Aplicação da LGPD a contratos de seguro: o caso dos dados sensíveis

Não é exagero afirmar que os contratos de seguro e demais atividades que orbitam o universo dos seguros dependem, quase que exclusivamente, de informações e dados fornecidos ou coletados pelos agentes dessa indústria, segurados ou seguradoras.

Sem informações a respeito de condições relacionadas ao segurado ou ao objeto do contrato de seguro (seja uma coisa, seja uma atividade), não há viabilidade para a formação adequada da relação jurídica securitária. Isso se dá essencialmente devido à natureza do próprio contrato de seguro, que visa à cobertura de um risco previamente identificado e associado à descrição do sujeito segurado ou do objeto da relação jurídica.

Determinados dados tornam-se elemento essencial do negócio jurídico realizado, cuja falta impede a sua subsistência. Isso posto, os dados — pessoais ou de natureza diversa — são a matéria-prima da qual são constituídos os contratos de seguro. Seria extremamente dificultoso — senão impossível — a uma seguradora de automóveis, por exemplo, estabelecer o valor adequado e proporcional do prêmio do seguro sem informações básicas, que vão desde a marca, o modelo e o ano do veículo até o gênero e a idade do motorista principal, qualificando, assim, o perfil do segurado.

De mais a mais, a chamada “cláusula perfil”, recurso pré-contratual que viabiliza a identificação do segurado dentro de um grupo determinado, só é exequível ao permitir o conhecimento por parte da seguradora de quais riscos relacionados ao segurado devem integrar os cálculos atuariais para a avaliação dos termos da contratação.

Se, de um lado, a “perfilação” (profiling) depende do fornecimento de dados pelos segurados por meio de mecanismos contratuais ou pré-contratuais, de outro existem fontes adicionais das quais os dados podem ser conhecidos ou coletados, que vão desde informações constantes de redes sociais até aquelas provenientes de objetos conectados por rede (IoT e telemetria). Em não raras vezes, essa coleta de dados — na realidade, verdadeira extração — permite às companhias seguradoras a capacidade de conhecer materiais relevantes para a inclusão do segurado em determinada categoria de perfil, de forma mais íntegra do que se dependesse unicamente da declaração do segurado.

Entre os dados usualmente utilizados por segurados para a avaliação dos riscos, encontram-se os dados sensíveis, quais sejam, aqueles que se caracterizam por uma potencialidade discriminatória por se referirem a informações de natureza personalíssimas. O tratamento de dados sensíveis não está proibido em nosso ordenamento, sendo autorizado, desde que enquadrado em uma das bases legais previstas no artigo 11 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Evidentemente, o consentimento por meio da manifestação do segurado — resultado da proteção de sua autonomia privada — permanece como fundamento para tratamento de dados pessoais. Contudo, não é exclusiva, tampouco hierarquicamente superior às demais bases legais. A inexistência de justificativa legal para o tratamento de dados pessoais configura-se como ilícita ou irregular, a gerar para as seguradoras obrigação de indenizar os segurados por eventuais danos sofridos e sanções aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

A necessidade da inovação no debate em torno do uso de dados pessoais na contratação de seguros é definida especialmente pela realidade de nossa sociedade que associa o fenômeno do big data ao uso de inteligência artificial em sistemas de predição. A atividade das seguradoras é sobremaneira facilitada pelo advento dessas novas tecnologias, pois permite não só a capacidade de tratar os dados de maneira mais eficiente como também, consequentemente, gera uma minimização de custos nas operações e uma maior velocidade nas tomadas de decisão. Essas vantagens, por sua vez, implicam a possibilidade de negociação de preços contratuais mais adequados, visto que os riscos estão previstos, em tese, de forma mais realista.

Ao mesmo tempo que a tecnologia traz vantagens excepcionais para o mercado de seguros, é necessário encontrar um equilíbrio adequado entre o tratamento de dados pessoais dentro desse ambiente e a proteção de direitos fundamentais dos segurados, tais como a privacidade, a proteção de seus dados e a igualdade de tratamento. Em último juízo, a tutela desses direitos visa coibir a potencial discriminação abusiva que o uso dos dados coletados massivamente pode ocasionar no mercado de seguros, segregando e retirando de inteiras parcelas da população a possibilidade de contratação de forma equitativa.

 

Daí a necessidade de impor às seguradoras — agentes de tratamento de dados — o cumprimento de forma estrita dos princípios relacionados ao tratamento de dados pessoais, especialmente os que se referem à finalidade, à igualdade e à não discriminação.

Formalização do contrato

O fornecimento de dados para a formação do contrato de seguro encontra-se fundamentado em três princípios inerentes a toda e qualquer atividade securitária, quais sejam, o reconhecimento do princípio da boa-fé objetiva em sua aplicação aprimorada; o princípio da solidariedade social, por meio do qual se reconhece a natureza solidarista do contrato de seguro e a necessária delimitação dos riscos segurados; e o princípio do mutualismo.

Pelo princípio da boa-fé objetiva e sua interpretação ampliada, entende-se que as partes contratantes devem fornecer, de maneira clara, informações que irão compor a função contratual e que determinarão, em última instância, o equilíbrio na contratação. A seguradora, por um lado, deve oferecer ao segurado o conhecimento prévio dos termos da contratação, e o segurado deve fornecer dados verdadeiros, necessários e suficientes para que a seguradora seja capaz de fielmente fazer cumprir a contratação de forma a respeitar o mutualismo e o equilíbrio da relação contratual.

De outro lado, os princípios da solidariedade social e do mutualismo impõem que os segurados indiquem, de modo acurado, as informações e os dados que sejam relevantes para a contratação, para que haja uma verdadeira proporcionalidade na construção do fundo social e da divisão equitativa entre os membros do grupo segurado dos valores devidos em caso de sinistro. Em interpretação conjunta, esses princípios e os previstos na LGPD reforçam a necessidade de que os dados pessoais devem ser protegidos de forma a alcançar, ao mesmo tempo, a igualdade numa contratação equilibrada e a proteção de direitos fundamentais.

Dada a evidente capacidade de uso de dados pessoais — sensíveis ou não — de maneira a violar os princípios da igualdade e da não discriminação — ambos previstos tanto em nossa Constituição quanto na LGPD —, é fundamental que se analise se os dados dos segurados tratados pelas seguradoras têm a capacidade de gerar uma discriminação abusiva.

Percebe-se, assim, que a tutela dos dados sensíveis, mais do que garantir o “sigilo” e a “anonimidade” de dados pessoais sensíveis — por se referirem a especiais categorias de dados “existenciais” —, tem como objetivo a proteção da pessoa humana contra tratamentos desiguais, que inibem a possibilidade real de acesso a direitos, como aqueles referentes à contratação. Evidentemente, não se quer com esse argumento usurpar das seguradoras o direito ao exercício de sua autonomia contratual, isto é, definir o que, como e com quem contratar.

O que se defende é que, baseada no princípio da finalidade do tratamento de dados, haja uma justificativa adequada para essa recusa e que os dados pessoais sensíveis não sejam utilizados como fundamento para a inviabilidade do exercício de sua autonomia privada, garantida, nesse caso, pelo princípio da igualdade e da não discriminação.

*esta coluna é produzida pelos professores Ilan Goldberg e Thiago Junqueira, bem como por convidados

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O vulcão e a arbitragem

Neste ano de 2024, a lei de arbitragem brasileira faz 28 anos. Muito se avançou nesse campo nas últimas décadas, mas não falta quem ocasionalmente reitere que ainda há muito o que se trilhar no País nessa matéria, sobretudo quando se trata de normalizar e ampliar a prática arbitral.

Arbitragem tornou-se lugar comum nos círculos empresariais brasileiros, e é difícil encontrar qualquer empresa de porte relevante que não tenha em algum de seus contratos uma cláusula arbitral. Mas, nas relações civis ordinárias e nos negócios jurídicos da vida cotidiana, as cláusulas arbitrais são verdadeiramente escassas.

