Aprovadas sanções administrativas para quem retardar ou frustrar licitação

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou nesta terça-feira (9), em caráter conclusivo, proposta que responsabiliza administrativamente licitantes ou contratantes que atrasarem ou frustrarem o resultado de processos licitatórios sem justificativa.

O texto também prevê a apuração de responsabilidade de empresas condenadas por litigância de má-fé em ações que resultem na frustração da licitação. A proposta seguirá para o Senado, caso não haja recurso para votação no Plenário.

O texto aprovado — substitutivo do deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) ao Projeto de Lei 5360/19, do deputado Gilberto Abramo (Republicanos-MG) — inclui as novas regras na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, e não mais na  Lei Anticorrupção.

Segundo Lafayette de Andrada, a medida vai coibir manobras que atrasam licitações. “A frustração do andamento do processo licitatório é conduta danosa, pois quebra a programação da administração e fere a economicidade que rege o uso do dinheiro público”, afirmou.

Entre as sanções previstas na Lei de Licitações para infrações administrativas estão advertência, multa, impedimento de licitar e contratar, e declaração de inidoneidade.

Fonte: Câmara dos Deputados

Perpetuação do vício: quebra da cadeia creditícia nas etapas isentas ou imunes da reforma tributária

A reforma tributária representava a oportunidade de corrigir uma relevante distorção da não cumulatividade no sistema de tributação sobre o consumo: a quebra da cadeia creditícia quando há etapas isentas ou imunes intermediárias na cadeia produtiva. Contudo, desde a Emenda Constitucional nº 132/2023 até a regulamentação pela Lei Complementar nº 214/2025, optou-se por perpetuar o mesmo vício estrutural que existia no ICMS, PIS/Cofins e IPI.

É verdade que a reforma trouxe melhorias significativas na técnica da não cumulatividade. O artigo 156-A, §1º, VIII, da Constituição estabeleceu um creditamento amplo sobre todas as operações, ressalvando apenas os bens de uso e consumo pessoais e as hipóteses constitucionais específicas, superando, a princípio, os debates inerentes ao ICMS, IPI e PIS/Cofins de crédito físico, financeiro e conceito de insumo.

Essa previsão, por si só, já representaria um avanço substancial em relação ao sistema anterior. No entanto, a nova sistemática reincide na citada falha estrutural: quando uma etapa intermediária da cadeia produtiva é beneficiada com isenção ou imunidade, ocorre a chamada “quebra da cadeia creditícia”, tendo como consequência o cancelamento do crédito concedido nas operações anteriores. O resultado é o ressurgimento do indesejável efeito cascata que a técnica da não cumulatividade deveria definitivamente eliminar, na medida em que o tributo pago nas operações anteriores não é mais neutralizado. Este problema, longe de ser corrigido pela reforma, foi constitucionalizado e detalhadamente regulamentado, transformando um defeito sistêmico em regra permanente do ordenamento jurídico brasileiro.

O problema não surgiu apenas com a LC nº 214/2025. A própria emenda constitucional já trouxe em seu bojo a perpetuação desta distorção ao estabelecer, no artigo 156-A, §7º, que “a isenção e a imunidade: I – não implicarão crédito para compensação com o montante devido nas operações seguintes; II – acarretarão a anulação do crédito relativo às operações anteriores”.

Esta disposição constitucional revela uma escolha legislativa questionável. O constituinte reformador tinha em suas mãos a chance de estabelecer uma não cumulatividade verdadeiramente plena, mas preferiu constitucionalizar essa limitação que já existia no sistema anterior. A LC nº 214/2025, por sua vez, apenas regulamentou aquilo que a Constituição já havia determinado. Os artigos 49, 51 e 52 da nova lei são o desdobramento do comando constitucional, estabelecendo como deve operar a quebra da cadeia creditícia.

Exemplo para demonstrar o problema na reforma

Para compreender o problema, considere uma cadeia produtiva típica onde uma etapa intermediária seja isenta e hipoteticamente que a alíquota do IBS/CBS seja de 10%: a empresa A vende insumos para a empresa B, cobrando normalmente R$ 100 de mercadoria mais R$ 10 de IBS/CBS, totalizando R$ 110. A empresa B, contudo, é beneficiária de isenção tributária — por exemplo, produz medicamentos. Ao vender seu produto para a empresa C por R$ 200, não haverá IBS/CBS por estar isenta. Neste ponto, ocorre a primeira distorção: B perde definitivamente o crédito de R$ 10, conforme determina o artigo 51 da LC nº 214/2025.

A empresa C, por sua vez, ao comprar de B por R$ 200, não obterá qualquer crédito desta operação, pois a venda foi isenta e o crédito da primeira operação da cadeia (de A para B) foi anulado (artigo 49). Quando C vender seu produto final por R$ 300 ao consumidor, cobrará os R$ 30 de IBS/CBS integralmente, sem poder se creditar das operações anteriores.

O resultado é devastador para a lógica da não cumulatividade: onde deveria haver apenas R$ 30 de tributo total na cadeia (10% sobre o valor final de R$ 300), temos efetivamente R$ 40 — os R$ 10 perdidos por B mais os R$ 30 pagos no fim da cadeia. Essa distorção não fica restrita ao aspecto técnico-tributário: os R$ 10 excedentes serão inevitavelmente repassados ao preço final, onerando o consumidor com custos tributários que um sistema de não cumulatividade plena deveria eliminar, e tornando mais oneroso um produto cujos compostos (cadeias anteriores) deveriam ter um benefício.

Efeito cascata até o consumidor final

Esta sistemática mantém o efeito cascata nessa espécie de cadeia. O valor perdido na etapa isenta se propaga até o consumidor final, onerando a cadeia produtiva com exatamente aquele custo adicional que os modernos sistemas de IVA foram concebidos para evitar.

Mais grave ainda: o efeito cascata parcial distorce as decisões econômicas dos agentes, violando o atualmente expresso princípio da neutralidade tributária (artigo 156-A, § 1º, da CF e artigo 2º da LC nº 214/2025), o qual estabelece que os tributos “devem evitar distorcer as decisões de consumo e de organização da atividade econômica”. Contudo, a manutenção da anulação de créditos nas etapas isentas e imunes gera exatamente as distorções que o próprio legislador buscou evitar. A empresa C, conhecedora da sistemática, pode preferir comprar de fornecedores não isentos para preservar seus créditos, prejudicando justamente aqueles setores que a política pública pretendia beneficiar através das isenções.

O paradoxo é evidente: ao conceder uma isenção para beneficiar determinado setor, o sistema acaba por torná-lo menos atrativo como fornecedor, contrariando os objetivos da política tributária implementada.

Manutenção de créditos em operações de alíquota zero

Uma solução técnica para este problema já estava ao alcance do legislador brasileiro. A própria LC n.º 214/2025 oferece o mecanismo adequado ao estabelecer, no artigo 52 que, “no caso de operações sujeitas a alíquota zero, serão mantidos os créditos relativos às operações anteriores”. Esta disposição demonstra que o legislador tinha plena consciência de que a anulação de créditos viola a lógica da não cumulatividade.

A adoção da alíquota zero em substituição às isenções resolveria grande parte do problema, preservando a cadeia creditícia e eliminando o efeito cascata parcial. Contudo, o legislador optou por manter a sistemática restritiva para isenções e, mais gravemente, para as imunidades. Estas últimas, por derivarem diretamente da Constituição, apresentam uma dificuldade adicional: não podem ser simplesmente convertidas em alíquota zero por lei.

