Reincidência não pode alterar fato atípico em pedido de preventiva

O fato de o réu cometer reiteradamente crimes de bagatela não é capaz de transformar um fato atípico em uma conduta de relevância penal que justifique prisão preventiva.

Homem teve prisão preventiva decretada por roubar escada de alumínio no valor de R$ 300 – Freepik

Esse foi o entendimento do ministra Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça, para revogar prisão preventiva contra um homem acusado de roubar uma escada de alumínio no valor de R$ 300.

A decisão foi provocada por pedido de Habeas Corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Paraná. Os defensores sustentaram que não existiam requisitos legais para justificar a prisão.

Ao analisar o caso, a ministra aponta que o furto do qual o réu acusado foi praticado sem violência ou grave ameaça e que o bem foi restituído. Também explica que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem amadurecido no sentido de compreender que somente aspectos de ordem objetiva do fato devem ser analisados.

Ela ainda afastou o argumento de o réu ser reincidente nesse tipo de furto não justifica a prisão.

“A reiteração, em outras palavras, é incapaz de transformar um fato atípico em uma conduta com relevância penal. Repetir várias vezes algo atípico não torna esse fato um crime. Rememora-se, ainda, que o direito penal é subsidiário e fragmentário, só devendo atuar para proteger os bens jurídicos mais caros a uma sociedade”, registra.

Por fim, a ministra afirma que a conduta do réu foi de ofensividade mínima, já que ele tentou roubar a escada de uma construção não habitada.

“A reprovabilidade do comportamento é bastante reduzida. Por fim, não há sequer o que se falar em lesão jurídica da conduta, pois o furto não se consumou, isto é, não houve qualquer prejuízo à esfera patrimonial da vítima”, finalizou.

O defensor Pedro Piro Martins, que coordena o Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP), classificou a decisão como emblemática.

“Não só deixa claro que a insignificância se baseia em critérios objetivos, que independem do histórico do acusado, como consolida a possibilidade de absolvição pela via do Habeas Corpus. Não havendo ofensa relevante a nenhum bem jurídico, a persecução penal é descabida”, afirma.

Fonte: Conjur

Oportunidades perdidas no PL que altera o processo administrativo

O presente artigo procura perlustrar, de forma breve, o projeto de lei de modificação do processo administrativo brasileiro, PL nº 2.481/22, com o intuito de demonstrar que há outros pontos que poderiam ser inseridos na proposta de alteração da Lei de Processo Administrativo. Para auxiliar no desenvolvimento do texto, proceder-se-á com uma análise comparada com o Código do Processo Administrativo português, CPA (Decreto-lei nº 4/2015), traçando um paralelo entre os temas: nulidade dos atos administrativos e regulamentos administrativos.

Objetivos do projeto

Por meio do Ato Conjunto do presidente do Senado e do Supremo Tribunal Federal nº 1/2022, foi instituída uma comissão de juristas para promover a dinamização, unificação e modernização do processo administrativo e tributário nacional [1]. Por envolver duas searas, foi criada uma subcomissão, responsável apenas pelas modificações da Lei nº 9.784/99.

A Subcomissão de Processo Administrativo apresentou o projeto com base em dez diretrizes. A proposta, assim, visa conferir abrangência nacional às modificações, de modo que a Lei nº 9.784/99 sirva também aos demais entes federativos. Pretende, também, forçar de vez o ingresso da administração na era digital, com processos eletrônicos e a possibilidade do uso de IA, com identificação do seu uso.

Há, ainda, a inserção de participação popular, mediante processos de consultas públicas, bem como a transposição do pragmatismo jurídico já introduzido pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb). Fixa, a partir do projeto, efeitos translativos para o silêncio da administração, permitindo que a autoridade superior profira a decisão necessária para sanar a omissão.

Ato contínuo, preocupa-se uma vez mais com a fixação de prazos para instrução e tomada de decisão e sobre a teoria da nulidade dos atos administrativos, permitindo que o administrado possua a chance de corrigir os vícios identificados. Quanto aos processos com situação fática semelhante, o projeto procura promover uniformidade, exigindo que haja a extensão dos efeitos do ato decisório de um processo para os demais de mesmo perfil.

De forma até desnecessária, o projeto prevê novamente a necessidade da análise de impacto regulatório (AIR), instrumento já criado na Lei Federal nº 13.848/19, diploma responsável pela organização, processo decisório e controle social das agências reguladoras.

De mais a mais, fica proibido que haja tomada de decisão, em mesma instância, sobre situação já apreciada, atraindo a estabilidade, uniformidade e de segurança jurídica ao processo. Por fim, a subcomissão procurou trazer disposições sobre o Direito Administrativo Sancionador.

Ponderações

O projeto de lei de modificação da Lei de Processo Administrativo, PL nº 2.481/22, uma vez aprovado na forma em que proposto pela comissão de juristas, poderá ensejar dois efeitos: o desejável, aquele que a lei tentará incutir aos seus operadores; e um real, de aplicação prática no dia a dia da administração. Sobre este último, arrisca-se em afirmar que as disposições propostas do PL trarão poucos ganhos práticos.

Isso porque boa parte das modificações que serão introduzidas, de algum modo, já fazem parte da rotina das diversas unidades públicas. Desde a introdução da reforma administrativa em 1998, com a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, preocupa-se com uma administração gerencial e coesa, voltada às necessidades do público que utiliza os serviços ofertados.

Além disso, pela unicidade do sistema jurídico [2], a atual Lei de Processo Administrativo faz parte de um microssistema interdependente, que já recebe o influxo de outras normas, como a Lindb, o Código de Processo Civil, o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei nº 8.112/91 e, como não poderia ser diferente, Constituição [3].

As modificações — não obstante a “importação” de institutos que já estão previstos e são utilizados, de certa forma, na atualidade, como, por exemplo, temas envolvendo processo eletrônico, mediação e autocomposição de conflitos — trarão ao menos certa sistematização e unicidade sob o prisma de uma lei de processo administrativo.

Oportunidade perdida

Todavia, a oportunidade de modificação da lei de processo administrativo deveria ser por reformular por completo a norma, aproveitando a iniciativa para a inserção de mais temas que trazem certa divergência na doutrina e na jurisprudência e, atualmente, exigem a atenção do legislador.

Em razão da restrição do espaço, citam-se dois. Podemos falar da teoria da anulação dos atos administrativos e sobre a teoria dos regulamentos administrativos. São temas constantemente abordados pela doutrina e pelos tribunais, que custam caro à administração e, por consequência, ao administrado.

Na teoria das nulidades dos atos administrativos, a depender do doutrinador escolhidos, observa-se uma ótica diferente ao tema. Celso Antonio Bandeira de Mello, por exemplo, realiza um recorte, apontando a existência de atos nulos e anuláveis, além de identificar a categoria de atos irregulares e atos inexistentes. A estes últimos, Celso Antônio afirma que são atos que correspondem a condutas criminosas, ofensivas a direitos fundamentais da pessoa humana [4].

Já Regis Fernandes de Oliveira confere unicidade ao tema, entendendo que não existe diferenciação entre ato nulo ou anulável. Explica o autor que o seu posicionamento ocorre em razão do fundamento para a invalidação dos atos, resultando do princípio da autotutela [5]. Nesse sentido, o ato nulo ou anulável está em desconformidade com a norma, seja total ou parcial. A supressão dele acarretará o mesmo efeito em ambas as situações [6].

Sobre os regulamentos administrativos, a divergência é ainda mais profunda. A doutrina clássica de Celso Antonio Bandeira de Mello, por exemplo, afirma que o ordenamento brasileiro só admite um único regulamento, afastando espécies regulamentares independentes e autônomas, mesmo diante da introdução do inciso VI do artigo 84 da CF/88.[7]

Clèmerson Merlin Clève, por outro lado, assevera que o regulamento introduzido no inciso VI do artigo 84 da CF/88, na verdade, funciona como um instrumento que está entre um regulamento autônomo e um regulamento de execução. Seria, portanto, um regulamento de organização [8].

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, desconsidera a abordagem da doutrina e enquadra o regulamento administrativo a depender da densidade da norma regulamentar e a capacidade de ofender (in)diretamente a Constituição. Se houver confronto direto, a norma regulamentar possui autonomia suficiente para desafiar o controle direto de constitucionalidade. Se não existir, realiza-se o controle de convencionalidade [9].

E a questão regulamentar parece ter entrado na ordem do dia, diante da recente sinalização dada pelo Congresso brasileiro de tornar a delegação normativa a regra e não a exceção. A delegação legislativa, da qual os regulamentos é uma espécie [10], é tema que vem ocupando a doutrina brasileira há algum tempo [11].

Na atualidade, expressão dessa nova sistemática, aponta-se a Lei nº 14.133/21, que introduziu um novo regramento sobre licitações e contratos administrativos. No novo regime, o legislador prestigiou a capacidade do Poder Executivo em trazer regulamentações específicas, ficando a cargo do Legislativo apenas a abordagem geral do tema.

