O ‘Dies irae’ de quem traiu a Constituição e conspurcou a República

Há, na História política das nações, um traço inconfundível que singulariza a figura do tirano: a sua essencial mediocridade moral.

Os grandes demagogos — ainda que travestidos de falso heroísmo — revelam, cedo ou tarde, a pequenez de seu espírito, a incapacidade de compreender o valor da ordem constitucional e democrática e a renúncia deliberada à ética republicana.

O tirano, diferentemente do estadista, não edifica; corrompe. Não*serve à pátria; *serve-se dela. Não respeita a Constituição; profana-a, seja por atos diretos, seja por palavras que insuflam o desrespeito à legalidade democrática.

É nesse cenário que se torna impossível não recordar comportamentos indignos que o Brasil testemunhou em anos recentes: ofensas inaceitáveis, em tom sedicioso e em caráter recorrente, ao Supremo Tribunal Federal e a seus Juízes, com particular destaque aos injustos agravos perpetrados contra o eminente Ministro Alexandre de Moraes, ataques reiterados às instituições republicanas, agressões à imprensa, incitações criminosas contra o próprio processo eleitoral — pilar do constitucionalismo moderno — e a tentativa de solapar a confiança pública no sistema que legitima o poder político.

Tais atitudes não traduzem grandeza; revelam, ao contrário, a pequenez do espírito autoritário, que teme a liberdade e que despreza a democracia , porque não é capaz de compreender nenhuma das duas.

O grande historiador Plutarco, em sua obra “Vidas Paralelas” — particularmente sobre as vidas de “Dion” e de “Timoleonte” — ensinava que os tiranos “vivem cercados de temor, porque precisam destruí-lo nos outros para sobreviver”.

Platão, em sua reflexão sobre a degenerescência da alma tirânica, advertia, na “República”, que o tirano nasce da corrupção interior e se sustenta pela mentira e pela violência; Aristóteles, na “Política”, revelou que o poder tirânico se exerce sempre contra o bem comum, regido pelo medo e pelo capricho; Cícero, em “De Re Publica” e “De Legibus”, denunciou a tirania como o mais vil atentado contra a “res publica”, afirmando que nenhum poder é legítimo se dissociado das leis e da moralidade; e Tito Lívio, por sua vez, em sua monumental obra “Ab Urbe Condita” (cuja parte relativa a esse período conhecemos pelas “Periochae”), ao narrar uma das crises da República Romana , registrou — ainda que de modo preservado apenas em resumo — a violência, as proscrições e a ambição devastadora de figuras que submeteram Roma, como Lúcio Cornélio Sula, a um dos capítulos mais sombrios de sua história.

Todos esses autores, de tempos e tradições diversas, convergem na mesma lição perene: a tirania é a ruína moral do governante e a degradação política da comunidade que ele pretende dominar.

E foi assim, sob o signo dessa mediocridade clássica, que certas práticas políticas recentes em nosso País se afastaram da nobreza da vida republicana, expondo ao mundo um dirigente político, como Bolsonaro, que fez da retórica do ódio, da intolerância , da mentira e da desinformação um método de governo e um instrumento de poder.

A tradição da Humanidade — dos gregos e romanos a nossos dias — jamais se curvou diante dessas figuras sombrias. Não é por acaso que, ao longo dos séculos, o brado “Sic semper tyrannis” ecoou como grave advertência política e moral: assim sejam rejeitados pela consciência histórica os tiranos, assim se repudiem suas pretensões de subjugar povos livres e de violentar suas Constituições democráticas.

A sentença

Essa sentença, longe de significar vingança, traduz um imperativo ético: o tirano — por sua própria conduta — termina vencido pela força histórica da liberdade, pela resistência das instituições e pela consciência moral do povo. Nenhum autocrata sobrevive quando tenta aprisionar a nação no estreito círculo de sua vaidade e de sua desmedida ambição pelo poder.

Também no Brasil, a República demonstrou — e continuará a demonstrar — que a Constituição de 1988 não se dobra às tentações e aos delírios autoritários. A democracia brasileira sofreu ataques, sim; mas resistiu, porque não há mediocridade tirânica capaz de suplantar a grandeza de um povo que defende o Estado Democrático de Direito.

O que se viu recentemente, portanto, não foi a ascensão de um grande líder, mas a tentativa falha de um político medíocre e menor que, ao desprezar em seu projeto autoritário de poder a ordem constitucional e democrática, revelou sua verdadeira dimensão: a baixeza política, a insuficiência moral e a incapacidade de compreender que, sem respeito incondicional à Constituição, à República e à Democracia, nenhum governo é legítimo.

