzio di Chieti-Pescara

STF, RE 640452 (Tema 487)

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Mais de 700 mil ações na Justiça Federal questionam correção do FGTS

A resolução de demandas em massa, sobretudo em matéria de Direito Previdenciário, é a sina da Justiça Federal. Como pelo menos metade das ações que tramitam nas duas instâncias dizem respeito a pedidos idênticos envolvendo o INSS, o uso de precedentes firmados pelos tribunais superiores se tornou remédio para solução das mesmas “doenças”. Em 2023, a Justiça Federal se viu na dependência do Supremo Tribunal Federal para dar fim a uma nova “epidemia” na judicialização, desta vez no Direito Administrativo: a correção monetária do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Os milhares de pedidos idênticos que abarrotaram a Justiça Federal no último ano, em especial a primeira instância, miram a Caixa Econômica Federal e envolvem a alteração no método de atualização mensal dos saldos do FGTS, pleiteando a troca da TR (Taxa Referencial) por índices da inflação, seja IPCA ou INPC. O argumento é o de que o atual parâmetro de correção (TR + juros de 3% ao ano) tem sido engolido pela inflação nos últimos anos, resultando na desvalorização dos depósitos.Página 26 - Anuário da Justiça Federal 2024

Evolução TR x IPCA

Mudanças na política monetária do país e na fórmula de cálculo da TR fizeram com que a taxa não valesse praticamente nada a partir de 1999 (ficou literalmente no zero entre 2018 e 2021), limitando a rentabilidade do FGTS aos juros de 3% nas duas últimas décadas. Ao enfrentar o tema em 2018, no julgamento do Recurso Especial 1.614.874/SC, o STJ entendeu que não compete ao Judiciário substituir a TR por outro índice de correção monetária (Tema 731) e reafirmou a validade da fórmula de correção em vigor à época.

Em 2014, o partido Solidariedade protocolou a ADI 5.090, que pede que sejam declarados inconstitucionais os artigos 13 da Lei 8.036/1990 e 17 da Lei 8.177/1991, que regulamentam a correção do FGTS. Alega que a TR foi engolida pela inflação e sua aplicação como índice de correção do FGTS viola os direitos constitucionais à propriedade, à igualdade e à Justiça social. Desde 2019, por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, relator da ADI 5.090, está suspenso o julgamento de qualquer ação referente à matéria, até que o STF dê uma solução ao caso.

Mesmo assim, não param de chegar novas ações pedindo um novo índice de correção para o FGTS. Só em 2023, 404 mil novos processos sobre a matéria deram entrada nas varas federais. Em fevereiro de 2024, 786 mil processos jaziam no acervo da Justiça Federal aguardando a decisão do Supremo. Desse total, 79% estavam no TRF-3 (São Paulo e Mato Grosso do Sul). Os dados são do DataJud, o banco de dados referentes ao Judiciário mantido pelo CNJ.

Tirando da gaveta

Em 2023, já presidente do STF, Barroso decidiu tirar o tema da gaveta e colocar a ação na pauta. “O julgamento da ADI pelo STF e a cobertura da imprensa colocaram esse tema em destaque nas mídias e redes sociais, incentivando os cidadãos a recorrerem ao Judiciário na esperança de obterem a correção de suas contas fundiárias”, avaliou Rivadavio Guassú, da Guassú Advocacia. O pedido tem fundamento em decisão do STF que, ao julgar a ADI 4.357, declarou ser inconstitucional o uso da TR para correção dos precatórios, devendo as dívidas judiciais serem corrigidas pelo IPCA.Página 27 - Anuário da Justiça Federal 2024

Há dez anos em tramitação

Após atravessar quatro governos diferentes e ser retirada de pauta por diversas vezes, a ADI 5.090 começou a ser julgada em abril de 2023. Na ocasião, Barroso, relator da ação, votou pela procedência do pedido, assegurando que a remuneração do FGTS seja, no mínimo, igual ao da poupança; foi acompanhado por André Mendonça.

Invocando a insustentabilidade do FGTS como um eventual passivo gerado por correções retroativas, o Ministério da Fazenda e a Advocacia-Geral da União argumentaram que a mudança pode encarecer o financiamento habitacional no país.