Esse novo quadro de ampla delegação acompanha a doutrina de André Cyrino. Segundo o autor, o processo legislativo possui um enorme custo, ensejador do presidencialismo de coalização [12]. Assim, medidas de delegação e edição de regulamentos (autônomos) estão diretamente relacionadas a essa conjuntura política, já que a autonomia normativa do governo funcional atua como forma de diminuir o custo político desse processo [13].

Nesse diapasão, boas experiências legiferantes podem ser adaptadas ao Brasil, com a devida temperança. Manoel Gonçalvez Ferreira Filho, desde a década de 60, já ensinava que pela unificação intensa da civilização, tentativas estéreis podem ser evitadas olhando-se o direito comparado [14].

Isso porque os problemas enfrentados pela doutrina são relativamente iguais no mundo, avultando-se a análise comparada dos institutos como forma de trazer segurança e orientação ao legislador. A ressalva, por certo, direciona-se que a mera repetição, descuidando das particularidades locais, não trará o resultado esperado [15].

O Código de Portugal

Aos dois temas objeto deste artigo, numa análise comparada, pode-se observar o tratamento conferido pelo Código do Processo Administrativo português, CPA (Decreto-lei n 4/2015) [16]. O novo CPA, editado em substituição ao anterior Decreto-Lei n.º 442/91, trouxe uma reformulação ampla sobre diversos temas. Entre eles está a disciplina conferida aos regulamentos administrativos e aos atos nulos e inválidos.

Os regulamentos administrativos no CPA são disciplinados entre os artigos 135 a 147. Nelas, em ordem sequencial, o Código de Processo Administrativo português aborda os seguintes temas: a) conceito de regulamento administrativo; b) habilitação legal; c) regulamento devido e sua omissão; e) relações entre os regulamentos; d) publicação e vidência dos regulamentos; e) proibição de eficácia retroativa; f) aplicação de regulamentos; g) da invalidade do regulamento administrativo; h) caducidade e revogação; i) e a forma como se dá a impugnação de regulamentos administrativos [17].

De todos esses dispositivos, um dos mais relevantes é o artigo 136. Ele traz os requisitos prévios para edição dos regulamentos e qual a verdadeira finalidade de sua edição, capacidade de inovar, tecnicamente, na órbita da função administrativa [18].

Na mesma linha, a despeito de outras disposições, o CPA português disciplinou as omissões regulamentares, prevendo, por exemplo, prazo de 90 dias para a norma regulamentar ser editada. Em persistindo a omissão da edição da norma, os interessados prejudicados podem requerer a emissão do regulamento ao órgão com competência na matéria [19].

Com efeito, o Código português possui a capacidade de trazer certa margem de previsibilidade sobre os regulamentos. Há um contorno claro de como o governo, entidades e toda a administração devem tratar os regulamentos quando criados e aplicados. Nesse sentido, existe a clara divisão entre regulamentos de execução e regulamentos independentes.

De mais a mais, ao regulamento independente, comparado ao regulamento autônomo do direito brasileiro, já existe a previsibilidade da necessidade de indicação de quem irá editá-lo (competência subjetiva) e sobre qual matéria se procederá a regulamentação (competência objetiva) (artigo 136 do CPA).

Além disso, reconhece-se ao regulamento independente um novo escopo, traçando uma linha de divisão em relação aos regulamentos de execução ou complementação. Permite-se, assim, que esses regulamentos atuem em espaços vazios, (ainda) não disciplinados pelos atos normativos primários e com a capacidade de trazer uma disciplina jurídica inovadora no âmbito das atribuições das entidades que os emitam [20].

O PL nº 2.481/22 seria uma ótima oportunidade para trazer ao menos o mínimo de tratamento em relação a teoria dos regulamentos, carecedora de uma maior atenção por parte do legislador brasileiro.

Já em relação a teoria da nulidade dos atos administrativos, o PL nº 2.481/22 tenta trazer alguma disciplina, contudo de forma extremamente tímida. O projeto de modificação aborda: a) o prazo decadência para realizar a anulação de ato favorável ao administrado; b) os impactos da anulação; c) atribuição efeitos ex nunc; d) convalidação sem repercussão; e) a boa-fé quando a anulação alcance certas verbas; e, por fim, f) a suspensão cautelar do ato.

Por outro lado, o CPA português desce em detalhes a análise dos atos administrativos. Nesse diapasão, há disposições sobre: a) conceito de ato administrativo; b) cláusulas acessórias; c) forma dos atos; d) menções obrigatórias; e) dever de fundamentação; f) requisitos da fundamentação; g) fundamentação de atos orais; h) eficácia do ato administrativo; e i) invalidade do ato administrativo [21].

Sobre este último, o CPA traz um longo arcabouço a partir do art. 161.º, dispondo: a) atos nulos; b) regime da nulidade; c) atos anuláveis e regime da anulabilidade; d) ratificação, reforma e conversão; e) revogação e anulação administrativas; f) atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativas; g) condicionalismos aplicáveis à revogação; h) condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa; i) condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa; j) forma e formalidades; k) efeitos da revogação e da anulação; l) consequências da anulação administrativa; m) alteração e substituição dos atos administrativos; e n) retificação dos atos administrativos.

Vejamos apenas o dispositivo que trata das consequências da anulação administrativa:

“Artigo 172.º

Consequências da anulação administrativa

1 – Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, a anulação administrativa constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a necessidade de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.

[…]” [22].

Observam-se das disposições colacionadas da legislação administrativa lusa, que a abordagem sobre os regulamentos e sobre a anulação dos atos administrativos é muito mais detalhada. É claro que não alcança toda e qualquer acontecimento, sob pena de engessamento das situações fáticas subjacentes à norma. Todavia, trazem uma moldura estruturada que procura evitar comportamentos omissos e enseja, ao mesmo tempo, segurança ao administrado que precisa lidar com o poder público.

Sendo assim, conquanto a modificação pretendida, observa-se que o PL nº 2.481/22 poderia aproveitar a oportunidade para avançar muito mais, olhando para experiências externas, em termos de legislação administrativa, para trazer soluções mais completas. Não se limitaria, portanto, a acomodar disposições que já estão previstas no ordenamento brasileiro e de pouco efeito prático.


[1] PROJETO DE LEI Nº 2.481/22. Dispõe sobre alterações legislativas na Lei de Processo Administrativo brasileiro. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/154735.

[2] BOBBIO, Noberto – Teoria do ordenamento jurídico. 2ª ed. São Paulo: EDIPRO, 2014. p. 174.

[3] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende – Constitucionalização do Direito Administrativo: o princípio da juridicidade, a releitura da legalidade administrativa e a legalidade das agências reguladoras. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris Editora, 2010. 24-35.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de – Curso de Direito Administrativo. 36ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2023. p. 366-367.

[5] OLIVEIRA, Regis Fernandes – Ato Administrativo. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 141-142.

[6] Idem – Ibidem.

[7] MELLO, Celso Antônio Bandeira de – Curso de Direito Administrativo. 36ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2023. p. 272.

[8] CLÈVE, Clèmerson Merlin – Atividade Legislativa do Poder Executivo. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 326.

[9] PELUSO, Cezar Relat. – Acórdão do Supremo Tribunal Federal, 3239, de 01 de fevereiro de 2019. [Em linha]. [Consult. 01 abri. 2024]. Disponível em https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur397204/false.

[10] ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón – Curso de Derecho Administrativo I. 19ª ed. Pamplona: Thomson Reuters, 2020. p. 299-300.

[11] CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira – O Congresso e as Delegações Legislativas. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 131.

[12] ABRANCHES, Sérgio Henrique H. de – Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 75-80.

[13] CYRINO, André Rodrigues – Delegações Legislativas, Regulamentos e Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 182.

[14] FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira – A autonomia do poder regulamentar na constituição francesa de 1958. Revista de Direito Administrativo. [Em linha]. Nº 84 (1966), p. 24-39. [Consult. 23 fev. 2023]. Disponível em https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/28193. p. 24-25.

[15] Idem – Ibidem.

[16] DECRETO-LEI n.º 4/2015. Diário da República, Série I. [Em linha]. (01-07-2015), p. 50 – 87. Disponível em https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/4-2015-66041468.

[17] Idem – Ibidem.

[18] ALVES, Manuel João et al – Novo Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado. Coimbra: Almedina, 2023. p. 371.

[19] DECRETO-LEI n.º 4/2015. Diário da República, Série I. [Em linha]. (01-07-2015), p. 50 – 87. Disponível em https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/4-2015-66041468.

[20] ALMEIDA, Mário Aroso et al – Comentários à revisão do Código do Processo Administrativo. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2022. p. 290.

[21] DECRETO-LEI n.º 4/2015. Diário da República, Série I. [Em linha]. (01-07-2015), p. 50 – 87. Disponível em https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/4-2015-66041468.

[22] Idem – Ibidem.

Fonte: Conjur

Progressão direta do regime fechado para o aberto é legal, decide STJ

É possível a progressão do regime fechado ao aberto nos casos em que o detento cumpre os requisitos estabelecidos pela lei, sem que seja obrigatória a passagem pelo regime de pena intermediário. Nessas situações, deve ser respeitada a progressividade da pena e não deve ser imposto maior período de encarceramento apenas pela ausência de passagem pelo semiaberto.

