Carro em mau estado de conservação não justifica busca veicular e pessoal

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, concluiu que o mau estado de conservação de um veículo, por si só, não constitui fundada suspeita capaz de justificar a busca veicular e pessoal. De acordo com o colegiado, uma abordagem policial fundamentada apenas nessa circunstância tem caráter exploratório e carece de respaldo em qualquer comportamento suspeito ou indício de ilicitude por parte do condutor.

Com esse entendimento, a turma manteve a decisão monocrática do ministro Ribeiro Dantas que, de ofício, concedeu habeas corpus para trancar uma ação penal por reconhecer a ilegalidade da busca realizada no veículo do réu e, por consequência, a ilicitude das provas obtidas.

Preso durante a abordagem policial, o homem – que tentou se passar por guarda municipal –transportava uma arma de fogo posteriormente identificada como produto de furto. O Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou o primeiro pedido de habeas corpus por considerar que a abordagem não se baseou apenas em suspeita subjetiva dos agentes, mas também no fato de o veículo conduzido pelo réu trafegar com uma porta amassada.

Ao recorrer para o colegiado da Quinta Turma contra a decisão do relator, o Ministério Público de São Paulo sustentou não haver qualquer ilegalidade na conduta policial de abordar o motorista para verificar a regularidade do veículo, especialmente diante de seu evidente estado de má conservação. Segundo o órgão de acusação, não há nos autos nenhuma prova de que a busca pessoal e veicular tenha sido o objetivo inicial dos agentes, o que afastaria a alegação de se tratar de uma revista exploratória (fishing expedition).

Nenhuma atitude da pessoa abordada indicava a prática de crime

Confirmando o entendimento da decisão monocrática, o ministro Ribeiro Dantas afirmou que o parágrafo 2º do artigo 240 do Código de Processo Penal (CPP) impõe a necessidade de fundada suspeita para que seja autorizada qualquer medida invasiva, de modo que não se pode considerar legítima – por exemplo – a abordagem policial baseada apenas em denúncias anônimas não verificadas previamente.

De acordo com o magistrado, a jurisprudência do STJ considera que a busca deve ter vínculo direto com sua finalidade legal de obtenção de provas, para não se transformar em um salvo-conduto para abordagens exploratórias baseadas em suspeitas genéricas sobre pessoas, comportamentos ou circunstâncias sem relação específica com a posse de arma proibida ou de outros objetos que constituam corpo de delito.

Sobre o caso em julgamento, Ribeiro Dantas destacou que os policiais fizeram a abordagem unicamente em razão do mau estado de conservação do veículo dirigido pelo acusado, circunstância que, segundo ele, não configura fundada suspeita, mas sim uma abordagem de caráter exploratório, desprovida de motivação concreta e de qualquer indício de comportamento ilícito por parte do motorista.

“A mera situação de estar a bordo de veículo com a porta amassada não constitui, por si só, fundada suspeita, sendo necessária a presença de elementos concretos para justificar a medida invasiva. Logo, sendo ilegal a atividade policial efetivada sem justo motivo, deve ser reconhecida a nulidade desse ato”, concluiu.

Leia o acórdão no HC 1.002.334.

Fonte: STJ

Posted in STJ

O controle judicial do desvio de finalidade legislativo

Após a última participação sobre o controle judicial da técnica legislativa – em que foram apontadas as condições e os limites para o seu exercício, notadamente a necessidade de que o vício de técnica legislativa resulte em uma afronta direta à Constituição, e não apenas na inobservância de normas infraconstitucionais, tendo-se explicado que nem todos os defeitos técnicos das leis são suscetíveis de controle judicial –, leitores desta Fábrica de Leis pediram um texto explicativo sobre um outro tipo de controle judicial reivindicado por parte da literatura: o controle judicial sobre o desvio de finalidade legislativo. O tema de fato é importante e atual e merece a coluna de hoje.

A Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, que regula a ação popular, em seu artigo 2º, parágrafo único, alínea e, estabelece que o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. Também conhecido como desvio de poder, essa forma de nulidade tradicionalmente empregada para atos administrativos implica, não uma apreciação objetiva da conformidade ou não-conformidade de um ato com uma regra de direito, mas sim o que José Cretella Júnior denomina dupla investigação de intenções subjetivas“(…) é necessário indagar se os móveis que inspiraram o autor do ato administrativo são aqueles que, segundo a intenção do legislador, deveriam realmente inspirá-lo” [1].

Então, aplicado ao processo legislativo, essa forma de nulidade pressuporia cotejar se os objetivos da lei aprovada são compatíveis com os previstos na Constituição, que conferiu competência ao legislador para dispor sobre as matérias via legislação. O controle do desvio de finalidade legislativo assumiria a forma de um controle teleológico, em que a fiscalização constitucional passaria a se debruçar sobre supostos vícios baseados em elementos subjetivos, para verificar se as finalidades da Constituição eventualmente foram menosprezadas ou substituídas por determinantes alheios, incongruentes ou não pertinentes com os fins constitucionais. Por exemplo, se a legislação foi aprovada em razão de motivos partidários, para atender interesses familiares de membros do governo, por pressão internacional, etc.

A literatura é controvertida a respeito da possibilidade do controle judicial sobre o desvio de finalidade legislativo. Carmen Chinchilla Marín, por exemplo, nega que o desvio de poder possa ser aplicado ao exercício de poderes legislativos: “primeiro, porque o desvio de poder é uma técnica de controle da discricionariedade e o legislador não tem discricionariedade, mas liberdade de configuração política; e segundo, porque o desvio de poder é um vício que consiste em se afastar do objetivo estabelecido pelo ordenamento jurídico, e a lei não tem objetivos impostos pela Constituição, mas limites que a própria Constituição estabelece ao seu conteúdo” [2].

Entretanto, parecem ser em maior número os que defendem a possibilidade desse controle. No Brasil, um dos textos clássicos sobre o assunto é o de Caio Tácito, para quem “O abuso do poder legislativo, quando excepcionalmente caracterizado, pelo exame dos motivos, é vício especial de inconstitucionalidade da lei pelo divórcio entre o endereço real da norma atributiva da competência e o uso lícito que a coloca a serviço de interesse incompatível com a sua legítima destinação” [3].

Como se vê, a pretensão de um controle judicial do desvio de finalidade legislativo está intimamente relacionado a outro tipo de controle já criticado nesse espaço, qual seja, o controle judicial da motivação da legislação, já que ambos implicam, em maior ou menor medida, escrutinar as razões ou os motivos dos legisladores e, se for o caso, em se tratando do controle do desvio, demonstrar que os objetivos reais (nem sempre suficientemente conhecidos) divergem dos que foram estabelecidos para o exercício da competência legislativa.

Algumas críticas e dificuldades podem ser lançadas a essa empreitada, tanto em termos conceituais, quanto à operacionalidade no que diz respeito à matéria fática.

Em primeiro lugar, deve-se apontar que o controle de constitucionalidade das leis incide sobre a forma ou sobre o conteúdo dos dispositivos legais, não sobre a justificação da legislação. Ou seja, não se declaram inconstitucionais os motivos das leis.