A História registrará, com lúcida severidade, que aqueles que intentam degradar a República terminam por degradar apenas a si mesmos. E a Nação aprenderá , mais uma vez, que a democracia vive da palavra, mas pode morrer pela palavra irresponsável e criminosa — , razão pela qual devemos reafirmá-la , diariamente, com coragem, com firmeza e com a serenidade que distingue as grandes nações.

A condenação criminal imposta a Jair Bolsonato pelo Supremo Tribunal Federal — 27 anos e 3 meses de reclusão em regime fechado — não constitui apenas um legítimo pronunciamento jurisdicional, mas uma proclamação moral da República, a afirmar, com voz firme e inquebrantável, que a democracia não tolera a profanação de seus princípios nem a afronta ao veredicto soberano das urnas.

Ao reconhecer que Jair Bolsonaro atentou contra a ordem democrática, intentou usurpar o poder e buscou submeter a Nação ao arbítrio de sua vontade pessoal, a 1ª Turma do STF reafirmou o postulado que sustenta as grandes democracias: ninguém está acima da autoridade da Constituição e das leis da República!

Tal condenação, alcançada por expressiva maioria, em julgamento que garantiu a Bolsonaro o amplo exercício das prerrogativas inerentes ao “devido processo legal”, não traduz vindita, mas a reafirmação da majestade da Justiça, que se ergue serena, imparcial e altiva para proteger o Estado Democrático de Direito contra seus adversários mais internos e mais perigosos.

A iminente execução da pena — expressão necessária da autoridade do Direito — não humilha o condenado; humilha, sim, o abuso que ele praticou, o desprezo que demonstrou pela legalidade republicana, a deslealdade com que feriu o voto popular. Pois é próprio das democracias maduras reafirmar, nos momentos mais críticos, que a liberdade só subsiste quando a responsabilidade prevalece, e que o poder, quando transfigurado em despotismo, reclama, com urgência, a reação inflexível das instituições.

É sob essa luz que resplende , com força simbólica incomparável, a antiga expressão “Dies irae”. A tradição moral da Humanidade jamais a invocou como o dia da cólera, mas como o dia do juízo, o instante decisivo em que a verdade histórica se impõe e em que nenhuma evasiva subsiste.

Para aquele que violou a Constituição , o Dies irae não é o nome de uma ameaça: é o nome da verdade, o momento em que a República exige contas, em que as máscaras caem, em que a justiça — imparcial, serena, majestosa — recolhe o tributo que lhe é devido.

Para Bolsonaro, o Dies irae assinala a hora em que o Estado democrático de Direito revela a definitiva falência moral do projeto golpista e consagra a supremacia da Constituição sobre a tirania. É o dia em que a democracia, com grandeza e dignidade, pronuncia a palavra que libertará o país da sombra que o ameaçou.

E é precisamente diante dessas lições da História, do Direito e da razão republicana que se impõe recordar, como advertência perene aos que pretendem subjugar a Nação pela força ou pelo engano, a sentença imortal de Cícero, formulada em sua obra mais nobre sobre a ética pública: “Cedant arma togae.” — “Cedam e submetam-se as armas à toga.” (“De Officiis”, I, 77).

Essa expressão, que atravessou pouco mais de vinte séculos, não é apenas um enunciado literário: é a própria essência do governo civil, o axioma que consagra a primazia da lei sobre a violência, do poder civil sobre o poder militar , da República sobre o caudilhismo, da Constituição sobre qualquer projeto pessoal de poder.

Com ela, o grande Advogado, tribuno e pensador romano ensinou que a força do Estado não reside nas armas, mas no Direito; que a verdadeira autoridade não se impõe pelo medo, mas pela legitimidade; que nenhuma nação é digna de si mesma enquanto admitir que a espada se sobreponha à Justiça.

Ao invocar , neste grave momento histórico , o antigo preceito de Cícero , reafirmo a convicção mais profunda do constitucionalismo democrático: a toga — símbolo da razão, da juridicidade , da legitimidade constitucional e da liberdade — deve sempre prevalecer sobre as armas, sobre a turbulência e sobre a tirania.

Assim se conclui, com a solenidade que a República exige, a lição final deste grave capítulo histórico de nosso País, protagonizado, entre outros, por Jair Bolsonaro: a Constituição triunfa, a Justiça permanece, e a tirania — qualquer tirania — se dissolve diante da força moral da lei!

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STF tem maioria contra candidaturas avulsas em eleições majoritárias

O Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria, nesta terça-feira (25/11), contra a possibilidade de candidaturas avulsas (sem partido) nas eleições majoritárias brasileiras.