Esse foi o entendimento do ministro Rogério Schietti, do Superior Tribunal de Justiça, para dar provimento a um Habeas Corpus em favor de uma mulher que teve a progressão para o regime aberto negada pelo fato de não ter passado pelo semiaberto.

No caso concreto, o cálculo da pena da ré mostrou que ela tinha direito à progressão para o regime aberto desde outubro de 2022, mas o pedido foi negado em primeira instância com a alegação de que a progressão seria precipitada, havendo a necessidade da permanência por 150 dias no regime semiaberto. A negativa foi mantida pela 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

Coação ilegal

A defesa sustentou no STJ que a ré sofreu coação ilegal, já que o legislador não estabeleceu um tempo mínimo de permanência nos regimes prisionais para a progressão para o menos gravoso, bastando apenas o preenchimento das frações previstas no artigo 112 da Lei de Execução Penal.

Ao analisar o caso, o ministro deu razão à defesa. “A contagem do prazo para a subsequente progressão de regime deve ter como marco inicial a data em que restaram preenchidos todos os requisitos legais, sendo irrelevante a data da efetiva remoção para o regime intermediário”, registrou Shietti, que citou o entendimento fixado no julgamento do AgRg no HC 790.354/SP, de relatoria do ministro Joel Ilan Paciornik.

Diante disso, ele concedeu o HC e determinou que o juízo de origem reexamine o pedido de progressão, considerando como data-base para a concessão do benefício aquela em que a ré preenche os requisitos estabelecidos no artigo 112 da LEP para progredir para o regime semiaberto.

A autora foi representada pelo escritório Fortes, Lopes, Siebner Advogados.

Clique aqui para ler a decisão
HC 887.977

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Holding patrimonial e tributação

A compra e venda de imóveis, apesar de ser operação extremamente comum, é geradora de dúvidas aos contribuintes quando outros fatores se somam, por exemplo, o fato do imóvel ser rural, ser o proprietário pessoa jurídica que, dentre as suas atividades econômicas registradas, possui a “compra e venda de materiais” e a sua opção pela tributação pelo lucro real ou presumido.

Atividades econômicas como a administração e até a compra e venda de imóveis próprios costumeiramente são utilizadas na criação de pessoas jurídicas destinadas à gestão patrimonial e planejamento tributário, comumente denominadas como holding patrimonial.

Na contabilidade dessas sociedades, os imóveis por ela geridos são lançados em conta específica dentro do ativo imobilizado, quando utilizados no implemento da atividade da sociedade empresária (como sede, aluguéis, agricultura etc) ou do ativo circulante quando destinadas a venda. A reclassificação de tais bens na contabilidade é feito de forma ordinária e dinâmica, de acordo com as intenções dessa empresa para determinado bem e momento.

Esses fatores criam uma tempestade perfeita para que o contribuinte incorra em erros quando do recolhimento dos tributos.

Em 25 de março de 2024, a Receita Federal tornou pública a Solução de Consulta Cosit nº 25, que traz esclarecimentos sobre situação que abarca as variáveis acima e servirá de norte para o tratamento a ser dado pelo Fisco a situações similares.

 

O Fisco, a partir de diferenciação das naturezas daqueles bens lançados no ativo imobilizado (não circulante) e no ativo circulante de sociedades, concluiu que não afasta a incidência do IRPJ sobre o ganho de capital quando é realizada a reclassificação de imóveis antes destinados para uso próprio, passando a uma conta do ativo circulante para viabilizar a sua venda.

A Receita Federal também esclarece que, nessa condição, o prévio registro da sociedade para desenvolver atividade de “compra e venda” não desnatura a obrigação tributária, sendo necessário aferir a característica essencial desse bem, se destinado à consecução das operações da sociedade (não circulante) ou se está atrelado à efetiva atividade econômica da empresa (circulante).

Com essas considerações, o Fisco pontuou que, quando o imóvel vendido não fizer efetivamente parte do ativo circulante da sociedade, independentemente de reclassificação, deve ser apurado o ganho de capital, que comporá a base de cálculo do tributo, inobstante ser a sociedade tributada pelo lucro presumido, atraindo as regras nos artigos 25, inciso II, e 29, inciso II, da Lei nº 9.430, de 1996, e no artigo 215, § 3º, inciso I, da IN RFB nº 1.700, de 2017 para a tributação da operação.

As circunstâncias acima não sofrem a influência do fato do imóvel ser rural ou não, pois nessa primeira hipótese unicamente é importante que o contribuinte se atente ao disposto no artigo 19 da Lei nº 9.393/1996 quando da apuração do ganho de capital, pois o valor de aquisição (valor da terra nua) será aquele informado na declaração anual do ITR, a ser confrontado com o valor de venda.

A solução de consulta traz esclarecimentos a questões tributárias de interesse a produtores rurais e pelas ditas holdings patrimoniais que possuem em sua carteira terras rurais, que podem evitar erros no recolhimento de tributos, processos administrativos ou judiciais e dores de cabeça.

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STF tende a alinhar liberdade de expressão e teoria democrática

O recente episódio envolvendo as declarações do empresário Elon Musk em desabono do Supremo Tribunal Federal e sua atuação relacionada a eventuais restrições ao uso de redes sociais (para fins reputados incompatíveis com a normatividade vigente) reacendeu o clamor pela regulação dessas redes.

O Supremo reagiu, não só com a edição, por sua Presidência, de comunicado em que reitera a submissão de empresas que operam no Brasil às leis e decisões das autoridades brasileiras, mas também com nota expedida pelo gabinete do ministro Dias Toffoli, relator do Tema 987 da repercussão geral a ser apreciado no RE nº 1.037.396/SP, na qual se informa que o feito será encaminhado para julgamento até o final de junho deste ano.

O quadro geral parece evidenciar uma infeliz combinação de fatores que aparentemente, não concorrem para um adequado equacionamento de um dos problemas públicos mundiais mais aflitivos no século 21, a saber, o potencial nocivo das redes sociais.

A matéria é sensível e envolve fortíssimos interesses de toda ordem. Não por outra razão o Congresso Nacional não alcançou consenso mínimo para deliberação sobre a matéria, não obstante a sinalização original do ministro Dias Toffoli de preferência pelo equacionamento pelo Legislativo, da questão suscitada no Tema 987 [1].

Fato é que, sob a pressão também do cenário político, acirrado pelo caráter eleitoral do ano de 2024, a Corte parece caminhar, sob a inspiração (talvez) do impulso inicial já ofertado pelo Judiciário com a edição da Resolução nº 23.732, de 27 de fevereiro de 2024, para oferecer ela mesma, o desenho de parâmetros postos à operação das redes sociais.

Limites da atuação do Supremo

Primeira questão a ser enfrentada, diz respeito a qual será a compreensão do STF no que diz respeito aos limites de sua atuação, em demanda que tem por objeto especificamente a constitucionalidade de um regime de responsabilidade civil estabelecido pelo artigo 19 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que tem sido interpretado como restritivo da responsabilização dos provedores de internet por danos decorrentes de conteúdo postado por terceiros.

Caso prevaleça a lógica do processo civil clássico, em que os limites objetivos da demanda orientam os mesmos contornos da decisão, a deliberação que se venha a construir no STF estará longe de merecer a alcunha de regulação de redes sociais — vetorização que compreenderia muitos outros aspectos além do referido regime de responsabilidade civil.

São conhecidas as advertências do potencial lesivo de aspectos do funcionamento de redes sociais que vão além da simples veiculação de conteúdo de terceiros. A erosão dos limites da privacidade pela autorização sub-reptícia de compartilhamento de dados pessoais; o concurso para o chamado capitalismo de vigilância [2]; a crise de saúde mental que se vem instalando entre os mais jovens pela aplicação de mecanismos verdadeiramente viciantes de fidelização [3]; os vieses que contaminam a personalidade algorítmica construída pelos mecanismos de IA [4] cujo aprendizado foi informado pelas pegadas digitais presentes (também) nas redes sociais; todos esses são aspectos que mereceriam tratamento em se cuidando verdadeiramente de regulação de redes sociais.

Caso, de outro lado, o STF opte pela reafirmação de que em sede de controle de constitucionalidade — ainda que aquele que originalmente não se punha na modalidade abstrata — não seja aplicável o rigor da adstrição aos limites objetivos da demanda, o risco parece residir numa aproximação que, a ver desta escriba, se anuncia desprovida de uma delimitação mais clara do problema público que se enfrenta, sem o que a resposta jurisdicional pode se apresentar inadequada, incompleta.

O debate sobre liberdade de expressão

É verdadeiramente intuitiva a compreensão de que, no tema específico da responsabilidade pela veiculação de conteúdo de terceiros — diferentemente do que se dá nos demais pontos sensíveis relacionados à ação das redes sociais acima indicados — tem-se a forte presença do tema da liberdade de expressão, derivação direta dos direitos da personalidade, consagrada também em nossa Constituição, no artigo 220. Todavia, é também conhecimento comum, aquele segundo o qual não se tenha na liberdade de expressão um direito absoluto — por isso o debate posto internacionalmente sobre os seus possíveis limites.

