Especialização aduaneira no Carf está chegando

Neste ano, aprovada a reforma tributária, com impactos também na área aduaneira, vivemos um momento de bastante expectativa nessas áreas. A administração pública, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o meio acadêmico, os profissionais de comércio exterior e importantes entidades [1] uniram-se com o escopo de discutir e aprimorar esse sistema, para torná-lo mais eficiente e eficaz. Espera-se, como significativo resultado, a produção soluções mais adequadas, em termos de qualidade e de celeridade, aos litígios tributários e aduaneiros [2].

Nesse ambiente efervescente, tendo sido aprovada a Lei de Transação [3], estão sobre a mesa o Projeto de Lei sobre Mediação e Arbitragem Tributária e Aduaneira [4], o Projeto de Lei sobre Consulta Tributária e Aduaneira [5] e, ainda, um Projeto de Lei com o novo Processo Administrativo Tributário Federal [6].

Movimentos e mudanças no Carf

O Conselho Administrativo Fiscal (Carf) não ficou alheio a esse movimento e vem se transformando para enfrentar os novos temas que lhe desafiam, na área normativa, e especialmente o grande estoque de processos administrativos fiscais pendentes de julgamento, provocando indesejada morosidade [7].

Já comentamos aqui nesta coluna as novidades [8] do Carf, valendo aqui recordar que a Portaria Normativa MF nº 1.360/2023 determina que no mínimo 40% dos conselheiros do Carf sejam mulheres; que a Lei 14.689/2023 promove o retorno do voto de qualidade, acompanhado de questões relacionadas à transação tributária, autorregularização de débitos, exclusão de juros de mora e multas no caso de decisão do Carf por voto de qualidade [9]; bem como que o novo Ricarf, aprovado pela Portaria MF 1.634/2023, veio com o explícito propósito de trazer mais celeridade, aliada a maior especialização e transparência.

Especialização dos julgamentos no Carf

Neste artigo, queremos nos concentrar no tema da especialização em matéria aduaneira no Carf [10], brindando importantes novidades. O artigo 46, II, do novo Ricarf, prevê a criação de câmaras e turmas especializadas:

“Art. 46. O Presidente do Carf, visando à adequação da distribuição do acervo entre as Seções e Câmaras e à celeridade de sua tramitação, poderá: (…) II – em razão do alto grau de especialização demandado para analisar determinadas matérias, respeitado o disposto nos art. 43 a 45, instituir Câmaras e Turmas de Julgamento especializadas para tratar de tributo ou matéria específicos, tais como: (…)”

Embora a norma trate, em geral, de temas relacionados a alto grau de especialização, sem identificação precisa, as quatro alíneas que figuram depois do “tais como” permitem compreender que a especialização aduaneira já norteou os pensamentos do legislador. Ao ler essas quatro alíneas, buscando os respectivos temas no artigo 45 do mesmo Ricarf, o leitor encontrará: tributos aduaneiros; tributos niveladores exigidos em operações de comércio exterior; classificação de mercadorias; valoração aduaneira; infrações aduaneiras; regimes aduaneiros; direitos antidumping e compensatórios; e obrigações acessórias relativas a matéria aduaneira. Ou seja, só temas aduaneiros!

Os benefícios da especialização aduaneira nos julgamentos do processo administrativo são muito expressivos, conforme indicou Ricardo Xavier Basaldúa [11]: oferecimento de soluções técnicas; adaptação à especialização dos ramos jurídicos; redução do uso incorreto de institutos tributários para tratar de temas aduaneiros; segurança jurídica e equidade; e celeridade.

Conforme bem explicita Basaldúa, um dos redatores do Código Aduaneiro Argentino, e que foi Presidente do Tribunal Fiscal da Nação Argentina (equivalente ao Carf), a especialização acarreta significativas vantagens para o contencioso, que se cristalizam em decisões mais céleres e adequadas tecnicamente, mais duradouras, e com mais justiça e equidade.

O Brasil, apesar de estar entre as dez maiores economias do mundo, e ser o sexto país em termos de população e o quinto maior país do mundo em território, não tem figurado entre os 20 países que mais participam do comércio internacional. Na verdade, nosso país tem historicamente ficado com minguada parcela, em torno de 1% do comércio internacional [12].

Dessa forma, existe um gap entre a posição do Brasil no mundo, em termos econômicos, populacionais e de território, e a participação do país no comércio internacional. Os fatores que levam a essa triste dicotomia são vários, mas certamente uma legislação mais moderna e alinhada com tratados internacionais e com as melhores práticas, e um contencioso administrativo aduaneiro com mais qualidade em termos de tecnicidade, segurança jurídica e equidade, e ao mesmo tempo, mais célere, contribuirão para o crescimento da competitividade, a atração de investimentos e, por consequência, o aumento da participação da fatia do país no comércio exterior.

Turmas Aduaneiras no Carf

Nesse contexto, é com muita satisfação que trazemos para a coluna a novidade anunciada no dia 21 de março de 2024, na Conferência Mensal da Associação Ibero-americana de Tribunais de Justiça Fiscal ou Administrativa (Aitfa) [13]: a criação, prevista para abril de 2024, de uma Câmara (a 4ª Câmara da 3ª Seção do Carf) com duas turmas especializadas em matéria aduaneira. Essas turmas concentrarão, em geral, os processos que versarem sobre matéria aduaneira, e as estatísticas relativas ao acervo do Carf por tema indicam que é significativo o número de processos em tal condição.

Não se trata de medida inédita em termos comparados, pois muitos países, como a Argentina, já possuem contencioso administrativo especializado em matéria aduaneira há tempos. Mesmo aqui no Brasil, já houve no Contencioso Administrativo um Conselho de Matérias Aduaneiras e Tarifárias: o Conselho Superior de Tarifas [14].

Mas, por outro lado, a medida é extremamente importante e oportuna, tanto pela questão interna, pelo momento de atenção que decorre da reforma tributária, com importantes iniciativas para trazer mais celeridade e qualidade ao contencioso administrativo fiscal e aduaneiro, quanto pela busca contínua de maior participação do Brasil no comércio internacional.

Há grandes perspectivas de incremento da participação brasileira no comércio internacional, em decorrência dos novos acordos que estão sendo costurados — especialmente o acordo Mercosul/União Europeia, da implementação efetiva de modernos tratados internacionais aduaneiros (como a CQR/OMA e o AFC/OMC) e da premente entrada do Brasil na OCDE — aliados à reforma tributária, que busca racionalizar a tributação e diminuir nossa burocracia tributária, o que contribui para a atração de investimentos e, consequentemente, para o incremento da corrente de comércio, especialmente no que se refere a exportações.

Nesse sentido, essa significativa especialização dentro do Carf é uma novel e relevante força para catalisar o momento de crescente preocupação com a facilitação do comércio e as questões aduaneiras, no sentido de incrementar a competitividade internacional do Brasil, com o potencial de gerar crescimento econômico.

A nós, aduaneiros, cabe incentivar e acompanhar atentamente essa valorosa iniciativa para o contencioso administrativo brasileiro, para o Direito Aduaneiro brasileiro, para a economia nacional, e para o desenvolvimento do livre comércio.


[1] Entre tantos debates, seminários e outros eventos recentemente versando sobre temas aduaneiros e tributários relacionados ao comércio exterior, exemplificamos com o debate sobre os Projetos de Lei sobre o Processo Tributário e o Processo Administrativo Fiscal, ocorrido em 20/03/2024, no Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), e o II Congresso de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro, organizado pela Ordem dos Advogados do Brasil-São Paulo (OAB-SP), que tratou de temas importantes como a codificação aduaneira, nos dias 05 a 07/03/2024.

[2] É certo que em vários desses Projetos de Lei a redação original não contou com a participação de especialistas em matéria aduaneira. Nos Projetos de Lei referentes ao contencioso, derivados de Comissão de Juristas das áreas de Direito Tributário e Administrativo, há diversas confusões entre institutos aduaneiros e tributários, como já apontamos aqui nesta coluna, em: “TREVISAN, Rosaldo. Contencioso aduaneiro: uma luz no fim do túnel?” (20/09/2022), disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-set-20/territorio-aduaneiro-luz-fim-tunel-contencioso-aduaneiro-2022/. E no recente Projeto de Lei (508/2024) que indica consolidar a “legislação federal sobre comércio exterior” (expressão bem mais ampla que “legislação aduaneira”), sequer se consolida organicamente a legislação aduaneira, tendo também esse tema sido explorado nesta coluna, em “BRANCO, Leonardo. Códigos, consolidações e regulamentos: o mapa do Direito Aduaneiro” (19/03/2024)., disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-19/codigos-consolidacoes-e-regulamentos-o-mapa-do-direito-aduaneiro/. Os textos iniciais de tais projetos devem provocar a união da comunidade especializada aduaneira para correção de distorções no curso do processo legislativo.

[3] Lei nº 13.988/2020

[4] Projeto de Lei do Senado nº 2.485/2022.

[5] Projeto de Lei do Senado nº 2.484/2022.

[6] Projeto de Lei do Senado nº 2.483/2022.

[7] Segundo informações divulgadas pelo próprio órgão, o estoque do CARF em janeiro de 2024 alcançou 1,1171 trilhão (Informação disponível em <https://carf.economia.gov.br/dados-abertos/dados-abertos-2024/dados-abertos-202402-final.pdf>. Acesso em: 24 mar.2024).

[8] “MEIRA, Liziane. Neste novo ano, podemos começar a falar em um processo administrativo aduaneiro?” (06/02/2024, disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-fev-06/neste-novo-ano-podemos-comecar-a-falar-em-um-processo-administrativo-aduaneiro/.

[9] Ao leitor que se interesse pelo tema do voto de qualidade, recomendo a leitura de três artigos desta coluna, de autoria de Liziane Meira: “Voto de qualidade e as decisões em matéria aduaneira no Carf sob escrutínio” (Disponível em <https://www.conjur.com.br/2023-jan-31/artx-territorio-aduaneiro-voto-qualidade-decisoes-materia-aduaneira-carf/>. Acesso em: 04.mar.2024); : “Aprovado o PL sobre o voto de qualidade no Carf: abriu-se a caixa de Pandora?” (Disponível em < https://www.conjur.com.br/2023-set-05/territorio-aduaneiro-aprovado-pl-voto-qualidade-abriu-caixa-pandora/>. Acesso em: 04.mar.2024); e “Lei 14.689/2023: no retorno do voto de qualidade, como ficaram as multas? ” (Disponível em <https://www.conjur.com.br/2023-out-10/territorio-aduaneiro-retorno-voto-qualidade-ficaram-multas/>. Acesso em: 04.mar.2024).

[10] Cabe agregar, em endosso, a especialização em matéria aduaneira no próprio Poder Judiciário, citando como exemplo a 6ª Vara da Justiça Federal em Curitiba.