 

O julgamento virtual termina oficialmente às 23h59. O caso tem repercussão geral, ou seja, a tese estabelecida servirá para casos semelhantes nas demais instâncias do Judiciário.

Candidaturas avulsas são aquelas sem filiação partidária. A modalidade não é permitida no Brasil.

A ação no STF discute se tais candidaturas podem ser lançadas para presidente da República, governador, prefeito e senador.

Esses cargos têm eleições majoritárias, ou seja, o candidato mais votado é eleito — diferentemente de deputados e vereadores, que dependem dos votos recebidos por seus partidos.

Em 2019, o STF fez uma audiência pública sobre o tema. O objetivo era trazer diferentes informações e pontos de vista para auxiliar uma futura decisão da corte.

Aqueles que se posicionaram a favor das candidaturas avulsas argumentaram que elas são permitidas na maior parte dos países, que existe uma demanda social para isso e que o monopólio dos partidos políticos seria prejudicial ao país.

Os que se manifestaram de forma contrária apontaram risco de enfraquecimento dos partidos e dificuldades de implementação do modelo.

Voto do relator

Antes de se aposentar neste ano, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, votou contra candidaturas avulsas no Brasil. Até o momento, ele foi acompanhado por Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Kassio Nunes Marques, Dias Toffoli e Luiz Edson Fachin.

Barroso afirmou que a exigência de filiação partidária não leva necessariamente ao bom funcionamento do sistema eleitoral, assim como candidaturas avulsas não resultam necessariamente no seu mau funcionamento. Para ele, permitir que os cidadãos se candidatem sem vínculos partidários pode “prestigiar os seus direitos políticos” e ampliar o universo de escolhas dos eleitores.

Apesar disso, a Constituição de 1988 estabelece de forma expressa que a filiação partidária é um requisito para candidaturas em eleições.

O relator apontou que esse entendimento tem sido reafirmado pelo STF. Segundo a jurisprudência da corte, essa exigência é fundamental para a organização e a integridade do sistema eleitoral brasileiro. “Trata-se não apenas de uma escolha do constituinte, mas de uma garantia estrutural da democracia representativa”, reforçou o ministro.

Barroso ainda ressaltou que essa escolha vem sendo reafirmada pelo Congresso com iniciativas que “revelam o propósito de preservar e fortalecer o papel institucional dos partidos políticos como canais essenciais de expressão da vontade popular”.

minirreforma eleitoral de 2015, por exemplo, passou a exigir comprovação de apoio mínimo para criação de novos partidos. A Emenda Constitucional 97/2017 instituiu a cláusula de barreira e acabou com as coligações partidárias nas eleições proporcionais. E a Lei 14.208/2021, por sua vez, regulamentou as federações partidárias.

“É inequívoca a intenção do legislador constituinte e infraconstitucional de assegurar que o exercício de mandatos eletivos no país ocorra, exclusivamente, com a mediação institucional dos partidos”, observou Barroso.

Na sua visão, não há um “cenário de omissão inconstitucional” que justifique a intervenção do Judiciário nesse tema.

Clique aqui para ler o voto de Barroso
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RE 1.238.853
Tema 974

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Por que regularizar até 2,5 mil hectares na Amazônia Legal?

Em 2009, o Estado brasileiro instituiu o Programa de Regularização Fundiária na Amazônia Legal com a aprovação da Lei 11.952, de 25 de junho de 2009. Um importante aspecto desse programa está em debate: por que regularizar posses até 2,5 mil hectares na Amazônia Legal?

Discussão

A Lei 13.465/2017 alterou o limite original de regularização de 15 módulos fiscais, ampliando-o para até 2,5 mil hectares, o que foi objeto de impugnação nas ações diretas de inconstitucionalidade da Lei 13.465/2017 (ADI 5.771, 5.787, 5.883 e 6.787).

O ministro Dias Toffoli, relator das ações constitucionais, afastou a inconstitucionalidade, ao considerar que o texto constitucional traz autorização expressa sobre essa matéria (artigo 188, §1º da Constituição). Porém, o ministro Flávio Dino apresentou voto divergente, ponderando, a partir de critérios infralegais e mercantis, que esse novo parâmetro alcançaria grandes latifúndios, o que contraria os princípio da justiça social e da função social da propriedade.

Permissão constitucional

Como bem explicado no voto do ministro relator Dias Toffoli, a Carta Constitucional traz autorização expressa para que a política agrária possa dar destinação a áreas até 2.500 hectares (artigo 188, §1º), apenas condicionando à autorização especial do Congresso Nacional as destinações que ultrapassem essa dimensão [1].