No Brasil, subjacente ao debate público, apresenta-se reproduzida, ainda que sem essa específica denominação, a dualidade de concepções apresentada por Owen Fiss [5] como instalada no cenário estadunidense: 1) a teoria libertária, centrada no autor da mensagem, que teria por foco a proteção da autonomia privada; e 2) a teoria democrática, que credita à liberdade de expressão, o potencial de instrumentalizar o autogoverno, pela garantia de acesso em favor dos cidadãos, a informação fidedigna sobre assuntos de interesse geral, que lhes permita formular suas próprias opiniões e decisões.

O discurso corrente, no tema da (equivocamente) chamada regulação de redes sociais no Brasil, tem contraposto exatamente, de um lado, uma pretensão libertária de um discurso a ser manifesto nas plataformas digitais sem qualquer limitação; e de outro lado, a necessidade de se prevenir a subversão do debate público decorrente de uma expressão desregrada nesses mesmos meios digitais.

Em aval à necessidade de constrição à manifestação em redes sociais, apresenta-se sempre o argumento ad terrorem das chamadas fake news, e todos seus efeitos nefastos — mas com isso se reduz, em verdade, o perigo associados à teoria libertária, que compreendem igualmente o efeito silenciador de manifestações divergentes, que pode se dar em relação não só às minorias tradicionalmente conhecidas (étnicas, economicamente vulneráveis, deficientes, etc.), mas também quanto àquelas novas categorias de vulneráveis que exsurgem na cyber era, como as vítimas da exclusão ou da iliteracia digital. A Ágora digital preconizada pelos libertários reproduz os erros da original, eis que é por natureza, excludente.

Tendência da corte

A sinalização que se extrai das manifestações dos ministros do STF parece indicar, quando menos, uma tendência à ampliação, possivelmente pela via da interpretação conforme a Constituição, dos termos em que se tem entendido a responsabilização das plataformas digitais, ao menos à luz do já referido artigo 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).

Mais do que isso; a existência em si dos Inquéritos 4.781 (fake news), 4.874 (milícias digitais) em curso junto ao STF, este último instaurado ante a “presença de fortes indícios e significativas provas apontando a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhantes àqueles identificados no Inq. 4.781/DF, com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito” [6], sugere uma aproximação do direito à liberdade de expressão alinhada com a teoria democrática.

A se confirmar essa tendência da corte, mais do que a enunciação de um sistema de responsabilização de plataformas de redes sociais pela veiculação de conteúdo de terceiros que se caracterize em episódios distintos do descumprimento direto de ordem judicial; será preciso ter em conta outras providências associadas à garantia de um exercício de liberdade de expressão harmônico com a teoria democrática.

Afinal, a garantia da autodeterminação envolveria não só coibir as notícias grosseiramente falsas, mas igualmente considerar outros aspectos como a transparência da origem da fonte, e a existência de oportunidades de contradita a uma narrativa que se revele incompatível com o objetivo geral de possibilitar uma deliberação informada de parte do cidadão.

Encarar a questão da regulação de redes sociais a partir exclusivamente do ferramental clássico do direito, de comando e sanção, parece tarefa inglória — não por outra razão, a inclinação original do STF foi de chamar à responsabilidade o Legislativo, que deve enfrentar a matéria.

A recusa da Casa de Leis no desenvolvimento de tarefa que é sua deve encontrar, de parte do STF, resposta mais estratégica do que a pretensão de uma atuação substitutiva, numa matéria revestida de tantas nuances. Modular o tom do que se possa esperar de sua atuação; reiterar a responsabilidade primária do Legislativo na matéria; tudo isso parece prudente.

A par disso, na construção da resposta jurisdicional que aparentemente o STF parece disposto a apresentar, é de se ter em conta que a distorção do ambiente democrático informado pode se dar por mecanismos muito mais sutis do que fake news que se desautorizem pelo seu próprio caráter caricato. Remeter o juízo de identificação destas hipóteses mais delicadas a cada juiz oficiante no país afora parece um caso clássico de opção bem-intencionada, mas fadada ao fracasso.


[1] Tema 987 – “Discussão sobre a constitucionalidade do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) que determina a necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.”

[2] No tema, consulte-se a obra de Shoshana Zuboff – “A era do capitalismo de vigilância”.

[3] A cidade de Nova York judicializou a matéria, ofertando demanda em face das grandes corporações, para buscar co-financiamento do atendimento empreendido pelo sistema público de saúde.

[4] O’NEIL, Cathy. Algoritmos de destruição em massa. Como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia. Tradução Rafael Abraham, Santo André – São Paulo: Editora Rua do Sabão, 2020, p. 268.

[5] FISS, Owen M.  A ironia da Liberdade de expressão: Estado, regulação e diversidade na esfera pública. Prefácio de Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto; Rio de Janeiro: FGV Direito Editora, 2022, p. 12-13.

[6] Extraído do despacho de prorrogação do prazo de conclusão do Inquérito 4874, havido em 19 de janeiro de 2024, disponível em https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/INQ4874708despacho.pdf, acesso em 10 de abril de 2024.

FONTE: Conjur

Sanções pelo descumprimento de obrigações acessórias na jurisprudência do Carf

Nesta coluna, analisaremos de forma não exaustiva como a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem se posicionado quando da análise das sanções aplicadas aos contribuintes, nos casos em que há o descumprimento de alguma das chamadas obrigações acessórias, ou quando essas são cumpridas com algum vício (informações inexatas, incompletas ou omitidas).

Em especial, analisaremos o entendimento do Carf quanto à aplicação das sanções previstas no artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, com a redação que lhe foi conferida pelas Leis 12.766/12 e 12.873/13.

De pronto, deve-se esclarecer que foram estipuladas três penalidades distintas pelo referido artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/01.

A primeira hipótese de sanção (inciso I) se dá quando houver atraso no cumprimento das obrigações acessórias por parte do sujeito passivo.

Já a segunda penalidade (inciso II), será aplicada quando o contribuinte não cumprir as intimações exaradas pela fiscalização, no que tange ao cumprimento das obrigações acessórias ou para prestar esclarecimentos sobre essas. Ainda, a terceira penalidade (inciso III) é decorrente do “cumprimento de obrigação acessória com informações inexatas, incompletas ou omitidas”.

Reprodução

Importante destacar que o objeto de penalização é o descumprimento das obrigações acessórias exigidas nos termos do artigo 16 da Lei nº 9.779/99, dispositivo esse em que o legislador outorgou competência à Receita Federal para dispor sobre essas obrigações, inclusive estabelecendo forma, prazo e condição para seu cumprimento.

Intimação prévia

Em que pese terem critérios materiais distintos, ou seja, sanções distintas para cada tipo de conduta praticada pelos contribuintes, percebe-se que, para além de tratar do (des)cumprimento das obrigações acessórias, o legislador privilegiou a comunicação entre o contribuinte e a fiscalização e, em especial, a boa-fé que deve reger essa relação.

Afinal,  no caput do dispositivo, o legislador exige que a fiscalização intime os contribuintes previamente “para cumpri-las ou para prestar esclarecimentos relativos a elas”. Ou seja, sem essa intimação prévia, a princípio, não se poderia cogitar da aplicação das penalidades.

Todavia, essa conclusão não é pacífica na jurisprudência administrativa.

Podemos encontrar decisões no sentido de que a necessidade de intimação prévia não afasta a possibilidade de aplicação imediata das penalidades descritas no dispositivo legal.

Foi o que restou decidido no Acórdão nº 3401-008.969, segundo o qual o “artigo 57 da MP 2.158-35 imputa dever à fiscalização de intimar o contribuinte a cumprir obrigação acessória inadimplida ou prestar esclarecimentos e, concomitantemente a uma ou outra ação, aplicar as sanções descritas nos incisos do caput”.

Esse entendimento também transpareceu no Acórdão nº 3201-006.484, segundo o qual “(…) mesmo que o contribuinte tenha atendido a intimação para prestar esclarecimentos em razão da existência de incorreções ou omissões nas informações declaradas, ainda assim a multa será devida, pois que seu fato gerador (incorreções e omissões no documento) se consubstanciara no passado”.

Por outro lado, como decidido no Acórdão nº 1302-004.275, “não há que se falar em aplicação da multa estabelecida para apresentação de obrigação acessória com informações inexatas, incompletas ou omitidas, prevista no inciso III do artigo 57 da MP nº 2.158-35/2001, quando o contribuinte, devidamente intimado, sanar, nos prazos estipulados nas intimações expedidas, os vícios apontados pela fiscalização”.

A fundamentação desse entendimento, como se observa do voto proferido, foi embasada nos princípios da boa-fé e da confiança [1], deixando claro que “é temerário admitir que a fiscalização intime o contribuinte a sanar determinadas inconsistências de obrigação acessória e, mesmo o contribuinte atendendo todas as intimações e sanando as inconsistências levantadas pelo próprio fisco, haja uma penalização por uma conduta (prestar informações inexatas, incompletas ou omitidas) que não mais existia à época da lavratura do Auto de Infração.