“Eventual substituição da forma de correção do FGTS ocasionaria a exclusão das famílias com renda bruta mensal de até R$ 4.400 do ‘Minha Casa, Minha Vida’, já que aumentaria substancialmente o sinal para a aquisição dos imóveis e o custo das operações de mútuo. Ou seja, os mesmos trabalhadores a quem se busca proteger seriam afastados do seu direito à moradia, também constitucionalmente protegido pelo artigo 6º da Constituição Federal”, sustentou o advogado-geral da União, Jorge Messias. Pelas contas da AGU, decretar a inconstitucionalidade da TR sem modulação dos efeitos causaria impacto de R$ 661 bilhões, valor quase seis vezes superior ao patrimônio do fundo (R$ 118 bilhões).

Após pedido de vista de Nunes Marques, o julgamento foi suspenso e só retomado em novembro de 2023, quando o ministro acompanhou os colegas (proferindo o terceiro voto pró-trabalhador) depois que Barroso ouviu os apelos do governo e reajustou sua decisão, definindo que as novas regras sejam aplicadas somente a partir de 2025, afastando a retroatividade e determinando a extinção de todas as ações judiciais no país que versem sobre o tema.

Nesse ínterim, a União ainda tentava, sem sucesso, suspender o julgamento, defendendo que a Lei 13.446, de 2017 (que instituiu a distribuição de lucros do FGTS) equilibrou a desvalorização da TR frente à inflação e melhorou os rendimentos.

“Em todo o Poder Judiciário federal acumulam-se mais de 700 mil processos sobre o tema (na estimativa da Caixa, são mais de um milhão). A cada mês que se posterga a solução do caso, milhares de novas ações são ajuizadas para discutir a correção de depósitos do FGTS. A solução definitiva desta ação é, assim, relevante medida de efetividade na prestação jurisdicional ao cidadão e de racionalidade na gestão processual, ao garantir uma resposta final aos trabalhadores que há anos aguardam a resolução da controvérsia”, argumentou Barroso na sessão de novembro. O julgamento foi paralisado, então, por pedido de vista de Cistiano Zanin, que em 25 de março liberou os autos.

Ainda que eventual decisão do Supremo não seja necessariamente a favor do trabalhador, a judicialização é inevitável. Tem chegado aos TRFs, por exemplo, novas ações ordinárias pedindo, com base na ADI 5.090, a reversão de decisões já transitadas em julgado que negaram a correção do FGTS por índices da inflação. Em geral, as sentenças são mantidas pelos tribunais em razão de coisa julgada.

A despeito da suspensão das ações determinadas pelo STF, também tem chegado recursos contra decisões de primeiro grau desfavoráveis aos trabalhadores. Em outubro de 2023, a 1ª Turma do TRF-3 (SP e MS) desconstituiu sentença que havia extinguido a causa sem resolução do mérito, determinando o retorno dos autos à vara de origem e a consequente suspensão até o julgamento da ADI. A 4ª Turma do TRF-5 (que tem jurisdição sobre seis estados do Nordeste) também anulou sentença que havia julgado improcedente a ação com base no entendimento firmado no passado pelo STJ sobre o tema (descabe ao Judiciário substituir a TR).

Apesar dos esforços da União para paralisar o julgamento da ADI 5.090 sob argumento de impacto fiscal, o entendimento predominante no Supremo até aqui é o de que é injusta a correção do FGTS por índice inferior ao da poupança.

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STF forma maioria pela suspensão de decisão contra desoneração da folha

O Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria, nesta terça-feira (4/6),  para confirmar a suspensão, por 60 dias, da decisão liminar que barrou a desoneração da folha de pagamento de 17 setores produtivos. A sessão virtual que analisa o caso termina oficialmente às 23h59.

A suspensão em questão foi estabelecida pelo ministro Cristiano Zanin no último mês de maio. Caso não haja uma solução entre Executivo em Congresso em até 60 dias, a desoneração voltará a ser suspensa.

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Em maio, Zanin suspendeu decisão anterior e deu tempo para Executivo e Congresso negociarem

Zanin atendeu a uma solicitação da Advocacia-Geral da União para que os efeitos da sua decisão original fossem suspensos. Inicialmente, a própria AGU havia pedido a suspensão de trechos da lei que prorrogou a desoneração.

A União disse ter voltado atrás após tratativas com o Legislativo para encontrar uma solução definitiva sobre a desoneração. O Congresso se manifestou de forma favorável à solicitação da AGU.