[11] BASALDÚA, Ricardo Xavier. “Importancia de la Jurisdicción Especializada em Materia Aduanera: situación en Argentina”. In: TREVISAN, Rosaldo (org.). Temas atuais de Direito Aduaneiro II. São Paulo: Lex, 2015, p. 61-86.

[12] Conforme estudo da FGV, em 2022, o Brasil ficou na 26ª posição mundial nas exportações com 1,3% (Disponível em <https://portalibre.fgv.br/noticias/desacelera-o-crescimento-do-comercio-mundial-em-2023-e-cresce-o-volume-exportado-pelo#:~:text=Para%20a%20Am%C3%A9rica%20do%20Sul,3%25%20nas%20exporta%C3%A7%C3%B5es%20mundiais).>. Acesso em: 24 mar.2024).

[13] Em palestra ministrada pelo cons. Rosaldo Trevisan, representando o CARF (tribunal administrativo brasileiro), na presença de aproximadamente cem autoridades de tribunais fiscais ibero-americanos. Na ocasião, foi ainda destacada a publicidade e a transparência em relação aos julgamentos no CARF, e a disponibilização de base de dados com mais de meio milhão de acórdãos, sem restrições de acesso, para consulta. Maiores informações sobre o evento em: https://aitfa.org/eventos/brasil-3a-conferencia-mensual-de-la-aitfa/.

[14] O Conselho de Contribuintes, nos moldes do atual Carf, apareceu no fim do ano de 1924. Em 1925, foi criado um Conselho dedicado ao Imposto de Renda e, em seguida, foi criado outro Conselho para cuidar dos demais impostos. Em 1934, os conselhos foram reinstalados com nova denominação: o Primeiro e o Segundo Conselhos ficaram com a responsabilidade de julgar os processos referentes aos tributos internos e o Conselho Superior de Tarifa, posteriormente denominado Terceiro Conselho de Contribuintes, ficou responsável por julgar as questões aduaneiras (Martins, Ana Luísa Conselho Administrativo de Recursos Fiscais: 85 anos de imparcialidade na solução dos litígios fiscais / Ana Luísa Martins. – Rio de Janeiro : Capivara , 2010, p. 44).

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Fisco não pode revisar lançamento com base em fatos já conhecidos

O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que a retificação de dados cadastrais do imóvel após a constituição do crédito tributário autoriza a autoridade administrativa a revisar o lançamento, desde que se baseie na apreciação de fatos não conhecidos no momento do lançamento anterior (REsp 1.130.545).

Com esse entendimento, a 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve o cancelamento de novos lançamentos de IPTU sobre um imóvel pertencente a um fundo de investimento imobiliário.

Segundo a defesa, feita pelo escritório PMK Advogados, o valor anulado é de aproximadamente R$ 2 milhões.

A Secretaria Municipal de Fazenda de Cabreúva (SP) efetuou os lançamentos de IPTU, mas, depois, identificou uma diferença de metragem relativa à área total do terreno e área construída do imóvel. Por isso, revisou os lançamentos dos exercícios de 2018 e 2019.

O fundo de investimento alegou que a prefeitura já havia praticado atos de regularização da construção. Por isso, acionou a Justiça para contestar os lançamentos complementares. Em primeira instância, os novos lançamentos foram cancelados.

Após recurso da prefeitura, a desembargadora Beatriz Braga, relatora do caso no TJ-SP, constatou que o Fisco sabia da metragem da construção existente no imóvel desde 2016.

Assim, a Fazenda municipal não poderia ter aplicado o inciso VIII do artigo 149 do Código Tributário Nacional, que prevê o lançamento “quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior”.

De acordo com a magistrada, “o município evidentemente tinha conhecimento da existência da edificação no imóvel quando dos lançamentos de IPTU dos exercícios de 2018 e 2019, fato que impede a revisão de ofício com base na apreciação de fatos ‘então desconhecidos’”.

Clique aqui para ler o acórdão
Processo 1001038-18.2022.8.26.0080

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Atribuição da responsabilidade civil pelo tratamento antijurídico de dados (parte 1)

Desde a sua publicação, a Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018  Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)  suscitou numerosos debates no âmbito da responsabilidade civil. Dentre estes, o relacionado àquela que Fernando Noronha considera “a mais importante” das classificações das modalidades de responsabilidade civil, qual seja, a separação entre responsabilidade civil subjetiva e objetiva, orientada em torno do “fundamento da imputação da obrigação da indenizar” [1].

Não obstante existam inúmeras divergências, a parcela majoritária da doutrina nacional se posiciona no sentido de que se está diante de uma responsabilidade objetiva fundada no risco. Mas afinal, seria este o fator de atribuição da responsabilidade civil pelo tratamento antijurídico de dados pessoais no contexto de incidência da LGPD?

O fator de atribuição é requisito intrínseco da responsabilidade civil que “consiste (…) na razão pela qual se atribui a alguém a obrigação de indenizar, ou seja, o motivo da ligação dos danos (…) a um responsável” [2]. Trata-se de elemento intrínseco e autônomo da configuração do dever de indenizar, que se une aos demais requisitos clássicos  antijuridicidade, nexo de causalidade e dano.

Via de regra, por ser a responsabilização medida excepcional no Direito Civil, a vítima que teve sua integridade (física ou psíquica) ou patrimônio lesados deve arcar, por si só, com os prejuízos que suportou, salvo se tiver alguma justificativa juridicamente válida para atribuir a obrigação de reparar o dano a um terceiro, cujo fundamento necessariamente irá repousar sob algum dos fatores de atribuição abarcados pelo ordenamento jurídico [3]  na maior parte dos casos, a culpa ou o risco.

Segundo o primeiro, simplificadamente, o autor do dano só será obrigado a indenizá-lo se houver se comportado de forma que possa ser considerada “censurável”, em cenário no qual tenha procedido imbuído por culpa ou dolo, quando lhe fosse possível exigir conduta diversa [4].

Vale destacar que a aferição da culpa teve seus critérios modificados ao longo do tempo e, inclusive, ainda é objeto de discussões acadêmicas e práticas hodiernamente, algo que devido à densidade envolvida, não poderá ser aprofundado neste momento, cujo foco é apenas destacar algumas das consequências práticas acarretadas pelos diferentes fundamentos do dever de indenizar.

No tocante ao segundo, a lógica do dever de imputação se orienta a partir da visão da vítima e repousa preponderantemente sob o nexo de causalidade, posto que, para ele, ninguém deve ser constrangido a suportar, por si só, danos causados contra sua pessoa ou patrimônio por comportamento de terceiro, de forma que, se é verdade que a proteção de direitos é resguardada pelo ordenamento, sendo sua violação reprovável, melhor escolha é fazer recair sobre o causador do dano o encargo condenatório, ainda que tenha ele agido sem culpa, do que sobre a pessoa titular do direito lesado [5].

A mais notória e inquestionável consequência prática das premissas acima expostas é, em síntese, que a responsabilidade subjetiva tende a favorecer o causador do dano, enquanto a objetiva, em antítese, é mais favorável à vítima.

Historicamente, a ascensão do risco como fator de atribuição da responsabilidade civil esteve intimamente ligada com o advento de novas tecnologias, por isso não é se espantar que a temática do tratamento de dados pessoais em massa  cujo desafio regulatório Harari considera “a questão política mais importante” da contemporaneidade [6]  tenha sido atrelada ao risco por diversos estudiosos do Direito, no Brasil e no mundo.

Doutrina do risco

O berço da doutrina do risco como fator de atribuição da responsabilidade civil remonta à França do século 19, impulsionada por transformações decorrentes do desenvolvimento científico da época, que trouxe consigo não apenas uma nova dinâmica de relações sociais, mas também inéditas formas de causação e multiplicação de danos, as quais acarretavam no aumento da insegurança, não somente física, mas também jurídica que assolava a população, estando esta última calcada na dificuldade cada vez maior de a vítima lesada obter a indenização que perseguia judicialmente.

Ao estudar o conhecimento acadêmico produzido na Europa em Da culpa ao risco, obra publicada em 1938, Alvino Lima constatou que, diante daquele contexto histórico, a culpa entendida em sua acepção mais clássica passou por contínuas transformações conceituais, cujo resultado, ao fim e ao cabo, terminou por alargar e flexibilizar a abrangência de seu âmbito de incidência de tal forma que ficou impossível sustentar que, em alguns casos, o risco era o verdadeiro fator de atribuição [7].

O referido autor também apontava os crescentes perigos inerentes aos “inventos ainda não bem conhecidos em sua essência”, cujo uso se popularizava na sociedade em geral, como os responsáveis pela necessidade de opção pelo risco como fator de atribuição, em detrimento da culpa. Dentre tais inventos, citou “a eletricidade, o radium e os raios X”, bem como os desastres ferroviários [8].

Não é difícil fazer um paralelo entre as inquietações de Alvino Lima na primeira metade do século 20 e a conjuntura contemporânea do tratamento de dados pessoais, que impulsionou a gênese da LGPD e de outras legislações motivadas pelo mesmo contexto ao redor do mundo. Muitas são as incertezas e parco é o conhecimento dos operadores do Direito no tocante aos aspectos técnicos das tecnologias empregadas para viabilizar o tratamento de dados pessoais.

Não são raras as situações que ilustram, em boa medida, os perigos à violação de direitos dos titulares de dados pessoais surgidas a partir de dinâmicas de tratamento destes, implementadas por ferramentas sofisticadas, em constante desenvolvimento e aperfeiçoamento, mas cujo exato funcionamento e grau de segurança, em certo ponto, são ainda desconhecidos.

Algumas pesquisas empíricas, experimentais e multidisciplinares chamam atenção sobre efeitos inquietantes dessa mesma conjuntura. Nesse sentido, são exemplos estudos realizados nos Estados Unidos, cujas descobertas apontaram que algoritmos de tratamento e classificação de dados pessoais utilizados pela inteligência policial [9], no contexto de procura e oferta de vagas de emprego [10], bem como nas redes sociais e em buscadores da internet [11], acabaram por reproduzir padrões considerados racistas e discriminatórios, mesmo sem terem sido, até onde se sabe, intencionalmente desenvolvidos para tanto e, tampouco, sem que tenha sido identificada alguma “falha”, no sentido técnico do termo para engenharia computacional, em sua estruturação, desenvolvimento ou programação.

Frazão, em adendo às consternações supra, põe em evidência o poder que o uso de algoritmos, bem como toda a gama de outras tecnologias e agentes envolvidos, traduz enquanto instrumentos capazes de até mesmo “determinar os destinos das pessoas”, por meio de influências e modificações no comportamento humano, uma vez que o conhecimento vasto de “características do usuário pode ser utilizado para toda sorte de discriminações e abusos, além da manipulação de suas emoções, crenças e opiniões, para os fins mais diversos, inclusive políticos” [12].

LGPD

A LGPD trata da responsabilidade civil na Seção III, do Capítulo VI, intitulada “Da Responsabilidade e do Ressarcimento de Danos”. Nenhum dos dispositivos ali presentes contêm termos que indiquem, de maneira incontestável, que se está diante de responsabilidade objetiva. Faltam locuções clássicas, a exemplo de “independentemente de culpa”, ou “responde objetivamente”, as quais poderiam facilmente indicar que não há brechas para uma responsabilização subjetiva do agente de tratamento de dados pessoais.

