Jurisprudência define limites e garantias na atividade dos cartórios extrajudiciais

Nas últimas décadas, o modelo de fiscalização sobre as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) estruturou-se com base em uma dualidade funcional: a supervisão técnica direta, realizada pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), conhecida como controle de primeira ordem, e o controle externo, exercido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as entidades no âmbito federal. Este último, voltado à verificação da legalidade, legitimidade e economicidade da aplicação de recursos públicos, conhecido como controle de segunda ordem.

Contudo, a despeito de ser pactuada assim, logo nos primeiros anos, a fronteira entre primeira e segunda ordem de controle foi borrada e essa interpretação foi sendo progressivamente revista no âmbito do próprio Tribunal de Contas. A Corte passou a afastar a ideia de precedência funcional entre os órgãos, afirmando que não existe uma relação de subordinação entre as atuações da Previc e do TCU. Assim, ambas as instituições podem exercer seus controles de forma autônoma e simultânea, dentro de suas competências constitucionais e legais.

Essa mudança de entendimento abriu caminho para uma ampliação da atuação direta do TCU sobre as EFPCs, sobretudo nos casos em que haja aporte de recursos públicos ou interesse relevante da União na governança dessas entidades, o que ocorre nos fundos patrocinados por estatais.

Regulamentação dos procedimentos do TCU

A consolidação dessa nova postura institucional se deu com a edição da Instrução Normativa nº 99 de 2025 (IN), que passou a regulamentar os procedimentos de fiscalização do TCU sobre os fundos de pensão. A minuta inicial da IN foi objeto de intenso debate no setor, pois estabelecia regras bastante rígidas e centralizadoras, com exigências de reporte, prazos curtos e uma estrutura que, na prática, poderia suprimir a autonomia técnico-gestora das entidades.

Após o amadurecimento das discussões internas no Tribunal, inclusive com as contribuições da Previc, a versão final publicada do normativo refletiu uma postura mais equilibrada para o controle. O texto preservou o espaço de atuação fiscalizatória do TCU, mas também reconheceu a especificidade e complexidade do regime de previdência complementar fechada.

Ato de regular de gestão

Uma das inovações mais relevantes dessa versão final foi exatamente a inclusão expressa do conceito de “ato regular de gestão” como critério de avaliação da conduta dos administradores e conselheiros das EFPCs (artigo 4º [1]). Trata-se de um marco importante, pois alinha o entendimento do TCU com a Resolução Previc nº 23, de 2023, especialmente o disposto em seu artigo 230 [2], que define o que se entende por ato regular de gestão no âmbito da supervisão da previdência complementar.

Ambos tratam do ato regular de gestão como aquele que demonstra a presença de boa-fé na administração dos recursos da entidade. Essa conduta se caracteriza quando o gestor atua com capacidade técnica e de forma diligente, cumprindo os deveres fiduciários que lhe são atribuídos, sendo essencial que ocorra dentro dos limites de suas competências legais e regulamentares, sem infringir a legislação aplicável, o estatuto da entidade ou seus regulamentos internos.

Exige-se, para a configuração do ato como regular, que a decisão tenha sido tomada com base em critérios técnicos adequados, de forma informada, refletida e desprovida de interesses pessoais. Trata-se de norma que reconhece a complexidade inerente à gestão de ativos, à alocação de recursos e à administração de riscos em fundos de pensão.

Para avaliar se determinado ato se enquadra nessa definição, deve-se levar em conta o conjunto de informações e documentos disponíveis no momento em que a decisão foi tomada, ou a ação executada, respeitando o contexto e os registros existentes à época. E, por isso, de forma expressa, a Resolução Previc determina que os fundos de pensão conservem os registros e documentos que embasaram cada decisão ou ato praticado.

Por outro lado, não será considerado ato regular de gestão quando, em qualquer momento, ficar comprovada a ocorrência de ilegalidade ou simulação que comprometa qualquer dos elementos exigidos para a sua caracterização, nos termos do § 3º do artigo 230 da Resolução Previc.

Erro de gestão, má-fé e resultado negativo de irregularidade

Ao mencionar esse mesmo conceito em sua Instrução Normativa, o TCU reconhece a importância de diferenciar erro de gestão de má-fé e resultado negativo de irregularidade, institucionalizando um normativo técnico, que explicita a sensibilidade institucional do Tribunal na busca por harmonização normativa entre órgãos de controle, algo fundamental para a segurança jurídica das EFPCs e para a estabilidade da governança do sistema.

Entretanto, a lógica que sustenta esse conceito já encontrava respaldo, ainda que de forma implícita, na aplicação, pelo TCU, da regra da Business Judgment Rule [3], doutrina oriunda do direito societário norte-americano, mas há muito reconhecida e recepcionada pelo Tribunal em diversos julgados.

Essa construção jurisprudencial teve um marco importante no Acórdão nº 2824/2015 — Plenário, de relatoria do ministro José Múcio Monteiro [4], proferido no âmbito de uma auditoria. O Tribunal reconheceu que, embora o gestor público deva responder por seus atos, não se pode imputar-lhe responsabilidade automática pelos eventuais prejuízos decorrentes de suas decisões, desde que essas tenham sido tomadas com observância dos deveres de diligência e lealdade.

O acórdão incorporou expressamente os fundamentos da Business Judgment Rule, afirmando que o papel do controle externo não é o de reavaliar o mérito das escolhas administrativas, mas sim de verificar se o processo decisório seguiu padrões mínimos de racionalidade, legalidade, técnica e boa-fé. Estabeleceu-se, ali, um padrão de atuação para o gestor público que, uma vez observado, confere um escudo protetivo contra a responsabilização pessoal, ainda que o resultado da decisão não tenha sido o esperado.

Conduta dos gestores das EFPCs

É justamente essa lógica que a IN nº 99 do TCU consolida ao adotar como parâmetro de aferição de conduta dos gestores das EFPCs o conceito de ato regular de gestão: a atuação fundamentada, diligente, tecnicamente embasada e alinhada com os deveres fiduciários. Explicita em termos normativos aquilo que já vinha sendo afirmado em sua jurisprudência, sem acrescentar nenhum outro requisito para a configuração do ato regular de gestão.

Mais do que uma simples transposição conceitual, a valorização do ato regular de gestão expressa no normativo sinaliza um avanço na forma como o TCU compreende sua própria atuação fiscalizatória: agora, com um olhar contextualizado, proporcional e mais compatível com a lógica de um regime de previdência complementar, que lida com riscos e incertezas estruturais e exige, portanto, margem técnica para decisões fundamentadas, ainda que sujeitas a revisões futuras.

Inclusive, o ministro Benjamin Zymler, que veio a ser o relator da IN nº 99/2025, ao examinar o conceito de ato regular de gestão tal como editado pela Previc no bojo de uma Representação no âmbito do Tribunal — em momento anterior à edição do normativo pela Corte de Contas — contribuiu para a sua interpretação e balizamento. Ao traçar um paralelo com a avaliação de responsabilidade de administradores de estatais, ressaltou que “a régua para avaliação do erro grosseiro a que se refere o art. 58 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) seria a configuração de um “ato regular de gestão” pelos administradores, em cumprimento dos seus deveres fiduciários, demonstrando que decidiram de forma leal, refletida e desinteressada” [5].

Deixou claro que, para afastar eventual configuração da prática de erro grosseiro e consequentemente obter o reconhecimento do ato praticado como regular de gestão, hipótese em que as decisões dos administradores dos fundos de pensão não seriam apenáveis, dever restar evidenciado no processo:

  1. a respectiva capacidade técnica (refutando eventual configuração de imperícia);
  2. a diligência em solicitar informações para decisão (de modo a não caracterizar uma negligência);
  3. a reflexão e análise de riscos ao decidir (afastando a imprudência);
  4. atos em conformidade com os poderes e atribuições de cada responsável (relacionado a potencial desvio/abuso de poder); e
  5. a não existência de ato ilícito ou simulação (com materialização de dolo).

Em suma, adotando-se uma postura contextualista, evitando-se os excessos de um controle pautado num viés retrospectivo, penalizando gestores a partir de elementos que sequer existiam à época da prática do ato. Citando, mais uma vez, o ministro Zymler:

A doutrina converge muitíssimo, de forma pragmática e menos subjetiva, ao que historicamente esta Corte considera como excludente de culpa, em termos de boa-fé objetiva; e mais recentemente a Lindb reconhece como erro grosseiro (…)
(…) os administradores dessas entidades atuam de forma muitíssimo semelhante aos dirigentes das empresas de capital aberto: administram recursos de terceiros, com deveres fiduciários e investir as disponibilidades para garantia do equilíbrio atuarial dos segurados. Tendo em vista terem que atuar no mercado, com natural exposição a riscos, não têm o dever absoluto de “ganhar dinheiro”, mas de demonstrar a atuação leal, refletida e desinteressada (…). [6]

Como aplicar análise do ato regular de gestão

Dessa maneira, a real preocupação que emerge nesse contexto, e que merece acompanhamento detido, não é mais conceitual, mas prática e metodológica: como o TCU aplicará, de fato, a análise do ato regular de gestão nas suas futuras fiscalizações envolvendo EFPCs? A eficácia dessa inovação normativa dependerá, sobretudo, da coerência entre o discurso normativo e a prática de julgamento. Há uma tensão entre a promessa de uma avaliação técnica e contextualizada e a persistência de julgamentos baseados em uma leitura retrospectiva, que, olhando o resultado de hoje, cobra do gestor um grau de precisão que não era exigível no momento da decisão.