O resultado é uma diferenciação artificial e economicamente injustificável entre institutos que, na prática, produzem o mesmo efeito — a desoneração da operação —, mas com impactos completamente distintos sobre a cadeia creditícia.

Violação da neutralidade fiscal

A neutralidade fiscal pressupõe que as decisões empresariais sejam baseadas em critérios de eficiência econômica, não em considerações tributárias. Quando uma empresa precisa avaliar se deve comprar de um fornecedor isento (perdendo créditos) ou de um fornecedor tributado (mantendo créditos), sem uma justificativa constitucionalmente razoável para tanto, o tributo deixa de ser neutro e passa a influenciar artificialmente a organização da atividade econômica.

Esta violação da neutralidade é ainda mais grave por atingir setores considerados prioritários pela própria política pública. Saúde, educação e outros segmentos contemplados com benefícios fiscais podem ser prejudicados em sua competitividade caso atuem como fornecedores, contrariando a lógica que deveria orientar um sistema tributário moderno e eficiente.

A reforma, que poderia ter eliminado esse problema da não cumulatividade nas etapas isentas e imunes, optou por mantê-lo vivo e até mesmo constitucionalizá-lo. O resultado é um sistema que, embora superior ao anterior, carrega consigo as distorções do passado vestidas com roupagem constitucional. A quebra da cadeia creditícia continuará onerando consumidores, distorcendo decisões empresariais e contrariando os próprios objetivos de neutralidade que a nova sistemática objetiva perseguir.

Fonte: Conjur

Multas de leniência e sua dedução tributária

Pode uma empresa deduzir do cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) o valor de uma multa paga em acordo de leniência firmado sob a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013)? A questão, embora até recentemente pouco debatida nos tribunais, ganhou relevância prática com o avanço das grandes operações de combate à corrupção no Brasil nas últimas décadas. Essa nova realidade exige respostas claras sobre as consequências tributárias de atos ilícitos cometidos por empresas.

O debate saiu do campo teórico em 2024, quando um acórdão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) reconheceu, pioneiramente, a legitimidade da dedução desse tipo de multa da base de cálculo do IRPJ. Essa decisão (Acórdão Carf nº 1004-000.137, de 8/4/2024) abriu caminho para uma interpretação alinhada a princípios fundamentais do sistema tributário brasileiro. Afinal, está em jogo o clássico princípio pecunia non olet (“o dinheiro não tem cheiro”) e a própria moralidade tributária aplicada ao contexto do combate à corrupção.

A seguir, com base nas conclusões a que meu sócio Rodrigo Caserta e eu chegamos na elaboração de um dos capítulos de uma obra jurídica coletiva que será publicada em breve, farei algumas reflexões sobre as implicações práticas do tema.

Dinheiro não tem cheiro: tributação de ganhos ilícitos

No direito tributário, vigora a máxima de que “o dinheiro não tem cheiro”. A famosa expressão latina pecunia non olet, atribuída ao imperador romano Vespasiano, simboliza a ideia de que a tributação independe da origem dos recursos. Em outras palavras, mesmo que determinada quantia seja fruto de atividades moralmente reprováveis ou juridicamente ilícitas, isso não a isenta do imposto se tiver havido acréscimo patrimonial configurador de renda.

O Código Tributário Nacional (CTN) positivou esse entendimento no artigo 118, ao determinar que a definição legal do fato gerador deve ser interpretada abstraindo-se da validade jurídica do ato praticado. A doutrina majoritária sustenta há décadas que a ilicitude do ato que gerou renda não impede a incidência do imposto correspondente, pois o foco do tributo recai sobre a riqueza auferida, não sobre a legalidade da conduta do contribuinte.

Os tribunais superiores consolidaram essa orientação. O Supremo Tribunal Federal já afirmou que tributar rendimentos de origem ilícita é, além de possível, exigido pelo princípio da igualdade e pela própria moralidade fiscal – afinal, isentar o lucro do crime seria conceder um privilégio indevido ao infrator. Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça entende que, conforme o artigo 118 do CTN, a incidência do imposto de renda independe da validade jurídica dos atos praticados.

Importa também frisar que o artigo 3º do CTN – ao definir tributo e estabelecer que ele não constitui sanção por ato ilícito – não veda a tributação de receitas ilícitas. Esse dispositivo busca apenas impedir que se utilize o tributo com propósito punitivo (como pena pecuniária), mas não obsta que fatos geradores derivados de atos ilegais sejam normalmente alcançados pelo fisco. Ou seja, havendo riqueza economicamente auferida, deve haver tributação, independentemente da licitude de sua origem.

Princípio da renda líquida e despesas dedutíveis

O imposto de renda incide apenas sobre o acréscimo patrimonial líquido – em síntese, sobre o lucro real do contribuinte (receitas menos despesas necessárias). Esse postulado decorre dos próprios princípios constitucionais (capacidade contributiva, vedação ao confisco, etc.) e assegura que não se tribute algo que não represente ganho efetivo.

Em outras palavras, despesas incorridas para obter ou manter a fonte de renda devem ser deduzidas na apuração do lucro tributável, sob pena de se cobrar imposto sobre resultado fictício. A legislação infraconstitucional, em consonância com isso, define que são dedutíveis as despesas necessárias à atividade da empresa e usuais ou normais a suas operações (artigo 47 da Lei 4.506/1964, reproduzido no Regulamento do Imposto de Renda RIR). Ou seja, são passíveis de abatimento os gastos feitos para a empresa exercer suas atividades e manter sua fonte produtora de renda, desde que guardem pertinência com o ramo do negócio em questão.

Vale notar que “usual” não significa, obrigatoriamente, “frequente”. Mesmo um gasto excepcional pode ser deduzido se guardar relação objetiva com a atividade empresarial. Em geral, havendo nexo com a geração de receitas, considera-se a despesa dedutível, salvo expressa proibição legal. A autoridade fiscal, portanto, deve ater-se a essa relação de causalidade entre a despesa e a produção de renda, sem se guiar por juízos de valor subjetivos ou morais acerca do gasto.

Multas de acordos de leniência como despesa dedutível

Estabelecidas essas premissas, cabe analisar se as multas pagas em acordos de leniência podem ser tratadas como despesas dedutíveis na apuração do lucro real.

Os acordos de leniência, previstos na Lei Anticorrupção, são pactos em que a empresa investigada por atos de corrupção colabora com as autoridades em troca de benefícios legais – como a redução substancial das multas aplicáveis, a isenção de certas penalidades (por exemplo, deixar de ser proibida de contratar com o poder público) e a suspensão ou extinção de ações judiciais relacionadas.

Esses acordos não eximem a empresa de reparar integralmente os danos causados. Ao contrário: a lei exige (artigo 16, §3º) que o ajuste contemple a indenização pelos prejuízos, de modo que a multa pactuada frequentemente possui também caráter compensatório. Na prática, portanto, a multa de leniência tem natureza dúplice: funciona como punição pelo ato ilícito e, simultaneamente, como instrumento de reparação e de compromisso com uma conduta empresarial futura mais íntegra.

Do ponto de vista da empresa, o pagamento da multa do acordo de leniência representa um custo de regularização necessário para a continuidade de suas operações. Sem o acordo, a companhia poderia ser declarada inidônea, impedida de contratar com o Estado ou sofrer outras restrições capazes de inviabilizar seus negócios. Assim, esse desembolso mostra-se indispensável para a manutenção da atividade empresarial, enquadrando-se como despesa necessária à preservação da fonte de renda.