Ultimamente, circulou uma referência ao testamento de George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos, como exemplo de que a prática (e a cultura) arbitral estadunidense poderia se orgulhar de mais de 200 anos de história que justificariam o desenvolvimento da matéria naquele país [1].

No testamento do mencionado presidente, a cláusula arbitral dispõe que qual qualquer controvérsia relacionada ao negócio deveria ser solucionada por três árbitros. Cada parte teria o direito de eleger um deles, sendo que o terceiro árbitro deveria ser eleito pelos outros dois anteriormente escolhidos [2].

Não há dúvida de que a prática arbitral estadunidense dispõe de uma história respeitável, porém o jurista brasileiro não precisaria importar do “Common Law” uma tradição para chamar de sua. Na verdade, o direito brasileiro pode orgulhar-se de carregar consigo mais de 2 mil anos de história de tradição em matéria de arbitragem por conta de suas raízes no direito romano.

Os registros dessa tradição devem-se a muitos fatores, dentre os quais destaca-se uma das maiores catástrofes do mundo antigo.

No fim de outubro do ano 79 a.C., a República Romana (demorariam ainda quase 50 anos, até que Otávio Augusto desse início ao que, posteriormente, seria chamado de Império Romano), sofreu a fúria de uma catástrofe da natureza; quando, às margens do golfo de Nápoles, na Campânia, entrou em erupção o Monte Vesúvio.

A história é conhecida. A erupção causou imensos danos aos habitantes e comunidades urbanas localizadas no entorno do vulcão. Entre essas comunidades, destaca-se Pompeia — que é hoje o maior sítio arqueológico a céu aberto da Europa. No entanto, há outra comunidade igualmente afetada, que, a despeito de seu menor tamanho, não pode ser esquecida: Herculano.

Tábulas de Herculano

Herculano é relevante pelo grau de preservação de seu sítio arqueológico e dos objetos ali encontrados, dentre os quais se encontram as “Tábulas de Herculano” (tabulae herculanenses). Muitos desses textos são fragmentários e incompletos, mas o fragmento nº 76 é um de seus mais bem preservados e nos oferece um claro indício de um compromisso arbitral com mais de dois milênios de idade [3].

“TH 76 [4]Na controvérsia que há entre L. Cominio Primo e L. Apuleio Próculo em relação aos limites do fundo Numidiano, o qual é de L. Cominio Primo, e o fundo Strataciano, que é de L. Apuleio Próculo, e que L. Apuleio Próculo e L. Cominio Primo reciprocamente em relação a essa controvérsia deve ser prescrito […] em relação a essa controvérsia são assim estipulantes e assim pactuado: que Ti. Crasso Firmo seja árbitro compromissário entre L. Cominio Primo ou seu herdeiro e L. Apuleio Próculo ou seu herdeiro profira a sentença ou ordene a sentença a ser proferida, abertamente na presença de uma e outra parte, antes das próximas calendas de fevereiro, e prorrogue o prazo do compromisso ou ordene proferir a sentença: se algo contra isso for feito ou que assim não for feito, deverá pagar devidamente 1000 bons sestércios, estando ausente dolo a esta matéria e à decisão e sendo assim no futuro.”

Mesmo traduzido, o texto é um tanto truncado, mas ainda é possível compreendê-lo. Trata-se de um litígio fundiário entre dois proprietários: Comínio Primo, titular do fundo Strataciano, e Apuleio Próculo, titular do fundo Numidiano; a respeito dos limites deste último imóvel. Para resolver a questão, os litigantes decidem nomear como árbitro um terceiro indivíduo chamado Crasso Firmo, para que profira uma sentença sobre o caso.

Questões fundiárias eram favoritas dos antigos romanos no estabelecimento de arbitragens privadas. Por sinal, os agrimensores estão profundamente relacionados com as raízes históricas da arbitragem, por conta do conhecimento técnico de que dispunham na avaliação de imóveis [5]. No caso registrado, não se sabe quem o árbitro (Crasso Firmo) seria, de modo que poderia ter sido um especialista ou apenas um amigo em comum dos litigantes, que compartilharia de sua confiança mútua.

De qualquer modo, o texto nos mostra a estrutura que a arbitragem tomava na prática jurídica dos antigos romanos.

Há sempre um problema central na disciplina arbitral: prover ferramentas jurídicas que assegurem o respeito das partes à decisão do árbitro [6]. A experiência jurídica romana solucionou essa questão com afigura do “compromissum” [7].

Vale sempre lembrar que o direito romano clássico não era propriamente um sistema de direitos, mas de ações. A tutela judicial dependia do prévio reconhecimento pelo magistrado competente. Assim, o “compromissum” foi uma forma encontrada pelos antigos romanos de adaptar a sua necessidade prática às exigências formais de seu sistema jurídico.

O “compromissum“, portanto, era uma figura construída por meio de “stipulationes poenae” recíprocas, de forma que cada litigante prometeria pagar uma determinada quantia de dinheiro à outra parte, caso viesse a descumprir a sentença proferida pelo árbitro [8].

Interessante notar que a própria palavra “compromissum” compõe-se etimologicamente da preposição “co-” e o verbo “promittere”, indicando se tratar de uma promessa realizada em conjunto [9]. Mas, mais que isso, é precisamente a origem dos termos “compromisso” e “cláusula compromissória” que se utiliza ao longo de toda a Lei nº 9.307/1996, no Código Civil (artigos 851 a 853), e em toda a prática forense brasileira.

A tabuleta de Herculano dá clara prova desse fato, quando, ao final, atesta que “se algo contra isso (a sentença proferida) for feito ou que assim não for feito, deverá pagar devidamente 1000 bons sestércios”. Ou seja, caso uma das partes descumprisse a decisão arbitral, estaria vinculado a pagar ao outro litigante a pena prometida de mil sestércios.

A tradição romana da arbitragem persiste na experiência brasileira. E, por conta de uma irônica consequência da história, um desastre vulcânico permite que conheçamos ainda melhor os motivos que levam o direito brasileiro a se inserir em mais de dois mil anos de tradição arbitral.


[1] Sherman, Edward, Arbitration in wills and trusts – from George Washington to an uncertain present, in Arbitration Law Review 9 (2017), pp. 83ss.

[2] Textualmente: “I hope and trust that no disputes will arise concerning [my Will]; but if, contrary to expectation, the case should be otherwise from the want of legal expression, or the unusual technical terms, or because too much or too little has been said on any of the devises to be consonant with the law, my will and direction expressly is, that all disputes (if unhappily any should arise) shall be decided by three impartial and intelligent men, known for their probity and good understanding; — two to be chosen by the disputants — each having the choice of one — and the third by those two — which three men thus chosen, shall unfettered by Law, or legal constructions, declare their sense of the Testator’s intention … and shall be binding as if issued by the U.S. Supreme Court”.

[3] Talamanca, Mario, ‘Richerce in tema di ‘compromissum’, Milano, Giuffrè, 1958, pp. 6-18.

[4] Original: In controversia quae est inter L. Cominium Primum et L. Appuleium Proculum de finibus fundi Numidiani qui est L. Comini Primi et fundi Strataniciani qui est L. Appulei Proculi quodque L. Appuleium Proculum et L.Cominium Primum de ea controversia invicem sibi deberi praescriptum sit […] deberi  pe […] de ea controversia ita stipulati sunt itaque pacti: quod Ti. Crassius Firmus arbiter ex compromisso inter L. Cominium Primum heredemve eius palam coram utroque praesenti sententiam prove sententiam dicat dicive iubeat et ante dum ante K. Februarias primas sententiam dicat dicive iubeat diemque compromissi proferat proferrive iubeat: si quid adversus ea factum erit sive quid ita factum non erit HS M probos recte dari dolumque malum huic rei arbiterioque abesse afuturumque esse.

[5] Roebuck, Derek e Fumichon, Bruno de Loynes de, Roman arbitration, Oxford, Holo, 2004, pp. 83-86.

[6] P. Stein, Roman arbitration – an english perspective, in Israel Law Review 29 (1995), p. 218.

[7] Costa, Gabriel, Arbitragem – Origens Romanas, São Paulo, YK, 2022, pp. 6-7.