“Os Poderes envolvidos relatam engajamento no diálogo interinstitucional para que sejam tomadas as providências necessárias”, diz o voto do relator, Zanin, que repetiu os termos da sua última decisão.

Até o momento, ele foi acompanhado por Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin.

Histórico

No fim de 2023, com o objetivo de equilibrar as contas públicas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou a Medida Provisória 1.202/2023. O texto previa a retomada gradual da carga tributária sobre a folha de pagamento de 17 setores econômicos e a limitação das compensações tributárias decorrentes de decisões judiciais, além da volta da tributação sobre o setor de eventos.

Na sequência, o Congresso aprovou a Lei 14.784/2023, que, além de prorrogar a desoneração da folha desses setores, diminuiu para 8% a alíquota da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento dos municípios. A ação questionava dispositivos dessa norma.

Em abril, Zanin decidiu que a lei não atendeu uma condição estabelecida na Constituição: para a criação de despesa obrigatória, é necessária a avaliação do seu impacto orçamentário e financeiro.

O relator afirmou ainda que a manutenção da norma poderia gerar desajuste significativo nas contas públicas e um esvaziamento do regime fiscal. A suspensão buscava preservar as contas públicas e a sustentabilidade orçamentária.

O caso foi a referendo do Plenário, mas o julgamento foi paralisado por pedido de vista do ministro Luiz Fux. Quando a análise foi interrompida, quatro ministros já haviam seguido Zanin pela suspensão de trechos da lei.

Já em maio, após o governo federal e o Congresso informarem o início das negociações sobre a desoneração, o ministro suspendeu os efeitos da sua primeira decisão.

Clique aqui para ler o voto de Zanin
ADI 7.633

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STJ considera nula alteração de beneficiária de seguro em desacordo com divórcio homologado

A 3ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ao julgar o Recurso Especial nº 2.009.507, invalidou a mudança da beneficiária de um seguro de vida em grupo efetuada por um segurado que, em um acordo de divórcio judicialmente homologado, comprometeu-se a manter sua ex-esposa como única favorecida do contrato. O colegiado entendeu que, ao assumir o compromisso de manter a ex-mulher como beneficiária, o segurado abriu mão do direito de alterar livremente a lista de beneficiários, concedendo a ela o direito condicional de receber o valor do seguro em caso de falecimento.

Além disso, no mesmo julgamento, o colegiado decidiu que o pagamento feito a supostos credores — isto é, credores que parecem legítimos — não poderia ser reconhecido no caso em questão, pois a seguradora agiu de forma negligente ao não verificar corretamente quem tinha direito ao benefício.

Inicialmente, a mulher entrou com uma ação contra a seguradora para anular a mudança dos beneficiários do seguro de vida deixado por seu ex-marido, que havia alterado a apólice após se casar novamente e a excluíra da lista de beneficiários. Durante o processo, a ex-esposa demonstrou que havia um acordo judicial de divórcio em que ficou estipulado que ela seria a única beneficiária do seguro de vida em grupo ao qual o ex-marido aderiu.

O juiz de primeira instância julgou a ação improcedente, argumentando que a seguradora agiu de boa-fé ao pagar a indenização aos beneficiários listados na apólice, não podendo ser responsabilizada pelos atos do segurado. No entanto, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) reverteu essa decisão e determinou que a ex-esposa recebesse a indenização, baseando-se no fato de que a estipulação feita no acordo de divórcio tornava ilegal sua exclusão como beneficiária do seguro.

Diante do STJ, a seguradora alegou que o pagamento feito por terceiros de boa-fé a supostos credores é válido. Argumentou que não poderia ser responsabilizada por seguir o que estava estipulado na apólice, presumindo sua legalidade.

Permissões

O relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que o artigo 791 do Código Civil permite a substituição de beneficiários do contrato de seguro de vida pelo segurado, a menos que haja alguma obrigação vinculada à indicação ou o próprio segurado tenha renunciado a esse direito.

Ele destacou que, se o segurado abrir mão do direito de substituição do beneficiário, ou se a indicação não for gratuita, o beneficiário designado deve permanecer o mesmo durante toda a vigência do seguro de vida. Assim, o beneficiário “não é detentor de mera expectativa de direito, mas, sim, possuidor do direito condicional de receber o capital contratado, que se concretizará sobrevindo a morte do segurado”.