O curioso é que, se faltou clareza ao texto final da LGPD, durante o trâmite o mesmo não se pode dizer do efetivo posicionamento do legislador. No parecer final que antecedeu a aprovação do PL 4.060/2012, o relator, deputado Orlando Silva, deixou bem explícita a opção pelo risco como fator de atribuição do dever de indenizar:

“A atividade de tratamento de dados pessoais constitui atividade de risco, o que atrai a incidência da responsabilidade objetiva ao agente de tratamento, ou seja, aquela segundo a qual não há necessidade de perquirir a existência de culpa para obrigar o causador do dano a repará-lo. Esta já é a regra geral do direito brasileiro para toda e qualquer atividade de risco, conforme previsto no parágrafo único do art. 927 do Código Civil, como também constitui a base da responsabilização dos fornecedores nas relações de consumo [13].”

A opção pela não exteriorização da opinião do legislador no texto efetivamente vigente abre brecha para diversos questionamentos que não podem ser ignorados: afinal, os dispositivos constantes na Seção III, do Capítulo VI, da LGPD, realmente podem ter a interpretação completada pela cláusula geral de responsabilidade civil objetiva presente no art. 927, parágrafo único, do Código Civil? O risco é mesmo “a base da responsabilização dos fornecedores nas relações de consumo”?

A análise dos questionamentos formuladas acima será aprofundada em artigo posterior, cujo objetivo será expor os pontos de divergência no âmbito da doutrina nacional, bem como fornecer possíveis explicações para a tamanha falta de unicidade do pensamento sobre o tema que impera no contexto atual.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4. ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017.

FRAZÃO, Ana. Fundamentos da proteção dos dados pessoais: Noções introdutórias para a compreensão da importância da Lei Geral de Proteção de Dados. In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. E-book (355 p.).

KÖCHLING, Alina; WEHNER, Marius Claus. Discriminated by an algorithm: a systematic review of discrimination and fairness by algorithmic decision-making in the context of HR recruitment and HR development. Business Research, v. 13, n. 3, p. 795-848, 2020.

LIMA, Alvino. Da Culpa ao Risco. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1938.

NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

O’DONELL, Renata M. Challenging racist racism predictive policing algorithms under the equal protection clause. New York University Law Review, Nova Iorque, v. 94:544, p. 544-580, jun. 2019.

[1] NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 508.

[2] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4. ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 403.

[3] NORONHA, op. cit., p. 456, 459.

[4] Ibid., p. 457.

[5] Ibid.

[6] HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. E-book (355 p.). p. 95-96

[7] LIMA, Alvino. Da Culpa ao Risco. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1938.

[8] Ibid. p. 87.

[9] O’DONELL, Renata M. Challenging racist racism predictive policing algorithms under the equal protection clause. New York University Law Review, Nova Iorque, v. 94:544, p. 544-580, jun. 2019.

[10] KÖCHLING, Alina; WEHNER, Marius Claus. Discriminated by an algorithm: a systematic review of discrimination and fairness by algorithmic decision-making in the context of HR recruitment and HR development. Business Research, v. 13, n. 3, p. 795-848, 2020.

[11] CHANDLER, Aupam. The racist algorithm? Michigan Law Review. v. 115. n. 6. p. 1023-1045, 2017.

[12] FRAZÃO, Ana. Fundamentos da proteção dos dados pessoais: Noções introdutórias para a compreensão da importância da Lei Geral de Proteção de Dados. In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 23-52. p. 37.

[13] Parecer final ao PL 4.060/2012, p. 40-41. Disponível em: [https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1663305&filename=PRL+1+PL406012+%3D%3E+PL+4060/2012]. Acesso em: 22 mar. 2024.

Fonte: Conjur

STF tem maioria por extinção de pena de multa por presunção de falta de condições

O descumprimento da pena de multa impede a extinção da punibilidade do condenado, exceto se for comprovada a impossibilidade do pagamento — ainda que parcelado. O juiz da execução penal pode extinguir a punibilidade caso os elementos dos autos lhe permitam presumir que o condenado não tem condições de pagar a multa.

Partido alega que tribunais condicionam extinção da punibilidade ao pagamento da multa aplicada junto à pena de prisão – Freepik

Esta tese obteve maioria de votos no Plenário do Supremo Tribunal Federal nesta sexta-feira (22/3). A sessão virtual se encerrará oficialmente às 23h59.

O julgamento buscava definir se é possível extinguir a punibilidade de um condenado mesmo sem o pagamento da multa estipulada pela Justiça.

Contexto

A extinção da punibilidade marca o momento em que o Estado não pode mais continuar punindo a pessoa que cometeu um crime. Ela ocorre, entre outras hipóteses, com a declaração do juiz da execução penal de que a pena foi cumprida na íntegra.

Segundo o partido Solidariedade, é inconstitucional a interpretação, feita pelos tribunais brasileiros, que condiciona a extinção da punibilidade ao cumprimento da pena de multa quando tal sanção é acumulada com uma pena de prisão.

Na ação direta de inconstitucionalidade, a sigla pedia que o STF reconhecesse a possibilidade de extinção sem pagamento da multa.

A legenda argumentou que a interpretação dos tribunais viola os princípios da legalidade, da individualização da pena e da proibição da pena perpétua.

Para a agremiação, o condenado não pode cumprir pena por mais tempo do que determinado pela sentença e as penas de multa e de prisão são completamente distintas e independentes.

A ADI se refere ao artigo 51 do Código Penal, cuja redação atual foi dada pela lei “anticrime”. O dispositivo prevê que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a multa deve ser executada perante o juiz da execução penal e considerada dívida de valor.

Teses

No início do julgamento, na última sexta-feira (15/3), o ministro Flávio Dino, relator do caso, votou contra a extinção da punibilidade de quem não paga a multa, mas abriu a exceção a quem comprovar que não tem recursos para pagá-la.

Já na última segunda-feira (18/3), o ministro Cristiano Zanin apresentou seu voto, no qual concordou com Dino, mas acrescentou um ponto em sua tese. Na quarta-feira (20/3), o relator incorporou o acréscimo ao seu voto.

Eles entenderam que o juiz pode extinguir a punibilidade se for possível presumir que os recursos do condenado não são suficientes para pagar a multa.

Voto do relator

Dino explicou que a lei “anticrime” apenas esclareceu que o juiz da execução penal tem competência para executar a pena de multa, sem alterar seu “caráter de sanção criminal”.

Ele lembrou que o Supremo já analisou outra ADI relativa à redação anterior do artigo 51 — que já considerava a multa como dívida de valor, sem convertê-la em pena de detenção caso o condenado deixasse de pagá-la.

Em 2018, antes mesmo da lei “anticrime”, a Corte decidiu que a multa não perde seu caráter penal e pode ser cobrada pelo Ministério Público.

A jurisprudência do STF passou a confirmar essa premissa e a afastar a ideia de que não seria possível condicionar a extinção da punibilidade ao pagamento da multa, já que não há regra constitucional que viabilize tal tese.

Isso fez o Superior Tribunal de Justiça proibir, em 2020, a extinção da punibilidade sem o pagamento da pena de multa.

No ano seguinte, o STJ permitiu uma exceção à sua tese, para os casos em que for comprovada a impossibilidade de pagamento da multa.

Com base nisso e no “princípio da proporcionalidade da resposta penal”, Dino considerou necessário estabelecer que “a impossibilidade de pagamento da pena de multa deve ser sopesada pelo Juízo da execução”. Caso seja comprovada, o ministro entendeu que deve ser “afastado o óbice à extinção da pena privativa de liberdade”.

Além de Zanin (após o ajuste do voto inicial), o relator foi acompanhado, até o momento, por Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Luiz Edson Fachin.

Presunção de pobreza

Zanin explicou que a multa, “apesar do seu caráter penal”, tem um regime próprio, pois nunca pode ser convertida em pena de prisão.

Por outro lado, o magistrado ressaltou que a multa deve ser cobrada de quem tem condições de pagá-la. “Impedir a extinção da punibilidade e a reabilitação do apenado hipossuficiente perante a sociedade é contraproducente e incompatível com a dignidade humana”, pontuou.

Assim como Dino, Zanin se juntou à jurisprudência mais recente do STJ. “Tal solução, entendo, é mais consentânea com o objetivo da ressocialização e com a realidade da população carcerária brasileira e, ainda, com a dignidade da pessoa humana”, disse. “Também parece estar mais alinhada com a busca da eficiência do serviço judiciário”.

“O pagamento da pena de multa não pode ser exigida de pessoas em estado de pobreza, sob pena de criar uma injustificável desigualdade em relação aos apenados com condições de adimplemento”, completou.

Ele mencionou que os condenados geralmente são pessoas de baixa renda e citou dados: 44,61% dos homens encarcerados e 19,84% das mulheres na mesma situação trabalham na prisão sem receber qualquer remuneração. Entre os remunerados, 47,3% recebem até um salário mínimo.

Outro ponto destacado foi a baixa taxa de satisfação da pena de multa, devido ao perfil mais pobre da população carcerária do país.

O ministro recordou que uma resolução de 2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determina a extinção da punibilidade de pessoas em situação de rua imediatamente após o cumprimento da pena de prisão, mesmo sem o pagamento da multa.

Nesses casos, há uma presunção: “Não há como exigir prova a respeito da hipossuficiência, inclusive porque, na prática, o apenado muitas vezes sequer consegue ser localizado por seu defensor”.

Por isso, Zanin considerou importante autorizar que o juiz da execução presuma a insuficiência dos recursos do condenado, “diante das informações presentes nos autos que reflitam essa realidade”. Isso permitiria o arquivamento de execuções e evitaria “trabalho ineficiente do Poder Judiciário”.

Marginalização

Em série de reportagens recentes, a revista eletrônica Consultor Jurídico mostrou como as penas de multa contrastam com a miséria dos presos brasileiros e contribuem para a marginalização das pessoas que deixam a cadeia.

Segundo informações do Departamento Estadual de Execução Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), entre fevereiro de 2020 e abril de 2022, há a indicação de pagamento da pena de multa em apenas 10% das execuções.

Nos outros 90% — ou seja, 240,2 mil execuções —, o valor seguia pendente, impedindo a extinção da punibilidade dos presos que já cumpriram sua pena corporal.

Sem a extinção da punibilidade, o egresso do sistema prisional não consegue a reabilitação, que é o que assegura o sigilo dos registros sobre seu processo e sua condenação.

Sem o sigilo, a pessoa não consegue a certidão negativa de antecedentes criminais, sem a qual a busca por emprego formal fica muito prejudicada.

Além disso, sem a extinção, também não começa o chamado período depurador — prazo de cinco anos em que o condenado será considerado reincidente. Após esse tempo, ele volta a ser primário, embora ostente maus antecedentes.