Nesse ponto, apontam-se ao menos três argumentos contrários ao controle judicial da motivação legislativa, apontados pelo Chief Justice Warren no caso United States v. O’Brien (391 U.S. 367 (1968)), e esquematizados por John Hart Ely [4]: 1) a dificuldade de averiguar qual foi a verdadeira motivação dos legisladores, já que os propósitos podem ser contraditórios, e não há como saber qual foi a intenção dominante; 2) a inutilidade (futility) desse controle da motivação, pois os legisladores sempre poderão simplesmente reeditar o ato com a justificação correta; e 3) seu caráter contraproducente: invalidar uma legislação constitucional apenas por causa da sua motivação é desaconselhável, pois é possível que uma boa lei seja expressão de um mau motivo. Só isso já deveria bastar para negar a possibilidade desse tipo de controle.

Objetivo ilícito

Não se desconhece a farta literatura reivindicando o controle judicial quando a motivação legislativa é considerada suspeita, para usar a expressão empregada por Paul Brest. Uma motivação deve ser considerada suspeita quando uma norma, aparentemente inocente, é adotada com o objetivo de causar um resultado que, se fosse explicitado, seria considerado inconstitucional. Ou seja, infere-se a motivação legislativa a partir dos efeitos previsíveis de uma lei.

O autor considera que os governos são constitucionalmente proibidos de perseguir certos objetivos, que são proscritos porquanto prejudiciais à sociedade em geral ou injustos, por exemplo: desfavorecer um grupo racial, suprimir uma religião ou impedir a migração interestadual [5]. Embora não listada pelo autor, a tentativa de prejudicar um grupo político ou uma minoria, por analogia, também desencadearia tal revisão judicial.

Naturalmente, essas finalidades não serão verbalizadas na justificação para a aprovação da lei, mas aparecerão como resultado das escolhas legislativas. Na construção de Paul Brest, na medida em que o processo de tomada de decisão consiste em ponderar as consequências previsíveis e desejáveis da medida legislativa, o tomador de decisão (no caso, o legislador) que se orienta por motivações ilícitas tende a considerar como desejáveis consequências que, sob a perspectiva de um agente guiado por motivações legítimas, seriam indiferentes ou até mesmo indesejáveis [6]. Assim, existindo algum objetivo ilícito, a legislação deve ser considerada inconstitucional.

É de se observar que nessa modalidade, o controle da motivação legislativa fica restrito a situações específicas, sendo necessário que o objetivo ou interesse perseguido com a legislação seja proibido pelo ordenamento jurídico. Diferentemente, no controle do desvio de finalidade legislativo basta que a finalidade perseguida, lícita ou ilícita, seja diferente daquela assinalada na Constituição. Ou seja, o controle do desvio de finalidade pretende ser ainda mais amplo, embora não menos problemático.

Ainda que se admitisse tal controle judicial sobre a motivação legislativa, persistiriam dificuldades em determinar qual foi o motivo único ou dominante. Para resolver esse problema, Paul Brest propõe uma inversão no ônus da prova (burden shifting), de modo a que se presuma que a motivação ilícita foi determinante para o resultado da decisão, salvo prova em contrário. Assim, somente se for apresentada uma justificativa extraordinária por um interesse estatal convincente (compelling state interest) – ou, pelo menos, se a escolha foi justificada em termos legítimos, na linha de John Hart Ely –, a lei será considerada constitucional.

A despeito do entusiasmo da literatura, o fato é que até a Suprema Corte dos Estados Unidos apresenta relutância em declarar leis inconstitucionais tão somente com base em objetivos suspeitos, potencialmente inconstitucionais. Mesmo a partir de Ely e Brest, o papel da motivação inconstitucional como desencadeadora do escrutínio judicial é extremamente limitado: a motivação somente é considerada relevante nas situações em que uma escolha deveria ser aleatória (mas não o foi em concreto), em que o objetivo perseguido é amorfo (por exemplo, a promoção do bem-estar geral) ou quando existe uma obrigação de neutralidade do Estado (no sentido de abstenção de adoção de critérios com base em raça, religião ou crença política).

Em segundo lugar, voltando às objeções ao controle do desvio de finalidade legislativo, tem-se que a norma constitucional que fundamenta o poder de legislar nem sempre contém uma finalidade específica para a aprovação de leis, com o que se confere ampla margem de conformação material. Observe-se, por exemplo, o artigo 48 da Constituição, que se limita a prever: “Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União”. Por seu turno, a leitura do artigo 22, que traz o rol das matérias de competência legislativa privativa da União, tampouco indica quaisquer fins. Ou seja, de modo geral, a Constituição conferiu ao legislador um grande espaço de liberdade para as escolhas legislativas, prestigiando o princípio democrático.

Por mais que o artigo 1º da Constituição defina os fundamentos da República (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político) e o artigo 3º estabeleça os objetivos fundamentais (construir sociedade livre, justa e solidária; garantir desenvolvimento nacional; erradicar pobreza; reduzir desigualdades; promover o bem de todos), isso não significa que as leis estejam proibidas de promover fins diversos. As leis não podem é contrariar os fins constitucionais, mas nada impede que o estabelecimento de outros fins, naturalmente, desde que compatíveis com a Constituição.

Essas características (abertura constitucional e pluralidade de fins) trazem dificuldades para o controle judicial do desvio de finalidade legislativo. Nas palavras de Manoel Adam Lacayo Valente: “(…) quanto maior for a margem de discricionariedade menor será a possibilidade de aplicação da teoria do desvio de poder, em função da dificuldade de ser cotejada, com precisão, a finalidade estipulada pela lei com a regra de competência constitucional que concedeu poder ao legislador ordinário para dispor sobre a matéria” [7]. Com isso, é limitado o espaço desse tipo de controle.

Em terceiro lugar, outra dificuldade não desprezível diz respeito à comprovação da suposta motivação inconstitucional dos legisladores. Para exercer esse controle, os tribunais precisariam examinar a intenção por trás da promulgação de leis para determinar sua constitucionalidade, recorrendo a inferências (como já indicado, a partir dos efeitos previsíveis), cujo suporte tende a ser frágil.

Seria possível continuar a lista de objeções e problemas do controle do desvio de finalidade legislativo, mas o espaço da coluna de hoje já acabou e a combinação do que já foi indicado até aqui é suficiente para embasar a conclusão que o exercício desse controle tende a ser altamente disfuncional. Em todo caso, sendo necessário acioná-lo, convém limitar o seu resultado: o controle do desvio de finalidade legislativo serve preponderantemente para desencadear um ônus de justificação – ou seja, para pedir que os legisladores deem razões –, não devendo servir para a invalidação de leis que possam ser justificadas por motivos racionais e inofensivos [8].


[1] CRETELLA JÚNIOR, José. Anulação do ato administrativo por desvio de poder. Forense: Rio de Janeiro, 1978, p. 5.

[2] No original: “(…) primero, porque la desviación de poder es una técnica de control de la discrecionalidad y el legislador no tiene discrecionalidad, sino libertad de configuración política, y segundo, porque la desviación de poder es un vicio que consiste en apartarse del fin establecido por el ordenamiento jurídico y la ley no tiene fines impuestos por la Constitución, sino límites que la misma establece a su contenido” (CHINCHILLA MARÍN, Carmen. La desviación de poder. Madrid: Civitas, 1999, p. 77).