No caso em questão, devido ao acordo homologado judicialmente que obrigava o segurado a manter a ex-esposa como única beneficiária do seguro de vida, o ministro considerou que “o segurado, ao não ter observado a restrição que se impôs à liberdade de indicação e de alteração do beneficiário no contrato de seguro de vida, acabou por desrespeitar o direito condicional da ex-esposa, sendo nula a nomeação na apólice feita em inobservância à renúncia a tal faculdade”, observou.

Quanto ao pagamento feito aos supostos credores, Villas Bôas Cueva ressaltou que sua validade depende da demonstração da boa-fé objetiva do devedor. Para isso, é necessário que haja elementos suficientes que levem o terceiro a acreditar que a pessoa que se apresenta para receber o valor é o verdadeiro credor.

No entanto, o relator destacou que a negligência ou má-fé do devedor resulta em um duplo pagamento: um ao credor aparente e outro ao credor verdadeiro, sendo necessária a restituição dos valores para evitar o enriquecimento indevido de uma das partes.

No caso em questão, o ministro do STJ considerou que a seguradora não adotou os cuidados necessários para pagar o seguro à verdadeira beneficiária. “Ao ter assumido a apólice coletiva, deveria ter buscado receber todas as informações acerca do grupo segurado, inclusive as restrições de alteração no rol de beneficiários, de conhecimento da estipulante. Diante da negligência, pagou mal a indenização securitária, visto que tinha condições de saber quem era o verdadeiro credor, não podendo se socorrer da eficácia do pagamento a credor putativo”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso especial.

O julgamento da 3ª Turma reforça a importância da observância dos acordos judiciais e da boa-fé nas relações contratuais. A decisão ressalta que as cláusulas estabelecidas em acordos homologados judicialmente têm peso significativo e devem ser respeitadas, especialmente quando implicam direitos condicionais — como no caso do seguro de vida em questão.

Além disso, a análise do pagamento feito a credores putativos realça a responsabilidade das partes envolvidas em verificar a legitimidade das transações, evitando assim o prejuízo e o enriquecimento ilícito. A negligência da seguradora em não verificar a veracidade dos beneficiários resultou em uma decisão que reforça a importância da diligência e do respeito aos direitos das partes envolvidas.

Esse entendimento não apenas protege os direitos da ex-esposa como beneficiária do seguro de vida, mas também estabelece um precedente relevante para a boa condução das relações contratuais, baseadas na transparência, na boa-fé e no respeito aos compromissos assumidos.

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‘Contribuições e fundos estaduais’, reforma tributária e agronegócio

A partir da inovação promovida pelo Mato Grosso do Sul, que, 1999, criou o Fundersul, nos termos da Lei nº 1.963 e posteriores alterações, tivemos a edição, por diversos estados da federação, de uma “contribuição” facultativa ou outras formas de cobrança, destinada a fundos estaduais para, teoricamente, investimentos em infraestrutura e habitação, tais como Fethab (Fundo Estadual do Transporte e Habitação de Mato Grosso — Lei nº 7.263/2000), FDI (Fundo do Desenvolvimento Industrial do Maranhão — Lei nº 8.246/2005), TFTG  (Taxa de Transporte de Grãos e Minérios do Maranhão — Lei nº 11.687/2022 [1]), FET (Fundo Estadual de Transporte do Tocantis — Lei nº 3.617/2019 [2] posterior alteração pela Lei nº 4.303/2023) e Fundeinfra (Goiás — Lei nº 21.670/2022).

Em geral, tais exigências estaduais configuram formas de cobrança pelos estados, na maioria das vezes, sob a roupagem de uma “contribuição facultativa”, de valores incidentes sobre a operação com mercadorias, principalmente, produtos relacionados ao agronegócio (por exemplo, soja, milho, carnes, entre outros), tal como o ICMS, como condição ao gozo de alguma espécie de regime diferenciado de tributação daquele imposto estadual, inclusive, nas hipóteses de exportação.

Já tivemos oportunidade em outro momento nesta coluna de apresentar críticas ao Fundeinfra [3], no entanto, voltamos ao tema diante da aprovação da Emenda Constitucional nº 132/2023 (Reforma Tributária).