Também permanece a suspensão dos direitos políticos. Assim, o ex-preso não consegue regularizar o título de eleitor. Logo, não pode votar, matricular-se em instituição de ensino público ou exercer cargos públicos concursados.

A regra geral no Código Penal é de que a pena de multa deve ser de, no mínimo, dez dias-multa e, no máximo, 360 dias-multa. Novamente, a escolha é do magistrado.

Atualmente, com o salário mínimo em R$ 1.412, o dia-multa em seu valor mínimo é de R$ 47,06. Isso significa que a pena varia entre R$ 470,66 (dez dias-multa) e R$ 16,9 mil (360 dias-multa).

Há casos em que o rigor da lei é maior, com a imposição de um valor mínimo específico para a pena de multa. No crime de tráfico de drogas, por exemplo, ela é de 500 dias-multa. Para os condenados em 2024, isso equivale a R$ 23,5 mil.

Levantamento feito a partir das intimações de agravo em execução das execuções de pena de multa destinadas à Defensoria Pública paulista em novembro de 2023 mostra que apenas 11% dos assistidos tinham renda mensal de mais de R$ 2,5 mil quando foram presos. Os mesmos dados mostram que 36% deles recebiam menos de R$ 1,2 mil.

Clique aqui para ler o voto de Dino
Clique aqui para ler o voto de Zanin

ADI 7.032

Fonte: Conjur

Exames médicos admissional e demissional como medidas preventivas

Estabelecem o artigo 168 e §§ 1º e 4º da CLT que “Será obrigatório o exame médico do empregado, por conta do empregador.

§ – Por ocasião da admissão, o exame médico obrigatório compreenderá investigação clínica e, nas localidades em que houver, abreugrafia (grifados).

§ – O mesmo exame médico de que trata o § 1º será obrigatório por ocasião da cessação do contrato de trabalho, nas atividades, a serem discriminadas pelo Ministério do Trabalho, desde que o último exame tenha sido realizado há mais de 90 (noventa) dias” (grifados).

Como se vê, a lei manda o empregador fazer exames médicos por ocasião da admissão e na cessação do contrato de trabalho.

Esses exames têm o objetivo de avaliar as condições de saúde do trabalhador antes e depois do período contratual, os quais são importantes e essenciais para assegurar às empresas o estado de saúde física e mental dos seus empregados, no início e na finalização do contrato de trabalho.

Os exames médicos admissionais e demissionais são importantes para as empresas, também para não serem responsabilizadas por problemas que o empregado já tinha antes da contratação, salvo se a atividade a ser desenvolvida contribuir para o agravamento do problema de saúde do trabalhador.

Para o empregado, esses exames são igualmente importantes para demonstrar as condições de saúde de quando foi contratado como, também, no momento da dispensa da empresa. Há situações em que o trabalhador é admitido em perfeito estado de saúde física e mental, trabalha alguns anos e passa a padecer de problemas de saúde. Dependendo da atividade desenvolvida, pode ser apurado o nexo da doença com o trabalho, ou não.

Se, ao final do contrato de trabalho, o exame demissional apontar que o empregado adquiriu problemas de saúde durante o respectivo período, motivados pelas atividades de trabalho, ele terá direito a receber indenização e, conforme o caso, de ser reintegrado no emprego, se for detentor de alguma estabilidade, inclusive a acidentária prevista no artigo 118 da Lei n. 8.213/91 ou em normas coletivas de trabalho.

De qualquer forma, apresenta-se de grande importância e necessidade o exame médico demissional, que deve ser feito por médico do trabalho, que ateste verdadeiramente se o trabalhador tem alguma doença e se está apto ou não para o trabalho. Se preciso, o médico deve pedir exames complementares, porque sua responsabilidade é grande ao atestar as condições de saúde e de (in)capacidade laboral do trabalhador.

Se no exame médico demissional for constatada incapacidade para o trabalho, a dispensa do trabalhador não poderá acontecer e, se já tiver sido feita, deve ser cancelada e a empresa deverá encaminhar o trabalhador para a Previdência Social, que avaliará a situação e concederá, ou não, afastamento por algum período e o pagamento de auxílio-doença.

Incapacidade para o trabalho ao tempo da dispensa

Muito acontece na prática de o exame médico demissional do médico da empresa não atestar nenhuma incapacidade laboral do trabalhador e esta, com base nesse atestado, demitir o trabalhador. Este, por sua vez, obtém atestado de outros profissionais médicos ou psicólogos, dizendo que o trabalhador está incapacitado para o trabalho e deve ser encaminhado para tratamento médico e ou psicológico na Previdência Social.

Se tal ocorrer dentro do perídio de aviso prévio, que é contado para todos os efeitos legais (artigo 487, § 1º – “A falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço”), a empresa deve cancelar a dispensa e encaminhar o trabalhador para o INSS, porque a dispensa passa a ser nula de pleno direito, nos termos do artigo 9º da CLT (“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”).

Nesse sentido corrobora a decisão seguinte:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO DAS RECLAMADAS – RECURSO DE REVISTA – INCAPACIDADE LABORATIVA AO TEMPO DA DISPENSA – ESTABILIDADE PROVISÓRIA – REINTEGRAÇÃO.1. A Corte regional, soberana no exame dos fatos e provas, concluiu que ao tempo da dispensa, a reclamante apresentava incapacidade para o trabalho, conforme atestado médico, registrando, ainda, ser incontroversa a ciência da reclamada do estado de saúde da autora. 2. Do quadro delineado no acórdão recorrido, correto o acórdão regional que manteve a sentença que reconheceu a nulidade da dispensa, com a consequente reintegração da autora ao trabalho e consectários legais. Incidência do óbice previsto na Súmula nº 126 do TST. … “ (AIRR-1000539-79.2020.5.02.0029, 2ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, DEJT 04/03/2024 – grifados).

Observa-se da decisão acima que a Justiça do Trabalho declarou nula a dispensa da trabalhadora que, ao tempo da dispensa, apresentava incapacidade para o trabalho, conforme atestado médico apresentado à empresa, cabendo salientar que esse tipo de reintegração não decorre de estabilidade no emprego, mas da simples nulidade da dispensa, porque, ao seu tempo, a trabalhadora estava incapacidade para o trabalho, cujo contrato, nos primeiros 15 dias de afastamento ficaria interrompido e, a partir do 16º dia, se afastada pelo INSS, ficaria suspenso, até a alta médica.

Em casos tais, somente quando o trabalhador tiver alta médica a empresa poderá proceder à sua dispensa, caso não haja qualquer outro impedimento legal.

Conclusão

Portanto, é fácil ver que, para o trabalhador, o exame demissional o protege de ser dispensado, caso seja diagnosticado com alguma doença relacionada ao trabalho ou se estiver inapto para o trabalho. Assim, se o exame médico atestar a existência de alguma doença incapacitante que requeira tratamento médico, a empresa não poderá dispensar o trabalhador, até que ele se recupere, pena de ser compelida pela Justiça do Trabalho a reintegrá-lo no emprego e a lhe pagar todos os direitos e verbas trabalhistas devidas no período de afastamento, o que poderá ficar muito oneroso. Portanto, o melhor remédio para o caso é a prevenção.

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Modulações dos efeitos de teses tributárias do STJ ligam alerta para contribuintes

A recente tendência da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça de modular os efeitos das teses tributárias que vem fixando, todas com posições favoráveis ao Fisco, deixou alarmados os advogados tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

 
Rafael Luz/STJ – 1ª Seção do STJ adotou três critérios para modular teses tributárias

Modular os efeitos de uma decisão significa restringir sua eficácia temporal. Ou seja, ela passa a ter efeito a partir de uma determinada data, de forma prospectiva — dali para frente —, de acordo com as especificidades de cada caso.

A modulação é muito usada pelo Supremo Tribunal Federal, mas só passou a ser adotada pelo STJ nas causas tributárias em dezembro de 2023. De lá para cá, três modulações foram feitas, cada uma com um critério distinto.

 

Critério 1

No caso em que o colegiado decidiu que o ICMS por Substituição Tributária (ICMS-ST) não compõe a base de cálculo de PIS e Cofins, o critério escolhido foi a data de publicação da ata do julgamento no veículo oficial de imprensa, o que ocorreu em 14 de dezembro do ano passado.

Isso significa que o ICMS-ST só pode ser excluído da base de cálculo de PIS e Cofins a partir dessa data, exceto nos casos em que o contribuinte já havia feito esse pedido administrativa ou judicialmente.

A lógica é a mesma usada pelo STF no caso da “tese do século”, em que a Corte Suprema definiu que o ICMS não compõe a base de cálculo de PIS e Cofins. O tema ICMS-ST, inclusive, é uma das teses-filhote daquele caso.

 

Critério 2

Ao modular os efeitos da decisão de que as taxas de transmissão e distribuição de energia elétrica (Tusd e Tust) compõem a base de cálculo do ICMS, a 1ª Seção adotou o critério da data da decisão que fixou essa jurisprudência pela primeira vez.

Isso ocorreu quando a 1ª Turma do STJ julgou o REsp 1.163.020, decidindo em 27 de março de 2017 que Tusd e Tust deveriam compor a base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica.

Quem obteve decisões até essa data para autorizar o recolhimento do ICMS sem essas taxas na base de cálculo pode continuar com esse privilégio até o dia de publicação do acórdão da 1ª Seção, o que ainda não ocorreu.

 

Ministra Regina Helena Costa defendeu modulação no caso das contribuições parafiscais ao Sistema S – Emerson Leal/STJ

 

Critério 3

O terceiro critério foi usado quando a 1ª Seção mudou de posição para considerar que o limite de 20 salários mínimos para o cálculo das contribuições parafiscais voltadas ao custeio do Sistema S deixou de existir com a edição do Decreto-Lei 2.318/1986.

O critério temporal usado nesse caso foi a data em que o colegiado começou a decidir a tese.

Isso significa que a tese não vale para as empresas que ingressaram com ação judicial e/ou protocolaram pedido administrativo até 25 de outubro de 2023, desde que tenham obtido decisão judicial ou administrativa favorável.

Essas empresas poderão continuar recolhendo as contribuições parafiscais calculadas sobre o limite de 20 salários mínimos, mas apenas até a publicação do acórdão, o que ainda não aconteceu.

Esse caso gera uma linha de corte mais ampla porque, quando o STJ afetou o tema ao rito dos repetitivos, em dezembro de 2020, determinou a suspensão nacional de todos os processos sobre o tema. Ou seja, judicialmente, ninguém obteve decisão favorável desde então.

 

Insegurança jurídica

Os advogados ouvidos pela ConJur apontam duas consequências para essa nova tendência do STJ. A primeira é a insegurança jurídica, a prejudicar o planejamento do contribuinte e derrubar qualquer previsibilidade das posições do Judiciário.