[3] TÁCITO, Caio. O desvio de poder no controle dos atos administrativos, legislativos e jurisdicionais. Revista de Direito Administrativo, v. 242, 63-74, 2005, p. 69.

[4] ELY, John Hart. Legislative and Administrative Motivation in Constitutional Law. The Yale Law Journal, v. 79, n. 7, p. 1205-1341, 1970, p. 1212-1222.

[5] No original: “Governments are constitutionally prohibited from pursuing certain objectives – for example, the disadvantaging of a racial group, the suppression of a religion, or the deterring of interstate migration” (BREST, Paul. Palmer v. Thompson: An Approach to the Problem of Unconstitutional Legislative Motive. The Supreme Court Review, v. 1971, p. 95-146, p. 116).

[6] No original: “The fact that a decisionmaker gives weight to an illicit objective may determine the outcome of the decision. The decisionmaking process consists of weighing the foreseeable and desirable consequences of the proposed decision against its foreseeable costs. Considerations of distributive fairness play an important role. To the extent that the decisionmaker is illicitly motivated, he treats as a desirable consequence one to which the lawfully motivated decisionmaker would be indifferent or which he would view as undesirable” (BREST, Paul. Palmer v. Thompson: An Approach to the Problem of Unconstitutional Legislative Motive. The Supreme Court Review, v. 1971, p. 95-146, p. 116).

[7] VALENTE, Manoel Adam Lacayo. Aplicabilidade da teoria do desvio de poder no controle da constitucionalidade de atos legislativos. Revista de Informação Legislativa, a. 46, n. 182, p. 177-210, 2009, p. 188.

[8] ELY, John Hart. Legislative and Administrative Motivation in Constitutional Law. The Yale Law Journal, v. 79, n. 7, p. 1205-1341, 1970, p. 1280.

O post O controle judicial do desvio de finalidade legislativo apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

O impacto da reforma tributária no futebol

Por décadas, a grande maioria dos clubes operou sob o modelo associativo sem fins lucrativos, caracterizado por gestão sem profissionalização e especialização, falta de transparência e recorrentes crises financeiras.

Pois, em 2021, por meio da Lei n° 14.193, foram criadas as Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs), como um mecanismo para alinhar interesses econômicos e mitigar esses problemas, introduzindo princípios de governança corporativa inspirados nas melhores práticas de mercado.

Sob esse novo modelo, os clubes passam a ter estrutura de administração semelhante à de empresas de capital aberto (que necessariamente são sociedades anônimas), exigindo, portanto, uma gestão mais transparente, relatórios financeiros auditados (ou auditáveis) e a adoção de órgãos de governança, como conselho de administração e fiscal.

Por ter uma configuração mais atrativa para os investidores, as SAFs passaram a ter maior capacidade de captar recursos junto a investidores, via instrumentos de dívida ou de capital. No entanto, a profissionalização e a maior transparência não vieram sem desafios. Um dos principais efeitos colaterais da transição para SAFs foi a mudança no tratamento tributário.

Tributação das SAFs

Enquanto os clubes associativos gozam de isenção tributária em relação a determinados impostos, as SAFs, ao serem constituídas como sociedades anônimas, passaram a ser submetidas ao Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF). Atualmente é previsto no artigo 31 da Lei das SAF o recolhimento mensal e unificado dos seguintes tributos: IRPJ, PIS, CSLL, Cofins e contribuições sociais previstas no artigo 22 da Lei nº 8.212/1991.

O TEF não exclui a incidência de outros tributos federais, como o IOF ou o IRPJ sobre rendimentos ou ganhos líquidos auferidos em aplicações de renda fixa ou variável ou sobre ganho de capital. Hoje, esses tributos são cobrados de forma apartada, assim como o ISS e o ICMS quando devidos.

Além disso, o artigo 32 da Lei das SAF estabelece, nos primeiros 5 anos da constituição da SAF, uma alíquota de 5% sobre as receitas mensais obtidas, excluindo-se da base de cálculo receitas relativas à cessão de direitos desportivos de atletas. A partir do sexto ano-calendário, a alíquota é reduzida para 4% das receitas mensais, mas valores obtidos com a cessão de direitos desportivos de atletas passam a integrar a base de cálculo do TEF.

Apesar dessa nova realidade fiscal, o TEF representa uma simplificação aos clubes organizados sobre a natureza jurídica de SAF, unificando o pagamento e estabelecendo uma alíquota predeterminada, o que facilita e incentiva a conformidade tributária dos clubes de futebol.

Não é à toa que esse modelo de negócio escalou proporções cada vez maiores no futebol nacional, chegando a representar cerca 40% dos clubes da Série A em 2024 (um deles, inclusive, sagrou-se campeão da Séria A e da Copa Libertadores em 2024).

Contudo, não obstante o crescimento exponencial desse novo modelo de negócio, a promulgação da Lei Complementar nº 214/2025, que regulamentou a reforma tributária, não apenas redesenhou o mapa fiscal do Brasil, mas também estabeleceu um divisor de águas para a indústria do futebol.

Equilíbrio entre SAF e modelo de associação sem fins lucrativos

A escolha entre a estrutura empresarial da SAF e a manutenção do tradicional modelo de associação civil sem fins lucrativos tornou-se um complexo cálculo de trade-offs entre simplicidade, custo tributário, possibilidade de creditamento, risco jurídico e incentivos a investimento.

No entanto, o cenário legislativo permaneceu dinâmico. Enquanto a LC 214/2025 estabeleceu as bases gerais, foi durante a tramitação de um segundo projeto de regulamentação, o PLP 108/2024, que o debate sobre a tributação do futebol atingiu seu clímax. A intensa mobilização do setor resultou em uma mudança crucial no texto aprovado pelo Senado (ainda pendente de aprovação pela Câmara), alterando drasticamente o equilíbrio de forças entre os dois modelos.

Modelo SAF

Para as entidades constituídas como SAF, a LC nº 214/2025 instituiu um novo TEF, detalhado em seus artigos 292 a 296. Este sistema foi desenhado com o objetivo de simplificar a arrecadação, mas suas características majoraram o custo fiscal e alteraram alguns detalhes importantes.

Em que pese as manifestações contrárias do setor durante a tramitação do projeto de lei, a LC nº 214/2025 estabeleceu uma alíquota efetiva total de 8,5%, representando um aumento de aproximadamente 70% em relação à alíquota anterior, que era de 5% do total da receita bruta mensal (sem contar as vendas) nos primeiros 5 anos e de 4% para os anos subsequentes.

O TEF, que já consistia em um recolhimento mensal unificado, nos termos da LC 214/25, passaria a ser composto da seguinte forma: 4,0% para tributos federais (IRPJ, CSLL e Contribuições Previdenciárias Patronais); 1,5% para a CBS; 3,0% para o IBS.

No entanto, em uma mudança crucial de rumo durante a tramitação legislativa, o Senado Federal aprovou, em 30 de setembro de 2025, no âmbito do PLP 108/2024, uma emenda que altera substancialmente o regime, tornando-o muito mais vantajoso. A proposta, que agora retorna para análise da Câmara dos Deputados, reduz a alíquota efetiva total de 8,5% para 5% e reintroduz um benefício fundamental.