De forma ampla e geral, tais “contribuições” estaduais podem ser reconhecidas, com clareza meridiana, como inconstitucionais, uma vez que fogem completamente à própria estrutura conformadora do texto constitucional brasileiro, que exige a atuação do legislador seja racional, agindo com certa coerência a fim de atingir com exatidão as regras e princípios preestabelecidos pelo constituinte. E convenhamos, não há qualquer condição de reconhecer racionalidade legislativa quando se institui uma exigência, seja qual for a natureza desta, que tenha por finalidade precípua onerar o setor do agronegócio, principalmente, quanto às exportações.

Ora, entre os fundamentos do Estado democrático Brasileiro está a dignidade da pessoa humana (artigo 1º), que, por essência, tem como ponto de proteção e promoção o mínimo existencial, de tal sorte que, entre as atividades do agronegócio, a produção de alimentos, há de ser resguardada, até porque, garante também o direito à vida (artigo 5º), além de ser um direito social (artigo 6º — direito alimentação),  exigindo políticas publicas efetivas e de atuação positiva a fim de concretizar, de fato, este direito fundamental. Mais do que isso, nosso texto constitucional impõe, como política pública ligada à cadeia do agronegócio, o seu fomento e incentivo, inclusive, por meio de instrumentos fiscais e creditícios (artigo 187, CF).

Com isso, não nos parece fazer sentido algum a criação de uma contribuição ou qualquer forma de exação que caminhe no sentido oposto ao que se preconiza no texto constitucional para o setor.

Irracionalidade legislativa e incoerência

E a irracionalidade legislativa e incoerência não se resume a este ponto. Isto porque, esta forma de oneração do setor atinge, inclusive, as exportações, que, sob todo ponto de vista da Constituição, tem como pressuposto básico a exoneração, na medida em que, no comércio internacional, temos o princípio do destino.

Portanto, o caminhar inicial por tais exigências já nos leva a reconhecer uma total contradição e incoerência com nosso sistema jurídico constitucional ao onerar a cadeia do agronegócio e, sobretudo, as exportações.

O vício, no entanto, fica ainda mais evidenciado quando percebemos que, sob a perspectiva de um Estado Fiscal, é natural que os estados da federação, tenham formas de obter suas receitas, especialmente, por tributos. Todavia, ao se buscar encontrar a natureza de tais cobranças e as formas de sua obtenção, não conseguimos identificar a origem, pois, não seria de natureza originária (como, aluguel, preço público, entre outros), como também, segundo tais Estados, não configuram a derivada (fruto, em especial, dos tributos).

A grande verdade é que tais receitas estatais necessitam ter fundamento em algum tipo de atuação autorizada pelo texto constitucional, não podendo ser uma via estranha à esta permissão. E, diante deste aspecto, nos parece que, evidentemente, o Poder Público, driblando ou, melhor dizendo, “fraudando” a Constituição, notadamente, a estrutura rígida de competência tributária estabelecida, criou um tributo travestido de “contribuição” facultativa exatamente para não se submeter aos limites jurídicos postos. Algo grave e que não pode passar despercebido, como, ainda, na atualidade, tem ocorrido.

São, deveras, “tributos ocultos”, que tomam por base e estrutura nitidamente o ICMS e promovem a cobrança de um adicional, em detrimento inclusive do que estabelece o artigo 3º, do Código Tributário Nacional. Com todo respeito, afirmar que existe uma opção ou faculdade (voluntariedade) no recolhimento de tais contribuições a fim de afastar a natureza de tributo, somente pode ser completo desconhecimento da prática cotidiana de quem sofre esta exação ou tamanha inocência que foge ao razoável.

Ora, tais exações são imposições, decorrentes de lei, mediante coerção/coação do Estado a fim de obter receita, impondo ao administrado — contribuinte — a obrigação de recolhimento. Uma efetiva compulsoriedade, pois, na prática, não existe verdadeira opção ou escolha, já que a única alternativa viável para a continuidade do exercício da atividade, inclusive, em condições de igualdade e livre iniciativa, somente se dá a partir do gozo de tais regimes. E o pior: como onerar a cadeia do agronegócio, como já dito, criando uma condição onerosa, quando o propósito do texto constitucional é exatamente o oposto?

A voluntariedade, em si, não retira a natureza jurídica tributária, vejamos o próprio exemplo, do Simples Nacional, ou mesmo, decisão do próprio Supremo Tribunal Federal que reconheceu à Taxa da Suframa, como requisito para o gozo de incentivos na Zona Franca, a natureza tributária [4].