Esse ponto foi, inclusive, corretamente alertado pelo próprio ministro Benjamin Zymler, quando relatou a IN nº 99/2025, ao destacar que a análise do ato de gestão deve considerar as informações e os dados disponíveis à época em que a decisão foi tomada.

Portanto, entendemos fundamental consignar que de nada adianta reconhecer formalmente a lógica da Business Judgment Rule e encampar o conceito de ato regular de gestão já praticado pela Previc e, na prática, aplicar punição a dirigentes por decisões tomadas com base em informações válidas, técnicas e diligentes à época, apenas porque os desdobramentos posteriores não foram os desejados.

Feito esse esforço de aproximações e distinções entre a Business Judgment Rule e o ato regular de gestão, a expectativa dos stakeholders de previdência complementar é que a positivação dos conceitos tenha efeitos práticos reais, evitando punições por decisões tomadas com base em informações válidas, técnicas e diligentes, à luz do que se sabia à época.


[1] Art. 4º A responsabilização por irregularidades nas negociações com valores mobiliários pelo Tribunal de Contas da União deverá, no que couber, observar, além das normas de direito público, os parâmetros estabelecidos nos arts. 153 a 156 e 158 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

§ 1º A conduta configurada como “ato regular de gestão” caracteriza a boa-fé objetiva na gestão dos recursos e será identificada quando presentes os seguintes elementos: I – capacidade técnica e diligência, em cumprimento aos deveres fiduciários em relação à entidade; II – dentro de suas atribuições e poderes, sem violação da legislação, do estatuto e dos respectivos regulamentos; e

III – fundado na técnica aplicável, mediante decisão negocial informada, refletida e desinteressada. § 2º Para avaliação do ato regular de gestão, devem ser consideradas as informações e dados disponíveis à época em que a decisão foi tomada ou o ato praticado, de acordo com registro dos documentos que fundamentaram a decisão ou ato.

[2] Art. 230. A conduta caracterizada como ato regular de gestão não configura infração à legislação no âmbito do regime de previdência complementar, operado pelas entidades fechadas de previdência complementar.

§ 1º Considera-se ato regular de gestão, nos termos do parágrafo único do art. 22 da Resolução CGPC nº 13, de 2004, aquele praticado por pessoa física: I – de boa-fé, com capacidade técnica e diligência, em cumprimento aos deveres fiduciários em relação à entidade de previdência complementar e aos participantes e assistidos dos planos de benefícios; II – dentro de suas atribuições e poderes, sem violação da legislação, do estatuto e do regulamento dos planos de benefícios; e III – fundado na técnica aplicável, mediante decisão negocial informada e refletida.

§ 2º Para avaliação do ato regular de gestão, devem ser consideradas as informações e dados disponíveis à época em que a decisão foi tomada ou o ato praticado, competindo à entidade fechada de previdência complementar manter registro dos documentos que fundamentaram a decisão ou o ato.

§ 3º Não se caracterizará o ato regular de gestão quando demonstrada, a qualquer tempo, a existência de ato ilícito ou de simulação que afastem quaisquer dos requisitos de que trata o §1º.

[3] Expressão usualmente traduzida como “regra de decisão empresarial”. Nas palavras de Nelson Eizirik: “A finalidade da regra é oferecer um ‘porto seguro’ aos administradores, que devem ser encorajados a correr os riscos inerentes à gestão empresarial e não podem ficar permanentemente sujeitos a terem suas decisões revistas. Os administradores devem ter uma razoável margem de discricionariedade em sua atuação, podendo avaliar a conveniência e a oportunidade de determinadas decisões visando à maximização dos lucros da companhia. A redução da discricionariedade da administração pode inviabilizar a gestão empresarial, pelo excessivo ‘engessamento’ de suas atividades.” (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S.A. Comentada, São Paulo/Quartier Latin, 2011, v. II, p. 416-417).

caput do art. 158 da Lei das S.A. assim dispõe: “O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder […]”.

[4] O Acórdão foi proferido no âmbito da TC-004.920/2015-5 em 04.11.2015. Tratou-se de auditoria realizada na Petróleo Brasileiro S.A., com o objetivo de examinar os atos de gestão relativos ao prejuízo da ordem de R$ 2,8 bilhões, reconhecido no balanço Patrimonial de 2014 da companhia, decorrente do encerramento dos projetos para a construção das Refinarias Premium I e II, nos Estados do Maranhão e Ceará, respectivamente.

[5] Acórdão 964/2024-Plenário-TCU. Voto do Min. Relator. P. 10.

[6] Acórdão 964/2024-Plenário-TCU. Voto do Min. Relator. P. 10.

Destaca-se que a própria Lei de Improbidade Administrativa dispõe, no § 2º do seu art. 10, que “a mera perda patrimonial decorrente da atividade econômica não acarretará improbidade administrativa, salvo se comprovado ato doloso praticado com essa finalidade”.

Fonte: Conjur

Nova economia mundial vai exigir bancas versáteis, poliglotas e boas de negociação

Previsto para entrar em vigor na próxima sexta-feira (1º/8), o tarifaço dos Estados Unidos sobre o Brasil tem sido visto como parte de um movimento mais amplo de reorganização da economia mundial. Para especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, as mudanças apontam para a dissolução de velhas parcerias comerciais e a construção de novas, o que deve aquecer a demanda em várias áreas da advocacia empresarial.

Os advogados preveem que deverá crescer, nos próximos anos, a busca por escritórios com expertise em mediação de disputas e revisões contratuais e societárias, além de conhecimento aprofundado sobre a estrutura jurídica e regulatória de países com os quais o Brasil deve estreitar laços comerciais.

Para os analistas, as tentativas de fortalecimento do Brics ainda podem demorar a sair do papel, mas a aproximação de parceiros como China e Índia já avança de forma independente das costuras do bloco. Para a advocacia empresarial, é interessante investir em equipes fluentes nos idiomas e nas estruturas jurídicas desses países.

“A proatividade dos países do Brics tem gerado a necessidade de uma maior compreensão dos sistemas jurídicos de países como China, Índia e outros. Cabe aos escritórios de advocacia formar equipes com fluência linguística em termos jurídicos com relação a tais países ou mesmo o estabelecimento de parcerias, exclusivas ou não, com escritórios de advocacia locais, para facilitar o acompanhamento de alterações legislativas e sanções internacionais”, avalia Antonio Tavares Paes, sócio do escritório Costa Tavares Paes Advogados.

“Essa guerra comercial não é somente uma disputa entre duas potências, mas a redefinição das bases do comércio, da diplomacia e da governança global”, observa José Ricardo dos Santos Luz Júnior, cochairman e CEO do grupo LIDE China.

O futuro da relação com os EUA

Os especialistas avaliam que o Brasil precisará buscar diálogo e negociação contínuos com os EUA, mesmo que não haja qualquer reversão das tarifas antes de 1º de agosto. Para eles, o caminho litigioso com os americanos não traria benefícios. “Recorrer à Justiça americana pode ser perda de tempo e um desrespeito à soberania de uma nação”, opina Amanda Neuenfeld Pegoraro, sócia do escritório Simões Pires.

“Entendo que a avaliação sobre o ‘tarifaço’ deve ser propositiva, técnica e assertiva, sendo necessário nos valermos da diplomacia política e econômica para superarmos esse inverno nuclear econômico“, afirma Luz Júnior.

Demandas made in China

Antonio Tavares Paes acredita que está em andamento “uma tentativa deliberada de reduzir a dependência do sistema financeiro ocidental”. O advogado cita não apenas as propostas de substituição do dólar pelo yuan chinês, mas também iniciativas como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), a criação de sistemas de pagamento alternativos ao Swift e a proposta de uma moeda digital comum entre os países do Brics, que ainda dá seus primeiros passos.

“A crescente substituição de contratos em dólar por acordos bilaterais em moedas locais tem implicações diretas sobre cláusulas de pagamento, risco cambial e mecanismos de hedge”, explica Tavares. Ele lembra que empresas brasileiras exportadoras de soja para a China já têm sido incentivadas a aceitar contratos em yuan, uma tendência que deve abrir portas para os escritórios brasileiros.

“Isso deve alimentar a demanda por expertise para revisão de cláusulas de pagamento, garantias e mecanismos de resolução de disputas, especialmente diante da volatilidade cambial e da ausência de jurisprudência consolidada sobre contratos em moeda não conversível”, projeta Tavares.

“Diante dessa guerra comercial, temos visto a China como força econômica, pilar de estabilidade institucional, incentivando o diálogo e a cooperação, ao invés da implementação de tarifas e do confronto, com uma visão pragmática e estratégica baseada numa política ganha-ganha”, afirma Luz Júnior.

A importância da arbitragem

Os especialistas avaliam que a negociação e as soluções extrajudiciais serão desejáveis nesse cenário de guerras comerciais. Os escritórios brasileiros devem, portanto, fortalecer equipes com essa capacidade.

“Esse diálogo e sintonia entre cliente e advogado deve se intensificar não só sob o âmbito das cortes brasileiras, como também na área negocial do cliente com parceiros e com contrapartes, priorizando a mediação e a negociação, em detrimento da judicialização dos desafios enfrentados no cotidiano empresarial”, defende Luz Júnior.