Se confirmada, a nova composição do TEF será a seguinte: 3,0% para tributos federais (IRPJ, CSLL e Contribuições Previdenciárias Patronais); 1,0% para a CBS; 1,0% para o IBS.

A nova tributação das SAFs entrará em vigor somente em 1º de janeiro de 2027, com um período de transição até o final 2032, com aumento gradativo das alíquotas de CBS e IBS.

Enquanto a LC 214/25 previa a incidência da alíquota de 8,5% sobre a totalidade das receitas auferidas em regime de caixa (o que representava uma mudança mais impactante e financeiramente gravosa em relação à lei original e vigente da SAF), tributando, portanto, uma das fontes de receita mais importantes e voláteis do futebol brasileiro — venda de jogadores, a Emenda n° 525, do PLP 108/25, reduziu a alíquota para 5% e reintroduziu a exclusão, da base de cálculo do TEF, das receitas decorrentes da cessão de direitos desportivos de atletas nos primeiros 5 anos da constituição da SAF.

Essa alteração, se mantida pela Câmara, representa uma vitória expressiva para esse modelo, alinhando o novo regime a um dos pilares da lei original da SAF e mitigando o impacto financeiro sobre uma das fontes de receita mais importantes do futebol brasileiro.

Sobre a redução da base de cálculo do TEF, vale esclarecer que o benefício de cinco anos está atrelado à data de constituição de cada SAF. Trata-se de uma janela de incentivo inicial. Portanto, uma SAF que, em 2027, já opere há mais de cinco anos, não terá direito a um “novo” período de benefício e passará a ter a receita de transferências incluída na base de cálculo.

Apesar dessa melhora, o princípio da não cumulatividade permanece aplicado de forma extremamente restritiva. As SAFs continuam vedadas de apropriar créditos de IBS e CBS sobre a aquisição de quase todos os bens e serviços. A única exceção permitida é a apropriação de créditos na aquisição de direitos desportivos de outros atletas.

As consequências dessa limitação, embora atenuadas pelo PLP 108/25, persistem. Investimentos vultosos em infraestrutura, como a construção de um centro de treinamento ou a modernização de um estádio, não devem gerar qualquer crédito. O IBS/CBS embutido no preço dos materiais e serviços torna-se um custo irrecuperável, assim como as despesas operacionais com marketing, consultoria e tecnologia.

Clubes-associação

Para os clubes que optarem por permanecer como associações civis sem fins lucrativos, o cenário fiscal é um mosaico de regras antigas e novas, oferecendo um potencial de economia tributária que vem acompanhado de uma gestão de alta complexidade.

Os clubes-associações estão sujeitos ao PIS incidente sobre a folha de pagamentos (1%) — que será extinta em 2027 —, bem como a contribuição patronal de 20% sobre a remuneração de contribuintes individuais (autônomos), como agentes e outros prestadores de serviço sem vínculo empregatício (o que, ao que tudo indica, também deve permanecer para o modelo SAF, tendo em vista a omissão da lei em relação a este ponto).

Os clubes-associações também estão, atualmente, sujeitos à contribuição previdenciária patronal de 5%, incidente sobre a receita bruta decorrente de espetáculos desportivos, nos termos do § 6º do artigo 22 da Lei n.º 8.212/1991. A base de cálculo sobre a qual incide essa exação é composta pelas receitas de ingressos, patrocínios, licenciamento de marcas e outras receitas vinculadas diretamente ao espetáculo desportivo, mas não atinge os ingressos decorrentes da cessão ou transferência de atletas. É crucial esclarecer que, embora a reforma tributária extinga a contribuição para o PIS sobre a folha de pagamento a partir de 2027, essa contribuição patronal de 5% permanece.

Por outro lado, estão isentos da Cofins relativamente às receitas próprias e não se sujeitam ao IRPJ e à CSLL, desde que atendidos os requisitos fixados pela Lei nº 9.532/97.

A principal vantagem deste novo modelo estabelecido pela reforma é a manutenção da imunidade de IRPJ e CSLL sobre as receitas decorrentes de suas atividades essenciais, desde que cumpridos os requisitos legais (não distribuir lucros, aplicar os recursos no país etc.). Argumenta-se que, nesse escopo, incluem-se as receitas de bilheteria, mensalidades de sócios e, notavelmente, as transferências de atletas, se caracterizadas como parte da missão de formação desportiva da entidade.

As receitas consideradas de natureza econômica e concorrencial (como patrocínios e direitos de transmissão) passam a ser tributadas pelo IBS e pela CBS. No entanto, o legislador concedeu a estas entidades um regime favorecido: uma redução de 60% sobre a alíquota padrão do novo IVA (artigo 141, inciso II, da LC 214/25). Considerando uma alíquota de referência de 27% (estimativa é que a alíquota padrão do IVA se situe entre 26,5% e 28,5%), a carga efetiva para as associações sobre suas receitas tributáveis será de 10,8%.

A alíquota efetiva, todavia, dependerá do grau de aproveitamento de créditos admitidos conforme previsão contida na Seção XII da LC nº 214/2025. Diferentemente das SAFs, as associações podem se valer das regras gerais de creditamento do IVA. Isso significa que elas podem apropriar créditos de IBS/CBS sobre insumos (bens e serviços) ligados às suas atividades tributadas, o que pode reduzir o valor líquido do imposto a pagar.

Contudo, um custo adicional específico deste modelo é a manutenção de um regime previdenciário próprio e a complexidade de gestão que ele acarreta. Diferentemente da SAF, onde todas as contribuições estão unificadas na alíquota do TEF, a associação precisa administrar as obrigações previdenciárias permanecidas de forma separada, em paralelo à apuração do IBS/CBS sobre suas receitas comerciais, acarretando um custo de conformidade (compliance) e um risco jurídico significativamente maiores em comparação com a simplicidade do recolhimento único da SAF.

Análise Comparativa

Primeiramente, vale esclarecer que as análises abaixo consideram clubes que comecem a operar como SAF a partir de 2027.

Vale esclarecer também que a alíquota final da SAF atingiria o seu total apenas em 2033, tendo em vista o aumento gradativo das alíquotas de IBS e CBS durante os anos. Com a nova redução de alíquota proposta no PLP 108/25, será necessário aguardar o texto final da lei para verificar como será a graduação dessas alíquotas no tempo.

Veja abaixo tabela que reflete as mudanças que a Reforma Tributária trará na aplicação das alíquotas para cada modelo adotado:

Por fim, veja abaixo uma simulação baseada na estrutura de receitas de um clube típico da Série A do Campeonato Brasileiro, com um faturamento anual hipotético de R$ 700 milhões:

Cumpre ressaltar que se trata de uma comparação superficial, uma vez que as alíquotas nominais — 5% para SAFs versus 10,8% para associações — são perigosamente enganosa. A verdadeira carga tributária depende da interação entre alíquota, base de cálculo e regras de creditamento. Ou seja, a carga tributária final de cada entidade dependerá drasticamente de seu modelo operacional e de sua estrutura de receitas.

