Justiça gratuita e o porquê da sua não concessão no processo do trabalho

Desde o advento da Lei nº 13.467/2017, conhecida como Lei da Reforma Trabalhista, muitas foram as discussões travadas em torno de pleitos para a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária. Atualmente, mesmo após seis anos de vigência da norma em epígrafe, a temática continua rendendo calorosos debates junto ao Poder Judiciário, não sendo raros os casos em que há o indeferimento desses pedidos, sobretudo no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) de todo o país.

Aliás, inobstante a concessão da justiça gratuita não isente a parte da responsabilidade pelo pagamento dos honorários sucumbenciais — afinal, à luz da decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.766, criou-se no processo judicial apenas a condição suspensiva da exigibilidade do seu pagamento —, de acordo com o ranking de assuntos mais recorrentes da Justiça do Trabalho, até dezembro de 2023 a matéria “honorários na justiça do trabalho” apareceu no 12º lugar, enquanto o tema “honorários advocatícios” ocupou o 19º lugar [1].

Por certo, considerando a polêmica sobre o assunto que ainda persiste nos dias de hoje, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na Coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur[2], razão pela qual agradecemos o contato.

Assistência judiciária x gratuidade da justiça

De início, é importante dizer que existe diferença entre assistência judiciária gratuidade da justiça, sendo oportunos os ensinamentos de Anita Duarte de Andrade, Ricardo Calcini e Wiviane Maria Oliveira de Souza [3]:

“É devia ao empregado que esteja assistido pelo sindicato, mesmo que não filiado ao sindicato (liberdade sindical), e receba salário inferior a dois salários-mínimos. Ainda que o empregado receba salário superior a dois salários-mínimos, este não será excluído da prestação da assistência judiciária, se por meio de declaração atestar a miserabilidade (presunção relativa).

A assistência judiciária não se confunde com o benefício da justiça gratuita, a segunda visa isentar o pagamento de custas (despesas processuais) quando a parte perceber salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (INSS), ou percebendo quantia superior, afirmarem não ter condições de pagar. E não deve pagar depósito recursal. (…). Ademais, a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes da sucumbência e ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas.”

Legislação reformista

Do ponto de vista normativo, o §3º do artigo 790 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), alterado pela Lei 13.467/2017, preceitua que “é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”. (g.n.)

A mudança em comparação à redação legislativa anterior da Lei nº 10.537/2022, se refere à parte final do dispositivo legal que, até então, afirmava que o benefício da justiça gratuita era concedido às partes litigantes que recebiam salário igual ou inferior “ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas no processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família”.

Lado outro, o novo § 4º do referido dispositivo legal preceitua que “O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo”, de sorte que, aparentemente, a declaração de hipossuficiência externa esta realidade.

Entendimentos locais dos TRTs

Decerto, existem Tribunais Regionais do Trabalho que possuem entendimentos internos já sedimentados acerca da temática, e que estão consubstanciados em súmulas regionais ou teses prevalecentes.

Este é o caso, por exemplo, do TRT-SP da 2ª Região que, por meio da Súmula Regional nº 5, assim dispõe:

5 – Justiça gratuita – Isenção de despesas processuais. (DJE 03/07/2006)

CLT, arts. 790, 790-A e 790-B. Declaração de insuficiência econômica firmada pelo interessado ou pelo procurador – Direito legal do trabalhador, independentemente de estar assistido pelo sindicato.

Aliás, segundo o próprio dever legislativo de os Tribunais uniformizarem a jurisprudência, para mantê-la íntegra, estável e coerente, tais enunciados representativos de sumulas regionais e teses prevalecentes se mantiveram inclusive vinculantes no âmbito dos TRTs locais, tal como dispõem arts. 926, §§ 1º e 2º [4], e 927, III e V, do CPC [5].

Tal conclusão, a propósito, se extrai expressamente do §3º do artigo 18 da Instrução Normativa nº 41/2018 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, na época, foi editada para dispor, ainda que de forma não exaustiva, sobre a aplicação das normas processuais contidas na legislação celetária alteradas ou acrescentadas pela Lei nº 13.467/2017, com o intuito justamente de dar aos jurisdicionados a segurança jurídica indispensável a possibilitar estabilidade das relações processuais, a saber:

Art. 18. O dever de os Tribunais Regionais do Trabalho uniformizarem a sua jurisprudência faz incidir, subsidiariamente ao processo do trabalho, o art. 926 do CPC, por meio do qual os Tribunais deverão manter sua jurisprudência íntegra, estável e coerente.
[…]

  • 3º As teses jurídicas prevalecentes e os enunciados de Súmulas decorrentes do julgamento dos incidentes de uniformização de jurisprudência suscitados ou iniciados anteriormente à edição da Lei nº 13.467/2017, no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, conservam sua natureza vinculante à luz dos arts. 926, §§ 1º e 2º, e 927, III e V, do CPC.

Neste contexto, parece ser claro que a justiça gratuita é um direito legal de todo e qualquer trabalhador que litiga no Poder Judiciário Trabalhista, ao menos no âmbito de jurisdição do TRT-SP da 2ª Região, desde que a parte firme declaração de insuficiência econômica, ou que o faça o seu procurador com poderes específicos no instrumento de mandato (CPC, artigo 105) [6]. Aliás, o respectivo tribunal possui inúmeros precedentes nesse mesmo sentido [7].

Jurisprudência do TST

A Corte Superior Trabalhista, por meio da Súmula nº 463 [8], antes mesmo da lei reformista, tinha firmado entendimento de que a respectiva declaração de pobreza traz presunção relativa de veracidade quanto às informações nela inseridas, salvo, claro, se não houver prova cabal em sentido contrário, sendo, por tal razão, suficiente para fins de comprovação da hipossuficiência econômico-financeira da parte litigante pessoa física.

Assim, do ponto de vista da posição então sedimentada pelo TST, o fato de a parte litigante, pessoa física, ter remuneração na época superior a dois salários-mínimos, não era suficiente, por si só, a demonstrar que ela estava em situação econômica que lhe permitia demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família, bastando, para tanto, a declaração de hipossuficiência para obter a gratuidade da justiça [9].

Essa visão, apesar da vigência da Lei nº 13.467/17, ao que parece não foi alterada, pois, recentemente, ao emitir juízo de valor num processo no qual o trabalhador possuía remuneração em patamar elevado, o Tribunal Superior do Trabalho deferiu o pedido de gratuidade à parte recorrente [10].

Em seu voto, o ministro relator destacou:

“(…) O deferimento da gratuidade da justiça depende de simples declaração de pobreza, a teor do art. 790, § 3º, da CLT e nos moldes da OJ 304/SDI-I/TST (“Atendidos os requisitos da Lei nº 5.584/70 (art. 14, § 2º), para a concessão da assistência judiciária, basta a simples afirmação do declarante ou de seu advogado, na petição inicial, para se considerar configurada a sua situação econômica (art. 4º, § 1º, da Lei nº 7.510/86, que deu nova redação à Lei nº 1.060/50)”).

E a referida declaração, apresentada pelo reclamante (fl. 36), goza de presunção relativa de veracidade, não restando elidida, no caso, por prova em contrário. Com efeito, os fatos registrados na decisão embargada, quais sejam, “constatação de que o autor percebe salário bastante elevado, superior a R$ 40.000, e que a rescisão do contrato de trabalho se deu dias antes do ajuizamento da ação trabalhista”, não são suficientes a demonstrar que o reclamante está em situação econômica que lhe permite demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família”.

 Aliás, esse é o entendimento predominante que se identificou a respeito da temática, conforme julgados do TST localizados por meio da técnica de jurimetria [11], mesmo com o advento da reforma trabalhista.

Logo, pode-se concluir, ao menos sob o viés da jurisprudência majoritária, que a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, com poderes para tanto, possui presunção relativa para a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária.

Entrementes, vale lembrar que, de acordo com o §2º do artigo 99 do CPC [12], caso eventualmente o(a) magistrado(a) decidida pelo indeferimento do benefício, deve possibilitar à parte litigante, segundo os deveres de cooperação e da primazia do julgamento do mérito que lhe impõem a lei (CPC, artigo 6º) [13], o direito de demonstrar o cumprimento dos requisitos estabelecidos na legislação para a concessão da gratuidade de justiça.