O caso das contribuições parafiscais ao Sistema S é o melhor exemplo disso. Contribuintes que tenham ingressado com ação judicial no mesmo dia podem ou não estar protegidos pela modulação, a depender da postura do juiz ou da vara onde fizeram o pedido.

“Adota-se como critério um ato que não está sob controle do contribuinte, o que, sem dúvida, cria uma situação de desigualdade entre empresas que obtiveram decisão e as que não foram contempladas. Isso aprofunda a insegurança jurídica que tem marcado a área tributária”, diz Maria Andréia dos Santos, sócia do escritório Machado Associados.

“São contribuintes que ajuizaram suas ações antes do início do julgamento, foram cautelosos, buscaram o Judiciário, assim como todas as empresas vinham fazendo, confiantes na jurisprudência do STJ que somou mais de 30 decisões favoráveis a essa tese, e agora não veem o seu direito assegurado por conta de uma modulação que, com todo o respeito ao tribunal, não assegura um tratamento isonômico”, diz Bruno Teixeira, do TozziniFreire Advogados.

Julia Ferreira Cossi Barbosa, do Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados, chama a atenção para as consequências desse tipo de modulação, considerando o tamanho do Brasil e a quantidade de varas, com decisões totalmente diferentes sobre o mesmo assunto.

“Assim, fica evidente a falta de segurança jurídica e até de isonomia quando apenas parte dos contribuintes, que estão na mesma situação, poderá se beneficiar de uma decisão que é de extrema importância financeira.”

Na opinião da advogada Lesliê Mourad, do Schuch Advogados, o STJ tem feito a modulação de forma casuística. Ela defende a indicação de critério firme, válido para qualquer tese fixada, passível de ajuste apenas em função de uma ou outra particularidade do caso.

“Ao assim não proceder, o tribunal dá margem a surpresas e imprevisibilidades, inclusive em relação à modulação de outras teses ainda em discussão. Tudo isso dificulta o planejamento dos contribuintes e deteriora o ambiente de negócios, especialmente para investimentos de longo prazo.”

Cinthia Benvenuto, da banca Innocenti Advogados, chama a atenção para o fator de incompletude da modulação, mas ela ressalta que não modular seria muito pior. No caso das contribuições ao Sistema S, a jurisprudência era 100% favorável ao contribuinte até então.

“Mais importante é que, apesar de a modulação não ter contemplado todas as empresas que ajuizaram ações judiciais, o que fere a livre concorrência, ao menos se preocupou com aquelas que estavam deixando de recolher suas contribuições com base em alguma decisão judicial.”

 

Incentivo ao litígio

A segunda consequência da nova tendência da 1ª Seção do STJ é a necessidade de, o quanto antes e sempre que possível, litigar em causas tributárias.

Fernando Munhoz, do escritório Machado Meyer Advogados., aponta que, uma vez que o STJ também passou a adotar a modulação de efeitos com mais frequência, “há um estímulo para o aumento do número de ações ajuizadas, visto que somente aqueles que possuem discussão em curso estariam protegidos”.

Lesliê Mourad explica que esse fenômeno não é novo, mas certamente é agravado pela inconsistência demonstrada pelo STJ na modulação de suas decisões. Ela recomenda que o contribuinte adote antecipação assim que identificada a oportunidade de discussão judicial.

“A postura do STJ tem servido para estimular a profusão de ações e a sobrecarga do Judiciário, aprofundando cenário cada vez mais não isonômico entre os contribuintes. Estes, contudo, devem se resguardar, e a estratégia mais conservadora, infelizmente, continua sendo a de ajuizamento precoce de ações e pedidos administrativos, previamente a quaisquer pronunciamos dos tribunais.”

Na visão de Julia Barbosa, essa falta de padrão do STJ deve fazer até com que aumentem os pedidos de liminar, algo que não é muito utilizado nas lides tributárias.

“É interessante o contribuinte adotar uma postura mais conservadora de ingressar com as discussões assim que elas iniciam no Judiciário, e não mais aguardar um pronunciamento final do STJ ou STF.”

REsp 1.898.532
REsp 1.905.870
REsp 1.896.678
REsp 1.958.265
EREsp 1.163.020
REsp 1.692.023
REsp 1.699.851
REsp 1.734.902
REsp 1.734.946

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O universo fintech: pagamentos eletrônicos e bancos digitais

No texto a seguir, exploro alguns conceitos e tendências importantes para a compreensão do universo fintech no Brasil, considerando a evolução dos meios eletrônicos de pagamentos e a ascensão dos bancos digitais. Em textos posteriores, explorarei a questão do teto do rotativo de cartões e o debate entre as associações do setor, assim como o open finance e as fintechs de crédito e o fenômeno das finanças embutidas (embedded finance).

‘Clique para pagar’

O ato de pagar é o momento central da conclusão de uma venda e a oferta de opções diversificadas de pagamentos para atender às preferências de diferentes clientes aumenta a chance de fechar negócios, com uma jornada mais rápida e a incorporação de funcionalidades como descontos e recompensas por fidelidade.

Segundo o Sebrae, o comércio digital já responde por mais de 40% do faturamento de microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte.

A digitalização dos pagamentos é um fenômeno global e o Brasil serve de exemplo, dada a sua capacidade de implementar sistemas robustos como o Pix, a despeito de sua amplitude geográfica e diversidade de culturas e contextos.

O Pix encerrou o ano de 2023 como o meio de pagamento mais popular do Brasil, com quase 42 bilhões de transações (crescimento de 75% comparado a 2022), e de acordo com a Febraban, superando as transações de cartão de crédito, débito, boleto, TED, cheques, DOC, e TEC. Com respeito a valores das transações, o Pix registrou R$ 17,2 trilhões, perdendo o primeiro lugar para a TED, que somou R$ 40,6 trilhões em 2023.

Com o Pix, uma empresa pode gerar QR codes instantâneos para receber pagamentos, eliminando a necessidade de lidar com máquinas de cartão ou transferências bancárias pouco amigáveis. Ainda, pode haver a integração a sistemas de gestão financeira e de vendas, automatizando de processos de cobrança e reconciliação de pagamentos.

O Pix canibalizou alguns produtos, mas colaborou para a bancarização e abriu portas para a oferta de outros serviços tarifados.

Outras comodidades em termos de pagamentos eletrônicos envolvem, por exemplo, o link de pagamento pode ser gerado e enviado ao cliente por e-mail, mensagem de texto ou redes sociais e a cobrança por aproximação usando o celular, sem precisar de maquininha.

Com relação aos boletos, desde 15 de março, se o pagamento ocorrer até às 16h30, o credor poderá receber no mesmo dia, a depender do seu contrato com a instituição financeira.

Redução na receita de tarifas de bancos tradicionais

Segundo estudo recente divulgado pelo Ranking idwall de Experiência Digital, em parceria como Banco Central, o país alcançou 1,2 bilhão de contas bancárias ativas em 2023. Os bancos digitais responderam por 62% das contas abertas no ano e 27,6% dos usuários são exclusivamente ligados a esses novos participantes do setor.

Os grandes bancos têm sofrido com a queda nas receitas de conta corrente — uma perda de 15% entre 2019 e 2023, segundo levantamento feito pelo Valor Econômico. Apesar do aumento de 27,2% na base de clientes dessas instituições (410,7 milhões ao fim de 2023), segundo o Valor, “os cinco maiores bancos tradicionais do país — Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa e Santander — tiveram receita de R$ 28,343 bilhões em 2023 apenas com tarifas de ‘serviços de conta corrente’, como ‘pacotes de serviços’, TEDs e outras cobranças do tipo”, um decréscimo nominal de R$ 5 bilhões desde 2019 e uma perda de 19,7% para 15,5% no período na participação das tarifas da receita total desses bancos.

Além do Pix e de uma maior transparência na cobrança e uma maior conscientização dos clientes sobre o que pagam, o aumento da competição na oferta de serviços financeiros é um fator importante na redução das tarifas cobradas.

Nesse contexto, as instituições financeiras têm perseguido uma fórmula de atender clientes de baixa renda de maneira rentável. A solução passa pela oferta de serviços inovadores, de um lado, e pela revisão da estrutura de gastos, de outro.

Uma alternativa é a oferta de novos serviços. A Caixa, por exemplo, passou a oferecer em sua rede de agências produtos e serviços de cartões pré-pagos para clientes pessoa jurídica. O pacote inclui soluções para gestão de vale-transporte de funcionários, abastecimento de frotas de veículos em postos credenciados e pagamento automático em estacionamentos e pedágios.

Guerra das maquininhas

O mercado de maquininhas conta com dois grupos relevantes: de um lado, estarão as empresas controladas por bancos, com capital fechado e, de outro, as adquirentes independentes.

A Rede, que pertence ao Itaú Unibanco, assumiu a liderança do segmento em 2023, após a integração com o banco viabilizar a fidelização de pequenas e médias empresas. Se a Cielo (do Bradesco e Banco do Brasil) fechar seu capital, as três maiores forças do setor, grupo que inclui a Getnet (do Santander), serão companhias fechadas.

A expectativa dos do Bradesco e do Banco do Brasil acerca da deslistagem da Cielo é ter mais flexibilidade para praticar ofertas agressivas, tornando-as uma porta de entrada para fidelizar lojistas por meio de outros produtos, como a gestão de folhas de pagamento e crédito.

Para os bancos que controlam essas empresas, o processamento de pagamentos (adquirência) deixou de ser um negócio em si mesmo para se tornar uma porta de entrada, primeiro para o crédito e depois para outros produtos, como gestão de caixa e seguros.

Rede, Cielo e GetNet têm à disposição os produtos e serviços dos controladores, mas para acessá-los, têm de se integrar a eles. Os sistemas dos grandes bancos foram construídos para operar de forma independente das credenciadoras, e vice-versa. O mesmo acontece com as equipes comerciais.

Por sua vez, os nano e microempreendedores foram trazidos para o mercado de maquininhas pela PagBank, que na década passada, sob o nome de PagSeguro, passou a oferecer maquininhas menores, sem aluguel e com preços mais baratos, o que abriu espaço para que esses comerciantes passassem a receber pagamentos com cartões.

A guerra das maquininhas também afeta as bandeiras. Em meio ao aumento da concorrência, inclusive com métodos de pagamento como o Pix, a Mastercard vem diversificando seus negócios para além do mundo de cartões. A companhia prevê que, em 2025, metade de sua receita líquida no Brasil será oriunda de serviços adicionais, o que inclui soluções de dados e analytics, antifraude, consultoria, entre outras.

Bancos versus fintechs

As instituições incumbentes alegam que existe uma assimetria regulatória que favorece os bancos digitais e que as fintechs adotam uma estratégia de conta e cartão sem tarifas, mas compensam isso cobrando juros mais altos no crédito. Ainda, enfrentam um desafio relevante no varejo massificado. Como muitos bancos oferecem isenção de tarifas para clientes que movimentam muito a conta ou têm investimentos na casa, os usuários de baixa renda acabam pagando relativamente mais.