Um clube-associação com maior volume de transferências de atletas (receita imune), menores custos com autônomos e uma gestão fiscal altamente eficiente, capaz de maximizar o aproveitamento de créditos de IBS/CBS sobre seus insumos operacionais (marketing, custos de produção etc.), poderia reduzir sua alíquota efetiva e apresentar um resultado mais vantajoso. O cenário pode mudar, por exemplo, se o clube investir fortemente em infraestrutura, como um novo centro de treinamento, pois no modelo associativo, parte do IBS/CBS embutido nesses custos poderia ser recuperado como crédito, algo vedado à SAF.

Conclusão

A reforma tributária não aponta um caminho único para os clubes de futebol, mas sim uma bifurcação estratégica com profundas implicações.

O modelo SAF, com as alterações propostas pelo Senado, emerge como uma opção extremamente atrativa. A combinação de uma alíquota reduzida para 5% e a manutenção da isenção sobre a venda de atletas por cinco anos oferece previsibilidade, segurança jurídica e uma carga tributária significativamente menor na maioria dos cenários. Sua estrutura tributária simples e transparente é altamente atrativa para investidores institucionais e fundos de private equity, que valorizam a clareza no cálculo de retornos e a minimização do risco de litígios fiscais. O preço dessa certeza é um desincentivo fiscal a investimentos em ativos imobilizados, como estádios e centros de treinamento, devido à ausência de créditos de IBS/CBS.

O modelo associação oferece uma rota da eficiência fiscal potencial, especialmente pela imunidade sobre a venda de atletas. O custo, no entanto, é uma imensa complexidade de gestão e um risco jurídico permanente, atrelado à interpretação do Fisco sobre o alcance de sua imunidade e à correta apuração de múltiplas obrigações previdenciárias. Este modelo exige uma governança sofisticada e uma assessoria jurídico-contábil de alto nível para ser plenamente otimizado, capaz de segregar receitas e apurar créditos de forma efetiva.

A escolha entre os modelos, portanto, transcende a simples comparação de alíquotas e dependerá do perfil de cada clube: sua estrutura de receitas, seus planos de investimento, sua capacidade administrativa e, acima de tudo, seu apetite ao risco.

Contudo, se o texto final da regulamentação confirmar os benefícios aprovados pelo Senado para as SAFs, a tendência de migração para o modelo empresarial deve se acelerar drasticamente, redefinindo não apenas o futuro financeiro de cada instituição, mas a própria paisagem competitiva do esporte mais popular do país.

O post O impacto da reforma tributária no futebol apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Colóquio vai debater reforma do Código Civil sob a ótica Brasil-Portugal

O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) promove, no dia 13 de novembro, às 10h, o colóquio A Reforma do Código Civil Brasileiro: Perspectiva Comparada Brasil-Portugal. O evento será realizado no auditório da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), em Brasília, e será transmitido ao vivo pelos canais do CJF e da Enfam no YouTube.

O encontro contará com a participação do vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do CJF, ministro Luis Felipe Salomão, que presidiu a comissão de juristas responsável pela elaboração do anteprojeto de reforma do Código Civil.

A iniciativa, que conta com o apoio da Enfam e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), pretende reunir juristas de destaque do Brasil e de Portugal para discutir aspectos teóricos e práticos relacionados ao processo de modernização do Código Civil. A proposta busca contribuir para o intercâmbio jurídico entre os dois países e fomentar o aperfeiçoamento normativo a partir de diferentes óticas e experiências.

Também participarão dos debates Dário Moura Vicente, professor catedrático na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e presidente do Centro de Investigação de Direito Privado e da Associação Portuguesa de Direito Intelectual; Diogo Costa Gonçalves, professor associado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; e Rosa Nery, professora associada de direito civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e correlatora-geral do anteprojeto de reforma do Código Civil.

Fonte: STJ

Posted in STJ

Colisão de MD5 e SHA‑1 em vestígios digitais: risco real para integridade da prova

Imagine que dois arquivos digitais diferentes possam ter exatamente o mesmo “código de verificação” (hash) — e que, por causa disso, alguém consiga trocar um arquivo por outro sem que você ou a perícia perceba. Em princípio, pode parece improvável, mas é exatamente o que pode acontecer quando se usa algoritmos antigos e obsoletos como MD5 ou SHA‑1 para garantir a integridade de vestígios digitais.

No dia a dia do profissional do direito (delegado, membro do Ministério Público, defensor, advogado, magistrado e perito), a consequência de algoritmos defasados é a de uma prova digital pode ser contestada se o cálculo de integridade for realizado por algoritmos fracos e não por algoritmos fortes. A seguir apresentamos a questão de modo prático, com o mínimo de tecnicismo.

O que são colisões de hash e por que importam

O hash é um código único que identifica um arquivo, como se fosse uma “impressão digital”. Quando dois arquivos diferentes geram o mesmo hash, ocorre a denominada colisão de hash. Em síntese: tendo o mesmo código hash, ainda que com distintos conteúdos, para o sistema, parecem idênticos.

Nos casos criminais, pode gerar questionamento da integridade da prova. Se a perícia calcular o hash de um arquivo usando MD5 ou SHA‑1, há o risco de outra pessoa produzir um arquivo diferente com o mesmo código. O efeito é grave, porque o hash é o que garante que o arquivo não foi alterado.

O que dizem os padrões técnicos (RFC 6151 e RFC 6194)

Os documentos da Internet Engineering Task Force (IETF), que definem padrões de segurança, foram claros:

RFC 6151 alerta que o MD5 não é mais seguro para verificar integridade. Já existem métodos práticos para gerar colisões. O uso de MD5 deve ser evitado em qualquer aplicação que envolva segurança, assinatura digital ou verificação de provas.
RFC 6194 faz o mesmo alerta sobre o SHA‑1. Embora o SHA‑1 tenha sido considerado mais seguro que o MD5, também foi comprovado que é vulnerável a colisões. O documento recomenda a migração imediata para algoritmos mais fortes, como SHA‑256 ou SHA‑3.

Os relatórios são base técnica para qualquer perito digital — e devem ser citados sempre que a acusação ou defesa discutir a confiabilidade de um vestígio digital, permitindo a instauração do contraditório digital efetivo sobre os dados brutos.

Por que isso afeta diretamente a cadeia de custódia

Em perícia digital, o hash é calculado antes de qualquer análise, servindo para comprovar que a cópia forense é idêntica ao original. Se o algoritmo escolhido for fraco, a comprovação perde força técnica e jurídica.

Na prática:

O perito deve calcular o hash logo ao coletar o vestígio (antes de qualquer análise).
Deve usar algoritmos modernos (atualmente SHA‑256, SHA‑512 e etc).
O procedimento deve ser documentado em laudo ou parecer técnico e acompanhado de logs e da integralidade dos dados.

Sem isso, tanto a acusação quanto a defesa podem alegar que a integridade não foi comprovada com segurança, o que abre espaço para questionar a validade da prova.

Colisões intencionais: risco concreto

Hoje, qualquer pessoa com conhecimentos medianos e ferramentas disponíveis na internet pode criar colisões em MD5 ou SHA‑1 (aqui). Significa que alguém mal‑intencionado poderia preparar um arquivo que, embora pareça autêntico, compartilha o mesmo hash de outro documento.