Embora não faça parte da rotina de nenhuma organização incorrer em multas por corrupção, esse é um desfecho possível — e infelizmente observado nos últimos anos – para empresas sujeitas a certos riscos. Trata-se de um ônus inevitável para a empresa superar a crise de compliance e retomar suas atividades dentro da legalidade. Por esse ângulo, pode-se considerar tal gasto como uma despesa operacional pertinente, ainda que extraordinária.

Há manifestações doutrinárias [1] que corroboram esse entendimento, sustentando que as multas cujo pagamento é capaz de assegurar a regular manutenção das atividades empresariais, ainda que decorrentes de ilícitos, preenchem os requisitos de necessidade e normalidade e que inexiste vedação legal à sua dedução. Em outras palavras, o direito brasileiro não exclui automaticamente do cálculo do lucro tributável os gastos decorrentes de infrações; deve prevalecer a análise objetiva do caso, focada no fluxo econômico do negócio.

No precedente do Carf mencionado acima, o conselheiro relator adotou a tese da não dedutibilidade, argumentando que permitir o abatimento incentivaria o comportamento ilícito e diluiria o caráter punitivo da multa (uma indevida “socialização” do prejuízo com a sociedade). Esse entendimento, contudo, foi superado. Por maioria, o Carf decidiu que a multa paga no acordo de leniência pode ser deduzida do IRPJ/CSLL. Em síntese, considerou-se que negar a dedução equivale a tributar como lucro um valor que, na verdade, foi desembolsado a título de penalidade – o que seria, na prática, transformar o imposto em uma punição tributária adicional, desvirtuando sua finalidade.

Moralidade tributária: obstáculo ou fundamento?

Para os críticos, permitir que a empresa abata do imposto uma multa por corrupção seria moralmente inadequado, pois o Estado estaria “socializando” o custo da penalidade com a coletividade. Argumenta-se que esse benefício fiscal reduziria o efeito punitivo da multa e acabaria, em última análise, favorecendo o infrator às custas do erário. Essa perspectiva foi adotada, por exemplo, no voto vencido do caso Carf referido, o qual alertava que a dedução incentivaria grandes empresas a delinquirem imaginando poder arcar com multas e depois aliviar parte do gasto via redução de tributos.

Essa linha de raciocínio, porém, não se sustenta a uma análise mais detida. Primeiro, o acordo de leniência é um ato lícito incentivado pela lei, distinto do ato ilícito original. A multa nele ajustada decorre desse instrumento legal de colaboração e reparação, não podendo ser confundida com um “lucro do crime”. Permitir sua dedução não significa “premiar” a corrupção, e sim reconhecer que se trata de um custo decorrente de um mecanismo de ajuste de conduta (compliance) previsto em lei, o qual deve ser tratado segundo as regras tributárias vigentes.

Além disso, é preciso esclarecer o alcance do princípio da moralidade nesse contexto. A moralidade administrativa (CF, artigo 37) não autoriza o Fisco a agir com base em impressões morais subjetivas. Ao contrário, exige que a administração tributária se paute pela legalidade, impessoalidade, eficiência e, no caso específico dos tributos, pelos princípios da igualdade, capacidade contributiva e vedação ao confisco. Sob essa ótica, longe de impedir a dedução da multa de leniência, a moralidade tributária reforça a sua legitimidade.

Permitir o abatimento é justamente dar efetividade ao princípio da capacidade contributiva – tributando apenas o lucro real, sem confisco – e observar o postulado de que tributo não é penalidade. Aliás, o artigo 3º do CTN reforça esse ponto ao vedar a utilização do tributo como sanção de ato ilícito. Negar a dedução da multa significaria, na prática, desrespeitar esse preceito, impondo uma punição fiscal indireta além da penalidade já aplicada.

Por fim, do ponto de vista sistêmico, admitir a dedutibilidade promove coerência e neutralidade no ordenamento tributário. Se a lei manda tributar os ganhos de fonte ilícita, não há razão para, em nome do moralismo, recusar o reconhecimento dos custos necessários relacionados a esses ganhos. Caso contrário, a Fazenda Pública se beneficiaria duplamente do fato ilícito (ao tributar o ganho e não reconhecer o custo), desequilibrando a equidade do sistema. Em última instância, a reprovação moral ao ato já se deu nas esferas penal e administrativa; no âmbito tributário, cabe apenas aplicar a técnica fiscal de forma isenta, tributando-se aquilo que efetivamente configura renda.

Conclusão

Conclui-se que os valores pagos em multas decorrentes de acordos de leniência podem, à luz do ordenamento vigente, ser deduzidos na apuração do imposto de renda. Longe de premiar condutas ilícitas, tal dedução preserva a lógica do tributo incidente sobre o lucro real, evitando que a empresa seja punida duplamente – primeiro pela multa em si e depois por uma tributação sobre um montante que efetivamente saiu de seu patrimônio. Em outras palavras, a autoridade fiscal cobra o imposto sobre os ganhos reais (inclusive os de origem ilegal), mas não transforma a multa em um “acréscimo patrimonial” tributável.

À luz do princípio da renda líquida, é indispensável considerar, no cálculo do lucro tributável, todas as despesas necessárias e usuais à atividade econômica da pessoa jurídica – inclusive aquelas originadas de acordos de leniência firmados para viabilizar a continuidade da empresa dentro da legalidade. Vimos também que a invocação da moralidade tributária, quando devidamente compreendida, não contraria essa dedução; ao contrário, a solução aqui defendida harmoniza-se com os imperativos de justiça fiscal, neutralidade e estrita legalidade que devem nortear a aplicação do referido princípio no campo tributário.

Do ponto de vista prático, o tema é de grande relevância para a atuação empresarial contemporânea. Empresas que decidem cooperar com as autoridades – admitindo irregularidades e arcando com pesadas multas – naturalmente buscam previsibilidade quanto aos efeitos tributários dessas escolhas. O reconhecimento da dedutibilidade desses valores mitiga o impacto financeiro dos acordos, sem comprometer o caráter punitivo e reparatório das sanções, e pode servir de incentivo para que mais companhias adotem programas de conformidade e colaboração, sabendo que não serão “punidas em dobro” via tributação.

Em suma, a controvérsia acerca da dedução de multas sob a ótica da moralidade tributária exemplifica a necessidade de conciliar o combate vigoroso à corrupção com a aplicação coerente das normas fiscais. O precedente aberto pelo Carf em 2024 sinaliza uma perspectiva de equilíbrio: sancionar o ilícito com rigor, mas calcular os tributos com base em critérios técnicos e justos. Essa visão contribui para um ambiente de negócios mais seguro juridicamente e para a efetividade das políticas anticorrupção – objetivos que convergem com o interesse público e a integridade das relações econômicas.


[1] MOREIRA, André Mendes; ANTUNES, Pedro Henrique Neves. Reflexões sobre ilícitos, sanções e a dedutibilidade de multas no Imposto de Renda. Revista Direito Tributário Atual, n. 49, ano 39, p. 395–411, São Paulo: IBDT, 3º quadrimestre de 2021: IGLESIAS, Tadeu Puretz. Dedutibilidade de despesas com subornos e propinas da base de cálculo do IRPJ. São Paulo: IBDT, 2022 (Série Doutrina Tributária, 46)

Fonte: Conjur

Comissão aprova regras para demarcação de terras indígenas

A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados aprovou projeto que repete o texto da Lei do Marco Temporal para definir como terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas aquelas que, na data da promulgação da Constituição, eram, simultaneamente:

  • habitadas por eles em caráter permanente;
  • utilizadas para suas atividades produtivas;
  • imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e
  • necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Etapas da demarcação
O texto define ainda etapas para a análise da demarcação, como o acompanhamento do processo pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a realização de audiências nos municípios envolvidos.