Justificativa pouco aceitável

A justificativa da facultatividade fica ainda menos aceitável quando a contrapartida é exatamente o próprio cumprimento da Constituição quanto à exoneração das exportações. Isto porque, poderia o Estado condicionar o gozo da imunidade tributária? Ora, a imunidade tributária é um direito objetivo e incondicionado, não havendo liberdade ao legislador, muito menos, dos estados, de estabelecer restrições e dificuldades ao seu gozo, de tal sorte que não há aderência argumento no sentido de que seria o pagamento da contribuição uma “sanção premial”.

É certo que o STF, de forma açodada e sem discutir, com profundidade, todos os vícios e problemas de tais contribuições, já chegou a julgar constitucional o Fundersul [5] e, recentemente, após reconhecer a inconstitucionalidade do FET [6], dada a falta de habilidade do Estado de Tocantis de não “camuflar” sua cobrança como “contribuição facultativa”, fazendo somente recentemente pela Lei nº 4.303/2023, além de extinguir Ações Diretas de Inconstitucionalidades ajuizadas impugnando o Fundeinfra [7], restando, porém, em andamento, a ADI quanto ao Fethab para as exportações [8].

O ponto central deste texto é exatamente, diante de todo este contexto de vícios e problemas jurídicos relacionados às “contribuições estaduais”, que oneraram, indevidamente, a cadeia do agronegócio, compreender o advento do artigo 136, da ADCT, a partir da Emenda Constitucional n. 132/2023, que prescreve:

Art. 136. Os Estados que possuíam, em 30 de abril de 2023, fundos destinados a investimentos em obras de infraestrutura e habitação e financiados por contribuições sobre produtos primários e semielaborados estabelecidas como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado, relativos ao imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição Federal, poderão instituir contribuições semelhantes, não vinculadas ao referido imposto, observado que:     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

I – a alíquota ou o percentual de contribuição não poderão ser superiores e a base de incidência não poderá ser mais ampla que os das respectivas contribuições vigentes em 30 de abril de 2023;     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

II – a instituição de contribuição nos termos deste artigo implicará a extinção da contribuição correspondente, vinculada ao imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição Federal, vigente em 30 de abril de 2023;     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

III – a destinação de sua receita deverá ser a mesma das contribuições vigentes em 30 de abril de 2023;     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

IV – a contribuição instituída nos termos do caput será extinta em 31 de dezembro de 2043.     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

Parágrafo único. As receitas das contribuições mantidas nos termos deste artigo não serão consideradas como receita do respectivo Estado para fins do disposto nos arts. 130, II, “b”, e 131, § 2º, I, “b”, deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.    (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

O artigo 136 dos ADCTs atribui uma ‘nova” competência tributária para alguns e específicos estados que, em 30 de abril de 2023, tinham fundos para a investir em obras de infraestrutura e habitação, cujo financiamento era constituído da arrecadação de contribuições facultativas sobre produtos primários e semielaborados, como condição ao gozo de regimes especiais ou diferenciados de ICMS.

Em síntese: aquelas contribuições tidas como de natureza não tributaria, até então, ressurgem, por meio do artigo 136, dos ADCTs, a partir de uma autorização constitucional, podendo ser reeditadas, agora como um tributo.

De antemão, apesar do jogo formal e de palavras, soa obvio e ululante o reconhecimento de que tais contribuições estaduais sempre tiveram, apesar de falta de autorização da Constituição, a natureza de tributo. Somente se evitava o efetivo reconhecimento, pois, nitidamente haveria a inconstitucionalidade.

Aliás, entre os princípios republicanos estampados no texto constitucional está a moralidade [9], que exige do Poder Público, inclusive, legislativo — mesmo no poder de reforma — o seu respeito[10]. Isto porque, nos parece totalmente contrário a um comportamento ético e lastreado pela boa-fé objetiva, em total contradição ao que até então se afirmava, reconhecer, por meio de emenda, uma natureza tributária de tais contribuições (“vedação do “venire contra factum próprio”). Soa estranho, provocador, sem respeito à ética e boa-fé que a moralidade exige do Poder Público, mesmo na edição de emendas à constituição. [11]

Daí porque, esta alteração somente reforça e confirma que, desde sempre, tais contribuições tinham natureza tributária e, por conseguinte, seriam inconstitucionais. Isto, inclusive, gera uma grande celeuma, pois, assim sendo, poderia a emenda constitucional convalidar uma contribuição inconstitucional? Nos parece que não haveria convalidação das leis inconstitucionais, o que, inclusive, é o posicionamento da jurisprudência do Supremo, impedindo a constitucionalidade superveniente. [12]