As colisões intencionais foram demonstradas publicamente em experimentos como o projeto SHAttered, mostrando que o problema não é teórico — é real e reproduzível, ainda que possam, em princípio, detectar a colisão (aqui). Por isso, usar MD5 ou SHA‑1 em cadeia de custódia é um erro técnico e jurídico.

Confira o arquivos de exemplo aqui

Lista de algoritmos confiáveis e nãocConfiáveis em 2025

As tabelas indicam algoritmos de hash confiáveis e não confiáveis, com base em ataques conhecidos e recomendações de especialistas como o NIST (National Institute of Standards and Technology).

Algoritmos de hash confiáveis (para a maioria dos casos)

Os algoritmos são considerados criptograficamente seguros para uso geral, como verificações de integridade e assinaturas digitais.

AlgoritmoNível de segurançaObservações
SHA-2 (ex: SHA-256, SHA-512)✅ Muito forteA família SHA-2 é o padrão da indústria e é recomendada para a maioria das aplicações criptográficas, incluindo assinaturas digitais, integridade de dados e SSL/TLS.
SHA-3 (Keccak)✅ Muito forteDesenvolvido como sucessor do SHA-2, o SHA-3 usa uma estrutura diferente (esponja) para garantir a segurança, mas não é necessariamente mais seguro que o SHA-2.
BLAKE2 / BLAKE3✅ Muito forte e rápidoMais rápidos que a família SHA-2 e SHA-3, mas com segurança criptográfica comparável. Estão sendo cada vez mais adotados em novos sistemas, em que a velocidade é prioridade.
Argon2✅ Muito forte (senhas)Especificamente projetado para o armazenamento seguro de senhas, pois é resistente a ataques de força bruta, exigindo mais tempo e memória para ser computado.
bcrypt✅ Forte (senhas)Embora mais antigo, é um algoritmo sólido para o armazenamento de senhas devido à sua lentidão proposital, que o torna caro para ataques de força bruta.

Algoritmos de hash não confiáveis (não recomendado)

Os algoritmos a seguir foram comprovadamente quebrados ou apresentam fraquezas graves que os tornam inseguros para a maioria das aplicações de segurança, a partir dos relatórios do NIST.

AlgoritmoNível de segurançaMotivo da não confiabilidade
SHA-1❌ InseguroApós o ataque SHAttered em 2017, colisões de hash foram demonstradas na prática, tornando-o vulnerável a falsificações de assinaturas digitais e outros ataques. O NIST recomenda a sua descontinuação total.
MD5❌ InseguroFraquezas foram descobertas em 2004 e colisões podem ser geradas em segundos com hardware comum, tornando-o inadequado para propósitos criptográficos (assinaturas ou integridade de arquivos).
MD4❌ InseguroPredecessor do MD5, ainda mais fraco e obsoleto.
MD2❌ InseguroObsoleto e com falhas de segurança significativas.
HAVAL-128❌ InseguroVulnerabilidades e colisões foram encontradas. De segurança questionável.

Conclusão

Em vez de confiar em algoritmos ultrapassados, os profissionais do direito devem exigir laudos que sigam metodologia validada, com hash forte e registro do momento exato em que a integridade foi calculada. A simples verificação pode ser decisiva para evitar nulidades e preservar a validade da prova digital.

A perícia digital confiável começa pela integridade, verificável por meio da utilização de métodos, ferramentas, algoritmos fortes e registro transparente (documentação) de todo o ciclo da prova. Do contrário, o risco de se perder a eficácia probatória é grande, em geral, irreversível.

O post Colisão de MD5 e SHA‑1 em vestígios digitais: risco real para integridade da prova apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

TJ-MG lança novo formato de Enciclopédia de Precedentes

Tribunal de Justiça de Minas Gerais lançou, nesta semana, a Enciclopédia de Precedentes em formato PDF. O documento já está disponível para consulta e download no portal do tribunal.

Desenvolvida pela 1ª vice-presidência, por meio do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e Ações Coletivas (Nugepnac), a publicação reúne precedentes qualificados, formados ou em formação, do Judiciário mineiro e dos tribunais superiores.

Atualizada semanalmente, a Enciclopédia contempla Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), Incidentes de Assunção de Competência (IAC), grupos de representativos, recursos especiais repetitivos, recursos extraordinários com repercussão geral, além de enunciados da Súmula da Jurisprudência Dominante do TJ-MG, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, além de Súmulas Vinculantes do STF.

O sumário apresenta a relação dos temas por ramo do Direito, organizados conforme a hierarquia dos tribunais.

A obra conta ainda com links externos que permitem a consulta direta aos sites de origem dos precedentes, proporcionando acesso prático aos acórdãos de admissão e de mérito. Dessa forma, o usuário pode examinar não apenas a tese firmada, mas também a ratio decidendi, o que assegura a correta aplicação do precedente ao caso concreto.

O 1º vice-presidente do TJ-MG, desembargador Marcos Lincoln dos Santos, ressaltou a importância do instrumento para a consolidação da cultura dos precedentes no âmbito do tribunal.

“A Enciclopédia de Precedentes é uma ferramenta valiosa para magistrados, servidores, advogados e estudiosos do Direito. Ao reunir e sistematizar, em um único documento, os precedentes qualificados do TJ-MG e dos Tribunais Superiores, promovemos o acesso facilitado à informação e contribuímos para a uniformização da jurisprudência, a segurança jurídica e a eficiência na prestação jurisdicional”, disse.

O gestor do Nugepnac, desembargador Habib Felippe Jabour, enfatiza que “o uso adequado dos precedentes qualificados tem se provado instrumento útil para pacificação de conflitos repetitivos, os quais ao serem tratados de forma individual, retardam bastante a prestação da jurisdição, e frustra a expectativa de duração razoável do processo”.

Enciclopédia potencializada

O juiz Rodrigo Martins de Faria, especialista em Inovação e Tecnologia, destacou a organização do material e explicou como ele pode ser potencializado quando associado ao uso de ferramentas de Inteligência Artificial (IA).

“A Enciclopédia de Precedentes, criada pelo Nugepnac, permite o acesso aos dados de forma estruturada. Sem esse recurso, a pesquisa de precedentes espalhados entre os diversos tribunais seria muito mais trabalhosa. Ao compilar essas informações em um único documento, torna-se possível carregar a enciclopédia como anexo em ferramentas de inteligência artificial generativa, como Gemini ou Notebook LM, e a partir daí pesquisar, de forma rápida, qualquer tema relacionado aos precedentes qualificados.”

Para o juiz Thiago Campos, a Enciclopédia de Precedentes facilita significativamente a busca por precedentes qualificados e a aplicação coerente do Direito.

“Conseguimos identificar rapidamente os precedentes relevantes e aplicá-los com segurança, garantindo decisões mais consistentes e alinhadas à jurisprudência consolidada. No fim, o grande ganho é duplo: de um lado, mais eficiência na elaboração das decisões; de outro, maior uniformidade e previsibilidade na prestação jurisdicional.” Com informações da assessoria de imprensa do TJ-MG.

Clique aqui para acessar a Enciclopédia de Precedentes

O post TJ-MG lança novo formato de Enciclopédia de Precedentes apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Governo apresenta projeto que agrava pena para organizações criminosas

O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, enviou na tarde desta quarta-feira (22) para análise do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da Casa Civil o projeto de lei chamado de Antifacção. A proposta inclui agravar a pena para lideranças e integrantes de organizações criminosas. 