Após a análise pelo Ministério da Justiça, o Executivo deverá editar medida provisória para demarcar a área indígena, caso seja reconhecida.

Parecer favorável
A comissão aprovou o parecer do relator, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), favorável ao Projeto de Lei 6093/23, da deputada Coronel Fernanda (PL-MT).

Moreira mudou a versão original para prever que o grupo técnico responsável pelos estudos de demarcação seja contratado por meio de licitação. Segundo ele, isso garante “mais uma camada de transparência ao processo, impedindo a instrumentalização dos estudos”.

Pelo texto aprovado, o grupo técnico será composto por:

  • antropólogos;
  • engenheiros agrônomos e agrimensores;
  • historiadores;
  • servidores da Funai;
  • servidores dos municípios envolvidos;
  • parlamentares estaduais e municipais; e
  • representantes dos ocupantes das terras em disputa.

O grupo terá até seis meses para apresentar parecer sobre a demarcação, prazo que poderá ser prorrogado uma vez.

Indenização
A proposta prevê que a propriedade rural como um todo – benfeitorias e terra nua – deverá ser indenizada antes da demarcação. O marco legal atual prevê a indenização apenas das benfeitorias de boa-fé.

Próximos passos
A proposta será analisada, em caráter conclusivo, pelas comissões da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Registrato chega a noventa milhões de relatórios emitidos

O Registrato, serviço gratuito do Banco Central (BC) que permite aos cidadãos consultar informações financeiras, alcançou a marca de noventa milhões de relatórios emitidos. O serviço existe desde 2014 e, atualmente, oferece cinco tipos de relatórios: empréstimos e financiamentos; relacionamentos com bancos; chaves Pix; operações de câmbio; e cheques sem fundos. 

Campeões 

Segundo o Departamento de Atendimento Institucional (Deati) do BC, o relatório mais acessado no Registrato nos últimos onze anos foi o de Empréstimos e Financiamentos (SCR), com um total de 39.253.930 emissões. Também se destacam o Relatório de Contas e Relacionamentos em Bancos (CCS), com 20.029.606 emissões, e o de Chaves Pix, com 11.544.479. 

Acesso seguro 

O serviço está disponível na área logada do Meu BC, que é acessada com conta gov.br nível prata ou ouro, com verificação em duas etapas ativada.

Para ativar a verificação em duas etapas:

– instale o aplicativo gov.br em seu dispositivo móvel;

– faça o login no aplicativo com a sua conta gov.br (nível prata ou ouro);

– vá em Segurança da conta e habilite a verificação em duas etapas.

Neste post, o Banco Central apresenta um passo a passo de acesso ao Meu BC.

Caso ainda tenha dúvidas ou esteja com problemas em sua conta gov.br, consulte as perguntas frequentes ou acesse a sessão Dúvidas na conta gov.br.

Central de Autorizações do Registrato 

A Central de Autorizações do Registrato é um novo serviço do Meu BC – confira as novidades no BC te Explica #148

Na Central de Autorizações, o titular dos dados pode compartilhar, com até cinco pessoas, o acesso aos seus relatórios do Registrato. O objetivo é permitir que uma pessoa de confiança possa ter acesso e ajudar no acompanhamento da vida financeira da outra. Essas autorizações podem ser por prazo definido e podem ser canceladas a qualquer momento pelo titular das informações.

No BC te Explica #149, você fica por dentro de tudo sobre o Registrato.

Além disso, no site do BC há mais informações sobre o assunto.

Acompanhe os canais de divulgação oficial do Banco Central e saiba como acessar o Registrato de forma rápida e segura.

Fonte: BC

O grande litigante da Justiça brasileira

Com quase 4,5 milhões de processos em tramitação, o Instituto Nacional do Seguro Social, o mal-amado INSS, é o maior litigante da Justiça brasileira. Melhor dizendo, é o ente mais demandado na Justiça brasileira, já que em 99% das causas em que está envolvido aparece no polo passivo. Se o INSS joga na defesa perante os tribunais, quem joga no ataque é o Fisco, o maior litigante no polo ativo, com cerca de 2,3 milhões de ações propostas em 2024.

Em 86% dos casos envolvendo a Previdência, os processos correm na Justiça Federal. A 1ª Região, que atende a estados do Centro-Oeste, Norte, e Nordeste mais o Distrito Federal, respondeu por 39% da demanda, seguida pela 5ª Região, que também atende a estados do Nordeste (19%). As demandas à Justiça questionam decisões do INSS sobre aposentadorias (30% dos casos), auxílio por incapacidade laboral (25%), benefícios assistenciais (15%), salário-maternidade (10%) e pensão por morte (5%). Outros 16% dos processos tratam de questões administrativas relacionadas à prestação destes benefícios.

A escalada de novas ações na Justiça foi progressiva. Em 2020, chegaram 1,8 milhão de demandas contra o INSS. Esse número já ultrapassava a casa dos 3,4 milhões em 2024 – aumento de 88,3% em quatro anos, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça.

Por sua função social e o seu tamanho, faz sentido que a autarquia responda a uma montanha de processos: são mais de 40 milhões de beneficiários ativos que receberam R$ 877 bilhões em 2024, entre benefícios previdenciários (aqueles pagos aos segurados que contribuíram para fazer jus ao benefício) e benefícios assistenciais (concedidos àqueles em situação de vulnerabilidade social que não contribuíram com o INSS). E mais cerca de 60 milhões de contribuintes da Previdência Social, que aportaram em contribuições mais de R$ 670 bilhões em 2024.

Um bom motivo para tanta litigância está na legislação, em constante processo de mutação, quase sempre para complicar. Desde 1998, já ocorreram três reformas da previdência – uma no governo Fernando Henrique Cardoso, outra no Lula-1 e a terceira com Bolsonaro. E mais duas minirreformas, com Dilma e Temer. A primeira delas rende processos na Justiça até hoje, com a chamada revisão da vida toda.

E tem outras complicações. Uma poderia ser mal resumida numa palavra: perícia. Os milhões de pedidos de auxílio, como auxílio-doença ou auxílio-acidente, dependem de provas e de comprovação pericial. E o setor de perícias do INSS, além de ser responsável pelas imensas filas de atendimento, também produz controvérsias e contestações que, em boa parte, vão parar na Justiça.

Outra complicação é a corrupção. Com imensa ramificação, tanto de atividades como de agentes e clientes, a Previdência está longe de ter um controle qualificado sobre suas contas e os benefícios que distribui. Os escândalos e os golpes contra o instituto ou contra os segurados são recorrentes.

O último deles foi o de associações de aposentados fantasmas que cobravam contribuição de segurados sem autorização. O montante capturado a conta-gotas das aposentadorias e pensões de milhões de beneficiários passou dos R$ 6 bilhões. Para evitar que mais de nove milhões de ações sobrecarregassem ainda mais o Judiciário, um acordo interinstitucional foi homologado em julho de 2025 pelo Supremo Tribunal Federal para viabilizar, de forma extrajudicial, o ressarcimento dos aposentados e pensionistas afetados. A medida foi articulada por AGU, INSS, DPU, MPF e OAB e previu devolução integral dos valores, com atualização monetária. O cronograma de pagamento foi operacionalizado fora do processo judicial, com adesão voluntária dos beneficiários.