Tavares Paes concorda que a negociação é a saída preferencial e considera que isso também abre possibilidades para os escritórios brasileiros. “Os procedimentos de arbitragem internacional permanecem como via preferencial para a resolução de disputas comerciais. Para suprir a demanda crescente de utilização de arbitragem, os escritórios devem ter profissionais que possam se utilizar de soft law para preencher lacunas contratuais, que tenham familiaridade ou expertise na atuação em câmaras arbitrais.”

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Mito do êxodo tributário e a reforma do imposto de renda

Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre trás-os-montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial!
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial.
 [1]

Em nossa última coluna (aqui) prometemos continuar tratar da reforma da tributação da renda e, nesta oportunidade, o objetivo é desmitificar uma falaciosa narrativa, que há muitos anos vem sendo arquitetada, de que “tributa-se mais, e as pessoas vão embora.” (aqui) Antes, contudo, façamos uma breve digressão para entender o porquê da criação deste mito.

Retórica para manutenção de privilégios & presença estrangeira

Ainda que recentemente o gasto militar global tenha atingido o seu maior nível desde a Segunda Guerra Mundial (aqui),  todavia possível afirmar ter o uso da força passado a ser menos eficiente do que o da retórica na perpetuação de regalias e na manutenção de posições de poder. Assim, “[…] intelectuais e especialistas distorcem o mundo para tornar todo tipo de privilégio injusto em privilégio merecido ou, na maior parte dos casos, privilégio invisível enquanto tal”. [2]

Sói ser difundido que nações emergentes seriam supostamente inferiores tecnicamente, corruptas, incapazes de aproveitar as benesses promovidas pela globalização e naturalmente inaptas ao progresso. Noutro giro, nos países ditos desenvolvidos, concentrar-se-iam todas as virtudes: os indivíduos que ali por aleatoriedade nasceram não só seriam merecedores das posições que ocupam como também dotados de capacidades superiores aos nascidos em nações que não lograram o mesmo grau de desenvolvimento.

Quando analisamos a história da evolução do sistema tributário brasileiro desde o final da Segunda Guerra Mundial até os dias atuais, marcante a influência de atores e instituições externas. [3] A despeito de em terras brasileiras terem nascidos incontáveis notórios mestres e mestras, que deveriam ter acesso primário aos formuladores de políticas, optou-se por eleger uma “padroeira” (aqui), de origem portuguesa, para a defesa de nossa reforma da tributação sobre o consumo, que agora externa sua discordância quanto à tentativa de nosso governo federal em modificar a legislação do imposto de renda. [4] (aqui)

Em que pese a superação do passado colonial, com a proclamação de nossa independência em 1822, formas travestidas de práticas de dominação continuam a ser empregadas. [5] Nossas formas de pensar e articular conhecimentos continuam a ser orientadas e teleguiadas por categorias e acervos metodológicos, ambos mecânica e acriticamente importados do Norte global. Substituímos a dominação física e corporal por uma dominação pelas vias do conhecimento, da técnica, de uma suposta expertise que vem de lá – sem indigitada correspondência aqui. No tempo presente, “[i]ngênuo seria pensar que os canhões colonialistas não mais operam.” [6] O fazem doutro modo, eis que o colonialismo de hoje é epistêmico.

Êxodo tributário

“Nunca” e “sempre” são advérbios que aprendemos ser evitados; contudo, é seguro dizer que, quando o assunto é tributação, sempre aparecem vozes bradando que, qualquer incremento na sua cobrança, afugentará os investidores, as indústrias, as plataformas digitais… e até mesmo as pessoas.

Há mais de uma década fala-se do “efeito Depardieu”, por ter o intérprete do personagem Astérix, o ator Gérard Depardieu, trocado a cidadania francesa pela russa a fim de escapar à tributação do seu país de origem (aqui). Em 2024 os veículos de comunicação deram descomunal atenção ao tema, reportando um suposto fluxo migratório de enormes proporções – daí o motivo de eleição do termo “êxodo.” Tal movimento foi percebido logo após a proposta de criação de um imposto mínimo global sobre grandes fortunas ter ganhado voz no G-20, grupo que se encontra sob a presidência do Brasil desde o ano passado. [7]

De acordo com um relatório produzido pela “Tax Justice Network” (aqui),

[m]ais de 10.900 artigos foram publicados na imprensa, rádio e notícias online em 2024 mencionando um ‘êxodo’ de milionários e/ou as alegações da Henley & Partners [consultoria de investimento] sobre migrações de milionários. Isso equivaleu a 30 artigos por dia sobre o ‘êxodo’ de milionários em 2024. A maior parte dessa cobertura midiática relatou que a magnitude da migração de milionários em 2024 era grande o suficiente para ter consequências econômicas significativas.

No Brasil, embora a expressão não seja frequentemente empregada, a ideia de que “tributa-se mais, e as pessoas vão embora” (aqui), como relatamos, continua a ser difundida.

Desmitificando o êxodo tributário

Argumentos, calcados tanto em base teóricas quanto empíricas, apontam para a rejeição da ideia de que a aumento da tributação sobre os mais afortunados implicaria em fuga para jurisdições de tributação mais favorecida.

Do relatório produzido pela “Tax Justice Network” em parceria com outras entidades no Reino Unido (aqui[8], colhem-se as seguintes conclusões:

Não ocorreu um ‘êxodo’ de milionários, nem no Reino Unido nem em qualquer outro lugar. Os números relatados pela Henley & Partners, referentes à migração de milionários em 2024, representaram aproximadamente 0% dos milionários em níveis global e nacional (…).
O número total de milionários que migrou anualmente de 2013 a 2023, segundo os dados da Henley & Partners, representou aproximadamente 0% dos milionários anualmente – indicando que os milionários são altamente imóveis.
A metodologia empregada no relatório da Henley & Partners afirma que suas estimativas são baseadas primariamente nas informações extraídas nas redes sociais dos milionários que indicam onde trabalham, e não onde vivem ou residem. Isso significa que o relatório não rastreia a migração física real. Além disso, como a BBC revelou, a amostra subjacente é tendenciosa, portanto, as extrapolações resultantes não podem ser confiáveis.

Além disso, parece contratuitiva a simplista ideia de que “tributa-se mais, e as pessoas vão embora.”

Mudar de país não é tarefa fácil, mesmo para os afortunados que podem adquirir residência ou cidadania mediante aporte investimentos noutro país (aqui): existe um passado, uma história, os hábitos, uma cultura compartilhada a ser abandonada. Os vínculos afetivos desenvolvidos ao longo de toda uma vida que serão afrouxados. Some-se a isso o receio de que discriminações sejam sofridas em países que não os de origem, [9] mormente em tempos em que são construídos mais muros, ao invés de pontes.

Há vários estudos empíricos que demonstram que a fuga massiva de milionários por motivos fiscais é muito pouco provável, porque, além de os indivíduos se importarem profundamente com o lugar onde vivem, certo terem sido diversas fortunas construídas devido a contatos, rede de conexão e recursos locais[10]

Mesmo quando falamos de pessoas jurídicas, em que questões de natureza emocional-afetiva são excluídas, tampouco é simples “ir embora”.

Em estudo voltado a determinar quais os fatores que influenciam a alocação de capital foram entrevistados, ao longo de quase três décadas, diretores de grandes corporações transnacionais, autoridades fiscais e profissionais ligados à realização de planejamento tributário. [11] Além da legislação tributária, outras variáveis como i) estabilidade política e econômica; ii) mão-de-obra qualificada; iii) desenvolvimento de infraestrutura; iv) localização geográfica; v) acesso a insumos; vi) mercado consumidor, etc., são levadas em consideração no momento da decisão sobre em qual país investir.

A política tributária é apenas uma de inúmeras variáveis, o que demonstra inexistir a bradada relação rudimentar de causa e efeito entre o aumento da tributação e a fuga do capital. Passada a hora de abandonar narrativas que atribuem causa única a fenômenos que são demasiadamente complexos — a exemplo do que ocorre com a pobreza, muitas vezes tratada apenas como um resultado de más escolhas individuais. [12]

Em tempos de rememorar ser o Brasil dos brasileiros, façamos uma reflexão…

O Brasil percorreu um longo caminho: de país pilhado pela coroa portuguesa, com a população indígena massacrada pelos colonizadores, passando por um desenvolvimento dependente de seu setor rural até se tornar a potência emergente que é, detendo os elementos imprescindíveis a alçá-lo à condição de líder do futuro, eis que encabeça o grupo das cinco maiores economias emergentes do mundo, abrangendo mais de 30% (trinta por cento) do território terrestre, albergando mais de 42% (quarenta e dois por cento) da população mundial, respondendo por 23% (vinte e três por cento) do PIB global. [13]

Desde 1827 temos, em nosso território, duas faculdades ofertando o curso de Direito: em Olinda e em São Paulo. De lá para cá tantas outras foram criadas, sendo responsáveis pela formação de incontáveis bacharéis e bacharelas. O nosso corpo técnico não só existe, como é o mais preparado para tratar de questões jurídicas, econômicas e sociais da nossa realidade local.