Interessante registrar que o §1º do artigo 188 é uma norma constitucional originária. Portanto, eventual conflito com algum outro dispositivo da própria Constituição deve ser solucionado pelo sistema de regra e exceção, não havendo espaço para a negativa de vigência de texto constitucional originário [2], já que representaria substituir a vontade do constituinte originário.

Refletindo uma visão mercantil do programa, o voto divergente defende que a inconstitucionalidade está assentada na possibilidade da regularização fundiária de grandes propriedades, isto é, aquelas com áreas superiores a 15 módulos fiscais, conforme parâmetros do Estatuto da Terra e da Lei 8.693/93.

Ocorre que o raciocínio empregado permite que definições e classificações criadas por lei ordinária (como a noção de grande propriedade a partir de 15 módulos fiscais) esvazie o texto constitucional, pois submete a norma constitucional à lei ordinária.

Logo, quando o Estatuto da Terra cria o instituto do módulo fiscal, e a Lei 8.629/93 classifica imóveis rurais acima de 15 módulos fiscais como “grandes propriedades”, tais definições não tem capacidade de alterar a permissão constitucional originária, que autoriza o legislador a destinar parcelas até 2,5 mil hectares.

Do contrário, bastaria ao legislador infraconstitucional definir que grandes propriedades são aquelas com áreas acima de 200 hectares e tais imóveis não poderiam ser objeto de regularização fundiária, afastando a permissão constitucional de titulação de áreas até 2,5 mil, que submeteria a Constituição a uma norma de hierarquia inferior e, consequentemente, violação ao princípio da supremacia da norma constitucional [3].

Necessário registrar que a regulamentação da regularização fundiária de parcelas de terras públicas até 2,5 mil hectares não é novidade, como se observa da Norma de Execução do Incra 8 de 6 de abril de 2001 e a Norma de Execução do Incra 29, de 11 de setembro de 2002, ambas com permissão expressa de titulação de áreas até o limite constitucional.

A justiça fundiária com o novo limite de 2,5 mil hectares

Analisando os parâmetros infraconstitucionais e os princípios da justiça fundiária, constata-se que o aumento de 15 módulos fiscais para 2,5 mil hectares não representa, por si só, a regularização de grandes latifúndios na Amazônia Legal.

Sob uma perspectiva agrária, o parâmetro constitucional de 2,5 mil hectares reflete a diversidade das realidades produtivas do território nacional. A extensão territorial não é, isoladamente, indicativa de capacidade econômica ou do nível de concentração fundiária. Cada atividade agropecuária possui distintas demandas de área conforme suas características técnicas, ecológicas e econômicas.

Por exemplo, a bovinocultura extensiva de corte, amplamente praticada na Amazônia Legal, demanda grandes extensões de pastagens, exigindo, muitas vezes, mais de um hectare por unidade animal, o que reflete uma necessidade técnica inerente à atividade produtiva e não uma manifestação de poder econômico ou concentração patrimonial mercantilista.

Assim, não é razoável, seja no campo jurídico ou agronômico, utilizar a dimensão da área como único critério classificatório para distinguir situações patrimoniais e decidir quem pode ser regularizado. Essa compreensão penaliza ocupantes cuja atividade, por razões técnico-produtivas, exige áreas maiores, ainda que sejam pequenos e médios produtores com estruturas familiares ou de pequeno porte empresarial.

Em apertada síntese, pode-se afirmar que a fixação do limite constitucional de destinação de áreas até 2,5 mil hectares não representa, automaticamente, a formação de latifúndios, mas o reconhecimento do constituinte originário a respeito das diferenças entre as cadeias produtivas agropecuárias regionais, franqueando ao legislador uma margem dimensional suficiente para dar tratamento isonômico aos produtores de todos recantos do Brasil, conforme suas peculiaridades e demandas.

O que são 2.500 hectares na Amazônia legal?

O Estatuto da Terra estabelece, para fins agrários, o módulo fiscal a partir da área aproveitável [4] e, não, da área total do imóvel [5].

Essa questão faz muita diferença para a Amazônia Legal, tendo em vista que os imóveis localizados no bioma amazônico estão submetidos a uma forte restrição de disponibilidade: a imposição de reserva legal em 80% da área total do imóvel rural [6].

Assim, em um imóvel de 2,5 mil hectares (regularizável pela Lei 13.465/2017), apenas 500 hectares (20%) estarão efetivamente disponíveis para exploração agropecuária na Amazônia Legal, enquanto os 2.000 hectares remanescentes deverão permanecer preservados, sujeitos a fiscalização ambiental, monitoramento permanente e responsabilidade objetiva do possuidor.