[8] R. Zimmermann (cf. The law of obligations – Roman foundations of the civilian tradition, Cape Town, Juta, 1990, p. 96-97 e Id., Stipulatio poenae, in The South African Law Journal 104 (1987), pp. 399-400) esclarece que o compromisso seria um exemplo da função “in terrorem” da “stipulatio poenae” como instrumento privado e voluntário para a garantia (ainda que indireta) da execução de uma determinada prestação. Essa função é expressamente atestada pelo Imperador Antonino Caracala em Anton. C. 2, 55, 1 (213 d. C.).

[9] A. Ernout – A. Meillet, v. mitto, in Id., Dictionnaire étymologique de la langue latine – Histoire des mots, 4ª Ed., Paris, Klincksieck, 2001, pp. 407-408; M. De Vaan, v. mitto, in Id., Etymological dictionary of latin and other italic languages, Leiden, Brill, 2008, pp. 383-384; A. Walde – J. B. Hofmann, v. mitto, in Id., Lateinisches etymologisches Wörterbuch, Vol. 2, 3ª Ed., Heidelberg, Carl Winters, 1954, pp. 97-98; S. Segura Munguía, v. mitto, in Id., Lexicón (incompleto) etimológico y semántico del latín y de las voces actuales que proceden de raíces latinas o griegas, Bilbao, Universidad de Deustro, 2014, pp. 387-394, especialmente, p. 389.

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Banco é responsável por dano a cliente em fraude na contratação de empréstimo

A fraude em procedimento de contratação de empréstimo faz parte do risco do empreendimento das instituições financeiras, de modo que não pode ser suportada pelo cliente, mas pelos operadores do crédito.

caixa eletronico de banco
Banco alegou que contava com contrato e havia depositado valor na conta de cliente – Freepik
 

A partir dessa fundamentação, o juiz Marcelo Marcos Cardoso, da 1ª Vara Cível de Toledo (PR), condenou um banco e uma intermediadora financeira a, solidariamente, restituir em dobro os valores descontados indevidamente dos rendimentos de um aposentado, em função de um empréstimo consignado que não foi contratado por ele.

A empresa intermediária havia feito um primeiro contato com o aposentado se dispondo a negociar uma dívida de cartão de crédito dele com um banco, ocasião em que o cliente cedeu, por aplicativo, documentos pessoais.

Posteriormente, o aposentado identificou que um outro banco depositou em sua conta o valor de R$ 28.467,99. Ele questionou, então, a intermediadora sobre a origem daquele dinheiro, ocasião em que foi orientado a repassar para ela o montante, a fim de cancelar o que supostamente havia sido um empréstimo liberado para o cliente.

Após repassar o dinheiro para a intermediária, o autor da ação notou que o banco que havia feito o depósito passou a fazer descontos mensais em sua aposentadoria, a título de empréstimo consignado. O aposentado buscou a Justiça após não ter a resolução do caso de forma extrajudicial.

Por força da inversão do ônus probatório, o banco acostou aos autos, ao tentar provar a legalidade do empréstimo, um contrato da operação e um comprovante de transferência do crédito para a conta do aposentado. Já a intermediária não se manifestou, apesar de ter sido citada.

Risco do empreendimento

O juiz entendeu haver comprovação suficiente de que a contratação do empréstimo foi irregular e que o cliente foi vítima de fraude da intermediadora, com a posse dos documentos dele.

A contratação foi feita por conversação eletrônica e, conforme indicam os registros geográficos, a partir de um aparelho celular presente no Rio de Janeiro, onde está sediada a intermediária financeira.

Nesse contexto, segundo o juiz, o banco “não adotou as balizas necessárias para diminuir a probabilidade de dano decorrente do seu negócio, já que, conforme exposto, a contratação do empréstimo consignado não partiu do autor, que foi enganado pela intermediadora”. Portanto, a instituição financeira teve responsabilidade civil objetiva no caso.

O julgador declarou, então, a nulidade do contrato de empréstimo. O banco e a intermediadora também foram condenados a, solidariamente, indenizar o aposentado em R$ 10 mil por danos morais. Eles ainda deverão arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios, no equivalente a 10% do valor da condenação.

Atuou na causa o advogado Mateus Bonetti Rubini.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0011994-13.2022.8.16.0170

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Aplicação da equidade no comércio eletrônico: proteção e vulnerabilidade do consumidor

A abordagem jurídica da equidade neste estudo está ligada à concepção culturalista do Direito de Miguel Reale [1], que adapta a teoria dos valores às mudanças sociais. Assim, operar com as leis positivadas em harmonia com os valores do ordenamento jurídico é essencial para alcançar justiça e isonomia. Até porque, no civil law brasileiro, é importante determinar se a interpretação jurídica deve se limitar ao texto normativo ou incluir elementos externos.

Considerando a influência dos direitos fundamentais nas relações privadas e a regência do direito privado por normas constitucionais, o estudo explora a aplicação da equidade no comércio eletrônico. Ele traça um paralelo entre a teoria clássica da equidade de Aristóteles e sua implementação atual, examinando sua aplicação na dogmática jurídica brasileira, especialmente em textos normativos e decisões judiciais nas relações de consumo [2].

Equidade: direito privado e teoria aristotélica

No Direito Privado brasileiro, a equidade passou a ser fundamental, reconhecendo que o Direito Civil deve proteger a pessoa humana e ser orientado por valores de justiça, além de apenas regular a liberdade das partes e proteger o patrimônio. Esse movimento de publicização do direito privado é conhecido como a constitucionalização do Direito Civil [3].

Este movimento reflete o neoconstitucionalismo e o pós-positivismo jurídico, que buscam aproximar o Direito da moral e evitar formalismos excessivos. Assim, a interpretação do direito privado considera não só o Código Civil, mas especialmente a Constituição da República etc., que fundamenta e orienta todos os ramos do direito — direito público e privado estão apenas metodologicamente separados.

O Direito deve refletir valores como igualdade, liberdade e dignidade humana. Normas principiológicas e conceitos indeterminados permitem interpretações criativas, aumentando a discricionariedade do juiz na resolução de conflitos. No Código Civil, a equidade se expressa por meio da operabilidade, eticidade e socialidade, permitindo ao intérprete aplicar princípios e cláusulas gerais ao caso concreto.

O Código de Processo Civil de 2015 admite decisões por equidade quando previstas em lei, enquanto o Código de Defesa do Consumidor invalida cláusulas contratuais contrárias à equidade. A equidade também está implícita na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, orientando juízes a considerar fins sociais e o bem comum. Juízos de razoabilidade e proporcionalidade também são consequências desse princípio [4].

A filosofia de Aristóteles, influenciada por Sócrates e Platão, é original e superadora de seus mestres. Sócrates fundou racionalmente a autoridade do Direito em resposta à sofística. Platão via a missão política como a descoberta do justo e das leis, associando o Direito à justiça [5].

Aristóteles concorda e identifica duas funções da justiça: distribuição dos bens e correção das trocas. Ele distingue Direito de Moral e valoriza tanto o justo natural quanto o justo positivo, argumentando que as leis escritas favorecem a imparcialidade do juiz [6]. Sua teoria da equidade [7] complementa as leis escritas, permitindo correções para alcançar a justiça, refletindo uma investigação contínua da natureza e uma flexibilidade que se adapta ao caso concreto.

Equidade no comércio eletrônico

A relação de consumo é marcada pelo desequilíbrio, onde o fornecedor possui superioridade informacional, técnica e jurídica sobre o consumidor. Essa vulnerabilidade é central na regulamentação para equilibrar as partes, garantindo direitos, deveres e proteções. O Código de Defesa do Consumidor exemplifica a equidade no direito brasileiro ao corrigir desigualdades jurídicas e incorporar valores constitucionais ausentes no Código Civil anterior.

A equidade no CDC permite ao julgador buscar a plena efetivação dos direitos do consumidor, mesmo não previstos detalhadamente na lei, enquanto no Código Civil sua aplicação é mais restrita, focando principalmente na fixação do valor indenizatório.