Sobre os ombros dos bem qualificados especialistas brasileiros recai o dever de assumir a arquitetura do destino da reforma de tributação da renda de nosso país, que seja compatível com a nossa Carta Constitucional, sem se preocupar com mitos e lendas já empiricamente rechaçados. Do contrário, como já advertida Chico Buarque, “esta terra ainda vai cumprir seu ideal… Ainda vai tornar-se um imenso Portugal! (…). Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal… Ainda vai tornar-se um império colonial!”

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[1] Estrofe extraída da canção “Fado Tropical”, composta em 1973, por Chico Buarque.

[2] SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite. São Paulo: LeYa, 2015, p. 11.

[3] OLIVEIRA, Ludmila Mara Monteiro de; MAGALHÃES, Tarcísio Diniz. Influências Externas nas Reformas Tributárias do Brasil ao Longo da História. In: SCAFF, Fernando. Facury; DERZI, Misabel de Abreu Machado; BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves; TORRES, Heleno Taveira. (Org.). Reformas ou Deformas Tributárias e Financeiras: por que, para que, para quem e como? Belo Horizonte: Letramento, 2020, v. 1, p. 699-719.

[4] Como aclarado na primeira coluna (aqui) o Projeto de Lei nº 1.087/25 gravita em torno de 3 (três) eixos principais:

(i) a redução a zero do IRPF para as pessoas físicas com renda ou proventos de até R$ 5.000,00 por mês;

(ii) o estabelecimento de desconto no IRPF para as pessoas físicas com renda ou proventos até R$ 7.000,00 por mês; e,

(iii) a criação do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas Mínimo – IRPFM, incidente sobre rendas ou proventos totais superiores a R$ 600.000,00 anuais, combinado com tributação pelo IR dos lucros ou dividendos, inclusive para não residentes.

[5] OLIVEIRA, Ludmila Mara Monteiro de; MARQUES, Bernardo Morais. A Reforma Tributária Brasileira e a “Padroeira” Portuguesa. In: SCAFF, Fernando. Facury; DERZI, Misabel de Abreu Machado; BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves; TORRES, Heleno Taveira. (Org.). Reforma Tributária do Consumo no Brasil: entre Críticos e Apoiadores. Belo Horizonte: Letramento, 2024.

[6] BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Outro Leviatã e a Corrida para o Fundo do Poço. São Paulo, Almedina, 2015, p. 86. O autor acrescenta que “[o] gemido das bombas da recente “guerra do petróleo”, no Iraque, que se justificava por pretensas fortalezas subterrâneas e armas mortais nunca encontradas, parece ressoar os mesmos ecos da ‘guerra do ópio’.”

[7] No início deste mês, o Min. da Fazenda confirmou a adesão à tributação global dos super-ricos pelos integrantes do Brics (aqui).

[8] Até o momento, inexiste estudo similar produzido no Brasil, embora a versão britânica colete dados de nosso país e de outras jurisdições do mundo.

[9] Na semana passada, a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes pela Scoltland Yard completou vinte anos (aqui).

[10] Cf. nesse sentido: Young, C. The Myth of Millionaire Tax Flight: How Place Still Matters for the Rich, Stanford University Press, 2018; Advani, A. & Tarrant, H. (2021), “Behavioural Responses to a Wealth Tax”, Fiscal Studies, 2021; Jakobsen, K. et al., “Taxing Top Wealth: Migration Responses and Their Aggregate Economic Implications”, NBER Working Paper Series, 2024.

[11] WILSON, Peter G. The role of taxes in location and sourcing decisions. In: GIOVANNINI Alberto; HUBBARD, R. Glen; SLEMROD, Joel (org.). Studies in international taxation. Chicago: Chicago University Press, 1993, p. 195-234.

[12] “Paira um discurso sobre estar a gênese da pobreza unicamente atrelada à responsabilidade individual – isto é, a impossibilidade de um indivíduo prover seu próprio sustento seria o resultado das más escolhas que ele fez e, portanto, deve ele mesmo arcar com as consequências de seus atos. Isso explica o porquê de políticas de redistribuição de renda serem alvos de constantes ataques. Fizeram-nos acreditar que “o sol nasce para todos” e, por isso, bastaria uma dose de esforço para termos condições dignas de existência. Para os adeptos dessa vertente, dar dinheiro para quem nada fez estimularia comportamentos autodestrutivos dos já não propensos ao exercício de atividades laborativas. (…) Essa história escolhida para ser contada tem um cunho moralizante e coloca as raízes da pobreza em causas individuais. Bastaria trilhar caminhos “virtuosos” que o sucesso estaria inexoravelmente reservado. Há, porém, uma outra história, quase nunca narrada. (…) Desde logo deixamos claro que não estamos a negar o papel de escolhas individuais, apesar de nenhuma sociedade atual assegurar igualdade de oportunidades e de ser hercúlea a tarefa de depurar se tais escolhas foram tomadas de forma verdadeiramente livre. (…) Nossa advertência é que, ao contrário do que sói ser difundido, não são apenas elas que colocam pessoas na miséria ou nações no subdesenvolvimento. Concorrem para isso outras causas, de natureza estrutural, que, ao nosso sentir, atuam de maneira ainda mais determinante. É que numa conjuntura estrutural desfavorável, ainda que os atores individuais se empenhem em fazer escolhas tidas como acertadas, a probabilidade de se perpetrar uma situação de injustiça é muito grande. Dessa forma, todo o estudo que se diga verdadeiramente compromissado com a origem da pobreza deverá analisar o papel central desempenhado por estruturas sociais, políticas e econômicas.” OLIVEIRA, Ludmila Mara Monteiro de. Justiça Tributária Global: Realidade, Promessa e Utopia. Letramento: Belo Horizonte, 2018.

[13] BRASIL. História do BRICS, Planalto. Disponível aqui

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Tecnologia não é inimiga dos cursos de Direito

Plataformas de inteligência artificial generativa, como o ChatGPT, são ferramentas de acesso ao conhecimento cujo uso deve ser incorporado pelas instituições de ensino superior. De acordo com o diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), Eduardo Vera-Cruz Pinto, os docentes precisam ter isso em mente para não encarar essas tecnologias como inimigas.

Ele falou sobre o assunto em entrevista à série Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito, em que a revista eletrônica Consultor Jurídico ouve alguns dos nomes mais importantes do Direito e do empresariado sobre as questões mais relevantes da atualidade.

Para Vera-Cruz Pinto, professores devem ter em mente que IAs são ferramentas de acesso ao conhecimento

“É uma responsabilidade dos professores, também, fazer com que os cursos de Direito recebam a tecnologia não como um perigo ou uma coisa inimiga, mas, ao contrário, como um complemento na possibilidade de ensinar melhor o Direito”, disse em conversa durante o XIII Fórum de Lisboa, promovido neste mês na FDUL.

“Cabe aos professores universitários estarem atentos para prevenir, quer na forma como ensinam, quer na forma como avaliam, e sobretudo como recebem os jovens que nos procuram para se graduar em Direito.”

Para Vera-Cruz Pinto, isso faz parte das adaptações que precisarão ser feitas na maneira como as Ciências Jurídicas são ensinadas, que incluem reformas nos planos curriculares e novas formas de complementar o ensino fundamental.

“Nós temos um conjunto de adolescentes que chegam à faculdade que não tem os conhecimentos básicos para entender uma aula da Direito e, portanto, há que reformular (os planos curriculares) e introduzir na didática do ensino as ferramentas digitais e aquilo que a tecnologia tem trazido”, observou.

Apesar dos problemas que surgem nesse cenário global de crescente uso de ferramentas generativas por integrantes do Judiciário e advogados, o diretor da FDUL acredita que não há risco de os operadores do Direito serem substituídos. “Enquanto houver duas pessoas que brigam, tem que haver alguém que saiba resolver aquilo.”

Clique aqui para ver a entrevista ou assista abaixo:

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Patrimônio não declarado não é sinônimo de patrimônio lavado

Ostentação nas redes sociais, viagens frequentes para destinos turísticos, hospedagens em locais de alto padrão, passeios de lancha, reformas na casa, apresentação pública com um estilo de vida de alto padrão. Esses gastos elevados somados à falta de uma fonte de renda declarada, reforçam a suspeita de que o investigado esteja incurso no delito de lavagem de dinheiro.

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Essa é a narrativa é recorrentemente utilizada por autoridades policiais nas portarias de instauração de inquéritos e nas representações por medidas cautelares, reais ou pessoais, diante da suspeita da prática do crime de lavagem de dinheiro. Não se trata de suspeita de abertura de offshore e holding por interposta pessoa nem de contratação de operação dólar-cabo. Esta é a lavagem de dinheiro que a grande imprensa dá destaque. O alvo de persecução penal longe dos holofotes é um motoboy que ostenta nas redes sociais viagem para o litoral. E é apontado como “lavador” na vida como ela é.

Essa observação surgiu a partir de uma pesquisa empírica feita por um grupo de alunos da graduação, que analisou toda a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O estudo integrou um projeto voltado à análise detalhada de casos concretos em que a lavagem de dinheiro fosse o foco da acusação penal. A pesquisa buscou identificar os modelos mais recorrentes de imputação e tensionamentos na aplicação da norma de forma a oferecer uma resposta técnica alinhada aos limites constitucionais da aplicação penal.