E, por conseguinte, sendo inconstitucionais as contribuições editadas em 30 de abril, não haveria o cumprimento da condição inicial para uma posterior edição da “nova” contribuição, como autorizado pelo artigo 136 dos ADCTs. Neste sentido, tal impossibilidade já se torna mais que sacramentada ao Tocantis, diante da inconstitucionalidade do FET declarada pelo STF. [13]

Independentemente desta problemática, nos parece que referida emenda é inconstitucional, pois, mesmo o poder de reforma da constituição tem limites. [14]

Falta de isonomia

O primeiro problema a ser enfrentado é a completa falta de isonomia à luz do federalismo, quanto aos Estados que não estariam autorizados a editar tais contribuições. Seria possível a criação de uma competência tributária exclusiva a alguns estados da federação em detrimento de outros? Nos parece uma grave violação ao federalismo, principalmente, quando não se encontra justificativa jurídica e, principalmente, no texto constitucional para se dar este tratamento diferenciado e favorecido para alguns específicos Estados, já conhecidos de antemão, quando da edição da emenda constitucional.

Ao buscar estruturar a regra matriz de incidência de tais contribuições, soa estranho o critério material, pois, em tese, o verbo mais complemento, estaria vinculado ao “gozar” de condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado quanto ao ICMS. Seria possível adotar tal critério material para a instituição de um tributo? O que nos parece ainda mais grave, ao ser critério material o gozo do direito à imunidade tributária nas exportações. Gozar de imunidade tributária pode ser critério material de tributo? Nos parece que não.

Interessante ainda notar, que, não obstante a causa que leva à edição de tais contribuições ser o gozo de tais regimes diferenciados, estes serão extintos em 2032, ao passo que a exigência irá perdurar até 2043.

Sem pretensão de esgotar o tema, como de costume, tal competência tributária é facultativa, até porque o texto afirma que “poderão instituir contribuições”. Mas existe algum prazo para o exercício desta competência? Somente a instituição da nova contribuição gera a extinção das anteriores contribuições facultativas? Ou já estariam sem fundamento de validade, diante da Emenda Constitucional 132/2023?

Para encerrar, é preciso lembrar que a inclusão deste artigo 136 dos ADCTs se deu, de forma açodada, sorrateira, sem debate, em total descompasso e harmonia com o projeto de “emenda constitucional”, que cuidava da reforma tributária sobre o consumo.

De última hora, incluiu-se uma contribuição, sem qualquer conexão com a reforma do consumo em matéria tributária, pois tem características completamente contrárias aos fundamentos daquele projeto, que visa tributar o consumo, por meio de tributos com não cumulatividade plena e que objetiva a exoneração das exportações. Ora, tais contribuições são cumulativas e oneram as exportações. Um verdadeiro jabuti no devido processo legislativo de reforma da constituição, que poderia até mesmo, embora não seja comum, levar à inconstitucionalidade por caracterizar um contrabando legislativo.

Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, são algumas reflexões iniciais a respeito de tais contribuições recriadas, a partir da Emenda Constitucional 132/2023, a onerar indevidamente o agronegócio e as exportações.

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[1] Pautada para julgamento na ADI 7407/DF no plenário virtual para 07/06/2024 a 14/06/2024.

[2] Julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 6º, VI, 7º (REDAÇÃO ORIGINAL E AQUELA DADA PELA LEI ESTADUAL 4.029/2022) E 8º DA LEI 3.617/2019 DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTRIBUIÇÃO AO FUNDO ESTADUAL DO TRANSPORTE – FET INCIDENTE SOBRE O VALOR DAS OPERAÇÕES COM PRODUTOS DE ORIGEM VEGETAL, MINERAL OU ANIMAL, INCLUSIVE OS DESTINADOS À EXPORTAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ENTIDADE REPRESENTATIVA DOS PRODUTORES DE SOJA. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. EXAÇÃO QUE CARACTERIZA ADICIONAL DO ICMS COM RECEITA VINCULADA. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SENADO FEDERAL PARA ESTABELECER AS ALÍQUOTAS DO ICMS APLICÁVEIS ÀS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS (ARTIGO 155, § 2º, IV, DA CRFB/1988). IMPOSSIBILIDADE DE VINCULAÇÃO DA RECEITA DE IMPOSTO SEM AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL (ARTIGO 167, IV, DA CRFB/1988). OFENSA À IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS OPERAÇÕES QUE DESTINAM MERCADORIAS AO EXTERIOR (ARTIGO 155, § 2º, X, “A”, DA CRFB/1988). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA E JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO. (ADI 6365, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14-02-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 21-02-2024  PUBLIC 22-02-2024)