Conclusão

Em arremate, para evitar a prolação de “decisão surpresa” (CPC, artigos 9º [14] e 10 [15]), até para que se afaste a denominada “jurisprudência defensiva”, se porventura o processo estiver em grau recursal na pendência de julgamento de apelo tanto no âmbito dos TRTs quanto no TST, deve ser concedido prazo de cinco dias úteis para que haja, se for o caso, o pagamento do preparo recursal, evitando-se a deserção do recurso e, por corolário lógico, o seu não conhecimento pelo tribunal.

Essa é a logicidade do item II da Orientação Jurisprudencial nº 269 da SBDI-1 do TST, a qual assevera que “indeferido o requerimento de justiça gratuita formulado na fase recursal, cumpre ao relator fixar prazo para que o recorrente efetue o preparo (art. 99, § 7º, do CPC de 2015)”.

______________

[1] Disponível em https://tst.jus.br/web/estatistica/jt/assuntos-mais-recorrentes. Acesso em 23.4.2024.

[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[3] Manual de direito processual trabalhista. Leme-SP: Mizuno, 2021. Página 73 e 74.

[4] CPC, Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. §1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. §2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

[5] CPC, Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: […] III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; […]; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

[6] CPC, Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.

[7] FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO, 14ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 04/04/2022; TRT-2 10012647520215020468 SP, Relator: IVETE BERNARDES VIEIRA DE SOUZA, 18ª Turma – Cadeira 2, Data de Publicação: 22/06/2022; TRT-2 10003711520215020491 SP, Relator: WILMA GOMES DA SILVA HERNANDES, 11ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 28/06/2022; TRT-2 – ROT: 10004883820225020372, Relator: ELIANE APARECIDA DA SILVA PEDROSO, 3ª Turma; TRT-2 10010807720205020461 SP, Relator: ADRIANA PRADO LIMA, 11ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 31/01/2022; TRT-2 – AIRO: 10006386120215020046, Relator: PAULO EDUARDO VIEIRA DE OLIVEIRA, 3ª Turma; TRT-2 10004245220205020322 SP, Relator: MARIA DE FATIMA DA SILVA, 17ª Turma – Cadeira 4, Data de Publicação: 19/11/2020; TRT-2 10003273720215020057 SP, Relator: RAFAEL EDSON PUGLIESE RIBEIRO, 13ª Turma – Cadeira 2, Data de Publicação: 17/11/2021; TRT-2 – AIRO: 10010007520225020063, Relator: SERGIO ROBERTO RODRIGUES, 11ª Turma; TRT-2 10003925020215020051 SP, Relator: REGINA APARECIDA DUARTE, 16ª Turma – Cadeira 3, Data de Publicação: 24/11/2021; TRT-2 10011802120215020712 SP, Relator: RILMA APARECIDA HEMETERIO, 18ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 06/07/2022; TRT-2 10011032920205020071 SP, Relator: ANNETH KONESUKE, 17ª Turma – Cadeira 4, Data de Publicação: 15/07/2022.

[8] ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO. I – A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015); II – No caso de pessoa jurídica, não basta a mera declaração: é necessária a demonstração cabal de impossibilidade de a parte arcar com as despesas do processo.

[9] RRAg-1000142-27.2021.5.02.0371, 1ª Turma, DEJT: 18.12.2023; RRAg-1000243-58.2022.5.02.0006, 2ª Turma, DEJT 18.12.2023; Ag-AIRR-11661-32.2017.5.03.0014, DEJT 18.12.2023; RR-1000097-52.2022.5.02.0447.

[10]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=464&digitoTst=35&anoTst=2015&orgaoTst=5&tribunalTst=03&varaTst=0181&submit=Consultar. Acesso em 23.4.2024.

[11] RRAg-1000142-27.2021.5.02.0371, 1ª Turma, DEJT: 18.12.2023; RRAg-1000243-58.2022.5.02.0006, 2ª Turma, DEJT 18.12.2023; Ag-AIRR-11661-32.2017.5.03.0014,  DEJT 18.12.2023; RR-1000097-52.2022.5.02.0447, 6ª Turma, DEJT: 18.12.2023; RRAg-1001257-66.2021.5.02.0021, 7ª Turma, DEJT: 19.12.2023; Ag-RR-101028-47.2020.5.01.0037, 8ª Turma, DEJT: 19.12.2023; RR-1039-56.2017.5.09.0003, 8ª Turma, Rel. Min. Joao Batista Brito Pereira, DEJT 26/10/2020; RR-950-77.2018.5.12.0047, 3ª Turma, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 26/6/2020; RR-11807-75.2017.5.03.0078, 4ª Turma, Rel. Min. Alexandre Luiz Ramos, DEJT 27/3/2020.

[12] CPC, Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. […]. § 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.

[13] CPC, Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

[14] CPC, Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III – à decisão prevista no art. 701.

[15] CPC, Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Fonte: Conjur

Google não permitirá anúncios de políticos nas eleições de outubro

O Google anunciou nesta quarta-feira (23) que não vai permitir anúncios políticos nas eleições municipais de outubro.

A medida foi tomada pela plataforma em função da resolução aprovada em fevereiro deste ano pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para restringir o uso de inteligência artificial (IA) e determinar a adoção de medidas de combate à circulação de fatos inverídicos ou descontextualizados.

Em nota, o Google informou que a restrição aos anúncios começará em maio, quando as resoluções do TSE entrarão em vigor.

A empresa também declarou que apoia a integridade das eleições. “Vamos atualizar nossa política de conteúdo político do Google Ads para não mais permitir a veiculação de anúncios políticos no país. Essa atualização acontecerá em maio, tendo em vista a entrada em vigor das resoluções eleitorais para 2024. Temos o compromisso global de apoiar a integridade das eleições e continuaremos a dialogar com autoridades em relação a este assunto”,  informou a empresa.

Pelas regras do TSE, as redes sociais deverão tomar medidas para impedir ou diminuir a circulação de fatos inverídicos ou descontextualizados. As plataformas que não retirarem conteúdos antidemocráticos e com discurso de ódio, como falas racistas, homofóbicas ou nazistas, serão responsabilizadas.

A resolução também regulamenta o uso da inteligência artificial durante as eleições municipais de outubro.

A norma proíbe manipulações de conteúdo falso para criar ou substituir imagem ou voz de candidato com objetivo de prejudicar ou favorecer candidaturas. A restrição do uso de chatbots (software que simula uma conversa com pessoas de forma pré-programada) e avatares (corpos virtuais) para intermediar a comunicação das campanhas com pessoas reais também foi aprovada.

O objetivo do TSE é evitar a circulação de montagens de imagens e vozes produzidas por aplicativos de inteligência artificial para manipular declarações falsas de candidatos e autoridades envolvidas com a organização do pleito.

Fonte:

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Terceira Seção julga nesta quarta (24) possibilidade de pena abaixo do mínimo legal

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai julgar, nesta quarta-feira (24), três recursos especiais (REsps 2.057.1812.052.085 e 1.869.764) que discutem se é possível a fixação da pena abaixo do mínimo previsto em lei. A decisão tomada pelo colegiado poderá levar à revisão da Súmula 231, que veda essa possibilidade.

No dia 17 de maio do ano passado, foi realizada uma audiência pública com o objetivo de subsidiar o órgão julgador na apreciação do tema. A audiência, que aconteceu de forma híbrida (presencial e por videoconferência), contou com 44 exposições, a favor e contra a alteração da jurisprudência. A íntegra da audiência pode ser conferida no canal do STJ no YouTube.

Segundo o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator dos recursos, o tema já foi amplamente debatido na corte, que consolidou o entendimento de que a pena não pode ser ainda mais abrandada na segunda fase da dosimetria, se já estiver no seu mínimo legal. No entanto, apesar de seguir a orientação jurisprudencial, Schietti relembrou considerações suas apresentadas no julgamento do HC 482.949, quando questionou a pertinência da posição da corte.

“Não raras vezes, a realidade apresenta situações concretas em que a pena mínima obtida no processo judicial de individualização da sanção penal ainda parece ser excessiva, e nada pode ser feito – mesmo ante a presença de uma circunstância atenuante – em virtude de uma categorização penal que se mostra inflexível”, registrou o ministro naquela ocasião.

Fonte: STJ

Por que a reforma do Código Civil merece ser aprovada? A defesa dos nossos neurodireitos

No último dia 17 foi entregue ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o anteprojeto de reforma do Código Civil, fruto de um trabalho árduo empreendido por uma Comissão de Juristas liderada pelos ministros Luis Felipe Salomão e Marco Aurélio Belizze, do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A comissão, composta por renomados civilistas, dedicou seis meses a esforços hercúleos para atualizar o Código Reale de 2002.