Em 2024, o INSS recebeu mais de 15 milhões de pedidos de benefícios, entre previdenciários e assistenciais. Desse total, o instituto concedeu sete milhões e indeferiu oito milhões. O beneficiário que teve o pedido recusado pode recorrer administrativamente para que o INSS reveja a decisão. Mas, se não tiver o pedido atendido, pode ir buscar seu direito na Justiça. Em 2024, cerca de quatro milhões das concessões de benefícios ocorreram por decisão administrativa do INSS e um milhão por decisão judicial.

Anuário da Justiça ouviu os atores envolvidos nesse sistema para entender as razões da litigiosidade. Dadas as circunstâncias, o presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, não chega a se surpreender com a elevada judicialização. E diz que o instituto está tomando providências para enfrentar o desafio.

Segundo ele, o INSS tem dialogado com as instituições do sistema de Justiça com vistas a resolver parte dos litígios de forma administrativa. “Se uma tese já se pacificou, estamos verificando o que podemos fazer internamente para absorvê-la e evitar novas demandas judiciais”, afirmou.

A dificuldade de internalizar precedentes qualificados é apontada como um entrave. Segundo a juíza auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, Lívia Peres, esse é um ponto sensível: “Nem sempre há a incorporação das teses na via administrativa”, pontuou. Ela diz que, desde 2018, o CNJ vem desenvolvendo projetos para melhor gerenciar os processos do INSS. Entre as iniciativas desenvolvidas está o PrevJud.

O sistema permite o envio automatizado de ordens judiciais ao INSS e a devolução estruturada de informações da autarquia. Com a automação, a expectativa é que o prazo de cumprimento das decisões seja reduzido de 20 dias para apenas uma hora.

Outra frente é a padronização dos critérios técnicos para a concessão de benefícios assistenciais a pessoas com deficiência. A proposta de criação de um instrumento único de avaliação biopsicossocial foi elaborada por um grupo de trabalho e aguarda deliberação final pelo colegiado do CNJ.

A natureza alimentar dos benefícios e o perfil vulnerável do público atendido justificam a atenção do CNJ ao tema. “Cada processo tem uma pessoa atrás de um benefício. Por isso, temos que ter cautela, porque uma negativa pode prejudicar a subsistência dela”, destacou Lívia Peres.

O CNJ também aposta na tecnologia para dar conta da demanda judicial por benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade. Nesse sentido, a Resolução 595/2024 tornou obrigatório o uso do Sistema de Perícias Judiciais (Sisperjud) pelos tribunais. Destinado a peritos médicos judiciais, padroniza o formato das perícias.

A Advocacia-Geral da União também está na área. Diretora da Procuradoria Seccional Federal de Contencioso Previdenciário, Kedma Iara Ferreira explica que mais de 80% das ações judiciais acompanhadas pela AGU envolvem o INSS. A procuradora relata o caso do programa Pró-estratégia, que permitiu à AGU analisar, entre 2023 e 2025, cerca de 32 mil processos no Superior Tribunal de Justiça. Com isso, desistiu de recorrer em 12 mil casos, que tinham jurisprudência pacificada. Outra iniciativa, o Desjudicializa Prev, criado em parceria com o CNJ, faz a seleção de temas previdenciários com jurisprudência consolidada para subsidiar a celebração de acordos, abstenções ou mesmo desistências recursais. Até maio de 2025, mais de dez mil processos haviam sido encerrados com base nesse modelo.

Mais recentemente, a AGU lançou a plataforma Pacifica, voltada à autocomposição extrajudicial de litígios a partir do cruzamento de dados e normativos internos, evitando que o segurado acione a Justiça. Segundo informações do Painel INSS, do CNJ, um quarto dos processos envolvendo o INSS foi solucionado por meio da conciliação em 2024.

A AGU anunciou a criação da Coordenação de Prevenção de Litígios (CPL), com a missão de alinhar as práticas administrativas da autarquia com a atuação judicial da Procuradoria-Geral Federal. A coordenação vai atuar em três eixos: tratamento de focos de judicialização; aprimoramento da comunicação interinstitucional com INSS, PGF e Judiciário; e qualificação do processo administrativo com integração à defesa judicial. “A ideia é que as pessoas não precisem ir ao Judiciário porque demos uma resposta ágil para a demanda”, resume Kedma Iara Ferreira.

Na Defensoria Pública da União, o foco também está nas soluções extrajudiciais. A alta procura pelos serviços da instituição explica essa opção. De 2018 a 2025, o órgão fez quase quatro milhões de atendimentos na área previdenciária. Desse total, cerca de 245 mil viraram ações judiciais. “Benefícios de Prestação Continuada, os BPCs, são os principais atendimentos da DPU”, contou a defensora pública Patrícia Bettin Chaves, coordenadora da Câmara Previdenciária.

A DPU também tem buscado solucionar problemas estruturais a partir do diálogo. Um exemplo é o grupo interinstitucional integrado por Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União, INSS e AGU, que se reúne a cada dois meses para debater o atendimento à população na área previdenciária e assistencial.

A iniciativa tem permitido soluções sem judicializar, como o acordo que permitiu o uso de registro nacional migratório por estrangeiros como alternativa à biometria obrigatória e a gratuidade nas ligações feitas para o número 135. Outro avanço foi o acordo de cooperação assinado com o INSS que permite à DPU requerer benefícios para seus assistidos diretamente nos sistemas administrativos da autarquia.

O presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, reconhece que a digitalização ampla não resolveu os problemas de acesso à autarquia. “O INSS foi muito para o digital, mas isso não facilitou o atendimento ao nosso segurado, que tem um perfil diferente, que precisa de contato presencial”, disse. E prometeu investimentos para a reabertura de agências.

Fonte: Conjur

Em caso de erro na execução, agente responde como se tivesse atingido a pessoa visada

Nos casos de erro na execução (aberratio ictus) com unidade simples, o agente responde pelo crime contra aqueles que efetivamente pretendia atingir, não incidindo nessa hipótese a regra do concurso formal, prevista no artigo 70 do Código Penal.

Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) em caso no qual um grupo atirou contra policiais e acabou atingindo uma outra pessoa. Os membros do grupo foram denunciados pela tentativa de homicídio contra os três policiais que eram os alvos dos disparos.

No recurso ao STJ, o MPRS pediu a pronúncia por uma quarta tentativa de homicídio. Para o órgão, os acusados agiram com dolo eventual, pois assumiram o risco de atingir qualquer pessoa presente no local dos fatos, razão pela qual também deveriam responder pela quarta tentativa de homicídio. 

Ordenamento jurídico adota a teoria da equivalência nos casos de erro na execução

O relator, desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, explicou que o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria da equivalência na hipótese de erro na execução. Determina-se, assim, que o agente responda como se tivesse atingido a pessoa originalmente visada, segundo o artigo 73 do Código Penal.

O relator explicou que essa ficção jurídica busca equiparar, para fins penais, o resultado produzido àquele inicialmente pretendido, preservando a tipificação do delito conforme a intenção do autor da ação. Contudo, o desembargador ressaltou que, nos casos em que esse erro também resulte na ofensa simultânea tanto à vítima pretendida quanto a terceiro, aplica-se a regra do artigo 70 do Código Penal, que prevê o concurso formal de crimes, impondo a responsabilização por cada um dos eventos lesivos produzidos.