O crescimento do comércio eletrônico impulsionou os atos de consumo, demandando uma resposta regulatória estatal diante das novas práticas tecnológicas. Os ensinamentos de Aristóteles ressurgem, evidenciando a incompletude da lei diante da realidade variada. Sua Teoria da Equidade permite ao julgador complementar a lei, assegurando soluções justas, como reflete o artigo 7° do CDC. Registra-se que a equidade é crucial para decisões judiciais em contratos eletrônicos, especialmente diante do artigo 51 do CDC, que anula cláusulas contratuais contrárias à boa-fé e à equidade. O Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados fortalecem a regulação jurídica para proteger a pessoa humana frente a interesses puramente econômicos.

A internet é uma presença onipresente na sociedade moderna, configurando o que se chama de “sociedade da informação” [8]. Diante disso, empresas precisam agir com cautela, especialmente em relação às normas de proteção de dados pessoais, que agora têm um valor econômico significativo. O comércio eletrônico, ou e-commerce, é central nesse contexto, sendo definido como transações comerciais realizadas por meio de equipamentos eletrônicos, como computadores [9].

Empresas como a Amazon destacam-se nesse setor, oferecendo uma vasta gama de produtos e serviços através de plataformas online. No ambiente digital, as relações de consumo se concretizam por meio de contratos eletrônicos, frequentemente de adesão, onde o consumidor aceita cláusulas previamente estabelecidas de forma unilateral pela empresa.

Em um contexto de comércio eletrônico, é crucial que as relações de consumo respeitem os princípios da informação, transparência e confiança, especialmente devido à maior vulnerabilidade digital. Contratos eletrônicos muitas vezes são elaborados unilateralmente pelas empresas, exigindo que os consumidores aceitem todas as cláusulas previamente estabelecidas.

Normativas como o CDC, especialmente seu art. 46, e o Decreto nº 7.962/2013 regulamentam o comércio eletrônico, impondo deveres de informação aos fornecedores e garantindo direitos aos consumidores, fundamentados no princípio da equidade e na proteção à dignidade da pessoa humana. Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem [10] destacam que o paradigma aristotélico da igualdade implica tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, reconhecendo que os consumidores merecem proteção especial do Estado, incluindo interpretações favoráveis em prol de sua defesa [11].

O Decreto-lei nº 4.657/1942 (Lindb) adapta normas ao bem comum e permite aplicar a lei mais protetiva ao consumidor em transações internacionais, guiado pela equidade do CDC para assegurar justiça. Usando o Diálogo de Fontes, as legislações podem ser integradas para proteger consumidores no comércio eletrônico, alinhando-se ao pensamento aristotélico sobre equidade. Essa necessidade de proteção é essencial tanto do Estado quanto da sociedade civil.

Um caso [12] do Superior Tribunal de Justiça (STJ) discutiu o desequilíbrio na relação de consumo no comércio eletrônico, enfatizando a vantagem desproporcional do fornecedor sobre o consumidor. A equidade foi aplicada como critério para proteger os direitos do consumidor.

Na seara consumerista, incluindo o comércio eletrônico, a equidade permite ao juiz buscar a solução mais justa, alinhada ao conceito aristotélico, dentro dos limites do Código de Defesa do Consumidor. Este código não autoriza o afastamento de normas sem respaldo na legislação ou na Constituição, mantendo a imparcialidade exigida pelo Estado de Direito. Logo, embora o juiz tenha liberdade na interpretação para alcançar justiça no caso concreto, esta deve ser fundamentada em técnicas normativas e princípios consagrados.

Considerações finais

O estudo revela que os princípios da filosofia de Aristóteles têm influência no direito privado brasileiro, especialmente na teoria clássica da equidade.

A aplicação da equidade no direito do consumidor, particularmente no comércio eletrônico, reflete conceitos semelhantes aos de Aristóteles, permitindo aos juízes interpretar e aplicar a lei de forma justa, a fim de proteger e promover a pessoa humana frente as relações de consumo. No entanto, essa aplicação está estritamente vinculada à legislação vigente, como o CDC, que explicitamente reconhece a equidade como fonte de direitos e fundamentação para anular cláusulas abusivas.

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Referências

ANDRADE, Marta Cleia Ferreira de; SILVA, Naiara Taiz Gonçalves da. O comércio eletrônico (e-commerce): um estudo com consumidores. Revista Perspectivas em Gestão & Conhecimento, João Pessoa-PB, v. 7, n. 1, p. 98-111, 2017.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2004.

CUNHA, José Ricardo Cunha. O juízo de equidade como antecedente e base para os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade. Revista UNIFESO – Humanas e Sociais Teresópolis, Vol. 2, N.3, 2016

FARIAS, Christiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 7ª edição. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris. 2008, p. 25.

FARIAS, Christiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. 4°ed.Jus PODIVM. 2014, p. 34-36.

FERREIRA, Keila Pacheco; MARTINS, Fernando Rodrigues. Diálogo de fontes e governança global: hermenêutica e cidadania mundial na concretude dos direitos humanos. Revista de Direito do Consumidor. Volume: 117/2018. DTR\2018\15894, p. 443–467.

MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. Editora: Revista dos Tribunais. Edição: 2ª. São Paulo – SP, 2014.

MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da informação e promoção à pessoa. In: Revista de Direito do Consumidor. Vol. 96, 2014.

REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

VIAL, Sophia Martini. A sociedade da (des)informação e os contratos de comércio eletrônico do código civil às atualizações do código de defesa do consumidor, um necessário diálogo entre fontes. Revista de Direito do Consumidor. Volume: 88/2013. p. 229 – 257. Edição: Jul – Ago, 2013.

VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução: Claudia Berliner. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

[1] REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 08.

[2] Esta pesquisa será estruturada por meio de uma revisão bibliográfica, utilizando como base o livro “A formação do pensamento jurídico moderno” de Michel Villey[2], especialmente o capítulo III, “A filosofia do direito de Aristóteles”, além de textos, artigos e livros sobre o pensamento aristotélico. A revisão de literatura será feita através de um reexame narrativo, focando na contextualização multidisciplinar e sistêmica do tema. O método científico utilizado será o dedutivo, com abordagem qualitativa e cunho exploratório.

[3] FARIAS, Christiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 7ª edição. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris. 2008, p. 25.

[4] CUNHA, José Ricardo Cunha. O juízo de equidade como antecedente e base para os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade. Revista UNIFESO – Humanas e Sociais Teresópolis/RJ, Vol. 2, N.3, 2016, p. 186-211.

[5] No entanto, não se pode concluir exatamente o que Sócrates compreendia por Direito, se seria as Leis do Estado ou de uma Justiça superior. VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Martins Fontes. 2005, p. 20-21.

[6] Ibidem, p. 41-43.

[7] VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Martins Fontes. 2005, p. 47.

[8] MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da informação e promoção à pessoa: empoderamento humano na

concretude de novos direitos fundamentais. Revista de Direito do Consumidor, v. 96, nov./dez. 2014, p. 225-257.

[9] ANDRADE, Marta Cleia Ferreira de; SILVA, Naiara Taiz Gonçalves da. O comércio eletrônico (e-commerce): um estudo com consumidores. Revista Perspectivas em Gestão & Conhecimento, João Pessoa-PB, v. 7, n. 1, p. 98-111, jan./jun. 2017. apud ALMEIDA JR., E. Comércio eletrônico (e-commerce), 1998. Disponível em: http://blog.segr.com.br/wp-content/uploads/2013/09/Com%C3%A9rcioEletr%C3%B4nico.pdf. Acesso em: 07 jul. 2024.

[10] MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. Editora: Revista dos Tribunais. Edição: 2ª. São Paulo – SP. 2014, p. 120.

[11] A jurista Cláudia Lima Marques diz ainda que a vulnerabilidade do consumidor pode ser entendida como um estado, melhor dizendo, uma “ferida” capaz de ser facilmente atingida, visto que o ente vulnerabilizado caracteriza-se como uma fácil vítima a ser prejudicada por certo fato ou circunstância. In: MARQUES, Claudia Lima. Estudo sobre a vulnerabilidade dos analfabetos na sociedade de consumo: o caso do crédito consignado a consumidores analfabetos. Revista de Direito do Consumidor. Volume: 95/2014, 2014, p. 107.