Em todo o texto, a comissão buscou incorporar avanços provenientes da literatura jurídica especializada, dos enunciados das Jornadas do Conselho da Justiça Federal e do Direito Jurisprudencial, dimensionado pelos tribunais, notadamente pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Esses avanços em termos de atualização já justificariam que a reforma tivesse um trâmite célere no Parlamento e corrigisse as lacunas e obsolescências que mais de 20 anos de vigência da lei impuseram ao “direito vivente”.

Detratores

Como de praxe, como dizia o saudoso Orlando Gomes, [1] já surgiram o grupo dos “detratores do Projeto de Código”. No entanto, nesta ocasião, a crítica se apresenta de forma mais delicada da lembrada pelo mestre, pois não atacam diretamente o anteprojeto de lei apresentado, mas sim versões ultrapassadas ou, pior ainda, propagam “fake news” de que o texto legitimaria condutas reputadas imorais, que chegam ao limite do absurdo. [2]

E, como se trata de inverdades ou de versões desatualizadas, o anteprojeto seguirá seu trâmite regular e espera-se que seja aprovado o mais brevemente possível, obviamente mediante um amplo debate parlamentar que permita seu aprimoramento no Congresso.

A possibilidade de verdadeiro aprimoramento já serviria como fundamento para a atualização legislativa, mas o fenômeno da digitalização da vida e o surgimento de novas relações jurídicas empreendidas no ambiente da Internet e por meio de novas tecnologias digitais tornam essencial a rapidez da reforma.

Isso porque o anteprojeto, na vanguarda do direito mundial, adota em seu texto um novo livro para o Código Civil, intitulado “Direito Civil Digital”.

As tecnologias digitais, incluindo a internet, smartphones e redes sociais, estão cada vez mais entranhadas em nossas vidas, marcando uma tendência de uso continuado. Em 2022, com a população mundial atingindo 8 bilhões de pessoas, 5 bilhões delas possuíam smartphones, representando 82% da população global. Desses usuários de smartphone, 4,7 bilhões participavam de ao menos uma rede social. [3]

Atualmente, nossa conectividade não só aumentou, mas também mudamos a maneira como acessamos e consumimos tecnologia. Anteriormente, utilizávamos smartphones e plataformas digitais de forma ocasional, como para enviar e-mails ou fazer pesquisas escolares.

Hoje, o manuseio desses dispositivos faz parte constante de nossas rotinas diárias, ocupando cerca de seis horas por dia, das quais metade desse tempo é gasta em redes sociais. Um estudo de 2022 aponta que as pessoas chegam a desbloquear seus smartphones aproximadamente 100 vezes por dia, indicando uma relação de dependência significativa com esses dispositivos. [4]

Onlife

Fica então evidente que na sociedade digital vivemos uma era onlife[5] na qual as experiências reais e virtuais se fundem, e que impõe a percepção de uma virada tecnológica do direito de modo a encarar o impacto das tecnologias de informação e comunicação na adaptação e interpretação do sistema jurídico, de modo que o código deontológico do Direito imponha mecanismos cooperativos de governança e controle do ambiente digital.

Com esse intuito, o livro “Direito Civil Digital” propõe a atualização da legislação brasileira para endereçar as particularidades do ambiente digital.

A lei é dividida em dez capítulos que estabelecem desde disposições gerais até normas específicas para atos notariais eletrônicos, passando por princípios de proteção da dignidade e privacidade, regulação de direitos digitais de pessoas naturais e jurídicas, responsabilidades no uso de tecnologias, e gestão de patrimônio digital.

Os pontos chave incluem: a proteção dos direitos de personalidade e dados no ambiente digital; definição de situações jurídicas digitais e suas regulações; garantias para um ambiente digital seguro; diretrizes para a inteligência artificial visando a não discriminação e transparência; e a validação de contratos e assinaturas eletrônicas.

Além disso, a lei enfatiza a proteção integral de crianças e adolescentes no digital e estabelece procedimentos para atos notariais eletrônicos, assegurando sua autenticidade e confidencialidade.

Entre os inúmeros temas abordados, pretende-se aqui pontuar um aspecto essencial para defesa da cidadania e da autonomia privada dos brasileiros: o dimensionamento dos neurodireitos, [6] considerados como “as proteções que visam preservar a privacidade mental, a identidade pessoal, o livre arbítrio, o acesso justo à ampliação ou melhoria cerebral, a integridade mental e a proteção contra vieses, das pessoas naturais, a partir da utilização de neurotecnologias”.

Os cidadãos tornaram-se acostumados com a ideia de que seus dados pessoais, incluindo endereços de e-mail, contatos sociais, histórico de internet e informações genéticas, são frequentemente coletados e revendidos pelos aplicativos e serviços digitais que eles utilizam.

Mas, agora, com gadgets usáveis (headbands de meditação, airpods [7] e até utensílios mais invasivos [8]) dados íntimos e mentais podem ser usados com finalidade variada e com o risco de induções de comportamento e redução da autonomia privada (de escolha) dos cidadãos. [9]

O texto consagra entre os fundamentos do direito civil digital “o desenvolvimento e a inovação econômicos, científicos e tecnológicos, assegurando a integridade e a privacidade mental, a liberdade cognitiva, o acesso justo, a proteção contra práticas discriminatórias e a transparência algorítmica”.

É ainda mais específico pontuar que “os neurodireitos são parte indissociável da personalidade e recebem a mesma proteção desta, não podendo ser transmitidos, renunciados ou limitados”. [10]

Direitos neuroespecíficos

O anteprojeto sintetiza a necessidade de se estabelecer novos direitos neuroespecíficos, que se iniciou com Ienca e Andorno (2017) [11], que sugeriram adicionar quatro prioridades éticas em relação à neurotecnologia. Esses conceitos foram integrados pela Neuro Rights Foundation [12] em sua defesa por cinco direitos, incluindo privacidade mental e identidade pessoal.

O Chile incorporou aspectos de proteção à integridade mental em sua Constituição [13], nós já tentamos mediante a proposta de PEC [14], Argentina [15], França [16] e Espanha [17] tomaram medidas legislativas ou regulatórias para reconhecer e proteger os neurodireitos.

Internacionalmente, organismos como a ONU [18] e a OEA [19] abordaram as implicações éticas da neurotecnologia, com este último emitindo Princípios Interamericanos sobre Neurociências e Direitos Humanos [20]. Além disso, o Parlamento Latino-Americano lançou uma Lei Modelo sobre neurodireitos em abril de 2023 [21].

Recente reportagem do The New York Times[22] de 17 de abril de 2024, noticiou que o estado do Colorado aprovou uma legislação pioneira nos Estados Unidos que estende os direitos de privacidade aos dados neurais, que são cada vez mais alvo de interesse das empresas de tecnologia.

Esta nova lei amplia a definição de “dados sensíveis” na legislação estadual sobre privacidade pessoal para incluir dados biológicos e neurais, que englobam as atividades cerebrais e informações derivadas do sistema nervoso. Com esta medida, o Colorado se posicionou na vanguarda da proteção da privacidade no contexto de tecnologias consumidoras de neurodados.

A lei estabelece direitos aos consumidores para acessar, deletar e corrigir seus dados, além de permitir que optem por não participar da venda ou uso de seus dados para publicidade direcionada. As empresas são obrigadas a seguir regulamentações rigorosas sobre a coleta, armazenamento e compartilhamento desses dados, precisando divulgar que tipo de dados coletam e seus planos para eles.

Isso reflete uma resposta legislativa aos riscos associados à coleta não regulamentada de dados neurais, que poderiam ser usados para decodificar pensamentos e emoções ou revelar informações sensíveis sobre a saúde mental ou física de um indivíduo.

A adoção desta lei americana representa um passo significativo, considerando que até então, os dados neurais coletados por empresas de neurotecnologia de consumo não eram protegidos pelas leis federais de saúde, que cobrem apenas dados de pacientes obtidos em contextos clínicos. Além de proteger os dados neurais como informações pessoais sensíveis.

Este breve panorama do quadro normativo internacional exposto ressalta a relevância e a urgência do anteprojeto de reforma do Código Civil, destacando-se em particular na sua abordagem das interações digitais diárias do cidadão brasileiro. Tal atualização demanda um apoio vigoroso da comunidade jurídica para sua aprovação.

Vivemos uma virada tecnológica onde o direito se adapta à era tecnológica, e é crucial que nossos legisladores tratem esta evolução com a seriedade necessária, garantindo que os cidadãos mantenham suas escolhas livres de manipulações indesejadas.