Relevante anotar que, embora o módulo fiscal possa variar entre 5 e 110 ha, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento [7] aponta que o módulo fiscal médio do bioma amazônico é de 73 hectares, lembrando que a Lei 13.465/2019 é aplicável somente às parcelas de terras localizadas no referido bioma. Nesse sentido, os 500 hectares aproveitáveis máximos de um imóvel com 2,5 mil hectares, segundo o Código Florestal e o Estatuto da Terra, equivalem a 6,8 módulos fiscais, o que corresponde à metade de uma média propriedade (até 15 módulos fiscais).

Mesmo considerando o pior cenário, qual seja, o emprego do menor módulo fiscal da área rural da Amazônia Legal, que é de 40 hectares (e não cinco módulos, área essa encontrada apenas em regiões metropolitanas da Amazônia), os 500 hectares aproveitáveis máximos representam um imóvel com 12,5 módulos fiscais. Dessa forma, ainda classificado na categoria de média propriedade.

Longe de promover a criação de novos latifúndios, a dimensão de 2.500 hectares, regularizável a partir da Lei 13.465/2017 e fundada na permissão constitucional originária do §1º do artigo 188, adequa-se à realidade amazônica. Essa configuração reflete a política governamental de regularização fundiária, que busca titular terras em dimensões compatíveis com a atividade agropecuária da região em que estão localizadas.

Portanto, ainda que se empreguem as classificações do Estatuto da Terra e da Lei 8.629/93, utilizadas pelo voto divergente do ministro Flávio Dino, observa-se que a propriedade titulada pela regularização fundiária não cria grandes latifúndios, mas permite que a área destinada seja economicamente viável.

Proteção ao interesse público

A proteção ao interesse público foi outra preocupação do legislador.

Nesse intento, os requisitos para a regularização fundiária funcionam como  salvaguardas ao interesse público, impedindo desvios aos objetivos da justiça fundiária.

De acordo com o marco legal, exige-se do beneficiado: ocupação direta e exploração produtiva efetiva; prática de cultura efetiva e aproveitamento racional do solo; existência de benfeitorias implantadas; obediência às normas ambientais e regularidade na cadeia sucessória da ocupação, analisando histórico dominial e eventual prática de grilagem.

O beneficiado deverá ainda comprovar que a posse da área seja anterior a 22 de julho de 2008. Logo, na data atual, significam 17 anos de posse, prazo esse que ainda deve ser somado aos dez anos de obrigações dispostas em cláusula resolutivas decenais.

Desse modo, o escopo normativo submete o beneficiário a encargos fundiários e ambientais por quase 30 anos, suficientes para que o interesse público seja eficientemente protegido.

Por fim, para garantir real proteção ao patrimônio público, a titulação de ocupações que superem quatro módulos fiscais exige a realização de vistoria presencial, a fim de aferir o efetivo cumprimento dos requisitos legais, estreitando as possibilidades de fraudes e desvios do programa (artigo 13 da Lei 11.952/2009).

Justiça fundiária e direito ao desenvolvimento

Como visto, a permissão constitucional de destinação de áreas até 2.500 hectares, também adotada pelo legislador infraconstitucional como limite para a regularização fundiária, é compatível com as aptidões agrárias dos amazônidas e harmoniza-se com as regras protetivas desse bioma. Essa medida permite que a área destinada à produção seja capaz de gerar o desenvolvimento humano.

É importante advertir que apenas o desenvolvimento econômico e social é capaz de reduzir com efetividade as violações ao meio ambiente amazônico, muita das vezes resultado da vulnerabilidade de sua pobre população, contraditoriamente, aquela residente no território de maior riqueza natural do planeta.

Pensar na Amazônia, especialmente no contexto da COP30, sem considerar sua população economicamente produtiva, hoje superior a 30 milhões de habitantes, significa negar a esses brasileiros o direito fundamental [8] ao desenvolvimento [9]. Ignorar essa regra é comprometer o futuro da região e sepultar quaisquer outras políticas públicas para esse cobiçado território do globo terrestre.


[1] O art. 8º da Lei 6.634/1979 permitia a destinação de até 3.000 ha na faixa de fronteira.

[2] ADI 4097-AgR, Rel. Ministro Cezar Peluso, 01.10.2008.

[3] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14 ed. São Paulo: 2010, p. 195.

[4] Art. 50 […]

§ 3º. O número de módulos fiscais de um imóvel rural será obtido dividindo-se sua área aproveitável total pelo módulo fiscal do Município.