“O dispositivo, portanto, opera como um critério de imputação penal, assegurando que a configuração típica da conduta não seja alterada pelo erro na execução, salvo nas hipóteses em que se verifique o concurso efetivo de crimes”, afirmou.

Tipificação deve considerar o número de vítimas visadas, não o resultado concreto

No caso em julgamento, o relator verificou que a quarta vítima foi atingida por erro na execução, enquanto os três policiais civis visados não foram atingidos. A tipificação do delito, destacou, deve considerar o número de vítimas visadas, e não o resultado concreto, razão pela qual a denúncia imputou aos acusados a prática de três tentativas de homicídio qualificado contra os policiais.

Na sua avaliação, não havendo duplo resultado, não é possível imputar uma quarta tentativa de homicídio por dolo eventual, sob pena de bis in idem, uma vez que, pelo mesmo contexto fático, o grupo já responde por três homicídios tentados contra as vítimas efetivamente visadas.

“O atingimento da vítima decorreu de erro na execução, hipótese em que a norma penal estabelece que o agente deve responder como se tivesse atingido aqueles que pretendia ofender, não se configurando crime autônomo em relação ao terceiro atingido”, concluiu.

Leia o acórdão no REsp 2.167.600.

Fonte: STJ

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Tese do STF sobre prisão de condenados no Júri deixa rastro de confusão nos tribunais

Já se passou um ano desde que o Supremo Tribunal Federal determinou que condenados no Tribunal do Júri devem ser presos imediatamente após o julgamento. Segundo a tese da corte, fixada no Tema 1.068, a execução da pena só pode ser adiada caso haja indícios de nulidade no processo ou de condenação “manifestamente contrária à prova dos autos”.

A decisão foi aprovada sob várias divergências entre os ministros e é amplamente criticada por advogados, mas foi confirmada recentemente pelo Supremo em embargos de declaração ajuizados por defensorias públicas. A aplicação da norma, porém, tem se dado de maneira desuniforme nos tribunais estaduais.

A falta de critérios foi detectada em um levantamento da revista eletrônica Consultor Jurídico sobre acórdãos criminais deste ano, especialmente no Tribunal de Justiça de São Paulo e no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

A análise mostra que os magistrados têm determinado a execução imediata da pena mesmo em processos com indícios de nulidade, o que contraria a exceção prevista pelo STF. Por outro lado, decisões que autorizam os réus a recorrerem em liberdade são tomadas sob critérios divergentes e, em alguns casos, com justificativas que já foram rechaçadas pelo Supremo.

Falta de padrões

Em geral, as decisões que mantêm os condenados soltos sustentam que a medida do Supremo não pode retroagir para prejudicar o réu, conforme previsto no artigo 5º da Constituição. Os magistrados avaliaram, nestas ações, que pessoas julgadas antes da fixação da tese não podem ser atingidas pela nova diretriz da corte.

O STF, contudo, já reiterou que a irretroatividade da lei penal não se aplica a estes casos. Em pelo menos três julgados, publicados em fevereiromarço e abril deste ano, os ministros afirmaram que não se trata de retroação de lei penal porque o Supremo deu apenas uma nova interpretação a uma legislação já existente: o “pacote anticrime”, que entrou em vigor em janeiro de 2020.

A lei “anticrime” alterou o artigo 492 do Código de Processo Penal para determinar que condenados pelo Júri devem ser presos automaticamente se a pena for igual ou superior a 15 anos — o que é comum nestes casos, já que o Júri se dedica a crimes dolosos contra a vida. A nova posição do Supremo derrubou este piso de 15 anos e ordenou a execução imediata para qualquer pena, mas não alterou o texto do CPP.

O novo arranjo tem gerado um rastro de confusão. O princípio da irretroatividade, além de ser usado contra a orientação do STF, ainda tem sido aplicado com diferentes marcos temporais, como ilustra o quadro abaixo:

Processo 2027309-88.2025.8.26.0000 — (10/02/2025) — Decisão de primeira instância, em fevereiro de 2025, determinou a prisão de dois homens que tinham sido condenados no Júri por tentativa de homicídio. Em segundo grau, porém, um desembargador reviu a medida e mandou soltar os réus porque eles foram julgados em março de 2024, antes da fixação da nova tese pelo STF, em setembro (clique aqui para ler).

Processo 2133280-62.2025.8.26.0000 — TJ-SP (17/07/2025) — Com base na irretroatividade, o acórdão afastou a prisão de um condenado por homicídio apesar de ele só ter sido sentenciado em abril de 2025, depois da decisão do STF. Isso porque o acórdão não se fundamentou na data da condenação, e sim na da pronúncia — decisão que leva o réu ao Tribunal do Júri. Ele foi pronunciado em agosto de 2024, antes da medida do Supremo (clique aqui para ler).

Processo 1.0000.24.518035-1/001 — TJ-MG (10/07/2025) — Neste caso, o acórdão não tomou como base a data da condenação nem a da pronúncia, e sim a data do fato criminoso, um homicídio cometido em 2016. Além disso, a baliza para a retroatividade não foi o estabelecimento da tese pelo STF, e sim a data da vigência do pacote “anticrime”, em janeiro de 2020 (clique aqui para ler). Um acórdão do mesmo tribunal, em maio, havia adotado como marcos temporais a data da sentença no Júri e a nova posição do STF (clique aqui para ler).

Para a criminalista Isabella Piovesan Ramos, do escritório Machado de Almeida Castro Advogados, o STF colocou um ponto final na questão ao julgar embargos de declaração no final de agosto, que questionavam se a nova regra poderia retroagir ou não.

“Eu discordo da posição do STF, mas ela foi bem clara ao afirmar que a prisão imediata também vale para casos anteriores. Pode ser que algum juiz mais garantista continue decidindo em sentido contrário, mas eu entendo que o Supremo acabou com qualquer margem para discussão sobre isso”, avalia.

Autoriza ou obriga?

Outra confusão frequente nos tribunais é baseada no texto literal da tese do Supremo: “A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”. Para alguns julgadores, o uso do termo “autoriza” dá a opção de aplicar ou não o novo entendimento.

Um acórdão recente do TJ-SP, o mesmo que usou o princípio da irretroatividade com base na data da pronúncia, entendeu que a medida do STF “autoriza, mas não impõe o imediato início da execução da pena, sendo necessária a análise do caso concreto”.

Essa também foi a conclusão de um juiz do Tribunal de Justiça do Maranhão ao lavrar uma sentença, do final de agosto, que condenou dois homens por homicídio qualificado. Ao permitir que eles recorressem em liberdade, o magistrado afirmou que a tese do Supremo “estabelece uma possibilidade, não uma obrigatoriedade, cabendo ao juiz presidente a análise das circunstâncias do caso concreto (clique aqui para ler)“.

“Realmente, o uso desse termo ‘autoriza’ está causando algum ruído, porque dá a entender que a norma não tem um caráter obrigatório. Isso provoca uma discussão nos tribunais sobre a força que essa determinação tem”, opina o criminalista Fabrício Dreyer Pozzebon, doutor em Direito pela PUC-RS.

Vaivém de jurisprudência

O julgamento em que o STF fixou a nova tese passou longe da unanimidade. O voto vencedor, do relator Luís Roberto Barroso, foi acompanhado por cinco ministros, enquanto outros cinco expuseram divergências totais ou parciais.