[12] No processo AREsp 1127506, a Ministra Assusete Magalhães decidiu a favor do PROCON, revertendo uma decisão que havia anulado um auto de infração contra Nova Potocom Comércio Eletrônico S.A. por prática contrária ao Código de Defesa do Consumidor. A decisão original do Tribunal de Justiça de São Paulo foi considerada incorreta, pois a Ministra entendeu que a vantagem manifestamente excessiva deve ser interpretada como desproporcional e incompatível com os princípios da boa-fé e da equidade.In: Superior Tribunal de Justiça – STJ. Decisão Monocrática. Processo AREsp 1127506. Relator(a) Ministra Assusete Magalhães. Data da Publicação DJe 08/08/2017. Decisão Agravo Em Recurso Especial Nº 1.127.506 – SP (2017/0157688-0). Agravante: Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor – PROCON. Agravado: Nova Potocom Comércio Eletrônico S.A.

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Vinculação do Carf na reforma tributária: perigo iminente e eminente

vinculação, enquanto mecanismo de garantia da isonomia e da segurança jurídica, apresenta-se de diversas formas no Direito. Temos a vinculação dos juízes e tribunais aos precedentes qualificados dos tribunais superiores (cf. artigo 927 do Código de Processo Civil). Nessa mesma toada, temos a vinculação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aos precedentes exarados pelo STJ e pelo STF (cf. artigo 98 do Regimento Interno do Carf). Já no âmbito da legislação infralegal, temos a vinculação das Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJs) aos atos normativos expedidos pela Receita Federal do Brasil (RFB). Não faltam exemplos nesse sentido.

E no meio do furacão da reforma tributária que temos vivido nos últimos meses, parecem estar passando despercebidos mais dois exemplos de vinculação que se pretende trazer ao contencioso administrativo tributário, no contexto de divergências possíveis em relação ao Imposto sobre bens e serviços (IBS) e à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Apercebamo-lospois as alterações propostas são importantes e se aproximam com celeridade à realidade do contencioso administrativo.

A reforma tributária e um novo contencioso administrativo para o IBS/CBS

Reformado o sistema tributário pela Emenda Constitucional nº 132/2023 (EC 132), já é consabida a profunda mudança da tributação sobre o consumo que viveremos nos próximos anos, que, como regra geral, sofrerá a incidência do chamado “IVA-dual”, representado pelo IBS (imposto cuja arrecadação será direcionada aos estados e municípios por intermédio do Comitê Gestor) e pela CBS (contribuição destinada aos cofres da União). Fala-se em “IVA-dual” porque os dois tributos serão regidos pelas mesmas regras, com relação ao fato gerador, contribuintes, não cumulatividade, princípio do destino, neutralidade, entre todos os outros elementos trazidos pelo PLP nº 68/2024 para disciplinar, conjuntamente, o IBS e a CBS.

Esse é o cenário do direito material, que com razão busca as melhores práticas da experiência internacional nos IVAs modernos (e.g. Nova Zelândia, Austrália, Canadá e África do Sul).

No que tange ao direito processual administrativo fiscal – enquanto conjunto de normas aplicável às lides tributárias deduzidas perante a administração pública, para apaziguar as lides tributárias — com base no nosso novo sistema de mesmas regras para o “IVA-dual”, parece claro que o ideal seria que tivéssemos um contencioso único, integrado e coeso, para o julgamento tanto do IBS como da CBS, conforme permissão trazida pela EC 132, a o artigo 156-B, §8º da CF. A simplicidade, agora alçada como princípio norteador do Sistema Tributário Nacional (cf. artigo 145, §3º da CF), que teríamos em sendo uma única administração e um único contencioso do “IVA-dual” é inquestionável.

Todavia, sem adentrar nas questões políticas que entornam uma reforma tributária, embora seja tentador tratar a nova tributação sobre o consumo como “um único imposto”, não foi essa a escolha do constituinte. O 149-B da CF serve para determinar que as normas gerais do IBS e da CSB sejam idênticas, mas isso não faz com que os dois tributos se tornem um só. São gêmeos univitelinos, mas não são siameses, em razão das origens do federalismo em que se funda a nossa ordem constitucional.

Nesse contexto foi que o contencioso administrativo único, para o IBS e a CBS, não aconteceu.

Contencioso do IBS x Contencioso da CBS x Divergências interpretativas

Assim, de forma não ideal, mas certamente não inconstitucional, o PLP nº 108 de 2024 (PLP 108/2024) cria o contencioso administrativo do IBS, conforme determinação dos artigo 156-A, §5º, VII e 156-B, III da CF.

Ali está bastante clara a inspiração do texto em alguns aspectos do Decreto 70.235/72, outros tantos da Lei nº 9.784/1999, e ainda outros do Ricarf, no que tange à garantia ao contraditório e ampla defesa, sistema paritário de representação de julgadores, duas instâncias de julgamento e uma de uniformização de jurisprudência (artigo 99), subordinação à precedentes qualificados (artigo 92), enfim, inspirações oriundas do Processo Administrativo Fiscal Federal. Há diferenças importantes, mas há muitas semelhanças.

De outro lado, conforme recentemente noticiado [1], o presidente do Carf revelou que os litígios entre contribuintes e União a respeito da CBS serão julgados pela 3ª Seção do Carf. A atribuição de competência é bastante intuitiva, dentro do sistema do contencioso administrativo federal ora vigente. Afinal, é à 3ª Seção do Carf que cabe o julgamento do PIS e da Cofins, que serão exterminadas com o advento definitivo da CBS. É uma competência de julgamento “por sucessão causa mortis” tributária.

Em sendo essa a realidade, de contenciosos administrativos diferentes para o IBS e para a CBS, evidentemente que será possível que exsurjam divergências de interpretação entre o contencioso administrativo federal (Carf) e o contencioso administrativo do IBS. Mas não é só. Pode ser que haja divergência interpretativa fora do contencioso propriamente dito, em nível de edição de atos normativos/interpretativos infralegais, entre a União e o sistema em torno do Comitê Gestor do IBS.

Por isso, há necessidade de dois níveis de harmonização de interpretação do IBS/CBS: o contencioso e o normativo. Vejamos como ambos aparecem nas propostas legislativas em trâmite.

Desde a primeira versão do PLP 108/2024, havia uma promessa, pouco trabalhada nos dispositivos legais do projeto, de que o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias fariam esse papel, especialmente em relação à harmonização em nível de atos normativos infralegais [2].

Os detalhes sobre a composição e as atribuições desses órgãos encontravam-se no PLP 68/2024, cujo artigo 317, inciso I determina que o comitê será formado por quatro representantes da RFB e 4 representantes do Comitê Gestor; e o artigo 319 afirma que compete ao comitê: 1) uniformizar a regulamentação e a interpretação da legislação relativa ao IBS e à CBS em relação às matérias comuns; 2) prevenir litígios relativos às normas comuns aplicáveis ao IBS e à CBS; e 3) deliberar sobre obrigações acessórias e procedimentos comuns relativos ao IBS e à CBS. Ao fórum fica a função de, além de analisar relevantes e disseminadas controvérsias do IVA-dual, atuar como órgão consultivo do comitê.

Em 8 de julho de 2024 tivemos a apresentação, do pelo grupo de trabalho (GT) da regulamentação da reforma tributária, do substitutivo ao texto do PLP 108/2024.

O artigo 111 do substitutivo deixa claro que o órgão que servirá para a solucionar divergências interpretativas em nível de julgamento, vale dizer, de jurisprudência administrativa, é o comitê. Ato contínuo, o artigo 112 determina que as decisões do comitê terão caráter vinculante:

“Art. 111. A uniformização da jurisprudência administrativa do IBS e da CBS será realizada pelo Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias relativas ao IBS e à CBS por encaminhamento pelas seguintes autoridades:

I – o Presidente do Comitê Gestor do IBS; e

II – a autoridade máxima do Ministério da Fazenda.”