Por isso, há investimentos em tecnologia e em novos modelos de negócios com correspondentes bancários para reduzir custos e aprimorar o relacionamento com clientes, uma vez que os bancos digitais não migrarão para agências físicas.

Além dos serviços tradicionais de uma conta corporativa, os bancos digitais estão oferecendo soluções de gestão financeira, automação de fluxo de pagamentos dentro de cadeias e ecossistemas e configuração e rastreamento do Pix.

Ainda, as fintechs seguem atacando nichos específicos ou agregando serviços complementares. Vejamos alguns exemplos.

A Stone divulgou sua estratégia de engajar clientes para que tomem capital de giro com a gente para reformar lojas, comprar estoques, além de soluções de folha para pagamento de funcionários. A empresa espera aumentar a venda de produtos financeiros e de software para os clientes das maquininhas.

A Trampay, fundada em 2020, oferece conta digital e produtos financeiros — especialmente antecipação de recebíveis — para os profissionais informais, especialmente motoboys e entregadores de plataformas de delivery. Uma parte significativa desse contingente de trabalhadores lida com o desafio da gestão financeira de despesas básicas ou inesperadas, tais como abastecer o tanque da moto, trocar um celular ou carregador e se alimentar.

O Banco Pan lançou uma nova modalidade de empréstimo com garantia. Em vez do “car equity”, que tem o carro como garantia e já é mais conhecido, agora a instituição estreia o “moto equity”. A novidade permite a obtenção de crédito com taxas a partir de 1,27% ao mês e prazo de pagamento de até 60 meses. As quantias chegam a 100% do valor de motocicletas com até 15 anos.

O Mercado Pago anunciou que passará a oferecer conta com rendimento de 105% para usuários que depositem ou recebam ao menos R$ 1.000 por mês na instituição.

Outra tendência é os bancos digitais de clubes de futebol, um dos maiores é o Nação BRB, parceria entre o banco estatal do Distrito Federal e o Flamengo, em uma joint-venture. O BMG tem acordos com Corinthians, Atlético Mineiro, Vasco e Ceará. O Palmeiras lançou no ano passado o Palmeiras Pay, plataforma criada em parceria com Pefisa (fintech ebraço financeiro do grupo Pernambucanas), Elo e Allianz Seguros. Em outubro do ano passado, o banco Inter fechou um acordo com o Fortaleza Esporte Clube e se tornou o banco oficial do time.

O aumento da competição pode beneficiar os consumidores de serviços financeiros, porém é preciso atenção para evitar que a multiplicidade de contas e produtos contratados acabe prejudicando a visibilidade dos custos e benefícios.

Apesar de tudo, ainda resta uma pergunta inconveniente: quando a inovação resultará em uma efetiva redução do custo do crédito para indivíduos e empresas?

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A importância do processo legislativo tributário

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/23, fruto do trâmite da PEC nº 45/19, apresenta-se como fato disruptivo da realidade do sistema tributário brasileiro.

A aprovação da reforma tributária sobre o consumo decorreu do consenso sobre a necessidade de alteração de um sistema que, após a promulgação da Constituição de 1988, tornou-se regressivo, excessivamente complexo e litigioso, com grave déficit de racionalidade legislativa e dissociado do projeto constitucional.

Esse consenso já existia havia décadas, mas tentativas anteriores de reforma não prosperaram pela dificuldade de atender e compatibilizar os diversos interesses envolvidos na questão.

Nos últimos dois anos, surgiu uma janela de oportunidade, com a unicidade da visão dos estados sobre a necessidade da alteração da tributação do consumo para o destino e o amadurecimento na sociedade e nos meios empresariais da visão de que a litigiosidade/complexidade tributária se tornou insustentável, o que viabilizou a aprovação da reforma tributária.

Promulgada a emenda, cabe agora ao Congresso elaborar, discutir e aprovar as diversas leis complementares que darão o desenho efetivo da reforma tributária.

O trâmite da proposta de reforma tributária gerou um extraordinário interesse e participação dos mais diversos setores da sociedade.

O debate a respeito se deu nas mais variadas esferas, como nas inúmeras audiências públicas no Congresso, em que foram ouvidos especialistas em tributação e finanças, além de representantes da sociedade organizada.

Houve também intensa participação de parlamentares em eventos externos, reuniões em associações empresariais e presença na mídia.

Na fase final de tramitação, principalmente na Câmara dos Deputados, a movimentação dos grupos de interesse e a negociação política foram intensas, tendo provocado modificações no texto-base, inclusive no próprio dia da votação da PEC.

As alterações de última hora, validadas em acordos políticos para viabilizar a aprovação do projeto, foram objeto de críticas de parlamentares e de especialistas, por não terem sido objeto de análise prévia.

Todo esse contexto trouxe para os holofotes a importância do processo legislativo tributário, como prática e, também, como objeto de estudo.

Ciência da legislação

Entretanto, não é algo usual que a doutrina tributária brasileira conjugue os seus estudos com os instrumentos da ciência da legislação ou legística, visando a compreender como se dá a dinâmica de processamento das proposições tributárias no âmbito do Congresso e como isso foi determinante para o descasamento do sistema tributário nacional concreto e o desenho do sistema constitucional tributário. E, ainda, como o processo legislativo contribuiu para o déficit de racionalidade do nosso sistema tributário.

Tradicionalmente, a maioria dos estudos jurídicos tem como partida a lei, como realidade já dada, não considerando como relevante o processo legislativo do qual derivou a sua introdução no ordenamento jurídico.

É um fato louvável o paulatino surgimento de uma doutrina brasileira voltada à ciência da legislação, considerada como o estudo do processo legislativo de criação de normas jurídicas, em suas diversas facetas (jurídica, política e social, principalmente).

E apesar do predomínio dos estudos sobre a regulamentação formal do processo legislativo, trabalhos mais recentes têm incorporado mais temas relativos à qualidade legislativa e a avaliação do seu impacto.

O conhecimento de como se dá o processo legislativo tributário é imprescindível para avaliar criticamente a realidade do sistema tributário e quais os mecanismos políticos que determinam o seu desenho e evolução, e como é possível se trabalhar para o seu aprimoramento.

No âmbito do processo legislativo federal, a sua dinâmica foi e é marcada pelo presidencialismo de coalizão, caracterizado pelo grande poder de agenda do Poder Executivo, a necessidade de construção de maiorias no Congresso via coalizões partidárias e a concentração de poderes políticos e regimentais nas lideranças partidárias e nas mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado [1].

A matéria tributária, deve-se reconhecer, sempre esteve vinculada ao difícil equilíbrio político dos interesses dos principais grupos envolvidos no contexto do presidencialismo de coalizão.

O Poder Executivo, vinculado ao interesse de implementar o seu programa de governo e de conseguir o patamar de arrecadação considerado necessário para a sua viabilização; os congressistas, notadamente dos partidos da coalização governista, priorizam avaliar os efeitos políticos das propostas tributárias, principalmente em face do objetivo principal de ganhos visando à reeleição; os grupos de interesses organizados, por sua vez, possuem grande capacidade de influência no Congresso, inclusive através das frentes parlamentares que têm capacidade de barrar o avanço, ou conseguir modificações de propostas que entendam contrárias aos seus interesses.

Outro fator relevante é a inegável complexidade da matéria tributária. Isso dificulta a análise das proposições pelos parlamentares, decorrente do déficit informacional e capacidade de avaliação de dados econômicos, estatísticos, orçamentários, entre outros.

Esse quadro contribui para que em várias situações o Congresso tenha uma função homologatória de medidas gestadas pela tecnoburocracia tributária federal. O que, entretanto, não pode ser considerada uma regra absoluta, principalmente no que se refere a medidas mais polêmicas ou que contrariem interesses econômicos, políticos ou setoriais com maior poder de influência no Legislativo federal.

Benefícios fiscais

No Congresso, prepondera a avaliação com base na escolha racional, implicando que a produção legislativa tributária federal seja muito vinculada à concessão de benefícios tributários, regimes especiais tributários e programas de anistiais fiscais. Depois de instituído esse tipo de benesses, é difícil e tem custo político muito alto a sua revogação ou alteração.

Essa percepção, que já era deduzível pelo acompanhamento da produção legislativa tributária do Congresso pós promulgação da Constituição, tem sido confirmada por recentes estudos empíricos [2].

Pode-se afirmar que a aprovação de benefícios fiscais é a pauta legislativa tributária considerada pela maioria dos legisladores brasileiros como a que traz mais ganhos políticos, eleitorais e junto aos mais fortes grupos de interesse que atuam no Congresso.

Nesse aspecto, a Emenda Constitucional nº 132/23 deverá marcar uma mudança significativa na forma de operação política e administrativa da matéria tributária, ao dispor que o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) não será objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses expressamente previstas no texto constitucional.

Essa alteração no estado de coisas tem potencial de gerar um sistema tributário mais estável, equilibrado e previsível. A estabilidade e simplificação da dinâmica tributária, no que se refere ao consumo, deverá trazer ganhos de segurança jurídica, incentivando o investimento produtivo. Contudo, exigirá maturidade de todos os operadores, principalmente os legisladores, para entender a nova realidade. O modo de fazer política se alterará significativamente.

Em termos de qualidade democrática, existem reconhecidos problemas no processo legislativo tributário federal, com o forte predomínio das lideranças partidárias e das mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado e a utilização comum dos regimes de urgência e urgência urgentíssima, o que, em várias situações, obsta o debate amplo e democrático das proposições tributárias com os mais diversos setores da sociedade.

De fato, em muitos casos o regime de urgência acelera exagerada e desnecessariamente o rito legislativo, com o comprometimento da qualidade do processo e a possibilidade de que os congressistas e os órgãos de assessoria tenham tempo e capacidade de utilização dos recursos como as audiências públicas, obtenção de estudos e informações técnicas, participação de especialistas, etc., para que se tenha uma correta avaliação ex ante.

O estudo e a análise mais profunda do processo legislativo implicam o reconhecimento da existência de uma “lógica de ação” própria, que traz consigo uma racionalidade específica, de caráter fortemente instrumental (o agir político).

Acordos políticos

Pode-se destacar como uma das características mais marcantes do raciocínio legislativo o seu caráter consequencialista, fazendo com que a elaboração legislativa seja, ao mesmo tempo, uma atividade essencialmente conflitiva e cooperativa, o que se traduz nas emendas parlamentares e acordos políticos, em que a deliberação a respeito dos fins e dos valores tem papel fundamental, com a forma e o conteúdo das leis devendo estar de acordo com esses fins e valores. O que torna imprescindível a aproximação da ética com a política.

Todo esse modus operandi deve ser objeto de preocupação e estudo dos especialistas da área tributária, já que afetam diretamente a produção legislativa, e a qualidade e racionalidade do seu produto final.

As atenções que foram voltadas para o trâmite da PEC nº 45/19 agora devem ser direcionadas ao processo legislativo de produção das leis complementares.  Sendo que, consoante determina a emenda constitucional, o Poder Executivo tem o prazo de até 180 dias para enviar os projetos de lei complementar referentes à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Espera-se que esse momento histórico também marque uma virada de chave na ótica dos estudos jurídicos, com o reconhecimento da importância do processo legislativo tributário e a sua relevância como objeto de perquirição.