Mutatis mutandis, este mesmo entendimento foi adotado no Acórdão nº 1201-006.195, no qual podemos observar o seguinte raciocínio: “se o contribuinte estava com a espontaneidade suspensa, em razão de fiscalização, não poderia retificar o FCONT espontaneamente. Logo, se de boa-fé, atende à intimação e apresenta as informações necessárias, não pode tal conduta ser sancionada”.

Pois bem. A sanção prevista no inciso I, relativa ao atraso na entrega das obrigações acessórias, já foi enfrentada em alguns oportunidade pelo Carf.

Neste caso, como o critério para a sanção é temporal e independe da “qualidade” da informação prestada, sendo comprovado que a obrigação acessória foi cumprida intempestivamente, não há maiores discussões quanto à aplicabilidade da pena. Os julgados proferidos pelo Carf têm mantido essa penalidade nestes casos (vide Acórdãos nº’s 1401-003.723 e 1003-001.338).

Especialidade e aplicação retroativa da pena prevista no artigo 57

Paralelamente, no Acórdão nº 9101-004.756, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) apontou que, tendo em vista o critério da especialidade, a aplicação desta sanção só pode ocorrer quando não houver no ordenamento jurídico penalidade específica, como ocorre no caso, por exemplo, de atraso na entrega da DCTF. Neste sentido, a CSRF concluiu que “a nova redação do art. 57 da MP 2.158-35/2001, dada pela Lei 12.766/2012, não alcançou a multa por atraso na entrega da DCTF, prevista no art. 7º da Lei 10.426/2002”.

De toda sorte, além dos casos em que existe norma específica que penaliza determinadas condutas dos contribuintes, nos parece que há um posicionamento pacificado quanto à necessidade de aplicação retroativa da penalidade prevista no artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, em detrimento de outras penalidades mais gravosas previstas no ordenamento, quando houver identidade nas condutas penalizadas. Não poderia ser outra a conclusão, sob pena de desrespeito ao artigo 106, II, “c” do Código Tributário Nacional.

Neste sentido, o Acórdão nº 9303-014.412 [2] enfrentou a questão da aplicação retroativa do artigo 57, inciso III da MP nº 2.158-35/2001 aos lançamentos com fulcro no artigo 12, inciso II da Lei no 8.218/1991, e entendeu por reduzir a multa lançada originalmente de 5% sobre o valor da operação omitida ou prestada incorretamente para o percentual de 0,2% sobre o faturamento do mês anterior ao da entrega dos arquivos digitais.

Segundo o entendimento consignado no citado Acórdão nº 9303-014.412, com base no que já havia sido decidido no Acórdão nº 9303-007.161, o artigo 106 do Código Tributário Nacional obriga a aplicação de penalidade posterior menos severa do que a anteriormente prevista pelo legislador.

Neste caso, o fundamento da aplicação retroativa do dispositivo legal foi o entendimento da própria Receita Federal do Brasil, consignado no Parecer Cosit nº 03/2015, que “caminhou no sentido de manter as posições definidas no Parecer RFB nº 3/2013, com aplicação da retroatividade benigna, prevista no art. 106 do CTN, em razão da multa prevista no art. 57, III, da MP no 2.15835, com a redação da Lei no 12.766/2012 ser menos gravosa que a multa aplicada com base no art. 12, II, da Lei no 8.218/91”.

Base de cálculo da multa

Outra discussão que se extrai das decisões do Carf é relativa ao limite quantitativo para a aplicação da penalidade prevista no inciso III, do artigo 57 da MP nº 2.158, vale dizer, sobre a base para a pena de sanção por apresentação das obrigações acessórias com informações inexatas, incompletas ou omitidas.

No Acórdão nº 3302-012.665, em que se discutia a base de cálculo da penalidade, entendeu-se que, pela leitura do dispositivo legal, a base de cálculo da multa deveria ser “o valor das operações declaradas com vícios, e não o valor total das declarações que contém informações sobre operações inexatas”.

Por outro lado, não encontramos julgados que enfrentam de maneira analítica, com base no artigo 57 da MP 2.158, quais seriam as informações inexatas, omissas e incorretas passíveis de penalização.

Mas no Acórdão nº 1302-006.413 é possível encontrar posição interessante, no contexto da análise que fora feita sobre a multa prevista no artigo 8º-A, inciso II, do Decreto-Lei nº 1.598/1977 [3], que também tem uma previsão de penalidade por inexatidão, incorreção ou omissão na ECF (Escrituração Contábil Fiscal).

Nessa decisão, o entendimento que prevaleceu foi o de que “não há como admitir que, em toda divergência de interpretação da legislação entre o fisco e o contribuinte, este seja penalizado por ter indicado, em suas obrigações acessórias, o entendimento que, para ele, era o mais correto.”

No voto proferido, deixou-se claro que informação incorreta, para fins de aplicação da penalidade, é “aquela informação que não reflita a realidade da operação realizada pelo contribuinte”, não se podendo admitir que a sanção seja utilizada como meio de coerção aos contribuintes para fazer constar em suas declarações o entendimento/interpretação da fiscalização sobre determinada matéria.

A Turma de Julgamento entendeu, assim, por unanimidade de votos, que a simples divergência de interpretação entre o fisco e o contribuinte não poderia ensejar na aplicação da penalidade positivada pelo legislador.

PL nº 5.112/23

Interessante que, para tentar contornar a insegurança jurídica que, infelizmente, permeia as relações entre o fisco e os contribuintes, o deputado Jonas Donizete apresentou na Câmara o Projeto de Lei nº 5.112/23, em que propôs a positivação do entendimento que construído no âmbito daquele julgamento no Carf (Acórdão nº 1302-006.413).

Segundo a justificativa da proposta apresentada pelo deputado, que citou trechos do voto proferido, “não é razoável a aplicação de multa apenas por discordância na forma de interpretação da legislação”.

Da leitura deste breve texto, podemos concluir que existem inúmeras discussões que permeiam a aplicação das penalidades previstas no artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, sendo diversas delas já enfrentadas de alguma forma pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

Como as obrigações acessórias impostas aos contribuintes são abundantes, os julgados do Carf podem nortear a fiscalização na aplicação das penalidades, o que, ao certo, trará maior previsibilidade nas relações entre os contribuintes e a Fazenda Pública, criando a famigerada pacífica e salutar relação entre ambos.

O primeiro agindo com base na moralidade (artigo 37, caput, da Constituição e artigo 2º da Lei nº 9.784/1999) e o segundo esteado na boa-fé, alcançando assim um “modelo de conduta coerente com o estado de confiabilidade do contribuinte, guiando e facilitando suas tarefas, com atos legítimos e sem contradições, aberta à efetividade de direito fundamentais e plenamente transparente e imparcial” [4]. É o que esperamos.


[1] “Assim, em toda hipóteses de boa-fé existe confiança a ser protegida. Isso significa que uma das partes, por meio de seu comportamento objetivo criou confiança em outra, que, em decorrência da firme crença na duração dessa situação desencadeada pela confiança criada, foi levada a agir manifestar-se externamente, fundada em suas legítimas expectativas, que não podem ser frustadas”. (DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009. pag. 378).

[2] Neste mesmo sentido são os acórdãos nº 9101-006.678, 1201-006.149, 1402-006.381 e 1201-006.195

[3] Art. 8º-A.  O sujeito passivo que deixar de apresentar o livro de que trata o inciso I do caput do art. 8o, nos prazos fixados no ato normativo a que se refere o seu § 3o, ou que o apresentar com inexatidões, incorreções ou omissões, fica sujeito às seguintes multas:

I – equivalente a 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento), por mês-calendário ou fração, do lucro líquido antes do Imposto de Renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, no período a que se refere a apuração, limitada a 10% (dez por cento) relativamente às pessoas jurídicas que deixarem de apresentar ou apresentarem em atraso o livro; e

II – 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor omitido, inexato ou incorreto.

[4] TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e segurança jurídica. São Paulo: RT, 2011. p. 224 .

Fonte: Conjur

Empresa não pode deixar de publicar Relatório de Transparência Salarial

Compete ao Plenário do Supremo Tribunal Federal analisar recursos internos (agravos internos e embargos de declaração) contra decisões individuais de seus ministros em recursos extraordinários apresentados contra acórdãos de ações diretas de inconstitucionalidade estaduais. Esse foi o entendimento unânime do Supremo em sessão virtual finalizada no dia 22 de março.

Recurso extraordinário foi apresentado pela Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica

A Corte analisou questão de ordem em um Recurso Extraordinário, acompanhando voto do relator, ministro Gilmar Mendes. A decisão passa a valer, obrigatoriamente, para todos os julgamentos iniciados a partir da publicação da ata do julgamento, mantida a validade de todas as decisões do STF anteriores a essa data.

O recurso extraordinário foi apresentado pela Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que manteve a validade da Lei Estadual 13.747/2009, obrigando fornecedores de bens e serviços a fixar data e turno para realizar serviços ou entrega de produtos aos consumidores.

Para o TJ, a lei questionada que não envolve matéria sobre distribuição de energia elétrica, mas apenas estabelece turnos para realização de serviços ou entrega de produtos.