“Art. 112. As decisões tomadas pelo Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias terão caráter de provimento vinculante a partir de sua publicação no Diário Oficial da União.”

A dúvida que aparece é sobre os destinatários dessa vinculação. Quais seriam? É aqui que se requer atenção, com itálicos, negritos e sublinhados oportunos.

Depois de apresentar as três instâncias de julgamento administrativo do IBS, o artigo 100 do Substitutivo do PLP 108 coloca que:

“Art. 100. A harmonização do IBS e da CBS será garantida pelo Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias de que trata a Lei Complementar que institui o IBS e a CBS, cujas decisões terão caráter de provimento vinculante para os órgãos julgadores administrativos.

Parágrafo único. No exercício da atividade de harmonização de que trata o caput, o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias ouvirá obrigatoriamente o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias, que participará necessariamente das reuniões do Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias.”

Paralelamente, o artigo 319, parágrafo único e o artigo 321 do PLP 68/2024 determinam:

“Art. 309. Compete ao Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias: (…)

Parágrafo único. As resoluções aprovadas pelo Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias, a partir de sua publicação no Diário Oficial da União, vincularão as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

“Art. 311. Ato conjunto do Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e do Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias deverá ser observado, a partir de sua publicação no Diário Oficial da União, nos atos administrativos, normativos e decisórios praticados pelas administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e nos atos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e das Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

Aí estão as novas hipóteses de vinculação que se propõe sejam adotadas no âmbito do contencioso tributário: que as decisões do comitê e do fórum, sobre dúvidas interpretativas a respeito de qualquer questão que seja comum ao IBS e à CBS, sejam de observância obrigatória pelos órgãos julgadores das matérias, vale dizer, o Carf [3] e quaisquer das instâncias de julgamento do IBS!

Críticas à vinculação do contencioso ao comitê de harmonização

Pois bem. Do ponto de vista de harmonização da jurisprudência, a regra causa profundo espanto. As decisões proferidas pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf não são vinculantes para as turmas ordinárias do mesmo tribunal. Por que então as decisões dessa “instância de uniformização”, exclusivamente quanto à jurisprudência da CBS, seriam vinculantes à 3ª Seção do Carf? Difícil escrever obviedades, mas o Carf julga e julgará tributos diferentes da CBS, que não terão qualquer limitação vinculativa desse jaez, de modo que a previsão do artigo 100 do PLP 108, quando aplicada na prática, torna o Carf um tribunal com regras processuais diversas a depender das matérias sob julgamento, o que não faz sentido, nunca aconteceu, e não tem razão de ser.

Não fosse o bastante, a composição do comitê e do fórum exclusivamente por representes da RFB, da Procuradoria e do Comitê Gestor faz todo o sistema de paridade do julgamento administrativo cair por terra. Do que adianta prever um contencioso administrativo no qual as instâncias de julgamento contam com representantes dos contribuintes, se a decisão final sobre uma matéria será tomada sem a participação desses? Quando do advento do substitutivo, pensamos por um momento que a inclusão de representantes dos contribuintes na Câmara Superior do IBS (cf. artigo 110, §1º, III do PLP 108/2024) demonstrava uma sensibilidade com a questão, mas agora está claro que isso não aconteceu de forma suficiente, permanecendo o problema da falta de credibilidade e coerência no ápice do sistema.

E agora do ponto de vista da harmonização de entendimento por atos normativos infralegais — cuja vinculação aos dizeres do comitê está posta no PLP 68/2024 – trata-se proposta legal que tolhe profundamente a consolidada competência cognitiva que o Carf possui, bem como faz natimorta essa mesma competência no âmbito do contencioso do IBS. Com feito, o Carf e todas as instâncias do contencioso do IBS, ficam com a sua capacidade de verticalização do julgamento prejudicada. Afinal, sabe-se que o Carf está impedido de promover o controle de constitucionalidade das normas que aplica às lides que lhe são dirigidas (cf. Súmula Carf nº 2 e artigo 26-A do Decreto 70.235/72), mas tradicionalmente sempre foi instância com o poder/dever, inclusive dentro do contexto de controle interno dos atos administrativos (cf. artigo 53 da Lei nº 9.78/1999), de afastar atos normativos ilegais. Assim, se aplicada a literalidade do artigo 100 do PLP 108, enquanto vinculação do contencioso administrativo à legislação tributária, parte do Carf (a 3ª Seção de Julgamento) não poderá, como pode hoje em dia, julgar conforme a lei, entendendo que determinado ato normativo é ilegal. Afinal, no que tange à CBS, estará “vinculado” ao que o Comitê diz que é que interpretação adequada.

Para além da necessidade do interesse da própria administração pública na citada autotutela da legalidade dos seus atos, mediante processo administrativo competente, a submissão do contencioso administrativo em sua inteireza aos atos interpretativos exarados pelo comitê vai na contramão do princípio da legalidade, que, até onde essa colunista pode depreender, não foi revogado pela EC 132/2023.

Por fim, vê-se que a proposta é cega ao fato que os contribuintes, se restarem vencidos no âmbito administrativo, sempre podem se socorrer ao Poder Judiciário, pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição [4]. Quer dizer que autuações fiscais feitas com base em legislação tributária desconforme à lei em sentido estrito, invariavelmente levará às Fazendas Públicas a um litígio judicial, o que gerará sucumbência contra o poder público. Certamente não é esse o melhor cenário para a sociedade como um todo.

De tudo isso, vê-se que temos uma reforma do processo administrativo tributário que merece muito mais atenção nos seus detalhes, como o apresentado no presente texto. As novas hipóteses de vinculação, trazidas pelo PLP 108 e pelo PLP 68 podem significar problemas estrondosos para o contencioso administrativo fiscal como um todo. Esperamos que exista tempo de resolvê-los ante da finalização do trâmite legislativo, inclusive tendo a oportunidade de observar bons exemplos de diálogo na relação entre Fisco e contribuinte, sempre no intuito de zelar pelo interesse público, como temos na Sejan (Câmara de Promoção de Segurança Jurídica no Ambiente de Negócios) no âmbito da AGU. O trabalho de harmonização de interpretação entre RFB e Procuradoria da Fazenda Nacional, com a participação da sociedade civil, é de fato inspirador, podendo trazer novos ares para a tão necessária necessidade de harmonização que teremos com a vigência do IBS e da CBS.


[1] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/processos-sobre-cbs-serao-analisados-pela-3a-secao-do-carf-03072024

[2] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/07/01/reforma-preve-mecanismos-para-evitar-litigios-sobre-novos-tributos.ghtml

[3] Também à DRJ, evidentemente.

[4] Onde o problema da uniformização também existirá, haja vista, em princípio, a competência para a Justiça Estadual julgar o IBS e a Justiça Federal a CBS, o que também tem sido objeto de muito debate. Aqui, a função uniformizadora ficaria sob responsabilidade dos Tribunais Superiores (STJ e STF), mas não sem antes perdurar decisões divergentes entre as citadas Justiças Estadual e Federal.

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Tributação, atração de investimentos, regionalização e guerra fiscal no IVA

Entre os dias 25 e 26 de junho ocorreu em Lisboa, Portugal, um evento extraordinário organizado pelo Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe), capitaneado pelo economista José Roberto Afonso, com vários painéis compostos por economistas, contadores e advogados de diversos países e representando muitos organismos multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Comissão Europeia para a Coesão e Reformas.

Tive a honra de participar de um painel sobre Atração de investimentos para reconstrução e modernização de economias e suas regiões, tendo por moderador Luciano Fuck, e como debatedores Ricardo Mourinho Félix (advisor do board do Banco de Portugal), Joaquim Levy (ex-ministro da Fazenda do Brasil) e Alexandre Cialdini (secretário de Planejamento e Gestão do Ceará), com quem muito aprendi.

Minha exposição centrou-se na reforma tributária do consumo e seus impactos no desenvolvimento regional brasileiro.