[1] A partir da promulgação das Emendas Constitucionais nº 86/2015 e 100/2019, que trouxeram relevantes alterações na sistemática de execução orçamentária, com a introdução do chamado orçamento impositivo e a redução do nível de discricionariedade do Executivo na execução das emendas individuais, visualiza-se o processo de alteração do presidencialismo de coalizão. Estudiosos tem indicado o surgimento de um semipresidencialismo de fato, com a drástica redução da prerrogativa do Presidente da República de contingenciar e liberar recursos, inclusive de emendas parlamentares.

[2]  LAZZARI, Eduardo; ARRETCHE, Marta; MAHLMEISTER, Rodrigo. O que o Congresso brasileiro prefere em matéria tributária. Políticas públicas, Cidades e Desigualdades, Nota Técnica 17, de 06 de junho de 2022.

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Valores fixados para penas de multa contrastam com miséria dos presos brasileiros

Quando a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça revisou pela quarta vez sua tese sobre a extinção da punibilidade sem o pagamento da pena de multa, no fim de fevereiro, os valores que eram cobrados dos autores dos recursos julgados pelo colegiado não eram muito altos.

Thathiana Gurgel/DPRJ

Presos saem do sistema carcerário mais miseráveis do que quando entraram

Os réus eram homens condenados por roubo majorado e furto qualificado. E eles não tinham condições financeiras de arcar com R$ 406 e R$ 466,41, respectivamente.

Sem o pagamento da pena de multa, eles tinham a extinção da punibilidade travada e a ressocialização, severamente ameaçada, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico em reportagem publicada nesta quarta-feira (13/3).

Essa situação mostra por que o valor cobrado na pena de multa, ainda que nos patamares mínimos, acaba por contrastar gravemente com a miserabilidade fartamente encontrada no sistema carcerário brasileiro.

A revisão feita pelo STJ foi um importante passo para corrigir essa distorção. A partir dessa decisão, a mera declaração de pobreza do apenado — que poderá ser contestada com base em indícios de que ele possui bens — será suficiente para extinguir a punibilidade sem o pagamento da multa.

Esse cenário é particularmente grave nos três crimes que mais levam a condenações no país: furto, roubo e, principalmente, tráfico de drogas.

Como funciona a multa

A pena de multa está prevista no artigo 32 do Código Penal. É uma das três punições possíveis para quem comete o crime — as outras são a pena privativa de liberdade e a restritiva de direitos.

O cálculo é feito em dias-multa, cujo valor pode variar entre um trigésimo do salário mínimo da época dos fatos e cinco vezes o mesmo salário. A previsão está no artigo 49 do CP, e quem estabelece o valor é o juiz da causa.

A regra geral no Código Penal é de que a pena de multa deve ser de, no mínimo, dez dias-multa e, no máximo, 360 dias-multa. Novamente, a escolha é do magistrado.

Atualmente, com o salário mínimo em R$ 1.412, o dia-multa em seu valor mínimo é de R$ 47,06. Isso significa que a pena varia entre R$ 470,66 (dez dias-multa) e R$ 16,9 mil (360 dias-multa).

Em regra, o valor da multa será alterado para cima ou para baixo de acordo com as majorantes ou minorantes da pena.

Há casos em que o rigor da lei é maior, com a imposição de um valor mínimo específico para a pena de multa. No crime de tráfico de drogas, por exemplo, ela é de 500 dias-multa. Para os condenados em 2024, isso equivale a R$ 23,5 mil.

Wilson Dias/Agência Brasil

Pena de multa no Brasil se tornou fator de marginalização dos ex-presos

Já a pena máxima é de 1,5 mil dias-multa, ou R$ 70,5 mil. Esse é um valor que os grandes traficantes têm condições de pagar, devido ao alto rendimento de sua atividade ilícita.

Para os pequenos traficantes, a lei oferece o tráfico privilegiado: o redutor do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas, que diminui a pena em até dois terços e é destinado ao réu primário, de bons antecedentes e sem ligação com facções criminosas.

Nesse caso, a pena corporal mínima de cinco anos pode cair para um ano e oito meses. Isso significa que a multa é reduzida para 166 dias-multa, ou R$ 7,8 mil. E isso é um problema, porque esse é um valor que o pequeno traficante muito provavelmente terá dificuldades para pagar.

Pobreza generalizada

O cenário é esse no Brasil porque a realidade do sistema carcerário é de pobreza generalizada. O caso levado ao STJ é da Defensoria Pública de São Paulo, que atende às pessoas vulneráveis no estado que tem a maior população presa do país.

Dados da instituição indicam que, de 2020 a 2022, 55% das intimações recebidas para pagamento da pena de multa tinha valores inferiores a R$ 1 mil.

Até abril do ano passado, 67% das execuções ajuizadas na 1ª Vara de Execuções Criminais da Capital, responsável por quase 30% de todos os processos de execução de pena de multa em andamento no estado, não ultrapassavam esses mesmos R$ 1 mil.

A multa, ainda que em valores irrisórios, é impagável porque os assistidos pela Defensoria Pública, em sua maioria, já chegam ao sistema carcerário em condição de miséria.

Levantamento feito a partir das intimações de agravo em execução das execuções de pena de multa destinadas à Defensoria Pública paulista em novembro de 2023 mostra que apenas 11% dos assistidos tinham renda mensal de mais de R$ 2,5 mil quando foram presos.

Lucas Pricken/STJ

Voto do ministro Rogerio Schietti no STJ elencou dados sobre população carcerária

Os mesmos dados mostram também que 36% deles recebiam menos de R$ 1,2 mil. E que 81% dos assistidos no período não tinham declaração sobre bens imóveis, e apenas 20% possuíam casa própria — 43% viviam em habitações coletivas e outros 9% estavam em situação de rua.

No mesmo período, 66% dos assistidos não tinham declaração sobre empregou ou ocupação, e 95% deles não possuiam declaração sobre depósitos bancários.

O resultado, segundo informações do Departamento Estadual de Execução Criminal do Tribunal de Justiça de Ssão Paulo (TJ-SP), é que, entre fevereiro de 2020 e abril de 2022, há a indicação de pagamento da pena de multa em apenas 10% das execuções.

Nos outros 90% — ou seja, 240,2 mil execuções —, o valor seguia pendente, impedindo a extinção da punibilidade dos presos que já cumpriram sua pena corporal.

Objetivo da execução da pena

“É muito triste ver como a miserabilidade da população carcerária foi exacerbada em virtude da pena de multa. É o Estado atuando de maneira ativa para manter a pessoa alheia à sociedade”, avalia Glauco Mazetto, defensor público de São Paulo.

Ele atuou nos recursos que levaram à mais recente revisão de tese pela 3ª Seção do STJ. O defensor diz que perdeu a conta do número de casos em que os assistidos não tinham renda para pagar a multa por serem moradores de rua ou desempregados.

Um relatório do grupo Conectas sobre o tema concluiu que esse cenário faz com que um número expressivo de pessoas deixe a prisão em situação de maior vulnerabilidade do que quando entrou.

O trabalho, intitulado “O Preço da Liberdade — Fiança e Multa no Processo Penal” (clique aqui para ler), foi publicado em outubro de 2019 e usado no voto do relator dos recursos no STJ, ministro Rogerio Schietti.

O magistrado destacou no acórdão que o artigo 1º da Lei de Execução Penal fixa que ela tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

“Não se mostra, portanto, compatível com os objetivos e fundamentos do Estado democrático de Direito que se perpetue uma situação de sobrepunição dos condenados notoriamente incapacitados a, já expiada a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, solver uma dívida que, a despeito de legalmente imposta, não se apresenta, no momento de sua execução, compatível com os objetivos da lei penal e da própria ideia de punição estatal.”

Clique aqui para ler o acórdão do STJ
REsp 2.024.901
REsp 2.090.454

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O interesse em agir nas ações de cobrança de indenização securitária

Dúvida intrigante no âmbito do Direito dos Seguros é a seguinte: na ocorrência do sinistro, o segurado terá que, obrigatoriamente, acionar a seguradora em sede administrativa para a regulação do sinistro ou poderá diretamente ingressar com uma ação judicial pleiteando a indenização securitária?

Este artigo pretende examinar essa questão, tendo como pano de fundo o julgamento dos Recursos Especiais 2.050.513-MT [1] e 2.059.502–MT [2], de relatoria da ministra Nancy Andrighi, do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Porém, antes de analisar os seus contornos, convém tecermos algumas notas sobre o interesse processual na prática jurídica.

Direito de agir e direito de ação: pontos essenciais sobre necessidade, adequação e interesse processual no Judiciário

Como se sabe, há um direito constitucional que assegura a todos a possibilidade de levar as suas pretensões ao Judiciário: o direito de agir. O direito de ação, de maneira diferente, consiste no direito ao processo e a um julgamento de mérito e é satisfeito com a prolação de uma sentença favorável ou não ao autor. Todavia, para a viabilidade da ação, é imperiosa a presença de suas condições, que consistem na legitimidade para e no interesse em agir. [3]

O interesse em agir é um interesse processual e tem como objetivo o provimento judicial como forma de se ver satisfeito um interesse primário ofendido pelo comportamento da parte adversa. Ressalta-se, contudo, que o interesse processual não deve ser confundido com o interesse material, que se estabelece no plano do direito substantivo. Em um processo judicial, a análise do interesse material é feita no mérito, que pode resultar em total ou parcial procedência ou improcedência dos pedidos realizados pelo autor. [4]

“Interesse, em direito, é utilidade.” [5] E, para verificar se há interesse em agir na demanda, existem dois fatores que servem de base: a necessidade e a adequação. Com relação à necessidade da tutela jurisdicional, se dá pela impossibilidade de satisfação do alegado direito sem a intervenção estatal. Já quanto à adequação, manifesta-se no sentido de existir uma relação entre a situação alegada pelo autor em juízo e o provimento jurisdicional concretamente requerido. [6]

A análise sobre a presença da necessidade da jurisdição se entrelaça com a ideia de que a solução adjudicada deve ser vista como a última forma de resolver uma controvérsia, a ultima ratio no processo compositivo da lide. Todavia, tal assertiva só é aplicável às situações nas quais tem-se como objetivo exercer, por meio do processo, direito a uma prestação, uma vez que há a possibilidade de seu cumprimento espontaneamente. [7]

Harmonizando com essa premissa, o STF, em 2014, julgou o Recurso Extraordinário nº 631.240-MG, firmando entendimento no sentido de que nas ações previdenciárias, em regra, a falta de postulação administrativa de benefício previdenciário acarreta ausência de interesse em agir, para aqueles que recorrem diretamente ao Judiciário.