Com base em jurisprudência pacífica do STF sobre competência privativa da União para legislar sobre energia, o ministro Gilmar Mendes deu provimento ao recurso extraordinário para reformar o acórdão do TJ-SP e afastar a incidência da Lei estadual 13.747/2009 sobre os serviços de energia elétrica.

A Assembleia Legislativa de São Paulo apresentou embargos de declaração informando que, pouco antes da decisão do ministro Gilmar Mendes, a Lei estadual 13.747/2009 havia sido revogada pela Lei estadual 17.832/2023. Com isso, a Assembleia pretendeu saber se a legislação superveniente teria sido alcançada pela conclusão do relator. Por sua vez, o governador interpôs agravo regimental no qual sustenta que a revogação da Lei estadual de 2009 implicaria a perda de objeto do RE.

Ao analisar os autos, o relator considerou necessário submeter questão de ordem ao Plenário a fim de definir qual o órgão competente (Plenário ou Turma) para apreciar recursos internos interpostos contra decisões proferidas por ministros do STF, em recursos extraordinários e recursos extraordinários com agravo, que questionam acórdãos apresentados em ações diretas estaduais.

Na sessão virtual, os ministros acompanharam o voto do relator pela competência do Plenário do STF em tais casos. Ao citar doutrina e jurisprudência do Supremo, o ministro Gilmar Mendes reconheceu que cabe ao Plenário examinar, em quaisquer hipóteses, os recursos internos interpostos em relação a aspectos processuais, ao tema de fundo e ao alcance da decisão.

O relator verificou que os pronunciamentos do STF no âmbito de recursos extraordinários interpostos contra acórdãos proferidos em controle concentrado de constitucionalidade estadual, quando dizem respeito ao mérito da controvérsia, apresentam efeito vinculante e eficácia para todos. Assim, a seu ver, é inevitável reconhecer a competência do Plenário para apreciar recursos internos. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

Clique aqui para ler o voto do relator
RE 913.517

O post Cabe ao Plenário do Supremo julgar RE em decisões monocráticas contra acórdãos de ADIs estaduais apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Reclamação pré-processual na Justiça do Trabalho: advocacia para quê?

Sou favorável à ideia de um sistema multiportas para solução de conflitos. Semana passada, inclusive, escrevi acerca da arbitragem trabalhista, instituto que sempre enalteci e não canso de incentivar.

Mediação, conciliação, acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho são métodos alternativos que fomentam a autossolução, que considero sempre um resultado melhor do que a decisão judicial. Depois de 27 anos julgando os outros, percebo que o juiz muitas vezes consegue apenas acabar com a discussão, não necessariamente distribuindo a almejada e abstrata justiça.

Permitir que os interessados possam, por contra própria, resolver suas questões, além de atestado de maturidade social, constitui caminho fértil para um ambiente harmônico, seguro e confiável nas relações trabalhistas.

Bem compreendida minha posição, passo à crítica construtiva da nova Resolução 377, de 22 de março de 2024, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que instrumentaliza a mediação pré-processual, criando o procedimento para uso das reclamações pré-processuais na Justiça do Trabalho (RPP).

Há na resolução uma capa de modernidade, mas ela não consegue esconder o viés autoritário típico da cultura intervencionista da área trabalhista, a começar por manter a centralidade da Justiça do Trabalho como instância para solução de conflitos, passando pelo afastamento da advocacia trabalhista e culminando com a condução do procedimento diretamente pelo magistrado quando desassistidos os interessados. Vamos por partes.

Qualquer lógica de solução alternativa de conflitos, incentivadora da autossolução, não deveria impedir que os atores sociais pudessem dirimir seus interesses sem intervenção pública. A Justiça do Trabalho, que se propaga como justiça social e pioneira em matéria de conciliação, não permite, até hoje, que trabalhadores e tomadores dos serviços possam, com segurança, fazer mediação ou conciliação extrajudicial sem a participação de um magistrado.

Com raras exceções, ninguém se aventura a pactuar acordo extrajudicial para resolver litígio trabalhista pois sabe que, mais rápido do que um avião, um superjuiz anulará o pacto sob o desgastado fundamento de que o trabalhador não consegue emitir vontade de forma válida sem o manto protetivo da Justiça do Trabalho, ainda que assistido por advogado.

Curioso é que o mesmo acordo firmado diretamente entre as partes, após ser anulado, pode ser refeito em ação judicial, às vezes até de forma pior para o trabalhador, já que a presença do juiz tudo resolve, todos os males são repelidos e a visão além do alcance do magistrado é capaz de vislumbrar a ausência de fraude.

Viés autoritário

O primeiro viés autoritário da resolução reside, portanto, no fato de não incentivar — e reconhecer a validade — de mediações pré-processuais extrajudiciais, realizadas por outros atores sociais, que não a magistratura.

Em sequência, a resolução materializa o afastamento da advocacia trabalhista do procedimento, como previsto no artigo 3º, §2º:

“Estando o empregador e/ou trabalhador desassistidos, deverá comparecer ao Órgão de distribuição do TRT para fazer tomar a termo sua Reclamação Pré-Processual (RPP) ou efetuar a solicitação mediante o preenchimento de formulário disponível no Portal da Conciliação, cabendo ao próprio Tribunal Regional do Trabalho a distribuição da classe Reclamação Pré-Processual (RPP) ao órgão competente.”

Em uma lógica simples de análise econômica, não precisar contratar advogado para realizar um acordo trabalhista com garantia de homologação judicial gratuita pode gerar a consequência de enorme estímulo ao mercado de trabalho para uso de tal prática.

Se por um lado a notícia pode ser boa, principalmente para o empresário, que muitas vezes gasta dinheiro com sua defesa apenas para conseguir o reconhecimento de que nada havia feito de errado, por outro naturalmente surgirá um vácuo de proteção trabalhista ao trabalhador, que dificilmente conseguirá apreender o alcance e a extensão dos seus direitos para poder negociar com segurança.

E aí, neste exato ponto, está estampada a máxima intervenção estatal do novo procedimento: sem advogado, assume o próprio juiz a defesa dos interesses do trabalhador.

Vejam o que diz o artigo 11 da resolução:

“Caso o trabalhador e/ou o empregador estejam sem assistência de advogado na mediação pré-processual, a condução das reuniões unilaterais, bilaterais e das audiências deverão ser realizadas, necessariamente, pelo magistrado(a) supervisor(a) do Cejusc-JT respectivo.”

Na lógica do novo procedimento, se um trabalhador disparar o procedimento sem assistência de advogado, provocando a Justiça do Trabalho para “buscar seus direitos”, haverá uma redução a termo ou preenchimento de um formulário, onde será estampado o objeto a ser negociado de forma simples e, a partir daí, assumirá o magistrado e, não, os mediadores.

E o que isso significa na prática?

Para mim, que o procedimento deixa de ser uma mediação. Simples assim. Não se tratará mais de adoção de práticas que aproximem os interessados convencendo-os de que a autossolução é o melhor caminho, sem se imiscuir no objeto da transação.

A obrigatória presença do magistrado indica que há necessidade especial de velar o desassistido, analisando os termos do objeto da possível conciliação, valores, limites, impondo condições para homologação, pois o condutor da “mediação” será quem decide seu fim.

Da forma como posto, creio que apenas se cria uma alternativa para a Justiça do Trabalho continuar afirmando seu papel de protagonista mantendo o monopólio do conflito trabalhista, agora desprestigiando o papel da advocacia.

Não se fortalece a sociedade civil para que ela possa gerir seus próprios interesses, cria-se mais um mecanismo de dependência bem ao gosto da nossa tradição cultural, podendo a magistratura do Trabalho continuar dando o tom do que é certo ou errado, do que pode ser negociado ou não, até onde vale a vontade do próprio interessado.

Ao invés de simplesmente reconhecer a licitude de acordos extrajudiciais, independentemente de homologação da Justiça do Trabalho, ao invés de propiciar mediações e conciliação extrajudiciais, em câmaras especializadas, sempre com a assistência de advogados, capazes de orientar os interesses de seus clientes, novamente buscamos a intervenção do Estado que ditará o que é melhor ou pior para os cidadãos.

Está na hora de efetivamente amadurecermos e reconhecer que o magistrado do Trabalho não é um ser iluminado capaz de impedir todos os males do universo trabalhista. Passou do momento de deixarmos esses adolescentes, trabalhadores e empregadores, saírem da redoma para resolverem seus destinos amparados por seus advogados.

Se lá na frente ficar constatada fraude, aí sim, que venha o aparato estatal. Poder Judiciário sempre deve existir em segundo plano, jamais ser protagonista, sob pena de legalizarmos um Poder intervencionista sobre interesses privados. Alguém coloca a carapuça?