Guerra fratricida

É inegável que nas últimas duas décadas o investimento privado, que estava concentrado na região Centro-Sul e na Zona Franca de Manaus, passou a ser dirigido para outras regiões, como o Norte, Nordeste e Centro Oeste, com transferência de empresas e novos negócios. Isso ocorreu por meio de um instrumento destrutivo e absolutamente sem coordenação que foi a guerra fiscal do ICMS, que acarretou um verdadeiro fratricídio entre os estados de nossa federação.

Isso decorreu do desinteresse da União em utilizar os mecanismos de desenvolvimento regional existentes, como a política de incentivos fiscais e financeiros, pois meio de órgãos como Sudam e Sudene, e de incentivo econômico, por meio de bancos regionais de desenvolvimento. Esses mecanismos foram abandonados pela União, ao invés de corrigir suas falhas.

Por exemplo, na política de incentivos econômicos, que se constitui em uma espécie de federalismo econômico, há o direcionamento de 3% de todos os valores arrecadados de IPI e de IR para que bancos de desenvolvimento regional financiem o setor produtivo na região Norte (por meio do Basa), na região Nordeste (por meio do Banco do Nordeste) e na região Centro Oeste (por meio do Banco do Brasil).

Ocorre que os contratos de financiamento possuíam uma cláusula extremamente perversa, que fazia cair por terra a intenção, afastando qualquer investidor bem-intencionado que tivesse um mínimo de assessoramento jurídico na hora de firmar o contrato.

Tal cláusula previa que, havendo atraso no pagamento de três parcelas, os juros reduzidos e o prazo de carência seriam recalculados de forma retroativa, aplicando-se juros de mercado e com vencimento antecipado de toda a dívida.

Ora, sabe-se que muitos empreendimentos possuem dificuldades em sua implantação ou para concretizar projetos de modernização ou expansão, e o atraso é algo muito usual, ainda mais em regiões de difícil atuação econômica, não se configurando uma plena inadimplência contratual, mas uma dificuldade momentânea e passageira, que mereceria um olhar mais cuidadoso por parte desses bancos, ao invés de aplicação de uma cláusula leonina.

Isso acabou por enterrar o programa de desenvolvimento e levar diversos projetos privados ao insucesso. Imagine o leitor assumir um financiamento em cem parcelas, atrasar as quatro últimas, e ver todo o financiamento recalculado com juros majorados. Não dá para suportar.

Demonização da renúncia fiscal

Outro exemplo se verifica na questão dos incentivos fiscais e financeiros, no âmbito da Sudam e Sudene.

O modelo de incentivos fiscais permite que esses órgãos aprovem projetos de empresas que visem se instalar nessas regiões, abrindo mão de recursos tributários caso algumas metas sejam alcançadas, como na quantidade de empregos gerados, de redução de impactos ambientais, de substituição de importações etc. Ocorre que há alguns anos a expressão “renúncia fiscal” passou a ser demonizada em nosso país, fazendo com que essa sistemática fosse abandonada.

O modelo de incentivos financeiros permitia que a União, mediante aporte de capital, se tornasse acionista desses empreendimentos, o que gerava a possibilidade de, como qualquer acionista, ter informações e pudesse exercer algum tipo de controle sobre a atividade da empresa. Ocorre que os aportes de capital aprovados pela Sudam e Sudene jamais cumpriam o cronograma de desembolso aprovado, obrigando as empresas a irem ao mercado em busca de recursos para respeitar o que havia sido aprovado e era exigido pela fiscalização.

Todavia, com o descasamento do aporte de capitais públicos, e a necessidade de obter empréstimos sob condições de mercado, as empresas acabaram por ter pesados ônus financeiros imprevistos, fazendo com que os projetos sucumbissem.

Nesse sentido, o descaso da União com as políticas de desenvolvimento regional acabou por fazer com que os governadores fossem em busca de desenvolvimento estadual, o que ocorreu por meio da guerra fiscal do ICMS, de forma concorrencial, predatória e descoordenada.

Risco

Com a reforma tributária do consumo aprovada pela EC 132, passa-se a ter uma alíquota básica uniforme para todos os bens e serviços em cada território estadual ou municipal, esperando-se que a guerra fiscal termine, mas ela pode permanecer. O que impede que o estado ou município reduza fortemente sua alíquota para atrair investimentos para seu território? Nada.

Havendo redução, não se há de falar em incentivo fiscal, pois a alíquota básica permanecerá a mesma, do feijão ao aviãodo alfinete ao foguete. A sustentabilidade entre receitas e despesas pode ser fortemente abalada, mas nem isso está proibido, pois a Constituição apenas prevê a sustentabilidade da dívida. Assim, nada impede que o estado do Pará reduza sua alíquota básica de IVA, visando competir com o oceano de vantagens fiscais e financeiras que terão seus vizinhos, os estados do Amazonas e do Amapá. Ou faz isso, ou economicamente falece.

Se a União não for ágil e eficiente na retomada de políticas de desenvolvimento regional, tratando desigualmente os desiguais e implementando um federalismo econômico e financeiro assimétrico, a guerra fiscal retornará ainda pior.

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Auxílio-doença pago junto com aposentadoria não pode ser devolvido

Benefícios previdenciários têm natureza alimentar, ou seja, são voltados à subsistência, e o pagamento de suas parcelas por longo período gera no segurado o sentimento de que sempre poderá contar com esse dinheiro. Assim, não é justo exigir a restituição de valores já consumidos.

INSS deve restituir descontos que promoveu na aposentadoria da autora na tentativa de compensar auxílio-doença – Agência Brasil

Com esse entendimento, o juiz Wesley Schneider Collyer, da 1ª Vara Federal de Cascavel (PR), decidiu que parcelas de auxílio-doença pagas a uma mulher não podem ser devolvidas e ainda condenou o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a restituir valores descontados da aposentadoria por invalidez recebida pela autora.

A mulher recebeu auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao mesmo tempo por certo período. Isso porque a data de início da aposentadoria por invalidez retroagiu e atingiu o período em que o auxílio-doença vinha sendo pago.

Devido ao “pagamento em duplicidade”, o INSS promoveu descontos na aposentadoria da autora, para compensar os valores recebidos no auxílio-doença.

Sem má-fé

A mulher, então, acionou a Justiça e alegou que não agiu com má-fé, nem induziu o INSS a erro. Ela pediu a devolução dos valores descontados.

O juiz Wesley Schneider Collyer concordou que “não houve ardil, nem má-fé” da autora, mas apenas a concessão da aposentadoria com data retroativa, que ocasionou o pagamento conjunto do benefício com o auxílio-doença por certo tempo.

Devido à “evidente boa-fé” da autora, somada ao “caráter alimentar do benefício recebido”, o julgador considerou que os valores “pagos em excesso” não poderiam ser devolvidos.

Atuou no caso a advogada Nayara Cadamuro Weber.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 5002966-90.2024.4.04.7005

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Projeto estabelece prisão após segunda instância e fim da audiência de custódia

O deputado federal General Pazuello (PL-RJ) apresentou projeto de lei (PL 619/2024) que estabelece a prisão após condenação em segunda instância e acaba com a audiência de custódia. Atualmente, a Constituição Federal e o Código de Processo Penal só admitem a prisão após o trânsito em julgado da sentença condenatória, salvo flagrante delito.

A proposta também dispensa a autoridade de informar à família, em um primeiro momento, ou outra pessoa indicada pelo preso sobre a prisão. Apenas o Ministério Público e advogado (ou Defensoria Pública) deverão ser avisados. Só após 24 horas da prisão, a família será contatada.

Segundo o deputado General Pazuello (PL-RJ), autor do projeto, o objetivo é eliminar lacunas interpretativas que possam gerar nulidades desnecessárias nos processos criminais. “A insegurança jurídica resultante de interpretações divergentes pode conduzir a decisões contraditórias e à soltura de indivíduos perigosos para a ordem social”, disse.

Decisão do STF

Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal mudou de entendimento e passou a permitir a execução da pena após condenação em segundo grau. A decisão foi muito elogiada pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos demais integrantes da força-tarefa da operação “lava jato”, mas severamente criticada por constitucionalistas e criminalistas.