__________________

[1] Orlando Gomes: o cronista: 140 crônicas de Orlando Gomes. Salvador: EDUFBA, 2021.p. 267-271.

[2] Um aspecto frequente desse “movimento detrator” é a interpretação equivocada relacionada ao Direito de Família no Anteprojeto. Inveridicamente, afirma-se que o texto permitiria o aborto por meio de uma lei civil e que autorizaria a formação de “famílias multiespécies”. https://www.instagram.com/reel/C56adgiRRPL/?igsh=MWdjdmgxYXh1OWozbA==

[3] OBERLO. How many people have smartphones in 2022? https://www.oberlo.com/statistics/how-many-people-have-smartphones

[4] KEMP, Simon. Looking ahead: key digital themes for 2023. Datareportal. Disponível: https://datareportal.com/reports/looking-ahead-to-what-2023-holds.   CHANG, Jenny. 90 Smartphone Addiction Statistics You Must See: 2022 Usage and Data Analysis. Finances Online. 6 de novembro de 2022.

[5] “As TICs – tecnologias de informação e comunicação – não são meras ferramentas, mas sim forças sociais que estão afetando cada vez mais nossa autoconcepção (quem somos), nossas interações mútuas (como nos socializamos); nossa concepção da realidade (nossa metafísica); e nossas interações com a realidade (nossa agência). Em cada caso, as TICs têm um enorme significado ético, legal e político, mas com o qual começamos a chegar a um acordo apenas recentemente” FLORIDI, Luciano. The Onlife Manifesto: Being Human in a Hyperconnected Era. Oxford: Springer, 2015.

[6] Cf. PORTO, Laura. Neurodireitos: um olhar para o futuro presente na era digital.

https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/404071/neurodireitos-um-olhar-para-o-futuro-presente-na-era-digital

[7] https://www.techtudo.com.br/noticias/2023/08/airpods-do-futuro-podem-ler-suas-ondas-cerebrais-veja-como-edinfoeletro.ghtml

[8] https://www.techtudo.com.br/noticias/2022/06/seu-vibrador-inteligente-pode-sofrer-ataque-hacker-entenda-riscos.ghtml

[9] https://open.spotify.com/episode/7yfZYV6qGVmygsiq8xSwWO?si=ynqCl4gRTjyn8V23F-krWQ Não se pode esquecer do projeto de implante mental neuralink de Elon Musk: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cp0gyj3lv01o

[10] O referido dispositivo esmiuça a temática ao dizer que: Art. (…) § 2º São garantidos a toda pessoa natural os seguintes neurodireitos:I – direito à liberdade cognitiva, vedado o uso de neurotecnologias de forma coercitiva ou sem consentimento;II – direito à privacidade mental, concebido como direito de proteção contra o acesso não autorizado ou não desejado a dados cerebrais, vedada a venda ou transferência comercial;III – direito à integridade mental, entendido com o direito à não manipulação da atividade mental por neurotecnologias, vedada a alteração ou eliminação do controle sobre o próprio comportamento sem consentimento;IV – direito de continuidade da identidade pessoal e da vida mental, com a proteção contra alterações na identidade pessoal ou coerência de comportamento, vedadas alterações não autorizadas no cérebro ou nas atividades cerebrais;V – direito ao acesso equitativo a tecnologias de aprimoramento ou extensão das capacidades cognitivas, segundo os princípios da justiça e da equidade;VI – direito à proteção contra práticas discriminatórias, enviesadas a partir de dados cerebrais.§ 3º Os neurodireitos e o uso ou acesso a dados cerebrais poderão ser regulados por normas específicas, desde que preservadas as proteções e as garantias conferidas aos direitos de personalidade.”

[11]   IENCA, M., ANDORNO, R. (2017). Towards new human rights in the age of neuroscience and neurotechnology. Life Sci. Soc. Pol. Acessível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28444626/

[12] NeuroRights Foundation (2023). The Neurorights Foundation. Human Rights for the Age of Neurotechnology. Available online at: https://neurorightsfoundation.org/

[13] Biblioteca del Congreso Nacional de Chile (2021). Decreto 100 fija el texto refundido, coordinado y sistematizado de la Constitución Política de la República de Chile. Available online at: https://www.bcn.cl/leychile/navegar?idNorma=242302&idVersion=2021-10-25

[14] https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2317524

[15]  https://www.hcdn.gob.ar/proyectos/proyecto.jsp?exp=0339-D-2022

[16]  https://www.hcdn.gob.ar/proyectos/proyecto.jsp?exp=0339-D-2022

[17]https://www.lamoncloa.gob.es/presidente/actividades/Documents/2021/140721-Carta_Derechos_Digitales_RedEs.pdf

[18] International Bioethics Committee. Ethical Issues of Neurotechnology: Report. Paris: UNESCO. 2022.

[19] Human Rights Council (2022). Resolution A/HRC/RES/51/3 Neurotechnology and Human Rights.: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G22/525/04/PDF/G2252504.pdf?OpenElement

[20] Inter-American Juridical Committee (2023). Inter-American Declaration of Principles on Neurosciences, Neurotechnologies, and Human Rights CJI/RES. 281 (CII-O/23) corr.1. https://www.oas.org/es/sla/cji/docs/CJI-RES_281_CII-O-23_corr1_ESP.pdf

[21] Parlatino. (2023). Ley Modelo de Neuroderechos para América Latina y El Caribe. https://parlatino.org/wp-content/uploads/2017/09/leym-neuroderechos-7-3-2023.pdf

[22] MOENS. Your Brain Waves Are Up for Sale. A New Law Wants to Change That. NYT, 17.4.2024. https://www.nytimes.com/2024/04/17/science/colorado-brain-data-privacy.html

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Comissão de Constituição e Justiça aprova novas penalidades para invasores de terra

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou por 38 votos a 8 projeto de lei que estabelece restrições e impedimentos para invasores e ocupantes ilegais de propriedades rurais e urbanas. 

Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Ricardo Salles (PL - SP)

Salles: “É inaceitável que indivíduos que promovem invasões sejam beneficiados por programas assistenciais do governo” – Bruno Spada / Câmara dos Deputados

O texto aprovado foi o substitutivo do deputado Ricardo Salles (PL-SP) ao Projeto de Lei 709/23, do deputado Marcos Pollon (PL-MS). Ele aproveitou o conteúdo de outras propostas que tramitavam anexadas à original.

De acordo com o texto aprovado, quem praticar o crime de invasão de domicílio ou de esbulho possessório (invadir, com violência à pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio), fica proibido de:

  • contratar com o poder público em todos os âmbitos federativos;
  • inscrever-se em concursos públicos ou processos seletivos para a nomeação em cargos, empregos ou funções públicos;
  • ser nomeado em cargos públicos comissionados e
  • receber auxílios, benefícios e demais programas do governo federal.

A proibição, nos casos mencionados, é por oito anos, contados do trânsito em julgado da condenação. 

Caso o condenado já receba auxílios, benefícios e programas sociais do governo, tenha contratos com o poder público federal, cargo público efetivo ou comissionado, ele deverá ser desvinculado compulsoriamente, respeitados o contraditório e a ampla defesa.

Ricardo Salles acolheu sugestões de colegas e modificou o texto para acrescentar que equiparam-se aos alvos das regras aqueles que invadirem terreno público ou privado para tentar forçar a realização de reforma agrária ou demarcação de terras indígenas.

“É inaceitável que indivíduos que desrespeitam a ordem jurídica e promovem invasões ilegais sejam beneficiados por programas assistenciais financiados pelo governo, pois isso implicaria em um incentivo à perpetuação dessas condutas delituosas” afirma Salles.

“Além disso, as invasões de propriedades particulares acarretam prejuízos não apenas aos proprietários, mas também à economia e à segurança jurídica do País” defende o relator da proposta.

O deputado Patrus Ananias (PT-MG) disse que o projeto “afronta princípios constitucionais e o ordenamento jurídico, acrescentando penas inaceitáveis às pessoas condenadas nesses casos”. 

“Com a aprovação da proposta, as condenações atingiriam também os familiares do condenado”, acredita o parlamentar. 

Já o deputado Zucco (PL-RS) disse que “as penas são brandas”. “Se é para propor a reforma agrária, que se faça dentro da lei. Mas é importante punir invasores identificados. Eles não podem ter cargo público, não podem receber programas assistenciais, como o Bolsa Família”, argumentou. 

O projeto está sendo analisado em regime de urgência e pode ser votado a qualquer momento pelo Plenário da Câmara.