Fonte: Conjur

STF conclui julgamento e rejeita ‘poder moderador’ das Forças Armadas

Não está entre as atribuições das Forças Armadas atuar como “poder moderador”, assim como não há na Constituição trecho que permita a interpretação de que militares podem se intrometer no funcionamento dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Partido pediu que STF esclarecesse limites da atuação das Forças Armadas – Tomaz Silva/Agência Brasil

Este foi o entendimento unânime do Plenário do Supremo Tribunal Federal ao esclarecer os limites da atuação das Forças Armadas em uma ação ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). A sessão virtual teve início no dia 29/3 e se encerrou às 23h59 desta segunda-feira (8/4).

O PDT contestava a interpretação de que as Forças Armadas podem intervir no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, de forma a atuar como “poder moderador”.

Contexto

O partido pediu que o STF limitasse o uso das Forças Armadas, nas destinações previstas no artigo 142 da Constituição, aos casos de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio.

O dispositivo em questão estabelece como funções das Forças Armadas a defesa da pátria, a garantia dos poderes constitucionais e a garantia da lei e da ordem (GLO) por iniciativa de qualquer um dos três poderes.

A legenda ainda questionou dispositivos da Lei Complementar 97/1999, que regulamenta o uso das Forças Armadas. Um deles é o artigo 1º, que define as Forças Armadas como “instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República”.

O pedido do PDT foi para se fixar que a “autoridade suprema do presidente da República” se restringe às suas competências constitucionais: exercer a direção superior das Forças Armadas; emitir decretos e regulamentos; definir regras sobre sua organização e funcionamento; extinguir funções ou cargos ou provê-los; nomear seus comandantes; promover seus oficiais-generais; e nomeá-los para cargos privativos.

Também foram apontados pelo partido trechos do artigo 15 da lei complementar, que atribui ao presidente da República a responsabilidade pelo uso das Forças Armadas nas suas funções constitucionais e traz regras para a atuação na GLO.

A sigla pediu a restrição do emprego das Forças Armadas nas suas três funções. No caso da defesa da pátria, o pedido era para limitação às situações de intervenção para repelir invasão estrangeira e de estado de sítio para guerra ou de resposta a agressão estrangeira.

Na garantia dos poderes constitucionais, a sugestão foi a limitação aos casos de intervenção “para garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da Federação” e de estado de defesa “para preservar ou prontamente restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”.

Quanto à GLO, a ideia era limitá-la a situações extraordinárias de defesa da autonomia federativa, do Estado e das instituições democráticas — justamente as hipóteses de intervenção, estado de defesa e de sítio —, sem possibilidade de aplicação a atividades ordinárias de segurança pública.

Por fim, o PDT alegou a inconstitucionalidade do §1º do artigo 15 da lei complementar, que atribui ao presidente da República a competência para decidir a respeito do emprego das Forças Armadas — seja por iniciativa própria, seja em atendimento a pedido dos outros poderes. O argumento da agremiação foi que não há hierarquia entre os poderes.

A tese de que os militares podem ser empregados para moderar conflitos entre os poderes e conter um poder que esteja extrapolando as suas funções é defendida pelo advogado e professor Ives Gandra da Silva Martins.

Votos

Em seu voto, Fux repetiu os argumentos usados na sua decisão liminar de 2020, que concedeu parcialmente os pedidos do PDT e deu interpretação conforme a Constituição aos dispositivos trazidos pelo partido. Todos os ministros acompanharam sua tese.

O relator estabeleceu quatro pontos sobre o assunto:

1 — A missão institucional das Forças Armadas não envolve o exercício de um poder moderador entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário;

2 — Não é possível qualquer interpretação que permita o uso das Forças Armadas para “indevidas intromissões” no funcionamento dos outros poderes;

3 — A prerrogativa do presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas “não pode ser exercida contra os próprios poderes entre si”;

4 — O uso das Forças Armadas para a GLO não se limita às hipóteses de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio, mas é voltado ao “excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna” e deve ser aplicado “em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, por meio da atuação colaborativa entre as instituições estatais e sujeita ao controle permanente dos demais poderes.

O ministro explicou que a garantia dos poderes constitucionais, prevista no artigo 142 da Constituição, “não comporta qualquer interpretação que admita o emprego das Forças Armadas para a defesa de um poder contra o outro”.

Segundo ele, a atuação dos militares se refere à proteção de todos os poderes “contra ameaças alheias”. Ou seja, é uma forma de defesa das instituições democráticas contra “ameaças de golpe, sublevação armada ou movimentos desse tipo”.

Por isso, o relator rejeitou a interpretação de que a atribuição de garantia dos poderes constitucionais permite a intervenção das Forças Armadas nos demais poderes ou na relação entre uns e outros. Isso violaria a separação de poderes.

Na visão do magistrado, a tese do poder moderador das Forças Armadas pressupõe que elas têm neutralidade, autonomia administrativa e distanciamento dos três poderes. Na verdade, a própria Constituição define o presidente da República como o “comandante supremo” das Forças Armadas.

Ou seja, considerá-las um poder moderador seria o mesmo que reconhecer o Executivo como um superpoder, acima dos demais. Essa interpretação está “dissociada de todos os princípios constitucionais estruturantes da ordem democrática brasileira”.

Fux explicou que a Constituição prevê as medidas excepcionais que podem ser aplicadas para soluções de crises. Segundo ele, “não se observa no arcabouço constitucionalmente previsto qualquer espaço à tese de intervenção militar, tampouco de atuação moderadora das Forças Armadas”.

Quanto à “autoridade suprema” do presidente, o ministro destacou que isso está relacionado à hierarquia e à disciplina da conduta militar. Mas essa autoridade não pode superar a separação e a harmonia entre os poderes.


Fonte: Conjur

Resolução do CNJ de cota social para mulheres é inconstitucional

Os critérios de antiguidade ou de mérito para promoção de magistrados estão previstos no Texto Constitucional e na Lei Complementar nº 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Loman). Eis, pois, o teor do artigo 93 da CF/88 que é claro ao definir que:

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

II – promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:

  1. a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento;
  2. b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;
  3. c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
  4. d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
  5. e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

III – o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antiguidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide ADI 3.392)
(…)”
(grifos meus)

Ora, esta norma constitucional estabelece os princípios básicos que devem reger a carreira do magistrado sendo, pois, uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata, que independe de regulamentação [1].

Em 2023, entretanto, foi aprovada a Resolução do Conselho Nacional da Magistratura nº 525/2023, que trouxe modificações ao artigo 1º da Resolução CNJ 106/2010 [2], nos seguintes termos:

RESOLVE:
Art. 1º. O art. 1º da Resolução CNJ n. 106/2010 passa a vigorar acrescido do art. 1º-A:
“Art. 1º-A No acesso aos tribunais de 2º grau que não alcançaram, no tangente aos cargos destinados a pessoas oriundas da carreira da magistratura, a proporção de 40% a 60% por gênero, as vagas pelo critério de merecimento serão preenchidas por intermédio de editais abertos de forma alternada para o recebimento de inscrições mistas, para homens e mulheres, ou exclusivas de mulheres, observadas as políticas de cotas instituídas por este Conselho, até o atingimento de paridade de gênero no respectivo tribunal.

  • 1º Para fins de preenchimento das vagas relativas à promoção pelo critério de merecimento, os quintos sucessivos a que alude o art. 3º, § 1º, aplicam-se a ambas as modalidades de edital de inscrição (misto ou exclusivo de mulheres) e devem ser aferidos a partir da lista de antiguidade, com a observância da política de cotas deste Conselho.
  • 2º Para fins de aplicação do art. 93, II, a, da Constituição Federal,a consecutividade de indicação nas listas tríplices deve ser computada separadamente, conforme a modalidade de edital aberto (exclusivo ou misto), salvo a hipótese de magistrada que tenha figurado em lista mista, considerando-se consecutiva a indicação de: a) magistrado ou magistrada que figurou em duas listas seguidas decorrentes de editais com inscrições mistas, independentemente do edital de inscrição exclusiva de mulheres que tenha sido realizado entre eles; b) magistrada que figurou em duas listas seguidas, decorrentes de editais com inscrições exclusivas de mulheres, independentemente do edital de inscrição misto que tenha sido realizado entre eles; c) magistrada que figurou em duas listas seguidas decorrentes, uma de edital de inscrição exclusiva para mulheres e outra de edital de inscrição mista, ou vice-versa.
  • 3º Ficam resguardados os direitos dos magistrados e das magistradas remanescentes de lista para promoção por merecimento, observados os critérios estabelecidos nesta Resolução quanto à formação de listas tríplices consecutivas.
  • 4º Para a aferição dos resultados, o CNJ deverá manter banco de dados atualizado sobre a composição dos tribunais, desagregado por gênero e cargo, especificando os acessos ao 2º grau de acordo com a modalidade de editais abertos.
  • 5º As disposições deste artigo não se aplicam às Justiças Eleitoral e Militar.” (NR)

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor em 1º de janeiro de 2024 e aplica-se às vagas abertas após essa data.”

Ora, disposições da Lei Maior não estão sujeitas a quaisquer disposições de leis infraconstitucionais, visto que a estas cabe apenas explicitar o que no Texto Constitucional contido estiver e, jamais, subordinar a Carta Magna aos humores do legislador menor.