Entre os discordantes, o principal argumento foi o de que a execução imediata da pena fere a presunção de inocência, prevista no artigo 5º da Constituição. Esses ministros apontaram que o próprio Supremo já havia vetado a prisão antes do trânsito em julgado em novembro de 2019, no julgamento das ADCs 43, 44 e 54.

O panorama começou a mudar em janeiro de 2020, com a entrada em vigor do pacote “anticrime”, e foi endurecido com a posição do Supremo em setembro de 2024. Segundo o voto vencedor de Barroso, o princípio da presunção de inocência deve ser sopesado com outras garantias constitucionais, como a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri e o direito fundamental à vida, que estaria ameaçado sob as normas antigas.

A advogada Marcella Mascarenhas Nardelli, professora de Direito Processual Penal da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), vê incoerência na posição do STF que flexibiliza a presunção da inocência em nome da soberania dos veredictos do Júri. Em exposição no 31º Seminário Internacional de Ciências Criminais do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), no final de agosto, ela lembrou que essa mesma soberania dos veredictos é relativizada quando o réu é absolvido.

“A força da soberania dos veredictos é reduzida a partir da consideração de que a absolvição pelo quesito genérico, ainda que fruto de clemência, pode ser submetida ao crivo do Tribunal de Apelação”, avaliou.

Suposta proteção à vida

O acórdão do STF que permitiu a prisão antecipada citou que menos de 2% das sentenças do Júri no TJ-SP, no período entre janeiro de 2017 e outubro de 2019, foram anuladas posteriormente. Para Barroso, o percentual “inexpressivo” de condenações revertidas justifica o cumprimento antecipado da pena, já que as decisões do Júri costumam ser mantidas.

O criminalista Rodrigo Faucz, pós-doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), avalia que esse argumento não se sustenta. “Esse percentual, mesmo que pequeno, é uma prova de que erros podem acontecer. Isso que eles chamam de números inexpressivos eu chamo de pessoas. São vidas que eventualmente são perdidas por causa disso”, critica.

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O que faz uma boa cláusula de renegociação?

Como escrever uma cláusula de renegociação adequada em contratos empresariais? Em texto anterior nesta coluna (aqui), vimos que cláusulas vagas ou abertas podem ser estratégicas: elas facilitam que os contratantes aloquem riscos desconhecidos entre si. No texto de hoje, dividido em duas partes, daremos alguns passos atrás.

Na prática negocial, é comum observar dois arquétipos de cláusulas de renegociação: alguns contratos usam termos vagos para definir os pressupostos revisionais; outros apostam em textos fechados, delimitando os riscos que a cláusula abrange ou excluindo tantos outros.

Esse jogo entre linguagem precisa e vaga não é fortuito: ele espelha uma lógica na redação de contratos duradouros. Vamos entender as vantagens e as desvantagens comparativas desses estilos, segundo dois enfoques.

Primeiro enfoque: equilibrar certeza e flexibilidade nos contratos

Quando surgiram nos anos 1970, cláusulas de renegociação eram bem simples. No comércio internacional, isso se traduzia nas fórmulas abertas que as cláusulas de hardship empregavam para descrever seus riscos, e que persistem até hoje: as partes se obrigam a renegociar diante de “variações muito importantes na conjuntura econômica”; “circunstâncias fora das previsões normais das partes”; “um evento econômico ou financeiro grave”. Alguns contratos são mais vagos ainda: tratam de “eventos imprevisíveis”, “fatos imprevistos” ou “causas fora do controle das partes” [1].

Com o tempo, certas cláusulas passaram a usar linguagem mais precisa, fixando desde logo no instrumento os riscos que autorizam renegociações. Exemplos: “se a produção de aço proveniente de fontes de hematita atingir 20% da produção total da siderúrgica”, “no caso da aplicação de novos direitos de importação ou exportação”, ou se surgir “uma nova fonte economicamente disponível de produtos.” [2]

Cláusulas específicas servem para dar certeza às relações negociais. Ao definir seu suporte fático de maneira precisa, elas têm a vantagem de serem mais claras. As partes acreditam que, na média, um julgador hipotético irá aplicar o texto do contrato tal como ele está escrito. Essa clareza estabiliza as expectativas dos contratantes: eles conseguem se planejar e adequar seu comportamento ao que o negócio estipula. Se um risco se materializa, a margem para dúvidas interpretativas é menor – reforçando a confiança de que o que está escrito, vale. No exemplo anterior da siderúrgica, ela sabe que a renegociação só é contratualmente exigível se a produção da fonte de hematita chegar a 20% de entrega total (não 19%, nem 21%), o que é guia mais certo para organizar o empreendimento do que discutir se a produção se tornou “muito onerosa” ou “economicamente inviável”.

O problema está nas situações limítrofes. Haverá cenários em que o objetivo subjacente à cláusula faz sentido, mas ela não incide — ao menos não textualmente. Ou, do contrário, casos em que a cláusula deve ser aplicada porque seu suporte fático se verifica, por mais que o resultado dessa aplicação divirja da justificativa por trás dela. Na teoria do Direito isso se chama de superinclusão e subinclusão das regras jurídicas [3]. Uma cláusula de hardship específica — às vezes muito específica — dirá mais e dirá menos do que as partes gostariam se tivessem antevisto algum cenário diferente.

Imagine uma cláusula definindo que o contrato de fornecimento será renegociado se, por força de qualquer causa imprevisível, os custos anuais para produzir o bem excederem em 50% a receita anual com a venda. E se custo e receita ficarem iguais? E se excederem em 45%? O prejudicado argumentaria que esse cenário não é “comercialmente razoável” — afinal, a empresa por definição visa ao lucro. Se a cláusula fosse vaga, a chance de a tese vingar seria melhor. Não é o que decorre da cláusula cujo suporte fático é uma porcentagem objetiva, ao menos não sem boa dose de esforço interpretativo para modular seu texto claro. Ela é subinclusiva nesse exemplo. É o risco que os contratantes assumem nesse tipo de suporte fático: eles se vinculam a renegociar só em hipóteses muito delimitadas — que podem nem sempre ser as melhores —, presumindo-se que para todas as outras vale a intangibilidade do contrato. A certeza do contrato vem ao preço de maior rigidez.

É aí que entram em cena os termos abertos: “desequilíbrio grave”; “razoabilidade comercial” e similares. Por um lado, essas diretrizes são pouco claras ex ante, pois em tese admitem várias leituras plausíveis — o que as torna menos úteis para orientar o comportamento das partes prospectivamente. Sua contraface positiva é que permanecem flexíveis ao longo do tempo: o instrumento será interpretado e reinterpretado para se amoldar às novas circunstâncias, muitas delas imprevisíveis no momento da assinatura.

Cláusulas vagas convidam as partes e o julgador a esse tipo de raciocínio casuístico, em que diferentes fatores devem ser sopesados para decidir cada caso concreto. Mas claro: se as partes desejam se socorrer de um intérprete neutro caso a renegociação direta fracasse — juiz, árbitro, mediador —, é necessário fixar um conteúdo mínimo para a revisão. Do contrário, corre-se o risco de a cláusula, de tão vaga, ser considerada inexequível numa disputa jurídica, como já concluiu o Tribunal de Justiça de São Paulo [4].

Segundo enfoque: alocar poder decisório sobre o conteúdo da cláusula

Avancemos ao segundo enfoque. Optar entre linguagem precisa e vaga serve também para alocar poder decisório sobre o conteúdo contratual. Vista sob esse ângulo, a questão é quem dá conteúdo concreto à cláusula de renegociação e quando essa decisão é tomada. Cláusulas precisas traduzem o esforço das partes em fixar, elas próprias, o conteúdo de suas obrigações no presente, isto é, ao celebrarem o acordo (ex ante).