Os condenados pelo crime de “organização criminosa qualificada”, que passaria a ser um novo tipo penal, poderão receber a pena de de 30 anos de prisão. O texto prevê ainda a criação de um banco de dados nacional para ter uma espécie de catálogo de informações dessas facções com a finalidade de reunir informações estratégicas para investigação e rastreamento desses grupos. 

Notícias relacionadas:

“Nós fizemos o possível para dar uma resposta nesse momento”, disse o ministro, que avalia que o Estado tem o desafio de estar “mais organizado do que o crime”, “cada vez mais sofisticado”.

Ele entende que a proposta é a de atualizar a lei das organizações criminosas, que é de 2013. O projeto prevê ainda ações para diminuir os recursos financeiros das facções de maneira mais rápida.

Um exemplo das ações seria a apreensão de bens, direitos ou valores do investigado, inclusive durante o curso do inquérito ou quando houver suspeita de que sejam produtos ou instrumento de prática de crimes.

Infiltração

Outra ação prevista pela proposta é a de infiltração de policiais e colaboradores na organização criminosa durante a investigação e até a possibilidade de criar pessoas jurídicas fictícias para facilitar a infiltração na organização criminosa

O projeto de lei ainda apresenta outra possibilidade, durante a investigação, ao autorizar o monitoramento dos encontros realizados entre presos provisórios ou condenados integrantes de organização criminosas

Penas de prisão

O ministro defendeu a necessidade de aumento de pena da organização criminosa simples, de 3 a 8 anos de prisão para de 5 a 10 anos. O agravamento ainda maior (de dois terços ao dobro) das penas ocorreria nos casos do tipo penal caracterizado como  “organização criminosa qualificada”. 

Entre os exemplos dessa característica, estão nos casos em que ficar comprovado o aliciamento de criança ou adolescente para o crime, ou mesmo quando a ação for funcionário público. Outra “qualificação” do crime organizado pode ser entendida  nos casos de exercício de domínio territorial ou prisional pela organização criminosa.

São ainda situações de agravamento de pena o uso de arma de fogo de uso restrito ou proibido e quando houver morte ou lesão corporal de agente de segurança pública. Pelo projeto, o crime tipificado como de organização criminosa qualificada passa a ser considerado hediondo, ou seja, inafiançável.

Ver essa foto no Instagram

Uma publicação compartilhada por TV Brasil (@tvbrasil)

Domínio territorial

O domínio territorial pelo crime organizado ocorre, conforme exemplifica o ministro da Justiça, em comunidades dominadas por facções, o que deixa os moradores  vulneráveis. 

“Essa ocupação tem várias causas. Não é só a intimidação por parte dos membros das organizações criminosas, mas também a falta de serviços sociais, escolas, saneamento básico e saúde”. 

O ministro adiantou que existe, inclusive, um projeto piloto de retomada de território em elaboração. “Não será apenas pela força física, mas será, claro, pela extrusão daqueles invasores dessas áreas, e assim os serviços públicos avançarão”. 

Dissuasão

Lewandowski entende que não há ilusão, por parte dos integrantes do ministério, que somente o aumento de pena será suficiente. Mas será, na opinião do ministro, um fator de dissuasão e de intimidação. 

“A pessoa pensará duas vezes, talvez não os líderes, mas pelo menos os faccionados de menor nível hierárquico saberão que terão a pena bastante agravada”, disse o ministro. 

Banco de dados

Em relação ao banco de dados previsto no projeto enviado à Casa Civil e ao presidente Lula, o ministro explicou que a intenção é ter o máximo de detalhes, inclusive até o DNA das pessoas envolvidas com o crime organizado.

“Todos os dados relativos a membros de organizações criminosas vão integrar esse banco. Por exemplo, o nome, o pseudônimo, onde moram, documentos de identidade e características pessoais”, exemplificou o ministro.

O ministro disse que será um acervo a ser compartilhado nacionalmente com todas as forças de segurança. “Todos os agentes saberão se alguém pertence ao crime organizado”, disse Lewandovski.

* Matéria atualizada às 20h22 para acréscimo de informações

Fonte: EBC

Corte Interamericana destaca papel de convencionalidade na proteção do clima e dos direitos humanos

“Proteger o clima é um dever jurídico e civilizatório”. A fala foi proferida pelo vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), Rodrigo Mudrovitsch, na conferência magna de abertura do Congresso Cooperação Judiciária Interinstitucional. O evento teve início nesta quarta-feira (22) na Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (ESMAF), em Brasília (DF).

Promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), em parceria com o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), o encontro reúne magistradas(os), integrantes do Ministério Público, advogadas(os), acadêmicas(os) e representantes de instituições públicas e internacionais.

Com o tema Controle de Convencionalidade e Crise Climática: o papel da Opinião Consultiva n. 32 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Rodrigo Mudrovitsch ressaltou que o controle de convencionalidade é o meio mais poderoso para transformar os direitos humanos em realidade institucional. “É o instrumento mais eficaz que o sistema interamericano oferece para traduzir os direitos humanos em prática cotidiana. Ele transforma tratados e jurisprudência internacional em ações concretas, dentro dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, afirmou.

O palestrante explicou que a Opinião Consultiva n. 32, emitida em 2025, representa um marco jurídico e ambiental, ao reconhecer o direito a um clima saudável como um direito humano autônomo e exigível, estendendo sua proteção às gerações futuras e à própria natureza. “A Corte Interamericana reconheceu que a obrigação de não causar danos irreversíveis ao sistema climático tem natureza de ius cogens, ou seja, é uma norma imperativa do direito internacional que se impõe a todos os Estados. Isso significa que proteger o clima é um dever jurídico e civilizatório”, destacou.

Mudrovitsch reforçou que o enfrentamento da emergência climática demanda ações conjuntas e coordenadas entre os países, especialmente na aplicação de políticas públicas que previnam danos ambientais e assegurem justiça climática. “A crise climática é, antes de tudo, uma crise de direitos humanos. A cooperação internacional e o controle de convencionalidade são pontes que conectam o direito interno às obrigações universais de proteção da dignidade humana e do meio ambiente”, afirmou.

Por fim, o conferencista pontuou que o Brasil tem avançado no diálogo com o sistema interamericano, mas ainda precisa consolidar a cultura do controle de convencionalidade entre os três Poderes. “A jurisprudência interamericana se faz cada vez mais presente nas decisões do Judiciário brasileiro, mas ainda há caminho a percorrer para que essa cultura seja incorporada como prática cotidiana das instituições nacionais”, concluiu.

Programação

As atividades do congresso continuam na tarde desta quarta-feira (22). A partir das 14 horas, quatro painéis temáticos discutirão a aplicação da Convenção da Haia, a cooperação em matéria penal, a proteção do clima e da Amazônia e a tutela dos direitos humanos no Sistema Interamericano.

Na quinta-feira (23), a partir das 9 horas, o evento retoma as atividades com oficinas temáticas voltadas à análise de casos práticos e ao desenvolvimento de propostas de aprimoramento da cooperação judicial. As conclusões serão apresentadas na plenária final, que reunirá as principais recomendações elaboradas durante o encontro.