Em outras palavras, não poderia nem a Loman, nem tampouco atos inerentes ao poder regulatório dos Tribunais ou do Conselho Nacional de Justiça, instituir qualquer restrição não contida na Constituição. Isso se dá à medida em que:

  • restrição não imposta pela Lei Suprema não pode ser imposta por lei ou ato infraconstitucional;
  • a Lei Suprema não pode estar subordinada à exegese do legislador inferior, naquilo que aumente ou reduza o espectro de atuação;
  • qualquer ato ou lei deve ser sempre interpretado, à luz da Constituição.

Leis da hermenêutica

E aqui cabe outra consideração de hermenêutica constitucional. Considerando que o direito se interpreta pelo conjunto de suas normas, princípios e institutos, não pode o intérprete afastar-se das leis da hermenêutica por conivência ou conveniência, “pro domo sua”.

Não se trata aqui de dar INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA AO TEXTO LEGAL, mas, sim, de atribuir-lhe interpretação literal, estrita, como exige o princípio da estrita legalidade, previsto no artigo 5º XIII da CF.

Muito embora as mulheres mereçam aplausos por toda a sua dedicação e dificuldades encontradas no mercado de trabalho, não se pode, entretanto, deixar de reconhecer que cada vez mais o número de mulheres na justiça e na sociedade vem aumentando.

Não basta, portanto, o aumento do número de vagas para mulheres no Judiciário, buscando um critério de igualdade, sem que ocorram determinadas mudanças de padrões de comportamento, pois se não mudarmos a mentalidade da sociedade de que ainda a mulher seria subordinada, frágil e reconhecida por sua beleza, essa realidade social não mudará.

As mulheres têm o direito de serem reconhecidas pela sua dedicação, desempenho e méritos próprios e o fato de dar-lhes um percentual de cotas apenas traria às mesmas ainda mais o ônus de que estariam naquele órgão não por seus méritos.

Vale dizer, a resolução implica em serem classificadas pelo simples fato de serem “mulheres” e, não em função de sua “competência” e “antiguidade”, critérios objetivos para sua promoção junto ao Tribunal que representa.

A sociedade e a magistratura devem reconhecer tais questões e trabalhar de forma efetiva em busca de mudanças, principalmente trazendo as mulheres cada vez mais para os cargos de liderança, como ocorreu, por exemplo, na OAB-SP, que na última eleição, elegeu a primeira mulher, a dra. Patrícia Vanzonili, para presidir a maior seccional deste país.

Assim, a representatividade das mulheres junto ao Poder Judiciário torna-se um desafio diário a ser enfrentado com o envolvimento de todos e não por meio de critérios ideológicos, como no caso da Resolução do CNJ supramencionada.

Em se tratando de hierarquia das fontes formais de direito, uma norma inferior somente pode ser considerada como válida, se tiver sido criada na forma prevista pela norma superior — o que efetivamente ocorre no presente caso, vez que os atos regulamentares tiveram apenas o condão de complementar a legislação existente, sem ampliar ou restringir seu conteúdo normativo, pois a Lei Orgânica da Magistratura — sendo lei complementar — não apresenta conceitos vagos.

Pode-se afirmar, portanto, que a Resolução do Conselho Nacional de Justiça 525/2023 dispôs não só além do que determina a legislação própria que versa sobre tal matéria — Estatuto da Magistratura — mais também do próprio Texto Constitucional.

Evidentemente, não pode a referida resolução ultrapassar os limites da lei, muito menos exercer controle constitucional de editais de promoção dos Tribunais. Isso porque, a competência do CNJ é de dar efetividade às regras constitucionais e infraconstitucionais, não podendo contrariar normas ou inovar no ordenamento jurídico [3].

Por outro lado, a referida resolução ainda macularia de morte o princípio da igualdade, que é a base do regime democrático de direito — tão relevante, que é reiterado em diversos dispositivos — e colocado, em enfático pleonasmo, três vezes, no “caput” e no inciso I, do artigo 5º, para dirimir quaisquer veleidades hermenêuticas. Estão, o artigo e seu inciso, assim redigidos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito ]à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (grifamos).

Não há democracia, sem isonomia, que exige tratamento igual entre os iguais e desigual entre os desiguais para gerar a igualdade, nos termos da contestação de Sócrates a Cálicles, no célebre diálogo “Gorgias” de Platão.

Ora, nos tribunais, todos os magistrados são iguais, razão pela qual haveria fantástica violação à Lei Maior, se fossem tratados desigualmente, com base em critérios de igualdade de gênero.

Portanto, a Resolução do CNJ se encontra eivada de manifesta inconstitucional, podendo ensejar, por se tratar de ato normativo do Conselho Nacional de Justiça, ação direta de inconstitucionalidade.

Vale ainda constatar que o critério merecimento cumpre guardar, em alguma medida, relação com o atendimento ou com o adequado atendimento aos princípios da Administração Pública, a saber, legalidade (cujo desapego pode implicar a ideia de “desmerecimento”), impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Não se pode, assim, sequer imaginar válido qualquer critério de aferição do merecimento absolutamente despregado desses vetores. É critério, por assim dizer, aferível funcionalmente, à luz do desempenho funcional do magistrado. E o gênero, com o devido respeito, não guarda nenhuma relação com esses princípios.

Importante pontuar, ainda, que não se desconhece as dificuldades do que poderia ser entendido por “merecimento”, ainda mais se considerarmos as especificidades próprias de cada unidade judiciária.

‘Merecimento’

Contudo, se há uma dificuldade de esclarecer critérios seguros e objetivamente controláveis, para não se cair no domínio da plena subjetividade, do que se possa entender por “merecimento”, é tarefa mais simples compreender o que não se pode ter por merecimento, o que não pode ter-se por um critério válido para a compreensão do termo, e parece claro que o gênero não é critério válido para tal.

Com efeito, a despeito da reconhecida vagueza semântica do conceito, há certas balizas que compõem por assim dizer um núcleo semântico mínimo do que se pode compreender por merecimento e antiguidadeque não pode ser desprezado, quer pelo legislador, quer pelo administrador, quer pelo intérprete [4].

Isso porque, seja na antiguidade, seja no merecimento se promoverá qualquer gênero, seja homem ou mulher. Trata-se, como já visto, de critério justo, objetivo e democrático, por meio do qual tanto juízes quanto juízas sabem, desde quando ingressam na carreira que os critérios utilizados para sua promoção são antiguidade e merecimento, em situação da mais absoluta igualdade, não dando margem, assim, a inclusão de qualquer outro requisito que não os previstos no Texto Maior.

Atualmente, por exemplo, no âmbito do estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça conta com aproximadamente 40% de mulheres na magistratura. Ou seja, há, praticamente, já em vias de concretização, um critério de igualdade, considerando, ainda que com o passar do tempo, teremos o atingimento da paridade de gênero, até considerando que as mulheres são mais dedicadas e, muitas vezes, mais competentes que os homens.

Interessante observar que não seria admissível a ocorrência de um concurso para juízes, baseado em barreiras aplicáveis aos candidatos por conta de seu sexo.

A norma constitucional sempre delega ao administrador público um critério de discricionariedade que, entretanto, não pode ser incompatível com os princípios constitucionais, especialmente o da legalidade, sem qualquer razoabilidade para tanto.

Nesse sentido, recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 7.486, referendou liminar que determinou que eventuais nomeações para o cargo de soldado do Corpo de Bombeiros Militar do estado do Piauí se deem sem as restrições de gênero previstas no edital do concurso público.

Já na ADI 7.488, foi confirmada a homologação de acordo que autorizou a continuação de concursos para a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do estado de Mato Grosso, também sem restrições de gênero.

Ora, se o merecimento é requisito exigido para o bem da sociedade, pois quanto melhor o magistrado, melhor o serviço prestado, não pode ser superado por um critério que procura beneficiar o gênero, ou seja, para o benefício pessoal do juiz.

Por todo o exposto, entendo que a Resolução do Conselho Nacional de Justiça é inconstitucional.

_________________________

[1] Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal: ADI 189, rel. min. Celso de Mello, j. 9-10-1991, P, DJ de 22-5-1992 e MS 28.447, rel. min. Dias Toffoli, j. 25-8-2011, P, DJE de 23-11-2011.

[2] A Res. 106/2010 dispõe sobre os critérios objetivos para aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de 2º grau.

[3] Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal: ADI 4.638 MC-REF, rel. min. Marco Aurélio, voto do min. Ricardo Lewandowski, j. 8-2-2012, P, DJE de 30-10-2014; MS 27.033 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 30-6-2015, 2ª T, DJE de 27-10-2015 e AO 1789, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10-10-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-230 PUBLIC 29-10-2018.

[4] Nesse sentido, tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal: ADI 4.462, rel. min. Carmen Lúcia, j. 18-8-2016, P, DJE de 14-9-2016; RE 239.595, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 30-3-1999, 1ª T, DJ de 21-5-1999; ADI 4.108 MC-REF, rel. min. Ellen Gracie, j. 2-2-2009, P, DJE de 6-3-2009 e ADI 189, rel. min. Celso de Mello, j. 9-10-1991, P, DJ de 22-5-1992.

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