§ 4º Para os efeitos desta Lei, constitui área aproveitável do imóvel rural a que for passível de exploração agrícola, pecuária ou florestal. Não se considera aproveitável: a) a área ocupada por benfeitoria; b) a área ocupada por floresta ou mata de efetiva preservação permanente, ou reflorestada com essências nativas. (grifos nossos)

[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial nº 2.480.456/PR. Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira. Decisão monocrática de 04 de outubro de 2024.

[6] Código Florestal, art. 12.

[7] BRASIL.  Ministério  da  Agricultura,  Pecuária  e  Abastecimento. Regularização fundiária:  cenário  e  legislação.  Brasília,  DF:  Ministério  da  Agricultura,  Pecuária  e   Abastecimento,   2020.   Disponível   em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/cartilha-explica-processo-de-regularizacao-fundiaria-na-amazonia/regularizacaofundiariacenariolegislacao.pdf. Acesso em: 19 jun. 2025.

[8] Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986 da Organização das Nações Unidas, aprovada pela Resolução ONU 41/128. Disponível em: https://acnudh.org/wp-content/uploads/2012/08/Declara%C3%A7%C3%A3o-sobre-o-Direito-ao-Desenvolvimento.pdf. Acesso em: 22 out. 2025.

[9] HONORATO, Marcelo. (2021). A regularização fundiária da Amazônia: o direito ao desenvolvimento e as críticas de organizações internacionais não governamentais. Revista CEJ. Disponível em: https://revistacej.cjf.jus.br/cej/index.php/revcej/article/view/2606/2490. Acesso em: 10 out. 2025.

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Operadora é condenada por reajustes abusivos de plano de saúde

A mensalidade de plano de saúde individual ou familiar pode sofrer reajuste por mudança de faixa etária, conforme estabelecido no Tema 952 do Superior Tribunal de Justiça. Esse aumento, porém, é condicionado à não aplicação de percentuais aleatórios que, sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.

Com base nesse entendimento, o juiz Paulo Henrique Ribeiro Garcia, da 1ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros, em São Paulo, declarou a abusividade do reajuste imposto a uma beneficiária e condenou a seguradora a pagar a quantia atualizada de R$ 71,2 mil.

A consumidora contestou nos autos a aplicação de aumentos sobre o prêmio mensal, especificamente o reajuste por faixa etária (60 anos). Ela pediu o afastamento do aumento, a declaração de sua abusividade e a condenação do plano à restituição dos valores pagos a mais, além de indenização por danos morais.

A seguradora, em sua defesa, sustentou a regularidade dos aumentos, argumentando que eles estavam previstos em contrato e eram necessários para a manutenção do equilíbrio econômico da relação contratual.

Razoabilidade

O juiz destacou na decisão que o aumento de idade é um fator que altera o risco e, por isso, justifica a elevação da contraprestação mensal para se buscar o equilíbrio econômico do contrato. Assim, a cláusula que prevê o reajuste, em si, não é nula.

No entanto, para que o aumento seja válido em planos individuais ou familiares, é necessário que ele cumpra os requisitos estabelecidos pelo Tema 952 do STJ, que incluem previsão contratual, observância das normas regulamentadoras governamentais e aplicação de percentuais que não sejam desarrazoados ou discriminatórios contra o idoso.

A prova pericial produzida nos autos indicou que, de fato, os reajustes previstos na cláusula contratual para o intervalo de zero a 71 anos atendiam, em princípio, às disposições do STJ. O laudo atestou que os percentuais de aumento estavam justificados na ciência atuarial — cálculo dos riscos — e em consonância com as normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Superintendência de Seguros Privados (Susep).

Contudo, o perito identificou inconsistências no período revisional. Foi constatada a cobrança adicional de reajustes retroativos ao ano de 2004 — estabelecidos em um termo de ajuste e conduta (TAC) firmado com a seguradora.

Diante dessa irregularidade, o juiz concluiu que a cobrança praticada era abusiva. A seguradora foi condenada a devolver os valores excedentes pagos pela beneficiária, corrigidos monetariamente desde cada desembolso e acrescidos de juros.

Por outro lado, o julgador entendeu que o mero descumprimento de cláusula contratual ou a simples negativa de acordo não configuram, por si só, dano moral. A parte necessitava narrar e demonstrar transtornos graves, o que não foi verificado na petição inicial.

O advogado Emerson da Silva representou a beneficiária na ação.

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Processo 1008187-88.2016.8.26.0011

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Empresas vão indenizar casal por uso de imagem além do prazo contratual

A 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou duas empresas a indenizar um casal pela veiculação da imagem depois do término do contrato, reconhecendo que houve o uso indevido das imagens.