Termos abertos relegam parcela menor ou maior dessa escolha ao futuro, confiando na discricionariedade do intérprete — que a exercerá só se e quando o risco se materializar. O texto da cláusula amplia ou restringe essa liberdade interpretativa dependendo daquilo que ele fixa no presente e daquilo que deixa vago para ser complementado depois.

A chance de uma decisão contrária ao que as partes gostariam existe, mas a técnica é útil quando é impossível traçar solução exata para vários estados de mundo com chances desconhecidas de ocorrer. Ao invés de antecipar e decidir um sem-número de estados de coisas futuros, pode fazer mais sentido deixar o contrato vago ou lacunoso para debater só sobre os riscos que de fato se concretizem.

A vantagem aí é que a incerteza se dissipou: as partes então se concentram em solucionar o problema com o benefício da visão retrospectiva (ex post). Por outro lado, a confiança exigida nesse contexto é alta. Uma coisa é traçar soluções para o desequilíbrio eventual no momento da assinatura, quando as partes acreditam na parceria que virá. Outra, mais difícil, é debater termos vagos depois que o conflito se instalou e os interesses de cada um são opostos. Cada parte defenderá que a interpretação que a beneficia no caso concreto é “a melhor”, “a correta” — sem que o contrato ampare explicitamente nenhuma. No limite, o julgador será provocado para solucionar impasses.

Um julgado do TJ-SP ilustra como isso funciona [5]. As partes discutiam o índice inflacionário para corrigir o valor das parcelas do preço em contrato de promessa de compra e venda de imóvel. A regra do contrato era o reajuste anual pelo IGP-M. O instrumento ressalvava que “atos governamentais”, “mudanças de padrão monetário”, “extinção ou congelamento de índice de correção monetária” ou “outro artifício não condizente com a real inflação” poderiam descolar o índice da inflação real em certo período. Nessas situações, a mesma cláusula estipulava — de modo abrangente — que “o saldo devedor do preço deste negócio jurídico será revisto de forma que se restabeleça o […] equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.

Com a pandemia em 2020, o IGP-M aumentou mais do que a inflação real no Brasil medida por outros índices setoriais, em boa parte porque ele considera oscilações do dólar. Em princípio, o contrato não previu essa situação — ao menos não de maneira expressa. O TJ-SP, porém, se valeu do texto aberto do final da cláusula — “restabelecer o equilíbrio” — e entendeu ser “razoável, […] que se aplique também a cláusula para fins da situação inversa, qual seja, a de o indexador eleito pelas partes superar em muito a inflação do período […]”. O tribunal substituiu o IGP-M pelo INPC.

Esse caso ilustra o uso do contrato para que o julgador crie soluções que as partes não previram ao assiná-lo. O contraponto é que, no geral, sempre haverá mais de uma resposta correta dentro da moldura da cláusula. Veja-se: alguém poderia questionar por que o Tribunal aplicou o INPC em vez do IPCA ou de outra fórmula qualquer. Contratantes que optam por termos vagos devem estar cientes de que algum grau de subjetividade decisória é inafastável. Mas devem também confiar nela: frente a imprevistos, é melhor ter alguma resposta do que ficar sem nenhuma.

Conclusão

Neste breve texto, vimos que o primeiro caminho para construir uma boa cláusula de renegociação é entender a dinâmica entre usar linguagem precisa e termos vagos no instrumento. Além de ajudar redatores de contratos empresariais, o ponto tem relevância hermenêutica: em sentido amplo, essas estratégias formam o que se pode chamar de “racionalidade econômica” de contratantes empresários (artigo 113, §1º, V, Código Civil).

Na próxima etapa dessa análise, discutiremos como uma cláusula de renegociação mais sofisticada pode mesclar criativamente linguagem específica e aberta em um só texto — usando como base da reflexão duas cláusulas-modelo da Câmara de Comércio Internacional (CCI).

____________________________

[1] FONTAINE, Marcel; DE LY, Filip. Drafting International Contracts: An Analysis of Contract Clauses. Nova Iorque: Transnational Publishers, 2006. p. 463

[2] FONTAINE, Marcel; DE LY, Filip. Drafting… cit., p. 466-467.

[3] SCHAUER, Frederick F. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2009. p. 188-202.

[4] “Se a ideia era erigir algo semelhante a uma cláusula de hardship, que estabelecesse valores menores de multa, ou mesmo sua inexigibilidade, na hipótese de queda de arrecadação, era fundamental que as partes tivessem fixado parâmetros objetivos no próprio acordo para que isso pudesse ser efetivado. Todavia, na forma como foi redigida a cláusula, em termos absolutamente genéricos, sem a fixação de qualquer critério objetivo para a redução da multa, inviável extrair qualquer consequência jurídica de seu conteúdo, a não ser a necessidade de as partes entabularem novas negociações, o que foi cumprido” (TJ-SP, Agravo Regimental Cível n.º 2010463-11.2016.8.26.0000/50001, Órgão Especial, Rel. Des. Pereira Calças, j. 27.02.2019).

[5] TJ-SP, Agravo de Instrumento n.º 2175864-86.2021.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Loureiro, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 30.08.2021, DJe 09.09.2021.

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Comissão aprova projeto que cria o “Pix Pensão” para facilitar pagamento de pensão alimentícia

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou proposta que institui a transferência automática de pensão alimentícia, chamada de “Pix Pensão”. A medida permite que o beneficiário opte pela transferência automática em qualquer momento do cumprimento da sentença.

Caberá ao juiz determinar o débito direto da conta do pagador para a conta do alimentando ou de seu responsável.

Hoje, a pensão pode ser debitada automaticamente do salário do devedor. Mas se ele não tiver vínculo formal, o beneficiário precisa acionar a Justiça a cada atraso.

A comissão aprovou a versão elaborada pela relatora, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), para o PL 4978/23, da deputada Tabata Amaral (PSB-SP) e outros parlamentares. A proposta segue agora para análise dos senadores, a menos que haja pedido para que seja analisada também pelo Plenário da Câmara.

“Embora o ordenamento jurídico seja dotado de mecanismos eficientes de coerção para o pagamento, o maior compromisso do legislador é com o efetivo cumprimento da obrigação alimentar”, afirmou Laura Carneiro. “A proposição promove celeridade e efetividade, fechando portas para manobras de devedores irresponsáveis.”

O texto altera o Código de Processo Civil.

Penhora
O projeto permite a penhora de valores depositados em conta de empresário individual. Ela deverá se limitar ao valor das prestações alimentícias em atraso.

“Caso persista infrutífera a execução por transferência direta, deve ser possível prosseguir, seja pelo rito da execução por quantia certa (com a penhora de outros bens, como automóveis, imóveis etc.), seja pelo rito da prisão”, esclareceu Laura Carneiro.

Outro ponto do projeto prevê a divulgação de estatísticas sobre o andamento das ações de alimentos no país.

Outros projetos rejeitados
Na mesma votação que aprovou o projeto de Tabata Amaral, foram rejeitados os PLs 3837/19, 185/22, 5067/23 e 404/24, que tramitam em conjunto e tratam de assunto semelhante.

Fonte: Câmara dos Deputados

Nota de alerta
Prevenção contra fraudes com o nome do escritório Aragão & Tomaz Advogados Associados