Em um primeiro momento acreditamos que as autoridades investigativas consideraram ser lavador o cidadão que ostentava padrão de vida aparentemente incompatível com sua renda por culpa de uma incompreensão conceitual quanto às distinções entre o crime de lavagem de dinheiro, caracterizado por atos intencionais de ocultação ou dissimulação patrimonial, de simples atos de consumo.

Todavia, manter-se nesta crença sabendo das desigualdades de tratamento no sistema judicial é ingenuidade. Talvez seja o caso de cogitar que essa postura seja mais um reflexo da seletividade penal e da orientação do poder de polícia em manter sua atuação repressiva em desfavor dos sujeitos historicamente estigmatizados e vistos como inimigos do sistema penal.

Diante da possibilidade de que essa narrativa decorra do desconhecimento técnico acerca dos elementos normativos do crime de lavagem de dinheiro, abre-se um horizonte para debate. Afinal, poderia a doutrina reforçar sua contribuição, embora muito já tenha o feito, para promover a diferenciação entre atos de consumo e lavagem de dinheiro. Isso significa que o cenário atual poderia ser transformado por meio de uma atuação mais qualificada, um esforço voltado a fortalecer o domínio conceitual.

Situação diversa e mais grave é quando se observa que a persecução penal passa a operar como expressão de um estigma social, orientado por repressões simbólicas, marcadas por divisão de classe, origem territorial ou raça. Neste cenário, o problema não é apenas técnico, mas humano, político e institucional. A essas medidas silenciosas de divisão e seletividade é preciso lançar luz e expor, ainda que em um curto artigo.

Os problemas decorrentes dessa postura são vários: o primeiro é de ordem legal

Diz respeito ao desvio da tipicidade penal e o esvaziamento do tipo de lavagem. Quando o sistema penal equipara ostentação de riqueza à prática de lavagem de dinheiro, sem demonstração de atos de dissimulação ou ocultação, ele se afasta do núcleo do tipo penal, fere o princípio da legalidade estrita, nullum crimen sine lege, e eleva o poder punitivo, convertendo o crime de lavagem em um tipo penal aberto a ponto de punir aparências e não condutas tipificadas.

Nestes casos, o estado está agindo para reforçar a seletividade penal. A imputação seletiva contra quem ascende fora dos circuitos formais revela que o sistema penal atua com base em critérios sociais de suspeição e não em provas ou elementos objetivos do tipo penal. Assim, o direito penal torna-se um instrumento de controle simbólico, voltado a punir quem demonstra padrão de vida diverso do esperado, especialmente em contextos de pobreza ou informalidade.

Outro efeito preocupante deste fenômeno é a manutenção da atuação policial apenas em territórios visados e contra sujeitos historicamente estigmatizados, com especial incidência sobre regiões periféricas e contra populações socialmente vulneráveis. Afinal, essa lógica não é aplicada contra indivíduos no alto da pirâmide financeira, os quais podem dispor de um estilo de vida em desacordo dos bens declarados sob o manto da legitimidade e presunção de licitude.

Diante desse cenário, é patente o compromisso dogmático e institucional na contenção das distorções punitivas. A nós, pesquisadores, cabe buscar esses padrões recorrentes, denunciá-los com rigor analítico e contribuir para sua superação por meio da produção e disseminação de ideias. Quanto as instituições, sobretudo o Poder Judiciário, é indispensável atenção crítica a investigações e processos dessa natureza. Isso seria capaz de contribuir para a uniformização da jurisprudência que garanta vigência ao direito bem como tratamento igualitário aos cidadãos.

Referência da forma racional de aplicar o direito, e que merece ser replicado, é o acordão de relatoria do desembargador e professor Franklin Higino Caldeira Filho, proferido por ele e acompanhado por seus pares da 3ª Câmara Criminal do TJ-MG. Na ocasião, o magistrado interrompeu a persecução penal contra o cidadão ao dar provimento ao pleito absolutório formulado pela defesa nos autos nº 1.0702.20.003061-8/001.

Em sua decisão, consignou os aspectos essenciais da lavagem dinheiro, de que “pressupõe a realização de operação financeira ou transação comercial que visa a ocultar ou dissimular a incorporação de bens, direitos ou valores que, direta ou indiretamente, constituem resultado de crimes anteriores e a cujo produto se busca conferir aparência lícita”. Na sequência, reforçou que “para a configuração do delito de lavagem de capitais, não basta a mera existência de patrimônio incompatível com a renda declarada pelo agente”.

Por fim, foi dado o merecido destaque a impossibilidade de criminalização do aumento patrimonial: “Por isso se revela que a ratio do delito em tela não é, simplesmente, a punição do enriquecimento ilícito, pois, caso assim fosse, haveria evidente bis in idem em relação aos próprios tipos penais que sancionam os atos por meio dos quais o agente se enriquece indevidamente.” Em destaque: “É de se repisar, patrimônio não declarado e não é sinônimo de patrimônio lavado ou em processo de lavagem”.

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Magistrados não veem responsabilidade de jornais por plágio, mas tema é controverso

Os veículos de imprensa não se responsabilizam pela publicação de conteúdo que possa ser produto de plágio, de acordo com o entendimento de magistrados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico. O tema, porém, é polêmico, e advogados que atuam na área de Propriedade Intelectual (PI) têm uma visão distinta: para eles, o veículo deve responder pelos danos eventualmente causados à vítima do plágio e tem o dever de checar se há violação de direitos autorais antes de qualquer publicação.

Segundo um ministro de corte superior, que preferiu não se identificar, o jornal, nesses casos, não se responsabiliza pelo conteúdo da publicação porque, no direito autoral, a presunção de responsabilidade é de quem copiou o conteúdo de outra pessoa.

A ideia é que o veículo não tem como saber se o conteúdo é plagiado, e isso não muda caso o plágio seja detectado posteriormente.

Caroline Somesom Tauk, juíza de uma vara federal do Rio de Janeiro especializada em PI, explica que, como tem entendido a jurisprudência, “haverá responsabilidade do editor ou diretor do jornal se, uma vez notificado extrajudicialmente da existência de plágio, o jornal não retirar o conteúdo”.

Tal interpretação se baseia no Marco Civil da Internet, que prevê duas situações nas quais as plataformas eletrônicas (inclusive jornais) têm de remover conteúdos mesmo sem ordem judicial: cenas de nudez não consentidas e violações de direito autoral. Ou seja, nesses casos, se o veículo for notificado e não retirar o texto do ar, pode ser responsabilizado.

Mesmo na jurisprudência, o tema é controverso. Segundo Caroline, exige-se uma checagem prévia de plágio quando o conteúdo é produzido por algum jornalista vinculado ao veículo. Mas, quando o conteúdo é de terceiros, “normalmente a retirada do conteúdo do ar já resolve”, a depender do caso. De qualquer forma, essa checagem “mostra cuidado” e é levada em conta para eventuais quantificações de danos morais, por exemplo.

Há quem defenda que os jornais têm, sim, responsabilidade pela publicação de conteúdos plagiados, devido ao artigo 104 da Lei de Direitos Autorais. Conforme esse trecho, “quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator”.

Porém, de acordo com a juíza, pela lógica desse artigo, “o jornal pode ser responsabilizado se não tiver cautela e controle editorial adequados”. Caso o veículo demonstre que não tinha como saber da violação e que eliminou rapidamente o conteúdo ao ser notificado, não deve ser responsabilizado.

“A responsabilização normalmente é discutida conforme o grau de envolvimento editorial do jornal”, aponta ela. Assim, os julgadores podem levar em conta se o veículo apenas hospeda conteúdos de terceiros ou se os edita ou até mesmo os destaca.

Longe da unanimidade

Para o advogado Fernando de Assis Torres, sócio do escritório Dannemann Siemsen e professor de Direitos Autorais em cursos de extensão da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), “o jornal responde solidariamente com o plagiador” por conteúdos plagiados devido à regra do artigo 104 da Lei de Direitos Autorais, pois “utiliza artigo produzido com fraude”.

A advogada Laetitia d’Hanens, sócia do Gusmão & Labrunie, explica que quem se sentiu prejudicado pode responsabilizar o jornal pela violação de seus direitos, pois o veículo tem “dever de verificação da originalidade dos conteúdos”.

A responsabilidade, de acordo com ela, é objetiva e não depende de notificação. Isso porque a atividade de um veículo de mídia é justamente publicar conteúdos autênticos. Assim, a obrigação de “checar a originalidade dos conteúdos” oferecidos faz parte da “natureza do negócio”. O benefício econômico obtido com a exploração dos conteúdos gera um “dever de vigilância para evitar a publicação de violação de direitos autorais de terceiros”.

Quem se sentir plagiado pode abordar o veículo de mídia e pedir a retirada do conteúdo do ar, uma retratação, o apontamento do crédito adequado do autor, indenizações por danos patrimoniais e morais etc.

Embora a situação seja mais comum em casos de artigos publicados pelo jornal, o plágio também pode ocorrer em textos escritos por jornalistas ou outras pessoas contratadas pelo veículo.

Segundo Torres, a existência de um contrato entre o plagiador e o jornal não afasta a responsabilidade solidária, “mas pode garantir direito de regresso ao jornal pelo plágio”. Ou seja, o veículo, caso seja responsabilizado, em tese, tem direito de ser reembolsado.

Laetitia indica que, normalmente, no momento da contratação, os jornais já pedem que a pessoa se responsabilize perante o veículo. Assim, se houver plágio e o jornal for responsabilizado, poderá cobrar eventuais indenizações do próprio plagiador — já que ele tinha o dever de produzir conteúdos originais, mas descumpriu o contrato. Isso é o direito de regresso.