[3] CALCINI, Fabio Pallaretti. DIREITO DO AGRONEGÓCIO. Inconstitucionalidade da ‘contribuição’ do Fundeinfra pelo governo de Goiás. Conjur. 14/04/2023. https://www.conjur.com.br/2023-abr-14/direito-agronegocio-fundeinfra-inconstitucionalidade-contribuicao/

[4] STF, RE 556854, relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-10-2011 RT v. 100, nº 914, 2011, p. 430-446.)

[5] “Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigos 9º a 11 e 22 da Lei nº 1.963, de 1999, do Estado do Mato Grosso do Sul. 2. Criação do Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundersul). Diferimento do ICMS em operações internas com produtos agropecuários. 3. A contribuição criada pela lei estadual não possui natureza tributária, pois está despida do elemento essencial da compulsoriedade. Assim, não se submete aos limites constitucionais ao poder de tributar. 4. O diferimento, pelo qual se transfere o momento do recolhimento do tributo cujo fato gerador já ocorreu, não pode ser confundido com a isenção ou com a imunidade e, dessa forma, pode ser disciplinado por lei estadual sem a prévia celebração de convênio. 5. Precedentes. 6. Ação que se julga improcedente” (STF, ADI 2056, relator (a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2007, DJe-082 DIVULG 16-08-2007  PUBLIC 17-08-2007 DJ 17-08-2007 PP-00022  EMENT VOL-02285-02 PP-00365 RTFP v. 15, nº 76, 2007, p. 331-337.).

[6] STF, ADI 6365, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14-02-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 21-02-2024  PUBLIC 22-02-2024.

[7] “ Agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade. Direito tributário. Contribuição destinada ao Fundo Estadual de Infraestrutura do Estado de Goiás (FUNDEINFRA). Modificação substancial no contexto dos parâmetros de controle. Prejudicialidade. 1. A jurisprudência da Corte é firme quanto ao reconhecimento da prejudicialidade da ação direta quando se verifica inovação substancial no parâmetro constitucional de controle, orientação que se aplica ao presente caso. 2. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (ADI 7363 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 09-04-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 17-04-2024  PUBLIC 18-04-2024).

[8] STF, ADI 6420, Rel. Min. Gilmar Mendes.

[9] CALCINI, Fabio Pallaretti. Princípio da Moralidade administrativa. In: Princípios de Direito Administrativo. MARRARA, Thiago (org.). São Paulo: Atlas, 2012. P. 180 e ss.

[10] Na ADI n. 2.661/MA, o Ministro relator Celso de Mello invoca o princípio da moralidade para realizar o controle de validade das normas infraconstitucionais, razão pela qual afirma: “A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. A ratio subjacente à cláusula de depósito compulsório, em instituições financeiras oficiais, das disponibilidades de caixa do Poder Público em geral (CF, art. 164, § 3º) reflete, na concreção do seu alcance, uma exigência fundada no valor essencial da moralidade administrativa, que representa verdadeiro pressuposto de legitimação constitucional dos atos emanados do Estado” (STF, ADI n. 2.661/-5/MA, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j. 05/06/2002, DJ23/08/2002.)

[11] DONIAK, Jr. Jimir. A boa-fé objetiva nas relações jurídico-tributárias: os deveres do Poder Público. São Paulo: Quartier Latin, 2024.

[12] STF, ADI 2189, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15-09-2010, DJe-247 DIVULG 15-12-2010 PUBLIC 16-12-2010 EMENT VOL-02452-01 PP-00040; STF, RE 390840, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09-11-2005, DJ 15-08-2006 PP-00025   EMENT VOL-02242-03 PP-00372 RDDT n. 133, 2006, p. 214-215)

[13] STF, ADI 6365, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14-02-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 21-02-2024  PUBLIC 22-02-2024

[14] CALCINI, Fábio Pallaretti. Limites ao Poder de Reforma da Constituição. Campinas: Millennium, 2008.

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