Os autores relatam que, em maio de 2023, eles e os filhos participaram de um trabalho de fotos e vídeos para uma empresa de decoração e paisagismo, intermediado por uma agência. Informam que o contrato tinha vigência de um ano e que eventual prorrogação do uso das imagens dependeria de negociação prévia.

O casal conta que, em novembro de 2024, soube por amigos que suas imagens ainda estavam sendo exibidas em academias do DF. Eles afirmam ter entrado em contato com as rés para comunicar o uso indevido, e que as empresas teriam se comprometido a resolver o problema e a pagar pelo uso indevido das imagens, o que não ocorreu. Por isso, pediram indenização.

Em sua defesa, a agência alegou que apenas atuou como intermediária entre os autores e a empresa responsável pela campanha publicitária. Sustentou ainda que o contrato de cessão de imagem não possuía prazo determinado e que não obteve vantagem econômica com a veiculação posterior.

A decoradora, por sua vez, afirmou desconhecer que as imagens continuavam sendo divulgadas e disse que, depois de ser notificada, propôs pagar um valor justo pelos nove meses excedentes da publicidade. Ambas as rés sustentaram que não houve dano indenizável.

O 1º Juizado Especial Cível de Águas Claras (DF) concluiu pela responsabilidade civil das rés e as condenou ao pagamento de indenização por danos materiais e morais ao casal. As duas empresas recorreram, pedindo a improcedência dos pedidos.

Ao analisar os recursos, a turma observou que, com base nas provas, ficou demonstrada a veiculação da imagem dos autores e de seus filhos menores depois do prazo previsto em contrato. O colegiado manteve a sentença que reconheceu a responsabilidade das rés.

Quanto aos valores, a turma entendeu ser necessária a readequação da indenização por danos materiais. O colegiado observou que o contrato original previa o pagamento de R$ 1.300 pelo período de um ano e que a veiculação indevida durou nove meses.

“Tem vez a redução do quantum indenizatório para R$ 2 mil , considerando-se o tempo de veiculação e eventuais acréscimos decorrentes da mora em realizar a recomposição aos autores, pois entendo que essa quantia melhor atende aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e vedação ao enriquecimento sem causa”, afirmou o relator.

Em relação aos danos morais, a turma decidiu manter o valor fixado na sentença, destacando que houve “exposição indevida de imagens dos autores e de seus filhos menores em ambiente comercial, o que configura violação aos direitos da personalidade e enseja reparação”.

Assim, a turma deu provimento parcial ao recurso da decoradora para fixar em R$ 2 mil a indenização por danos materiais. As rés deverão, de forma solidária, pagar ao casal também R$ 5 mil a título de danos morais.

A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-DF.

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Processo 0704221-79.2025.8.07.0020

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Quem salva uma vida, salva toda a humanidade: o perigo da indiferença

“Quem salva uma vida, salva toda a Humanidade” — este princípio, nascido da sabedoria talmúdica e reafirmado no coração da tradição judaica, alcança sua dimensão mais dramática quando confrontado com as grandes tragédias históricas em que vidas humanas foram sistematicamente destruídas.

Cada vida é um universo singular, dotado de memória, destino, vocação e dignidade; e quando se atenta contra uma existência, não se elimina apenas um indivíduo: interrompe-se a possibilidade inteira de um mundo.

À luz da “Shoah”, compreende-se que a destruição nazista não visou apenas eliminar corpos, mas aniquilar existência, apagando nomes, culturas, genealogias e futuros. Cada criança assassinada em Auschwitz representava uma futura escola não aberta, um lar que não se formaria , um Shabat que não se celebraria, um futuro que jamais aconteceria.

Mas a lição ética que se extrai dessa tragédia não pertence apenas ao povo judeu: ela se projeta como advertência universal e permanente, pois onde uma vida é destruída, toda a humanidade é ferida.

Essa verdade dolorosa também ressoa nos extermínios, perseguições e massacres vividos por outros povos e nações ao longo da história. Em cada uma dessas tragédias humanas, uma vida eliminada é também um universo destruído; um povo atingido é uma ferida aberta na história do mundo.

A memória da “Shoah” — assim como a memória de todos os genocídios e perseguições humanas — exige um compromisso: não negar, não relativizar, jamais esquecer!

Por isso, a frase “Quem salva uma vida, salva toda a Humanidade” é hoje mais do que sabedoria espiritual ou mandamento religioso: é fundamento ético, político e civilizatório. Ela nos lembra que a humanidade não se destrói apenas quando morre uma multidão. A humanidade começa a morrer quando se permite que uma única vida deixe de ser reconhecida como portadora de infinito valor!