No entanto, de acordo com a advogada, mesmo nesses casos, o jornal ainda precisa demonstrar que tomou “todas as cautelas necessárias” para evitar a violação de direitos autorais. E a responsabilização do veículo, em si, não é excluída: o jornal continua respondendo pelo plágio, mas ganha uma alternativa caso sofra algum prejuízo.

De todo modo, quem é acusado de ter cometido plágio pode sempre argumentar que não houve tal violação. Muitas vezes, tais discussões são levadas ao Judiciário, que analisa todo o contexto, com base em uma série de critérios. “A verificação da ocorrência ou não do plágio não é uma verificação ‘preto no branco’”, ressalta Laetitia.

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ITCMD: a incidência sobre a extinção do usufruto

O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, tributo de competência estadual e do Distrito Federal, conforme delineado no artigo 155, inciso I, da Constituição de 1988, incide sobre a transmissão de quaisquer bens ou direitos por sucessão legítima ou testamentária, ou por doação. No âmbito do planejamento patrimonial e sucessório, a figura do usufruto, enquanto direito real sobre coisa alheia, se apresenta como um instrumento jurídico de extrema relevância. Contudo, a sua extinção, por diversas causas legais, tem sido objeto de recorrentes questionamentos no âmbito do direito tributário, especificamente no que tange à incidência do ITCMD.

O usufruto, por sua vez, encontra previsão legal nos artigos 1.390 a 1.411 do Código Civil. Consiste na concessão ao usufrutuário do direito de usar e fruir de um bem, móvel ou imóvel, cuja propriedade pertence ao nu-proprietário. A essência do usufruto reside na temporariedade e na inalienabilidade do direito de uso e gozo, sendo este de caráter intuitu personae, ou seja, personalíssimo e intransmissível por ato intervivos ou causa mortis por parte do usufrutuário. A propriedade, nesse diapasão, é cindida: o nu-proprietário detém a substância do bem, enquanto o usufrutuário exerce os atributos de uso e fruição.

Em contrapartida, o ITCMD se apresenta como um tributo de competência estadual, cuja materialidade reside na transmissão de bens ou direitos. Tal transmissão pode ocorrer por duas vias: a) causa mortis, decorrente da sucessão hereditária; ou b) inter vivos, a título gratuito, por meio de doação. A sua base de cálculo é o valor venal dos bens ou direitos objeto da transmissão, e a alíquota aplicável é definida pela legislação de cada ente federativo.

No entanto, alguns Estados da federação vêm exigindo o recolhimento do tributo não tão somente na hipótese da doação, mas também no momento da extinção do usufruto. A legislação de Santa Catarina, por exemplo, mesmo com decisões judiciais desfavoráveis à tese, permanece dispondo no sentido da incidência do ITCMD em hipóteses de extinção de usufruto, ao passo que, em muitas oportunidades, contribuintes acabam recolhendo o tributo sem qualquer impugnação administrativa ou judicial do lançamento.

Isso posto, considerando a vedação legal em estender o alcance da aplicação do tributo, tem-se que após a extinção do usufruto, a propriedade é consolidada ao nu-proprietário, que novamente poderá dispor do uso, gozo, disposição e reivindicação do imóvel, não havendo nova hipótese de transferência, suficiente para incidir nova tributação.

Ou seja, a extinção do usufruto, seja por conta do termo final, morte do usufrutuário, renúncia expressa ou tácita, não se inclui na hipótese de incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. Tal interpretação equiparativa é obstada pelo Código Tributário Nacional, em seu artigo 110, que dispõe no sentido de que a Lei tributária não poderá alterar definição e alcance definidos pela Constituição Federal.

Esse entendimento, inclusive, já é adotado em precedentes pátrios, do qual destaca-se do TJ-SC:

MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – TRANSMISSÃO ONEROSA DE BEM IMÓVEL – RESERVA DE USUFRUTO – RENÚNCIA POSTERIOR DO GRAVAME – AUSÊNCIA DE FATO GERADOR DO IMPOSTO – SEGURANÇA CONCEDIDA.  Não incide o imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD) na extinção do usufruto, que representa apenas a consolidação plena da propriedade perante o nu-proprietário.  Segurança concedida; recurso provido. (TJSC, Apelação n. 5028161-50.2024.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 03-06-2025).

O ponto central da questão reside na compreensão de que a extinção do usufruto não configura uma nova transmissão de bens ou direitos, mas sim, a recomposição da propriedade plena nas mãos do nu-proprietário. Isso porque, desde a instituição do usufruto, o nu-proprietário já detinha o domínio do bem, ainda que desmembrado. A extinção do direito real de usufruto, portanto, não implica em um novo acréscimo patrimonial ao nu-proprietário, mas sim, na consolidação de um direito que já lhe era inerente, qual seja, a propriedade plena do imóvel.

A sólida e reiterada jurisprudência dos tribunais pátrios, que tem se posicionado de forma assente pela não incidência do ITCMD na extinção do usufruto, confere maior segurança jurídica aos contribuintes e consolida o entendimento de que a mera reunião da propriedade não gera nova obrigação tributária. Se torna necessário, portanto, que os operadores do direito e os contribuintes estejam vigilantes quanto à correta aplicação da legislação tributária, buscando, se necessário, a interpelação judicial para resguardar seus direitos e rechaçar exigências fiscais indevidas, em estrita observância aos preceitos constitucionais e legais que regem as hipóteses de incidência do tributo.

Desse modo, a extinção do usufruto, em suas diversas modalidades, não se qualifica como uma hipótese de incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. A consolidação da propriedade plena nas mãos do nu-proprietário representa a mera recomposição de um direito que já lhe era inerente, e não uma nova transmissão de bens ou direitos passível de tributação. A natureza intuitu personae do usufruto, sua intransmissibilidade e a ausência de um efetivo acréscimo patrimonial para o nu-proprietário são elementos que, em conjunto com o princípio da estrita legalidade tributária e o artigo 110 do Código Tributário Nacional, afastam a incidência do ITCMD.

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Proteção de dados e serviços extrajudiciais: novo marco do Provimento CGJ nº 16/2025

O Provimento CGJ nº 16/2025 busca harmonizar as normas cartorárias paulistas em face da LGPD, do Provimento nº 149, de 30 de agosto de 2023 (Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça — Foro Extrajudicial) e do Provimento CGJ nº 23, de 03 de setembro de 2020 (inseriu a seção VIII sobre proteção de dados pessoais no Provimento nº 58/89), incorporando diretrizes mais específicas sobre as responsabilidades das serventias extrajudiciais e detalhando critérios de proporcionalidade, classificação, escopo e justificativa legal para o tratamento de dados.

A iniciativa insere-se em um esforço de compatibilização normativa no âmbito dos serviços extrajudiciais, promovendo o alinhamento das disposições estaduais da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo com os parâmetros estabelecidos pelo Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça — Foro Extrajudicial (Provimento CNJ nº 149/2023). Ao reformular a Seção VIII do Provimento nº 58/89, o novo texto não apenas densifica as obrigações relacionadas ao tratamento e à proteção de dados pessoais pelas serventias notariais e de registro, como também busca garantir coerência sistêmica com o regramento nacional, evitando conflitos interpretativos e promovendo a padronização de condutas.

Trata-se, portanto, de uma medida normativa que visa compatibilizar os marcos locais com as diretrizes da Corregedoria Nacional, conferindo maior segurança jurídica às serventias no cumprimento de suas obrigações legais, administrativas e disciplinares perante os diversos órgãos de controle.

Operadores nacionais de registros e responsabilidade ampliada em rede

As modificações promovidas pelo Provimento CGJ nº 16/2025 impõem às serventias extrajudiciais um novo patamar de conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), exigindo não apenas ajustes documentais e contratuais, mas também a implementação de práticas organizacionais estruturadas e contínuas.

Os operadores nacionais de registros, enquanto entidades responsáveis pelas estruturas de integração e padronização registral em âmbito nacional, ocupam posição estratégica que transcende suas eventuais obrigações como controladores diretos de dados. Suas atuações impactam diretamente as rotinas de tratamento de dados pessoais de milhares de serventias, especialmente no que se refere à:

  • padronização de fluxos de informação;
  • interoperabilidade com órgãos públicos;
  • emissão e validação de certidões eletrônicas;
  • segurança das centrais compartilhadas.

Nesse contexto, as obrigações estabelecidas pelo Provimento CGJ nº 16/2025, ainda que majoritariamente direcionadas às delegações notariais e registrais, alcançam indiretamente os operadores nacionais de registros, que podem e devem atuar como pólos orientadores e indutores de boas práticas na rede registral, promovendo modelos de conformidade escalonados e replicáveis, com base na classificação das serventias (Classe I, II ou III).