Fonte: Câmara dos Deputados

Lei da Igualdade Salarial invade liberdade de empresa, diz juíza federal

Por entender que a Lei 14.611/2023 — conhecida como Lei da Igualdade Salarial — criou demandas que invadem a liberdade empresarial, a juíza plantonista Pollyanna Kelly Maciel Martins Alves, da 14ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, concedeu liminar a 11 empresas de um mesmo grupo econômico para suspender a divulgação do relatório de transparência salarial exigida pelo diploma legal.

Considerada um marco na luta contra a desigualdade de gênero no Brasil, a Lei 14.611 estabelece diretrizes para que a igualdade de remuneração entre homens e mulheres seja alcançada no mercado de trabalho. Nesse sentido, a norma determina que empresas com cem ou mais empregados divulguem relatórios semestrais de transparência salarial. O objetivo é identificar e corrigir disparidades de remuneração para trabalhos de igual valor ou no exercício da mesma função.

O relatório é elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego com base em dados do e-Social, sistema de prestação de informações trabalhistas ao governo federal. Concluído o estudo, ele deve ser divulgado pelas empresas — que terão um prazo para apresentar um plano de ação para corrigir eventuais discrepâncias salariais.

No caso em questão, as empresas reclamaram que o órgão não explicou detalhadamente como elaborou o documento, nem deu chance para que eventuais diferenças de remuneração pudessem ser esclarecidas. Como o prazo estabelecido para a divulgação do relatório estava perto de terminar, as companhias entraram com pedido de liminar para suspender a publicação.

No pedido, dois atos normativos foram contestados: o Decreto 11.795/2023 — que regulamentou a Lei de Igualdade Salarial — e a Portaria MTE 3.714/2023 — responsável por detalhar o decreto. Isso porque, segundo as empresas, ambos lesam direitos e garantias individuais ao exigir o envio das informações sobre salários e a divulgação dos relatórios. As autoras da ação também sustentaram que a publicação dos relatórios gera preocupações em relação à privacidade de dados sensíveis dos trabalhadores; à preservação da imagem das companhias; e ao princípio da livre iniciativa.

Lei extrapolou

Ao analisar o caso, a juíza Pollyanna Alves apresentou as principais disposições contidas na Lei 14.611/2023. A julgadora registrou que, ao prever a publicação dos relatórios, a lei estabeleceu que os dados dos trabalhadores devem ser divulgados sob a condição de anonimato.

Além disso, a legislação determina que, caso seja identificada desigualdade salarial, a empresa deverá implementar plano de ação para mitigar o problema. Já na hipótese de a compahia descumprir a exigência de publicação do relatório, a lei prevê a aplicação de multa administrativa com valor correspondente a até 3% da folha de salários do empregador.

Feito o registro, a juíza considerou que, mesmo que tenha tido o cuidado de prever a proteção da identidade dos profissionais, a legislação, por outro lado, “inovou e criou obrigações que invadem a liberdade da atividade econômica e negocial das empresas privadas”.

Ela destacou que o artigo 7º, inciso XXX, da Constituição proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão “por motivo de sexo”. E, embora a Lei da Igualdade Salarial busque concretizar tal premissa, a juíza entendeu que o cumprimento desse comando constitucional pode ser garantido por meio de “regular fiscalização dos órgãos competentes” e sem a “publicização das informações da empresa, ainda que mediante anonimização dos trabalhadores”.

“A empresa ficará obrigatoriamente exposta ao escrutínio público, se aplicadas as normas impugnadas, que são manifestamente exorbitantes do poder legislativo estatal, violadoras da cláusula constitucional do devido processo legal”, disse a juíza ao reconhecer a urgência da liminar.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 1020692-80.2024.4.01.3400

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TJ-SP derruba ISS progressivo para sociedades uniprofissionais

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou inconstitucional o artigo 13 da Lei 17.719 do município de São Paulo. A norma anulada previa a fixação de alíquota progressiva do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) para sociedades uniprofissionais, com cálculo baseado no número de profissionais habilitados.

tribunal de justiça de são paulo tj-sp

A decisão se deu nos termos do voto do relator da matéria, desembargador Figueiredo Gonçalves, que entendeu que o dispositivo violava os princípios da isonomia e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 5º e 145 da Constituição Federal.

O magistrado explicou que o dispositivo que prevê a incidência da alíquota de ISS com base no número de profissionais e no faturamento das sociedades adota critério que só seria cabível a sociedades empresariais.

A decisão foi provocada por mandado de segurança apresentado por uma empresa que já havia obtido liminar para suspender o recolhimento de ISS por meio de alíquota progressiva.

Entendimento do STF

O juízo de primeira instância concedeu liminar aplicando o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 918, que estabeleceu que é inconstitucional a lei municipal que determina impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional.

A prefeitura da capital paulista, então, apresentou recurso e a 15ª Câmara de Direito Público do TJ-SP manteve a decisão, mas sem aplicar o Tema 918. Diante disso, o caso foi levado ao Órgão Especial.

Ao analisar o incidente de arguição de inconstitucionalidade cível, o relator apontou que o caso concreto apresenta distinções que dificultam a aplicação do entendimento do STF no Tema 918, já que não havia, como no processo julgado pelo Supremo, a criação de condições legais que dificultam o ingresso ou permanência das sociedades uniprofissionais no regime especial de tributação fixa.

No caso da lei municipal, segundo o relator, o que existe é “o estabelecimento de faixas discrepantes de presunção de receita bruta para o cálculo do ISS, em violação aos artigos 144, 160, § 1º, 163, inciso II, da Constituição Estadual, e aos artigos 145, § 1º, 146 inciso III, alínea ‘a’, e 150, inciso II, da Constituição Federal”.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0003242-64.2023.8.26.0000

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A onerosidade antecipada do benefício do Perse

A promulgação da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, compreendeu uma importante resposta, promovida pelo Estado brasileiro, em razão dos impactos econômicos e financeiros suportados pelo setor de eventos, em virtude da adoção de medidas emergenciais para enfrentamento da Covid-19.

Por meio dela, é instituído o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), cujo objetivo é o de “criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade”, como preconiza o artigo 2º da lei.

Assim, dentre os mecanismos de compensação e de mitigação de perdas havidas pelo setor, previstos nessa lei, consta a redução temporária das alíquotas do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da contribuição ao PIS (PIS) e da Cofins.

Esse benefício, no entanto, foi promulgado em momento posterior à própria lei, uma vez que havia sido, originalmente, objeto de veto pelo presidente da República e, em seguida, revertido pelo Congresso Nacional.

A fruição das alíquotas zero desses tributos federais, como se lê no artigo 4º da lei, encontra-se limitada ao período de 60 meses e condicionada a três requisitos: ao pertencimento ao setor de eventos, mediante o vínculo aos Cnae(s) expressamente indicados no dispositivo legal; ao desempenho das atividades relacionadas ao setor de evento desde antes da promulgação do dispositivo, ou seja, desde 18 de março de 2022; e à regularidade da situação perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), pelas pessoas jurídicas a ele vinculadas.

Todavia, com a edição da Medida Provisória nº 1.202, em 28 de dezembro de 2023, o governo federal promoveu a revogação gradual do benefício da alíquota zero, estabelecendo duas etapas: a primeira, com início em 1º de abril de 2024, teria por objeto o restabelecimento das alíquotas da CSLL, do PIS e da Cofins; e a segunda, com início em 1º de janeiro de 2025, o restabelecimento das alíquotas de IRPJ.

Em vista da revogação anterior ao encerramento do prazo de 60 meses previsto no artigo 4º da Lei nº 14.148/23, foram impetrados mandados de segurança por agentes e entidades relacionados ao setor de eventos, buscando a autorização para a manutenção do benefício.

O argumento central tinha por objeto a ilegalidade e a inconstitucionalidade da medida, uma vez que seria defeso ao Poder Público revogar a qualquer tempo isenções — e demais benefícios de mesma natureza —, se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, conforme dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional e a Súmula 544 do Supremo Tribunal Federal.

Inicialmente, a segurança foi concedida, em sede de liminar, em diferentes casos [1], as quais, porém, pouco a pouco, foram cassadas sob o argumento de que o benefício da alíquota zero, concedido no âmbito do Perse, não impõe quaisquer contrapartidas ou onerosidade aos contribuintes beneficiados. Por essa razão, não incidiram ao caso a vedação prevista no mencionado artigo 178 e nem mesmo se aplicaria o entendimento do Supremo Tribunal Federal consubstanciado na Súmula 544.