Sobre o congresso

O congresso conta com o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), da Associação dos Juízes Federais da 1ª Região (AJUFER), da Universidade Presbiteriana Mackenzie, da Secretaria de Turismo do Governo do Distrito Federal (SETUR/DF), da Embaixada da França no Brasil e do Instituto Cerrado Brasil.

A coordenação-geral é do ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do CJF, diretor do CEJ e corregedor-geral da Justiça Federal. A coordenação científica é do desembargador federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, diretor da ESMAF. Já a coordenação executiva está a cargo da juíza federal Vânila Cardoso André de Moraes e do juiz federal Otávio Henrique Martins Port, ambos auxiliares da Corregedoria-Geral da Justiça Federal (CG). A coordenadoria pedagógica é da juíza federal Mara Lina Silva do Carmo e do Juiz Federal Hugo Leonardo Abas Frazão, ambos do TRF1.

Fonte: CJF

Posted in CJF

STF forma maioria contra atuação de enfermeiros em aborto legal

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para derrubar decisão que autorizava enfermeiros a participarem de procedimentos de interrupção da gravidez, em casos de aborto legal.

Até o momento, sete ministros votaram para “não manter a liminar” do ministro Luís Roberto Barroso, que havia autorizado esses profissionais a atuarem nos procedimentos de aborto permitido pelo direito brasileiro. No caso, situações em que haja risco de vida da gestante, gravidez resultante de estupro e gestação de feto anencefálico.

Tomada na sexta-feira (17), a decisão de Barroso está submetida a referendo do plenário em sessão extraordinária virtual. Na mesma decisão, Barroso determinou, também, que os órgãos públicos de saúde não podem criar obstáculos não previstos em lei para a realização do aborto legal.

Em geral, essas restrições estão relacionadas a questões envolvendo idade gestacional ou à exigência de registro de ocorrência policial.

Divergência

A divergência ao voto de Barroso foi iniciada pelo ministro Gilmar Mendes. O voto dele foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.

Segundo o STF, a liminar foi concedida por Barroso nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 989 e 1207.

“Na primeira, entidades da sociedade civil, como a Sociedade Brasileira de Bioética e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, pedem o reconhecimento da violação massiva de direitos fundamentais na saúde pública em razão das barreiras ao aborto legal. Na segunda, associações de enfermagem e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) solicitam que, além de médicos, outros profissionais de saúde possam atuar nos procedimentos”, detalhou, por meio de nota, o STF.

Na decisão, Barroso havia determinado a suspensão de procedimentos administrativos e penais, bem como de processos e decisões judiciais, contra profissionais de enfermagem que prestem auxílio à interrupção da gestação nas hipóteses legalmente admitidas.

*Com informações do STF

Posted in STF

Sob Lei do Distrato, é possível aplicar multa por desistência e taxa de ocupação de lote não edificado

A taxa de fruição, no caso de lote não edificado, era vedada pela jurisprudência do STJ até 2018, mas a Quarta Turma entendeu que a lei passou a prever expressamente a retenção a esse título.
 

Nos casos de rescisão do contrato de compra e venda de imóvel celebrado após a entrada em vigor da Lei do Distrato (Lei 13.786/2018), é possível descontar da quantia a ser restituída ao comprador desistente a taxa de ocupação ou fruição, mesmo na hipótese de lotes não edificados, além do valor da cláusula penal.

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que concluiu pela possibilidade de retenção do valor pago pelo comprador de um lote que desistiu do negócio. No caso, não sobrou nada a ser devolvido após a dedução dos encargos de rescisão previstos legal e contratualmente.

Segundo o processo, o contrato foi assinado em 2021, no valor de R$ 111.042,00. Após pagar R$ 6.549,10, o comprador pediu a dissolução do negócio. A vendedora aplicou a multa contratual e a taxa de ocupação pelo tempo em que o imóvel esteve com o comprador, mas este ajuizou ação questionando as deduções.

Tanto o juízo de primeiro grau quanto o TJSP entenderam que as retenções foram feitas dentro dos parâmetros legais e que o comprador foi informado previamente a respeito das consequências da desistência.

Lei passou a prever cláusula penal nas rescisões contratuais

A relatora no STJ, ministra Isabel Gallotti, explicou que, no caso, aplica-se a Lei do Distrato – editada em 2018, antes da assinatura do contrato no ano de 2021 –, a qual prevê cláusulas penais na hipótese de desistência por parte dos compradores de lotes. Anteriormente a essa lei – ressaltou –, não havia tal previsão, porque a Lei 6.766/1979 considerava esse tipo de negócio irretratável.

A ministra lembrou que a proibição de desistir do negócio foi sendo mitigada pela jurisprudência do STJ, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente quando demonstrada a incapacidade do comprador de continuar honrando as prestações. Segundo a relatora, nessas situações anteriores à vigência da Lei 13.786/2018, a Segunda Seção do tribunal estabeleceu o percentual de 25% dos valores pagos para a compensação dos prejuízos do incorporador, se não houvesse peculiaridade que, no caso específico, justificasse percentual diferente.

Com a edição da Lei 13.786/2018 – prosseguiu a relatora –, passou a ser previsto o direito de distrato, por meio da inclusão do artigo 26-A na Lei 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. Este artigo estabelece a cláusula penal de 10% do valor atualizado do contrato de aquisição do lote para os casos de rescisão.

No recurso em análise, Gallotti verificou que a cláusula contratual estava dentro dos parâmetros da lei, tendo sido correta a retenção do valor. Ela observou também que não está sendo cobrada pela vendedora diferença alguma em seu favor. Ela apenas alega, em sua defesa, o direito de retenção a esse título dos valores a serem devolvidos ao consumidor desistente.

Após a Lei 13.786/2018, a taxa de fruição é devida com ou sem edificação no lote

Já em relação à taxa de fruição no caso de lote não edificado, a relatora lembrou que a jurisprudência do STJ não autorizava a sua cobrança antes da Lei 13.786/2018, devido à falta de previsão legal para sua incidência sem a efetiva utilização do bem pelo comprador.

No entanto – afirmou –, a Lei do Distrato passou a prever expressamente, no inciso I do artigo 32-A, que, além da cláusula penal, é permitida a retenção de “valores correspondentes à eventual fruição do imóvel, até o equivalente a 0,75% sobre o valor atualizado do contrato”. Para a relatora, o entendimento anterior do tribunal não pode mais prevalecer para os contratos celebrados após a edição da Lei do Distrato, que prevê a retenção desse valor em qualquer hipótese – com ou sem edificação no lote.

“Não se verifica ofensa ao artigo 53 do CDC, pois não há previsão de cláusula contratual que estabeleça a perda total das prestações pagas em benefício do loteador. Na verdade, o contrato expressamente previu a devolução das quantias pagas com descontos permitidos na lei em vigor quando de sua celebração. Se nada há a ser restituído ao adquirente é porque ele pagou quantia muito pequena, que não é capaz de quitar sequer a cláusula penal e a taxa de fruição contratualmente fixadas dentro dos limites da lei”, explicou.

Fonte: STJ

Posted in STJ
Nota de alerta
Prevenção contra fraudes com o nome do escritório Aragão & Tomaz Advogados Associados