Implicações práticas do provimento nas serventias extrajudiciais

Abaixo, destacam-se as principais implicações práticas a serem observadas pelos responsáveis pelas serventias e que consequentemente, conforme destacado anteriormente, podem ser incentivadas pelos operadores nacionais de registros no cumprimento do seu papel orientador:

a) Classificação da serventia e adequação proporcional (Item 130.2)

As serventias deverão ser classificadas conforme as classes I, II ou III, nos termos do Código Nacional de Normas (CNN/CN/CNJ), e implementar as medidas exigidas pela LGPD de forma proporcional à sua capacidade econômica e ao volume e natureza dos dados tratados.

b) Advertência no atendimento do titular (Item 131.3)

As informações fornecidas em atendimento ao direito de acesso deverão conter advertência de que não se trata de certidão dotada de fé pública.

c) Nomeação do encarregado de dados (Itens 133 a 133.9)

Todas as serventias devem nomear formalmente um encarregado de proteção de dados pessoais, pessoa física ou jurídica, integrante da equipe ou terceiro contratado. A nomeação deve ser documentada por contrato arquivado e poderá ser realizada de forma independente ou conjunta entre diferentes unidades, desde que haja compatibilidade de funções e ausência de conflitos de interesse. Importante destacar que a nomeação do DPO não exime o delegatário do dever de atendimento direto ao titular, quando solicitado.

d) Elaboração e manutenção de documentos obrigatórios (itens 133.9, 134, 135 e 137)

A unidade deverá elaborar e/ou revisar documentos essenciais à conformidade com a LGPD, como a política de privacidade, o registro das operações de tratamento (Ropa), os termos de ciência dos operadores, e, quando necessário, o relatório de impacto à proteção de dados pessoais (RIPD). Esses documentos devem estar disponíveis para fiscalização, refletindo a realidade prática da serventia e suas rotinas de tratamento de dados.

e) Revisão de contratos e instrumentos administrativos (item 152)

O provimento exige a revisão integral dos contratos internos e externos celebrados pelas serventias, com inclusão de cláusulas específicas sobre responsabilidades no tratamento de dados, descarte, finalidade, base legal, limites de compartilhamento e mecanismos de controle. Também será necessário ajustar regulamentos internos, especialmente em relação à atuação de prepostos, terceirizados e fornecedores de tecnologia.

f) Capacitação contínua e cultura organizacional de privacidade (itens 132.5, 132.5.1 e 133.8)

A norma estabelece a obrigatoriedade de implementação de treinamentos sistemáticos para todos os colaboradores, inclusive onboarding para novos contratados e reciclagens periódicas. Tais formações devem ser registradas e integradas a um programa de conscientização conduzido pelo encarregado, com foco na prevenção de incidentes e na disseminação da cultura de proteção de dados.

g) Estruturação de mecanismos de transparência e atendimento ao titular (itens 131.2, 133.9 e 134)

Cada serventia deverá manter canal adequado para o atendimento a titulares de dados, garantindo resposta clara, segura e gratuita sobre os dados tratados, sua forma, duração e finalidade. A política de privacidade deve estar afixada nas unidades e publicada nos meios digitais da serventia, com linguagem acessível e conteúdo atualizado.

h) Medidas técnicas e organizacionais de segurança da informação (itens 132.4, 135.1, 137 e 153)

Estabelece padrões mínimos de segurança e impõe a adoção de medidas administrativas e técnicas aptas a prevenir acessos indevidos, perdas, alterações e incidentes de segurança, inclusive com a obrigação de manter planos de resposta estruturados.

i) Compartilhamento de dados e interoperabilidade com o poder público (itens 140, 150, 150.1, 151, 151.1 e 151.2)

O compartilhamento de dados pessoais com centrais de serviços eletrônicos compartilhados e com órgãos públicos deverá observar os princípios da adequação, necessidade e finalidade, priorizando, sempre que possível, o acesso descentralizado e evitando a transferência de bancos de dados. Nos casos em que houver desproporcionalidade ou dúvida sobre a legalidade da solicitação, o delegatário deverá consultar a Corregedoria Nacional de Justiça no prazo de 24 horas, apresentando justificativa fundamentada.

j) Responsabilidade por terceiros e fornecedores de tecnologia (itens 132.1 a 132.4, 152, 153)

As serventias deverão exigir de seus prestadores de serviços, especialmente os fornecedores de sistemas, softwares e plataformas de armazenamento, a plena conformidade com a LGPD. Isso inclui auditorias, cláusulas contratuais específicas, orientações técnicas e controle sobre o fluxo de dados que eventualmente circulem por ambientes terceirizados.

l) Preservação de evidências de conformidade (itens 132.2, 132.5, 133.6 e 135.1)

Todas as medidas adotadas deverão ser documentadas e arquivadas de forma organizada, viabilizando a produção de evidências em caso de fiscalização da CGJ, da ANPD ou em eventuais processos judiciais. A ausência de registros poderá ser interpretada como omissão, ainda que os controles estejam sendo executados de forma informal.

Em suma, o novo provimento demanda das serventias não apenas uma resposta normativa, mas uma mudança de postura institucional. A proteção de dados pessoais passa a integrar, de maneira indissociável, a boa governança das atividades notariais e registrais, devendo ser tratada com seriedade, planejamento e continuidade.

Recomendações gerais

Em face das alterações designadas pelo provimento CGJ nº 16/2025, pode-se destacar um nítido movimento de aproximação das normas notariais com os padrões exigidos pela LGPD, promovendo agora um nível maior de detalhamento técnico e exigência formal de implementação, inclusive documental.

Diante disso, recomenda-se que as serventias:

1. Classifiquem sua estrutura conforme o Código Nacional de Normas (Classes I, II, III) e dimensionem proporcionalmente suas ações de adequação;

2. Passem a incluir a advertência de que não se trata de certidão dotada de fé pública nas informações fornecidas em atendimento ao direito de acesso;

3. Atualizem ou elaborem documentos-chave, como:

  • Política de Privacidade;
  • Ropa (registro de tratamento);
  • Plano de Resposta a Incidentes;
  • Modelo de Relatório de Impacto à proteção de dados pessoais (RIPD)
  • Termos de responsabilidade e contratos com operadores;

4. Promovam treinamentos contínuos e programáticos;

5. Revisem seus contratos administrativos e operacionais à luz dos itens 152 e 153;

6. Evitem transferências amplas de dados, priorizando acessos pontuais e descentralizados conforme o item 150.1.

Considerações finais

Conforme destacado ao longo do documento, as atualizações incluídas pelo Provimento CGJ nº 16/2025 consolidam um novo patamar regulatório para os serviços notariais e registrais, exigindo das serventias uma atuação mais estruturada na seara da proteção de dados pessoais.

A norma avança ao detalhar obrigações e parâmetros de conformidade proporcionais ao porte da unidade, ao mesmo tempo em que amplia a responsabilização dos delegatários. Ainda, o Provimento não apenas consolida a aplicação da LGPD no setor extrajudicial, como também desloca o eixo de responsabilidade para uma lógica de governança sistêmica e em rede.

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Segregação de atividades: Carf e Receita avaliam modelos lícitos

A adoção de um modelo de negócios que envolve a segregação de atividades entre empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico sempre foi alvo de atenção por parte das autoridades fiscais, especialmente quando tais estruturas garantem uma melhor eficiência tributária para a operação.

É comum que contribuintes segreguem suas atividades de importação, fabricação e distribuição de produtos em diferentes empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, visando a obter uma melhor eficiência operacional e gestão tributária. Ao dedicar cada empresa a uma parte específica do negócio, é possível obter ganhos de produtividade e competitividade, além de eventuais ganhos fiscais que impactam positivamente os resultados.

No entanto, estruturas criadas artificialmente, com o único propósito de economizar impostos, são facilmente questionadas. Quando há abuso de forma ou confusão de atividades, com o mero intuito de reduzir a carga tributária, as autoridades fiscais tendem a desconsiderar essas operações. O resultado são autos de infração, exigindo a diferença dos tributos devidos, muitas vezes com multas pesadas, calculadas sobre a receita ou lucro da empresa mais rentável.

Alguns elementos sempre foram considerados como fortes indícios de que a estrutura adotada era simulada, tais como a existência de atividade lucrativa em apenas uma empresa; a prática de atividades idênticas ou complementares; o compartilhamento de instalações e empregados; similaridade do quadro societário entre as empresas, dentre outros.

Propósito de redução de tributos

Com base nesses critérios, muitas autuações foram mantidas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), sob o argumento de que as estruturas não tinham propósito negocial, sendo criadas apenas para reduzir tributos.

Recentemente, alguns julgamentos favoráveis reconheceram a legitimidade de estruturas de segregação, mesmo com algum nível de “confusão” entre as atividades. Destacam-se os Acórdãos nº 1401-007.372 (28/01/2025) e nº 3402-012.431 (11/02/2025), publicados nos últimos meses.

No Acórdão nº 1401-007.372, o Carf analisou um planejamento tributário aplicável à operação de importação em que houve acusação de interposição fraudulenta de terceiros do mesmo grupo, sob o argumento de que a importação era realizada, na verdade, pelo adquirente brasileiro já pré-determinado. A existência de exclusividade na aquisição das mercadorias importadas, o compartilhamento de funcionários e a margem de lucros negativa na operação de revenda de mercadorias importadas foram os elementos utilizados pela fiscalização para lavrar o auto de infração combatido.

Na ocasião, contudo, o Carf entendeu que não havia comprovação ou forte indício para desconsiderar a legitimidade da operação do grupo econômico, não tendo sido demonstrada a incapacidade financeira do importador e o fluxo financeiro suportado pelo adquirente brasileiro. Segundo consta no acórdão, as empresas haviam firmado um contrato de compartilhamento de custos para amparar esse modelo de negócios.