Diferença de isenções

Diante da controvérsia instaurada, faz-se necessário elucidar a distinção entre isenções — e demais benefícios de mesma natureza — condicionadas e incondicionadas. A primeira modalidade compreende a forma mais comum do benefício, isto é, aquela em que a mera incidência da norma tributária permite ao contribuinte fruir de seus benefícios. Já a modalidade condicionada possui um caráter bilateral, ou seja, o contribuinte pode se beneficiar desde que cumpra as contraprestações importas pela lei instituidora.

Acerca dessa distinção, Roque Antonio Carrazza [2] traz importante esclarecimento: mesmo os benefícios condicionais impõem o cumprimento de certos requisitos para viabilizar sua fruição. Como explica o autor, tais requisitos têm a função de “restringir o campo de aplicação da norma”, evitando que tenha uma abrangência geral e indeterminada.

Contudo, isso não se confundiria com o condicionamento da fruição “ao cumprimento de encargos”, à imposição de “um ônus àqueles que se enquadram na categoria mencionada na regra isentiva”. Portanto, na modalidade condicionada, segundo o autor, o contribuinte estaria sujeito a duas ordens de requisitos: gerais, para identificação do beneficiário; e específicos, que trazem consigo o encargo oneroso para o beneficiário.

Retomando-se o caso das alíquotas zero concedidas no âmbito do Perse: se de um lado, não se verifica a estrutura normativa típica dos benefícios condicionados, ante a ausência de imposição de contraprestações ao contribuinte; de outro, não se mostra plenamente adequado à estrutura dos benefícios gerais e incondicionados.

Diante do já mencionado artigo 2º da Lei nº 14.148/21, verifica-se o estabelecimento de um vínculo entre os benefícios concedidos no Perse e os danos e prejuízos suportados pelo setor de eventos em razão das medidas impostas ao setor de eventos, para enfrentamento da Covid-19. Ou seja, a própria legislação reconhece uma situação anterior de onerosidade, à qual o benefício é concedido como uma contraprestação.

Além disso, outro elemento reforça essa constatação: a concessão da alíquota zero está condicionada à situação em que a pessoa jurídica já desempenhasse, como mencionado, as atividades do setor do evento em momento anterior à concessão. Isto é, se estavam desempenhando tais atividades já nesse período, inevitavelmente essas empresas suportaram o ônus decorrente das medidas restritivas.

Em suma, no caso do Perse, há uma verdadeira inversão da ordem que seria natural entre benefício e encargo. Situação essa naturalmente explicada pela emergência e pela urgência da pandemia que impediu um planejamento mais aprofundado e medidas de compensação ainda naquele contexto mais inicial. Todavia, não há como se afastar o caráter oneroso, ainda que antecipado, do benefício.


[1] A título de exemplo, cite-se a decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 5005016-18.2024.4.03.6100, pela 26ª Vara Cível Federal de São Paulo, bem como a decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 5001270-45.2024.4.03.6100, pela 7ª Vara Cível Federal de São Paulo.

[2] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 34ª ed., ver., atual., e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023, pp. 828-829.

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Natureza e materialidade constitucional do ‘Imposto Seletivo’

Sobre a natureza do ‘Imposto Seletivo’

Um dos temas da Emenda Constitucional nº 132 (EC 132) que tem gerado grandes discussões é a instituição do dito “Imposto Seletivo”, previsto neste inciso VIII do artigo 153 da Constituição.

Por mais que tenha se tornado comum a referência a este novo tributo como “Imposto Seletivo”, parece-nos que a nomenclatura talvez não seja a melhor.

Na experiência brasileira, a seletividade tem sido utilizada como uma técnica legislativa dos tributos sobre o consumo que procura diferenciar a incidência sobre contribuintes com base no tipo de consumo, mais ou menos essencial.

Diante da dificuldade que esses tributos apresentam para a utilização da capacidade contributiva como critério de diferenciação e alocação da carga tributária, a essencialidade é usada como método de diferenciação. [1]

O imposto incluído no inciso VIII do artigo 153 não é seletivo nesse sentido, até porque a seletividade é um critério comparativo entre consumos em função de sua essencialidade, e o novo imposto tem como referência não a essencialidade, mas o caráter prejudicial à saúde ou ao meio ambiente.

É possível, inclusive, que se tenha um consumo essencial que seja, ao mesmo tempo, prejudicial ao meio ambiente, por exemplo.

Em tese, seria possível cogitar de uma seletividade baseada não na essencialidade do consumo, mas nas externalidades negativas dos bens ou serviços. Contudo, ainda assim, parece-nos estranho pensar em um imposto em si seletivo, já que, como apontamos, vemos a seletividade como um critério de diferenciação dentro do tributo.

Em manifestação anterior, [2] sustentamos que estaríamos, em verdade, diante de um Imposto Extrafiscal, de finalidade indutora, cujo objetivo seria utilizar a tributação de forma regulatória, com foco em bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional nº 45 (PEC 45) no Senado chegou-se a incluir, explicitamente, no texto do § 6º do artigo 153, que este imposto seria extrafiscal. Contudo, esta parte acabou sendo excluída e não consta na EC 132.

Surge, então, a questão: este imposto pode ser utilizado com finalidades arrecadatórias, ou sua cobrança estaria restrita a fins extrafiscais relacionados às situações previstas no inciso VIII do artigo 153?

Ora, como temos sustentado, arrecadar recursos para os cofres públicos é função inerente a qualquer imposto, mesmo aqueles que têm objetivos extrafiscais. Um imposto que não arrecada é uma contradição de termos.

Consequentemente, não vemos qualquer problema em que o “Imposto Seletivo” venha a ser utilizado “para fins arrecadatórios”, como se diz no discurso público. Como já defendemos, analisando o IPI:

“Com isso, queremos dizer que o IPI e o Imposto de Renda não são diferentes entre si no que se refere ao seu papel fiscal. Não há nada na Constituição Federal que estabeleça que o IPI deva ser utilizado, principalmente, para fins extrafiscais, ou que ele tenha um papel arrecadatório secundário. A Lei Maior apenas estabeleceu um regime específico — para o IPI, o II, o IE e o IOF — que permite que sejam utilizados também para outros fins. Contudo, esse fato não lhes retira a função fiscal — nem mesmo significa que haja — de uma perspectiva constitucional — uma primazia de sua função extrafiscal.” [3]

Após maior reflexão sobre o imposto previsto no inciso VIII do artigo 153, parece-nos que ele não pode ser caracterizado como um tributo predominantemente extrafiscal, sendo prioritariamente arrecadatório tanto quanto o Imposto de Renda ou o próprio Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Uma das grandes novidades da EC 132 foi a previsão expressa do princípio da justiça tributária no § 3º do artigo 145 da Constituição.

Como já apontamos, a questão central da justiça tributária é estabelecer critérios para a distribuição da carga dos tributos, [4] sendo que o seu subprincípio mais relevante é o princípio da capacidade contributiva.

A EC 132 também elevou a defesa do meio ambiente à categoria de princípio do Sistema Tributário Nacional.

O “Imposto Seletivo”, em sua feição final, parece-nos, portanto, ser um imposto de finalidade prioritariamente fiscal — arrecadatória — cuja instituição e incidência estão limitadas à produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, devendo, segundo o princípio da justiça tributária, sempre que possível, ser pessoal e considerar a capacidade econômica dos contribuintes.

Consequentemente, o controle da constitucionalidade e legitimidade da lei complementar que o instituir dependerá não de uma justificativa indutora/regulatória, mas sim da sua congruência com a materialidade prevista no inciso VIII do artigo 153.

Em linha com essa evolução da natureza do “Imposto Seletivo”, inicialmente ele teria o mesmo regime constitucional dos demais impostos que têm viés extrafiscal — II, IE, IPI e IOF. Contudo, durante a tramitação da PEC 45 os dispositivos que previam que o novo imposto teria uma legalidade mitigada e seria uma exceção à regra da anterioridade foram excluídos.

Assim sendo, da maneira como o debate sobre o “Imposto Seletivo” evoluiu, está claro que ele tem propósito arrecadatório. Naturalmente, como ocorre com qualquer imposto, ele pode ser utilizado para fins extrafiscais. Entretanto, parece-nos um equívoco caracterizá-lo como um imposto extrafiscal ou predominantemente extrafiscal.

A própria previsão da incidência do “Imposto Seletivo” sobre atividades extrativas nos parece confirmar nossa posição.