Em 2019, porém, a corte resgatou o entendimentofirmado em 2009 e declarou a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, proibindo a execução provisória da pena.

Logo em seguida surgiram propostas para alterar a Constituição ou o CPP para voltar a permitir a prisão após condenação em segundo grau, como a apresentada agora por Pazuello.

São ideias que estão nas mesas de debate há algum tempo. Mas só poderão sair do papel se for feita uma nova Constituição. Na atual, o inciso LVII do artigo 5º diz que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. É o princípio da presunção de inocência, que não pode ser relativizado por nenhuma lei, afirmaram constitucionalistas consultados pela ConJur.

Prisão preventiva

A proposta também permite que seja decretada prisão preventiva para evitar prática de novas infrações, diferente do que estabelece o CPP atualmente. O projeto revoga a necessidade de justificar a prisão preventiva e a possibilidade de ela ser revogada.

Atualmente, esse tipo de prisão é prevista em caso de crimes dolosos punidos com pena de mais de quatro anos de cárcere.

A proposta amplia a possibilidade de preventiva para casos em que houver indícios de o acusado praticar infrações penais constantemente. Além disso, também serão objeto de prisão preventiva crimes com violência, grave ameaça, porte ilegal de arma, racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, quadrilha, crimes hediondos ou cometidos contra o Estado Democrático de Direito.

A regra vale inclusive para a presa gestante, mãe ou responsável por criança ou pessoa com deficiência. A lei atual garante prisão domiciliar para essas mulheres.

Revogações

O texto revoga as disposições sobre o juiz das garantias, função prevista no CPP para salvaguardar os direitos individuais dos investigados e a legalidade da investigação criminal durante o inquérito policial.

O projeto também revoga o acordo de não persecução penal, ajuste jurídico antes do processo fechado entre o Ministério Público e o investigado, acompanhado por seu defensor. Nele, as partes negociam cláusulas a serem cumpridas pelo acusado, que, ao final, é favorecido pela extinção da pena.

Também é revogada a cadeia de custódia  conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. Com informações da Agência Câmara.

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CGU diz que não irá criar novo índice de corrupção, mas levantar dados já existentes

A Controladoria-Geral da União publicou na segunda-feira (8/7) edital que prevê a contratação de estudo para mapear e analisar indicadores envolvendo corrupção, integridade pública, boa governança e transparência pública.

Na segunda, a revista eletrônico Consultor Jurídico divulgou que o objetivo do órgão era criar seu próprio índice sobre corrupção. A CGU, no entanto, informou que o edital tem como propósito contratar estudo para mapear e analisar indicadores já existentes.

“Este trabalho contribuirá para a missão da CGU de formular e difundir diretrizes para a implementação de políticas e programas de integridade e compliance em instituições brasileiras. Espera-se que tal estudo auxilie a CGU na formulação e avaliação de tais programas e políticas”, disse o órgão em nota.

“O processo de contratação faz parte de um acordo de cooperação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), seguindo as diretrizes estabelecidas pelo organismo internacional”, concluiu a CGU.

“Ranking”

A pesquisa encomendada pela CGU deverá ficar pronta em 90 dias. O resultado tende a confrontar o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), divulgado pela organização privada Transparência Internacional (TI).

Seis meses atrás, houve uma polêmica entre CGU e Transparência Internacional quando foi revelado o IPC de 2023. O indicador apontou que o Brasil caiu dez posições no ranking global da corrupção em relação a 2022. Integrantes da TI aproveitaram o resultado para sugerir que governo federal atual estaria “falhando” no controle da corrupção.

A entidade usou como argumento uma suposta interferência indevida do governo em indicações para vagas no Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria-Geral da República. E aproveitou ainda para criticar decisões do STF que limitaram acordos de leniência promovidos no âmbito da finada “lava jato”.

Mais tarde ficou claro que a interpretação não tinha relação com a realidade e a Transparência Internacional apenas usava o IPC para manipular a opinião pública. A entidade é alvo de uma investigação sobre as relações de seus dirigentes com integrantes da “lava jato” em um possível conluio para o desvio e a apropriação de recursos dos acordos de leniência.

Hoje se sabe que o IPC é um índice precário e incapaz de refletir o impacto de políticas públicas no controle da corrupção. Em essência, o IPC é apenas uma pesquisa de opinião com um grupo seleto de empresários. Trata-se de uma metodologia tendenciosa e de baixa credibilidade, principalmente em cenários políticos instáveis.

Não bastassem esses problemas, a pesquisa ainda usa dados velhos. Logo, seria impossível o IPC refletir acontecimentos recentes, como indicações e decisões do STF. Ou seja, a interpretação do resultado do IPC oferecida pela Transparência Internacional foi manipulada para defender as opiniões de seus integrantes, sem haver base fática para tal.

O ministro da CGU, Vinícius de Carvalho, publicou no início do ano um artigo denunciando essas falhas e apontando outras limitações do IPC. “Especialistas documentam, há mais de década, problemas com essa forma de medir a temperatura da corrupção. No mínimo, é preciso muito cuidado ao comparar notas do IPC”, afirmou ele.

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CGU diz que não irá criar novo índice de corrupção, mas levantar dados já existentes

A Controladoria-Geral da União publicou na segunda-feira (8/7) edital que prevê a contratação de estudo para mapear e analisar indicadores envolvendo corrupção, integridade pública, boa governança e transparência pública.

Na segunda, a revista eletrônico Consultor Jurídico divulgou que o objetivo do órgão era criar seu próprio índice sobre corrupção. A CGU, no entanto, informou que o edital tem como propósito contratar estudo para mapear e analisar indicadores já existentes.

“Este trabalho contribuirá para a missão da CGU de formular e difundir diretrizes para a implementação de políticas e programas de integridade e compliance em instituições brasileiras. Espera-se que tal estudo auxilie a CGU na formulação e avaliação de tais programas e políticas”, disse o órgão em nota.

“O processo de contratação faz parte de um acordo de cooperação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), seguindo as diretrizes estabelecidas pelo organismo internacional”, concluiu a CGU.

“Ranking”

A pesquisa encomendada pela CGU deverá ficar pronta em 90 dias. O resultado tende a confrontar o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), divulgado pela organização privada Transparência Internacional (TI).

Seis meses atrás, houve uma polêmica entre CGU e Transparência Internacional quando foi revelado o IPC de 2023. O indicador apontou que o Brasil caiu dez posições no ranking global da corrupção em relação a 2022. Integrantes da TI aproveitaram o resultado para sugerir que governo federal atual estaria “falhando” no controle da corrupção.

A entidade usou como argumento uma suposta interferência indevida do governo em indicações para vagas no Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria-Geral da República. E aproveitou ainda para criticar decisões do STF que limitaram acordos de leniência promovidos no âmbito da finada “lava jato”.

Mais tarde ficou claro que a interpretação não tinha relação com a realidade e a Transparência Internacional apenas usava o IPC para manipular a opinião pública. A entidade é alvo de uma investigação sobre as relações de seus dirigentes com integrantes da “lava jato” em um possível conluio para o desvio e a apropriação de recursos dos acordos de leniência.

Hoje se sabe que o IPC é um índice precário e incapaz de refletir o impacto de políticas públicas no controle da corrupção. Em essência, o IPC é apenas uma pesquisa de opinião com um grupo seleto de empresários. Trata-se de uma metodologia tendenciosa e de baixa credibilidade, principalmente em cenários políticos instáveis.

Não bastassem esses problemas, a pesquisa ainda usa dados velhos. Logo, seria impossível o IPC refletir acontecimentos recentes, como indicações e decisões do STF. Ou seja, a interpretação do resultado do IPC oferecida pela Transparência Internacional foi manipulada para defender as opiniões de seus integrantes, sem haver base fática para tal.

O ministro da CGU, Vinícius de Carvalho, publicou no início do ano um artigo denunciando essas falhas e apontando outras limitações do IPC. “Especialistas documentam, há mais de década, problemas com essa forma de medir a temperatura da corrupção. No mínimo, é preciso muito cuidado ao comparar notas do IPC”, afirmou ele.

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