Isso ocorre devido à pretensão autoral não estar abarcada pelo elemento que configura a resistência por parte da autarquia previdenciária à referida pretensão. Ponto importante é que o requerimento administrativo não deve se confundir com o exaurimento das vias administrativas. [8]

Antes mesmo do julgamento do recurso pelo Supremo, o professor e desembargador Federal Aluísio Mendes já sustentava a constitucionalidade das condições da ação e da exigência do interesse — da lide ou pretensão resistida —, decidindo, quando da sua atuação em primeira instância, nesse sentido, mas tendo, infelizmente, uma série de sentenças modificadas.

Há, em contraposição, a garantia constitucional de acesso à justiça, prevista no art. 5º, XXXV, [9] da CF, porém, segundo ele, “somente a resistência da parte contrária, caracterizada pela negativa após o prévio requerimento administrativo ou pela excessiva demora na sua apreciação, teria o condão de caracterizar efetiva lesão ao direito.” [10]

Em verdade, a compreensão de que a pretensão resistida se faz necessária para o ingresso no Judiciário não é recente. A Constituição de 1969, no § 4º do artigo 153 [11] (incluído pela EC nº 7/1977), condicionava o ingresso em juízo ao exaurimento das vias administrativas.

Anteriormente à constitucionalização da referida exigência, tal prática já era prevista em algumas outras disposições, como no artigo 223, do Decreto-Lei nº 1.713/1939 e no artigo 15, da Lei n° 5.316/1967.

Com a redemocratização, manteve-se a exigência de esgotamento da esfera administrativa apenas no âmbito da Justiça Desportiva (artigo 217, §§ 1º e 2º, da CF/1988) e, a posteriori, para a impetração de habeas data (artigo 8º, da Lei nº 9.507/97) e para reclamação contra descumprimento de súmula vinculante (artigo 7º, § 1º, da Lei nº 11.417/2006).

A apreciação do RE nº 631.240-MG fez com que o STF (Supremo Tribunal Federal) voltasse os olhos à racionalidade intrínseca do interesse em agir como uma das condições da ação e, com isso, a ratio decidendi compreendida no citado julgamento foi aplicada também aos casos envolvendo a cobrança de indenização do seguro Dpvat. [12]

Indo além, a questão da pretensão resistida como requisito para ingresso em juízo se tornou objeto de projeto de lei (PL nº 533/2019, de autoria do senador Júlio Delgado), no qual se pretende alterar o Código de Processo Civil para incluir um parágrafo no artigo 17, determinando que, “em caso de direitos patrimoniais disponíveis, para haver interesse processual é necessário ficar evidenciada a resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor.”

Busca-se, com isso, inserir na lei o conceito de pretensão resistida, que se traduz na demonstração, pelo autor da ação, de que houve tentativa de solucionar o conflito extrajudicialmente.

Recentemente, o STJ replicou o entendimento firmado pelo Supremo, quanto à concessão de benefícios previdenciários e indenizações de seguro Dpvat, para os demais casos que tratam do ajuizamento de ações para cobrar indenizações securitárias.

A ministra Nancy Andrighi, nos REsps 2.050.513-MT e 2.059.502–MT, pronunciou-se afirmando que para a configuração do interesse em agir nas ações de cobrança de indenização securitária, se faz necessário o prévio requerimento administrativo, conforme examinado a seguir.

Notificação prévia à seguradora: requisito essencial para o direito de ação em indenizações securitárias

Ambos os recursos especiais mencionados dizem respeito a cobranças de indenização securitária de seguro de vida em grupo, por conta da ocorrência de doenças ocupacionais incapacitantes. Nos acórdãos, validou-se o entendimento de que pode a petição inicial ser indeferida e julgado extinto o feito sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, I, do CPC, devido ao não cumprimento à determinação do juízo para que fosse emendada a inicial, demonstrando a existência de prévio requerimento administrativo.

A ministra fundamenta o seu voto utilizando-se do Código Civil que, em seu artigo 771, impõe ao segurado o dever de comunicar o sinistro à seguradora assim que toma conhecimento de sua ocorrência, sob pena da perda do direito à indenização.

Uma vez que o aviso de sinistro configura o pedido de pagamento da indenização securitária, se não é feito, a seguradora não pode ser compelida a pagar, pois se presume que ela não terá tido oportunidade de regular o sinistro, [13] tampouco terá tido conhecimento da ocorrência do evento.

Assim, não se concretiza lesão a direito ou interesse do segurado. Acionado o Judiciário antes de realizado o aviso de sinistro, portanto, caberá a extinção do processo sem resolução do mérito, por ausência de interesse processual (artigo 485, VI, do CPC).

O CPC/1973, no artigo 267, VI, já estabelecia como causa de extinção do processo sem resolução do mérito a ausência de qualquer das condições da ação, incluindo a falta de interesse em agir. No CPC/2015, a ausência das condições da ação permanece sendo razão para a extinção do processo sem resolução de mérito, em consonância com o que estabelece o artigo 17 do mesmo diploma legal: “para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”.

A análise da presença do interesse processual é um importante filtro para demandas inúteis e desnecessárias, por isso mesmo, o CPC/2015 admite o indeferimento da petição inicial pela falta de interesse de agir (artigo 330, III) e, caso seja identificada a falta de interesse de agir posteriormente, poderá o magistrado extinguir o processo sem resolução do mérito (artigo 485, VI).

Ocorre que, no caso das ações de cobrança de indenização securitária, conforme explicita a relatora, “Se já tiver se operado a citação da seguradora, eventual oposição desta ao pedido de indenização deixa clara a sua resistência frente à pretensão do segurado, evidenciando a presença do interesse de agir.

Porém, nem sempre a resposta da seguradora implicará impugnação ao pedido de pagamento. É possível por exemplo, que ela invoque a ausência de prévia solicitação administrativa, hipótese em que caberá a extinção do processo sem resolução do mérito, por ausência de interesse processual”.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Um processo é feito de momentos e, na prática, o problema que se observa é que, caso a seguradora seja citada e apresente a sua contestação apenas alegando a falta de interesse em agir do autor, não sendo o processo extinto com fundamento no artigo 485, VI, poderá a vir ser prejudicada por não se defender quanto ao mérito da questão.

Isso em razão do princípio da concentração, previsto pelo art. 336, do CPC, que estabelece que o réu, em sede de contestação, apresente “toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir”, sob pena de preclusão.

Ademais, cabe sublinhar que a seguradora tem um prazo de 30 (trinta) dias para realizar a análise do sinistro (artigo 48 da Circular Susep nº 667/2022, no âmbito dos seguros de pessoas e artigo 43 da Circular Susep nº 621/2021, nos seguros de danos) e, por vezes, diante da complexidade do caso concreto, necessita requisitar documentos complementares e até mesmo realizar perícia a fim de apurar ser devida ou não, a indenização ao segurado. Por isso mesmo, a verificação, pela seguradora, sobre o que é alegado na petição inicial pode ser inconclusiva.

É possível deduzir, portanto, que, pelo entendimento firmado pela 3ª Turma do STJ, existe espaço para uma postura mais ativa dos magistrados de primeira instância, a fim de que, logo de início, já se determine ao autor a comprovação da realização do aviso de sinistro à seguradora, sob pena de indeferimento da petição inicial por ausência de interesse processual. E caso a seguradora seja citada e apresente como único argumento defensivo a falta de interesse em agir por ausência de requerimento administrativo da referida indenização, o processo seja extinto sem resolução de mérito por faltar interesse.

Com essa abordagem, privilegia-se o princípio da boa-fé e da cooperação, bem como é possível evitar diversas demandas judiciais desnecessárias, já que muitas questões podem ser solucionadas de forma simples e rápida através de procedimentos administrativos.

Tal prática não impede, de forma alguma, o exercício do direito de acesso à justiça. Pelo contrário, auxilia o Poder Judiciário ao permitir que se concentre em casos nos quais sua intervenção é realmente indispensável. Além disso, resulta em economia de recursos, uma vez que recorrer ao Judiciário acarreta custos processuais e honorários advocatícios, afetando tanto seguradores como segurados.

______________________________________

[1] STJ, REsp 2050513/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª turma, j. 25/04/2023, DJe 27/04/2023.

[2] STJ, REsp 2059502/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª turma, j. 03/10/2023, DJe 09/10/2023.

[3] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo civil. Volume 1. Teoria do processo civil. p. 233/234.

[4] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de Direito Processual Civil Contemporâneo. – 4ª ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. p. 208.

[5] DINAMARCO, Cândido Rangel; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Inahy; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Processo. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2023. p. 324.

[6] DINAMARCO, Cândido Rangel; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Inahy; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Processo. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2023. p. 324/325.

[7] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, Vol. 1 – 23. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2021. P. 476.

[8] “A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.” (STF, RE 631240/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 03/09/2014, DJe. 10/11/2014).

[9] Art. 5º, XXXV, da CF de 1988: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

[10] MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; SILVA, Jorge Luis da Costa. Acesso à justiça e necessidade de prévio requerimento administrativo: o interesse como condição da ação – comentários ao recurso extraordinário nº 631.240, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 3. Setembro a Dezembro de 2020.

[11] Art. 153, § 4º, da CF de 1969: “A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. O ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que não exigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido”.

[12] “Inexiste uma das condições da ação, pois que não houve indícios de que fora realizado qualquer pedido administrativo perante a Seguradora reclamada.” (STF, RE 839314/MA, Rel. Min. Luiz Fux, j. 10/10/2014, Dje. 16/10/2014).

[13] A dinâmica do processo de regulação do sinistro é explicada da seguinte forma pela doutrina: “Didaticamente, é possível ilustrar a usual sequência de acontecimentos da seguinte maneira: após a ocorrência do sinistro, o segurado faz o seu aviso diretamente ao segurador ou ao corretor de seguros, que o repassará ao segurador, acompanhado da entrega de alguns documentos, conforme a modalidade de seguro envolta no caso concreto.5 O exame de tais documentos e das condições do sinistro será feito pelo regulador do sinistro. Na sequência, o regulador irá emitir um relatório que será utilizado como guia para a efetiva, ainda que parcial, cobertura do sinistro pelo segurador ou a sua recusa, que necessariamente terá quer ser fundamentada.

Caso o segurado não concorde com a decisão do segurador, poderá tomar algumas medidas na seara administrativa, tais quais a reclamação na ouvidoria da seguradora, no Procon e no site Consumidor.gov.br, e, ainda, recorrer à via judicial, por meio de uma ação de cobrança (eventualmente cumulada com pedido de compensação por danos morais). No âmbito extrajudicial, a reclamação geralmente é avaliada de forma célere, com a obtenção de um retorno formal da queixa em menos de um mês. A solução do litígio, todavia, poderá em alguns casos ser alcançada definitivamente apenas por meio judicial”. GOLDBERG, Ilan; JUNQUEIRA, Thiago. Regulação do sinistro no século XXI. In: ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVA Milena Donato. Direito na era digital: aspectos negociais, processuais e registrais. Salvador: Juspodivm, 2022. p. 260.

Fonte: Conjur

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