Afinal, não cremos ser possível defender que a incidência deste imposto sobre atividades econômicas absolutamente essenciais para a economia brasileira tenha por objetivo desincentivá-las, ainda mais se levarmos em conta que não raro tais setores são predominantemente exportadores.

Não há outra explicação para esta incidência, segundo vemos, que não a finalidade de arrecadar recursos para os cofres públicos.

Este debate não é meramente teórico, tendo relevantes consequências concretas, especialmente quando se considera a legitimidade da instituição do imposto.

Com efeito, para aqueles que pretendem que o “Imposto Seletivo” seja um tributo regulatório, a sua instituição se legitima na medida em que se verifica uma indução, necessária e adequada, para a redução de externalidades negativas à saúde e ao meio ambiente.

Não se identificando uma relação de causa e efeito entre a tributação e a proteção do meio ambiente ou da saúde o imposto provavelmente seria considerado inconstitucional.

Não é esta a posição que defendemos. Não nos parece que a legitimidade do “Imposto Seletivo” dependa da existência de uma pretensão regulatória/indutora.

Para a sua incidência basta que se esteja diante de um bem prejudicial à saúde ou ao meio ambiente, mesmo que a cobrança do novo imposto federal — ou a aplicação dos recursos arrecadados por meio dele — não tenham por consequência atenuar os efeitos nocivos do bem ou serviço sobre a saúde ou o meio ambiente.

Pode-se dizer que a competência para a instituição do “Imposto Seletivo” é muito ampla e, de fato, ela o é. Contudo, esta foi a decisão do legislador constitucional derivado brasileiro.

Temos insistido que, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 132 devemos interpretar o novo Sistema Tributário Nacional a partir do texto aprovado pelo Congresso, e não segundo experiências estrangeiras e as intenções daqueles que participaram do processo de elaboração das proposições que resultaram na emenda constitucional.

A materialidade constitucional do ‘Imposto Seletivo’

Uma das características da EC 132 é que ao mesmo tempo em que ela aumentou, de forma bastante significativa, o número de dispositivos tributários na Constituição, ela delegou à lei complementar muito da competência para delimitar o alcance de tais dispositivos.

No caso do “Imposto Seletivo”, como vimos, ela estabeleceu a competência da União Federal para instituir um imposto sobre a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”. (destaque nosso)

As questões, cujo desenvolvimento teremos que acompanhar, conforme o inciso VIII do artigo 153 for interpretado pelos diversos atores, são as seguintes: o legislador complementar terá ampla liberdade de conformação para definir o que é produção, extração, comercialização e importação? Poderá a lei complementar definir, da maneira como entender mais adequado, o que são bens e serviços? Da mesma maneira, como será delimitado o que é prejudicial à saúde e ao meio ambiente?

A tradição conceitualista do Direito Tributário brasileiro tende a sustentar que todos esses termos veiculariam conceitos constitucionais, aos quais o legislador complementar estaria vinculado. Sendo este o caso, a depender do texto da lei complementar, poderemos ter os primeiros litígios pós-reforma tributária.

Veja-se que a própria redação do inciso VIII não é a ideal, já que fala da produção, extração, comercialização e importação de serviços, por exemplo.

Se, de um lado, certamente podemos ter importação de serviços — embora esta não seja uma expressão com definição unívoca — é muito difícil pensar que serviços sejam produzidos, extraídos ou comercializados. Pelo menos esses não são verbos usualmente relacionados às atividades de serviços.

De outra parte, enquanto em relação ao do IBS, a EC 132 deixou claro que a competência prevista na Constituição incluía “bens materiais ou imateriais, inclusive direitos” (artigo 156-A, § 1º, I), no caso do “Imposto Seletivo” a menção foi feita apenas a bens e serviços.

Consequentemente, devemos ter as velhas discussões a respeito da existência de conceitos constitucionais de bens e serviços, os quais pautariam e limitariam a competência do legislador complementar na instituição do imposto. Custa acreditar, mas a EC 132 conseguiu dar sobrevida às incansáveis discussões sobre o conceito constitucional de serviços.

Em todo o caso, os bens e serviços cuja produção, extração, comercialização e importação podem ser tributadas pelo “Imposto Seletivo” são apenas aqueles prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

A questão aqui é que é difícil imaginar bens e serviços que não tenham alguma externalidade negativa à saúde e ao meio ambiente. Trata-se mais de uma questão de grau do que propriamente de uma questão binária, “prejudicial” versus “não prejudicial”.

Por outro lado, e esta é uma questão importante: o Imposto Seletivo pode incidir sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, em outras palavras, o que deve ser prejudicial é o próprio bem ou serviço, e não o seu processo de produção, extração, comercialização ou importação.

A EC 132 não previu a possibilidade de instituição de um imposto sobre “processos de produção, extração, comercialização e importação” prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Esta afirmação está alinhada com a própria origem do imposto. Com efeito, a PEC 45, em sua versão original, tinha como premissa uma neutralidade plena da tributação de bens — inclusive intangíveis — e serviços, os quais seriam, todos, sujeitos à mesma incidência, sem exceções ou benefícios fiscais.

No contexto desse modelo de neutralidade absoluta, o Imposto Seletivo tinha um papel. Pode ser, inclusive, que venha daí sua denominação de Imposto Seletivo.

Afinal, ele serviria para estabelecer alguma diferenciação no âmbito do próprio IBS que, em sua proposta inicial, seria completamente neutro.

Em outras palavras, o papel deste imposto era funcionar como um adicional tributário incidente sobre certos consumos.

Sobreveio a Proposta de Emenda Constitucional nº 110 (PEC 110) e a neutralidade do IBS sofreu a sua primeira mitigação, com a previsão de tratamento diferenciado para alguns setores como, por exemplo, alimentos, saúde e educação.

A PEC 45, na forma aprovada pelo Congresso, implodiu a neutralidade pretendida para o IBS, com a criação de diversas exceções e possibilidades de regimes diferenciados favorecidos.

De toda maneira, nota-se que a lógica do “Imposto Seletivo” não é ser um imposto que grave certos processos de produção, extração, comercialização e importação.

Conclusão

Neste momento, aguardamos a apresentação dos projetos de lei complementar de regulamentação da reforma tributária pelo governo. Em breve, teremos uma percepção mais clara da extensão que a União  pretende dar à competência prevista no inciso VIII do artigo 153 da Constituição.

É verdade que mesmo que se estabeleça, em em sua lei complementar inaugural, que o “Imposto Seletivo” teria uma função predominantemente extrafiscal — como parecer ter sido o caso do Projeto de Lei Complementar nº 29/2024, do deputado Federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança —, isso certamente não significará que tal competência não poderia ser exercida de forma mais ampla adiante. Dessa maneira, ainda travaremos debates sobre a natureza e a materialidade do “Imposto Seletivo” por muitos anos.

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[1] Como apontava Ricardo Lobo Torres, “a seletividade se subordina ao princípio maior da capacidade contributiva e significa que o tributo deve incidir progressivamente na razão inversa da essencialidade dos produtos: quanto menor a essencialidade do produto maior deverá ser a alíquota, e vice-versa” (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: Os Tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 2007. v. IV. p. 178).

[2] ROCHA, Sergio André. Tributação, finanças públicas e desenvolvimento (Ensaios). Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023. p. 178-185.

[3] ROCHA, Sergio André. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. 2 ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2022. p. 114-115.

[4] ROCHA, Sergio André. Tributação, finanças públicas e desenvolvimento (Ensaios). Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023. p. 39-40.

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Exame criminológico é inviável e vai barrar progressões de regime, afirmam criminalistas

A recém-sancionada Lei 14.843/2024, fruto de um projeto do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), virou assunto nacional e gerou críticas por restringir a saída temporária de presos, a popular “saidinha”. E um outro ponto da norma também vem causando descontentamento no meio jurídico: a exigência do exame criminológico para a progressão de regime prisional em todos os casos.

Estudiosos do assunto consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico entendem que o Estado não terá condições de promover todos os exames e dizem que eles são pseudocientíficos e usados, na prática, para prolongar a estadia dos condenados na cadeia.

O exame consiste em uma avaliação psicológica que decide se o detento tem chances de voltar a cometer crimes caso passe para o regime semiaberto ou o aberto.

Um trecho específico sobre a progressão ao regime aberto diz que o condenado precisa apresentar “fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade, ao novo regime”.