Exemplo de empresas de transporte

Já no Acórdão nº 3402-012.431, foi analisado um planejamento tributário que envolvia a atuação de duas empresas de transporte, ambas pertencentes ao mesmo grupo econômico e sujeitas ao regime do lucro presumido. Durante a fiscalização, as autoridades fiscais argumentaram que a segregação das atividades de transporte ocorreu de forma fraudulenta, devido à falta de substância econômica. Como evidências, citaram o compartilhamento de instalações físicas entre as empresas interpostas e a autuada, a coexistência de sócios em comum, e o compartilhamento da estrutura administrativa e logística. Tais fatores foram cruciais para a lavratura do auto de infração, que visava exigir a diferença de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), sob a alegação de omissão de receitas resultante de uma fragmentação fraudulenta da atividade econômica.

Apesar disso, o Carf concluiu que não houve dissimulação e validou a segregação operacional. Mais importante, o tribunal reconheceu que o propósito negocial não é um requisito essencial, pois carece de base legal.

No âmbito da Receita Federal, a Solução de Consulta COSIT nº 72 (16/04/2025), reconheceu a possibilidade de duas pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico optarem por regimes de tributação distintos, desde que sejam independentes entre si.

Licitude de estruturas de segregação de atividades

Esses precedentes recentes no âmbito do Carf e da própria Receita Federal apontam no sentido de um caminho para o reconhecimento da licitude de certas estruturas de segregação de atividades em grupos econômicos, desde que não haja simulação comprovada.

Essas decisões são positivas para os contribuintes, na medida em que validam alternativas adotadas em decorrência de decisões gerenciais e que sustentam um modelo de negócios mais eficiente, não só sob o ponto de vista tributário, mas também sob outros aspectos negociais.

É importante notar, contudo, que as decisões ponderaram elementos fáticos de cada caso, observando se as operações praticadas possuíam substância, de modo que, apesar de estarmos diante de uma tendência favorável com relação aos planejamentos tributários de segregação das atividades, isso não significa que todo e qualquer tipo de planejamento tributário seria considerado legítimo. Para que isso aconteça, é imprescindível que existam elementos suficientes a comprovar a veracidade das operações.

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PL é avanço no licenciamento ambiental, mas flexibliza demais certos pontos, afirma Milaré

Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental, aprovado pela Câmara na última quinta-feira (17/7) e que ainda aguarda a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), resolve problemas históricos como a demora e os altos custos do procedimento, além da insegurança jurídica causada pela falta de unificação das regras sobre licenciamento no Brasil. Mas o texto também tem alguns pontos preocupantes, especialmente a possibilidade de “autolicenciamento” para atividades de porte e potencial poluidor médios.

Essa é a opinião do advogado e procurador de Justiça aposentado Édis Milaré, um dos mais renomados juristas do Direito Ambiental brasileiro. Ele comemora a criação de um marco legal para o licenciamento ambiental, mas considera que uma parte da norma precisa ser aprimorada.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse na última semana que o governo federal considera apresentar vetos ao projeto ou até mesmo questionar a constitucionalidade do texto. Ela afirmou que o PL tem pontos inaceitáveis e que a legislação do licenciamento foi “decepada”.

Na visão de Milaré, o objetivo principal do projeto não foi dispensar ou flexibilizar o licenciamento: “Ele tem outros objetivos nobres e vai representar um avanço. Não acabou com tudo. Mas ainda pode ser melhorado”.

Projeto importante

De acordo com Milaré, a maior parte do texto consolida em lei regras que já eram praticadas ou as aperfeiçoa. “Na sua boa porção, o projeto é bom. Se a lei for sancionada, vai ser um avanço”, diz ele. “O trigo supera em muito o joio.” Por outro lado, ele admite “vulnerabilidades” no projeto, que poderiam ser evitadas.

O advogado ressalta que o licenciamento ambiental, na sua forma atual, é extremamente demorado. Em tese, pela lei, quando o procedimento exige estudo e relatório de impacto ambiental (EIA-Rima), deveria terminar em um ano. Na prática, isso nunca ocorre.

“Muitas vezes estudos são feitos em cima de uma região em que se conhece tudo”, indica. Em São Paulo, o licenciamento costuma demorar cinco anos. Mas há casos de até oito anos.

Na sua visão, a legislação atual sobre licenciamento é “extremamente complexa e débil, escorada em atos infralegais”. Há milhares de normas espalhadas pelos estados e municípios, além da própria União.

“O licenciamento ambiental, dentro do contexto de hoje, não agrada a ninguém. Não agrada aos órgãos ambientais, não agrada à academia e não agrada ao Ministério Público, que vive ajuizando ações por conta de questões relacionadas”, aponta Milaré. “Ninguém está satisfeito com o licenciamento ambiental tal qual posto.”

LAC

Um dos pontos que preocupam o especialista está ligado à licença ambiental por adesão e compromisso (LAC), modalidade presente no projeto aprovado e que vem sendo chamada de “autolicenciamento”. Mas sua existência, em si, não é o problema.

Nesse tipo de licenciamento, o próprio empreendedor declara que cumpre os requisitos preestabelecidos pelo órgão ambiental. Assim, pode conseguir a licença de forma imediata e sem custos. Basta apresentar os documentos exigidos pela autoridade licenciadora.

A LAC já existe no Brasil, voltada a empreendimentos de pequeno porte e baixo potencial poluidor. Começou a ser usada na Bahia, em 2011. E o Supremo Tribunal Federal já validou essa modalidade ao analisar a lei baiana que a instituiu (ADI 5.014).

São Paulo é outro estado que utiliza a LAC. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) prevê cerca de 700 tipos de empreendimentos que podem ser atendidos por essa modalidade.

Ela pode ser aplicada, por exemplo, para pequenas obras de infraestrutura urbana, como uma rampa; manutenções no asfalto de estradas vicinais; pequenas estações de tratamento de água ou esgoto; atividades industriais pequenas que utilizem o sistema público de água e esgoto; reformas em prédios já existentes; instalações de antenas de telecomunicação de baixo impacto; hortas comunitárias; obras para captação de água de chuva etc.

Ou seja, a LAC é destinada a atividades cujo impacto ambiental já seja conhecido ou que usem recursos já disponíveis. Em São Paulo, mais de 80% dos pedidos de licenciamento são para pequenos empreendimentos.

Sem a LAC, explica Milaré, os órgãos ambientais teriam de ocupar toda a sua máquina para licenciar essas pequenas atividades e não conseguiriam dedicar atenção especial aos empreendimentos de alto potencial poluidor.

“A LAC bem conduzida não é o mal. Ela desafoga os órgãos gestores.” Segundo ele, não se trata de “liberar geral”, nem dispensar o licenciamento, mas de desburocratizá-lo e simplificá-lo.

“Se, na esfera penal, em que a responsabilização é mais severa, admite-se não punir a insignificância, por que em outras esferas de responsabilização vamos perseguir um empresário que tem uma padaria ou uma pizzaria de fundo de quintal que nem recebe clientes?”, indaga o advogado.

Onde mora o problema

Milaré defende que a LAC é positiva se for reservada para os pequenos empreendimentos. Mas o projeto de lei aprovado pelo Congresso prevê que a modalidade pode ser usada também por empreendimentos de médio porte e médio potencial poluidor.

O advogado é contrário a essa ampliação das hipóteses. Para ele, isso precisa ser vetado.

“Concordo com a permanência da LAC porque ela é um bem que reserva a capacidade da autoridade licenciadora para os casos realmente de importância”, afirma ele. “Mas discordo do jeito que o projeto está querendo levar a LAC.”

De acordo com o texto do PL, o órgão licenciador de cada ente federado ficará responsável por estabelecer a lista de empreendimentos que podem se valer da LAC. Para Milaré, isso é perigoso: “Deveria ficar sob a tutela de um órgão federal, para poder repercutir nos outros entes”.

Ele entende que esse poder precisa ser concentrado nas mãos da União e que a própria lei deveria elencar as hipóteses de LAC.

Sem uma previsão do tipo, os entes federados podem ter critérios diferentes para definir as atividades de baixo impacto poluidor e pequeno porte. Com isso, há o risco de uma espécie de versão ambiental da “guerra fiscal”. Um empreendedor que não conseguir LAC em um município pode conseguir em outro, vizinho.

Outros pontos não relacionados à LAC também são criticados pelo advogado, a exemplo da dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias e obras de saneamento.

“Não importa qual seja o recurso, se ele é natural e está sendo utilizado, ele demanda licenciamento”, defende o advogado. “Sou favorável à simplificação, sempre que possível, de forma justificada. Dispensa, nunca.”

Milaré também vê problemas na criação da licença ambiental especial (LAE), um procedimento simplificado voltado a atividades e empreendimentos considerados estratégicos. Ele não se opõe a essa possibilidade, “contanto que as hipóteses arroladas sejam de interesse nacional, e não do governo”. Para o advogado, isso deve ser decidido com base em “política de Estado, e não política de governo”.

Segundo o texto, os casos de LAE serão definidos pelo Conselho de Governo, órgão que tem a função de assessorar o presidente da República na formulação da política nacional e das diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais.

Porém, o advogado aponta que, desde a promulgação da Constituição de 1988, esse conselho não exerceu nenhum papel na sua condição de órgão superior no Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

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