Antes da nova lei, o exame criminológico podia ser estipulado pelo juiz conforme as peculiaridades do caso, desde que a decisão fosse devidamente motivada. O teste era obrigatório para a progressão de regime até 2003. Tal regra foi extinta naquele ano pela Lei 10.792.

Sem condições

O advogado criminalista Alberto Zacharias Toron lembra que a obrigatoriedade foi extinta em 2003 porque “o Estado brasileiro não tinha condições de, em um tempo razoável, realizar esses exames”.

Isso também é ressaltado pelo criminalista Cristiano Maronna, diretor do Justa, centro de pesquisa que atua no campo da economia da Justiça. Segundo ele, o exame criminológico é caro e “o Estado não tinha condição” de fornecê-lo.

Para Toron, o Congresso teve agora uma “atitude demagógica” e reeditou o “populismo penal”. O advogado classifica a Lei 14.843/2024 como um “retrocesso”, pois considera que é desnecessário fazer o exame criminológico em todos os casos. Além disso, “o Estado brasileiro também não se aparelhou” para promover os exames “em tempo breve”.

Cássio Thyone, membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e perito aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal, não sabe dizer como a nova lei vai ser aplicada. Segundo ele, para a exigência sair do papel, o governo precisaria ter “vontade política” para disponibilizar o exame.

Na sua visão, “faz todo o sentido discutir se o Estado é capaz de cumprir o que ele próprio estipulou em uma lei como essa”.

Hoje, o país não tem “condições logísticas para atender à demanda de realização de todos os exames criminológicos”, segundo Thyone. Ele lembra que o Brasil já possui uma demanda represada de exames.

Thyone ressalta que o teste “não é feito a toque de caixa”, pois não se trata de apenas preencher um formulário. Os psiquiatras e psicólogos forenses precisam fazer várias entrevistas e aplicar questionários aos condenados.

Números

Uma nota técnica elaborada por 69 organizações — entre elas o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e Defensorias Públicas de 17 estados — avaliou as prováveis consequências da exigência com base em dados oficiais.

As entidades apontam que a imposição trará um impacto orçamentário enorme para a União e os estados, que precisarão contratar profissionais. Ou seja, “a restituição do exame criminológico como obrigação para progressão de regime vai onerar o Estado”, conforme aponta Maronna.

A Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP-SP), por exemplo, conta hoje com apenas 230 agentes técnicos de assistência à saúde nas suas unidades prisionais. A população carcerária paulista é de cerca de 200 mil pessoas, das quais aproximadamente 46,8 mil progrediram de regime em 2022.

De acordo com a SAP-SP, cada exame criminológico custa R$ 649 aos cofres públicos. O valor diz respeito apenas à remuneração dos profissionais credenciados, sem contar os gastos com recursos materiais.

Conforme os cálculos das organizações signatárias da nota técnica, caso a Lei 14.843/2024 já estivesse em vigor em 2022, São Paulo teria gastado mais de R$ 30 milhões somente para fazer o exame prévio a todas as progressões.

E esse valor é uma estimativa mínima, pois não considera os gastos excedentes dos casos nos quais o exame tenha de ser repetido devido à negativa da progressão de regime.

Dados do Tribunal de Justiça de São Paulo mostram que, em 2023, foram autuados aproximadamente 102 mil pedidos de progressão de regime no estado (concedidos ou não). Pela projeção das entidades, se a nova lei já estivesse em vigor no ano passado, o gasto com os exames teria sido superior a R$ 66 milhões. Esse número é seis vezes maior do que todo o orçamento de políticas estaduais para egressos do sistema prisional.

A conclusão das organizações é que a norma gera despesas obrigatórias sem previsão no orçamento, o que é inconstitucional. Durante sua tramitação no Congresso, o texto não foi acompanhado de uma estimativa de impacto orçamentário e financeiro, ou mesmo de uma previsão de origem dos recursos.

Segundo o defensor público Bruno Shimizu, doutor em Criminologia e diretor do IBCCRIM, a nova regra compromete “as equipes técnicas, com sacrifício de outros investimentos públicos mais relevantes”.

Maronna diz que a exigência torna “o sistema progressivo no cumprimento das penas privativas de liberdade ainda mais problemático, porque dependente desse exame que o Estado não tem condição de bancar”.

Trancafiados por mais tempo

Há ainda a previsão de aumento da população carcerária e da demanda por vagas, já que os processos devem tramitar de forma mais lenta enquanto os exames não são feitos.

“Na prática, o exame é apenas um expediente protelatório no processo de execução, que atrasa os processos e consome recursos públicos”, pontua Shimizu.

Alberto Toron lembra que, antes de 2003, a exigência era “um meio que se tinha para manter o preso no regime mais constritivo por mais tempo do que a lei permitia, como se fosse um expediente extrapenal, ligado à deficiência do Estado desaparelhado para realização desses exames”.

De acordo com Maronna, “tudo aquilo que dependia do exame criminológico acabava ficando atrasado, porque o Estado não conseguia fornecer profissionais responsáveis pela elaboração desse exame”.

Com o retorno da regra, segundo Toron, os presos vão “ficar mais tempo na fila aguardando a progressão do regime prisional por conta da deficiência do Estado”.

Isso vai causar, na visão de Maronna, uma “dificuldade de acesso a direitos por parte dos presos, que já são uma parcela da população vitimada pela negação de direitos”. E Toron prevê que haverá “uma enxurrada de Habeas Corpus” para questionar a permanência dos detentos no regime mais grave, “porque isso representa um constrangimento ilegal”.

Já para Maronna, o impacto vai além da diminuição do número de presos que progredirão de regime. Ele também vê como consequência “a piora da disciplina no sistema prisional” e o provável aumento de rebeliões e motins nas prisões.

Pseudociência

“A alteração legal, sem qualquer estudo de impacto financeiro ou humano, insiste na alocação de recursos para a realização de exame pseudocientífico”, assinala Shimizu.

Ele recorda que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) têm manifestações que apontam a “imprestabilidade” do exame criminológico “para a previsão de eventual reincidência”.

De acordo com a nota técnica das 69 entidades, a nova lei vai comprometer a função primordial das equipes técnicas prisionais, que é a atenção psicossocial aos presos e seus familiares.

Cristiano Maronna afirma que o exame é “uma tentativa de identificar práticas futuras de crime”. Isso não tem base científica, pois é “muito difícil” prever se alguém vai ou não voltar a praticar crimes.

Já o criminalista Aury Lopes Jr., professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), diz que a nova lei é um “retrocesso” e um “erro histórico que já experimentamos e não deu certo”.

Para além da falta de estrutura do Estado, Lopes Jr. destaca que “toda e qualquer avaliação sobre a personalidade de alguém é inquisitiva”, pois estabelece “juízos sobre a interioridade do agente que não são comprováveis e tampouco refutáveis”.

Essa avaliação “também é autoritária, devido às concepções naturalistas em relação ao sujeito autor do fato criminoso”.

Ele ainda considera que o exame criminológico é “juridicamente imprestável” e “incompatível com o sistema de garantias previsto na Constituição”.

“Como me defender do argumento de que sou ‘perigoso’?”, indaga o criminalista. “Ou que tenho ‘tendência criminosa’? Que minha personalidade é desviada?”.

Missão impossível

Segundo Lopes Jr., é impossível “entrar na cabeça” de alguém e avaliar sua personalidade, seu caráter e suas perspectivas de futuro para decidir sobre a progressão de regime.

O advogado ressalta que a Psicologia e a Psiquiatria “se destinam a contribuir para que as pessoas vivam melhor, tenham melhores condições de vida, administrem suas patologias e ansiedades, de forma a reduzir danos”. Tais áreas do conhecimento nunca tiveram o objetivo de ser usadas para punir alguém ou aumentar seu tempo na cadeia.

“O Direito se apropria do discurso clínico para, sem elementos objetivos e concretos e distorcendo o conhecimento clínico, punir mais severamente”, pontua o criminalista.

Há ainda o problema do silêncio durante o exame. Lopes Jr. aponta que a avaliação pode “extrair efeitos negativos pelo exercício do direito de silêncio”.

Isso não deveria acontecer, já que o condenado não é obrigado a colaborar ou a falar. Ou seja, o direito de se calar não pode trazer “prejuízo jurídico para o agente”.

Mas, segundo o criminalista, no sistema carcerário “ainda dominam a inquisição e a velha culpa judaico-cristã”. Na prisão, o condenado é incentivado a reconhecer o erro e se arrepender do mal praticado, “pois só assim salvará sua alma do inferno”.

Fonte: Conjur