Salvar alguém da morte, da fome, da violência, da escravidão, da miséria, da perseguição, do racismo, da humilhação, do abandono ou do ódio é reafirmar que o ser humano é inviolável, e que nenhum projeto — nacional, ideológico, econômico, étnico ou religioso — pode reivindicar o direito de eliminar o outro.

Assim, a memória de cada tragédia humana nos conclama a uma só tarefa: salvar a vida, proteger a dignidade, honrar o futuro.

Salvar uma vida é restaurar o mundo; proteger um povo é proteger a humanidade.

Entendo que as considerações preliminares ora expostas guardam inteira pertinência com o tema discutido no excelente texto da jornalista DORRIT HARAZIM (“Indiferença ao Mal”), que trata , com grande propriedade, de questão da mais elevada sensibilidade e importância , referente ao grave problema da omissão e indiferença perante o mal !

A respeito desse precioso artigo, corretíssimo em suas observações, pareceu-me oportuno formular , a título de reflexão, algumas considerações de ordem pessoal.

A história da humanidade, em suas páginas mais sombrias, tem nos advertido, de modo eloquente e dramático, que o mal não necessita, para triunfar, apenas da ação dos perversos, dos tiranos ou dos que se deixam dominar pela sedução autoritária do poder. Não. Para que o mal prevaleça — como lúcidamente advertiu Edmund Burke — basta que os homens e as mulheres de bem se omitam, silenciando diante da afronta, acomodando-se à injustiça ou afastando-se, por covardia moral, do dever de resistir.

A indiferença, em sua frieza moral e em sua insidiosa passividade, converte-se na mais grave enfermidade espiritual das sociedades democráticas. Ela representa a falência do compromisso ético que deve animar a vida civilizada, pois, como recordou Hannah Arendt ao tratar da “banalidade do mal”, a tirania não se sustenta apenas pela vontade criminosa dos que mandam, mas pela abdicação intelectual, moral e política daqueles que, podendo erguer a voz, preferem não pensar, não ver e não agir.

O silêncio cúmplice — seja ele motivado pelo medo, pela indolência, pelo cálculo pessoal ou pela apatia — transforma o espectador em coautor moral do agravo à dignidade humana. É por isso que Dante Alighieri, com rigor poético e visão profética, reservou, na “Divina Comédia”, lugar de reprovação não apenas aos ímpios, mas também aos neutros, àqueles que, diante dos conflitos essenciais do espírito humano, se recusaram a tomar posição, tornando-se indignos até mesmo do inferno….

O pensamento republicano, desde Cícero, recorda que a virtude pública consiste na defesa intransigente do justo e do bem. A ética kantiana, por seu turno, ensina que nenhuma conveniência pode suplantar o dever moral. E o testemunho sofrido de Elie Wiesel , Primo Levi e Viktor Frankl , todos sobreviventes do Holocausto , demonstra que o terrível século XX não foi, lamentavelmente, apenas obra dos que oprimiram, exterminaram e degradaram, mas também dos que — vendo — nada fizeram.

A indiferença, pois, constitui perigosa forma de deserção cívica. Ela nega a solidariedade, afronta o princípio da fraternidade humana, despreza o mandamento ético revelado pelo rosto do Outro e compromete, de maneira profunda, o próprio sentido da democracia, regime político que não admite espectadores morais, mas exige participantes responsáveis.

Impõe-se , portanto , proclamar, com firmeza e sem ambiguidades, que não há neutralidade possível diante do mal, seja este exercido contra a pessoa, contra a sociedade, contra as instituições ou contra a ordem constitucional. Quem se omite, colabora; quem desvia o olhar, abdica da condição de sujeito moral da história.

Que jamais nos falte coragem, portanto — essa forma superior de lucidez ética — , para resistir ao mal, denunciá-lo e enfrentá-lo, como imperativo que se impõe à consciência, à Constituição e à dignidade da pessoa humana.

Há a considerar, ainda, a questão pertinente à responsabilização de quem – Estado , sociedade ou indivíduo – se omite perante o mal ou a ele se mostra indiferente.

Ou, em outras palavras, haverá punição para quem se omite e se mostra indiferente ao mal ?

A questão da responsabilidade pela omissão e pela indiferença diante do mal atravessa a história da ética, da filosofia e do Direito. Embora nem sempre o ordenamento jurídico consiga punir, de modo formal, a omissão moral de quem assistiu ao mal sem reagir, a tradição filosófica, a consciência ética das civilizações e determinados sistemas jurídicos afirmam que a omissão pode, sim, configurar culpa , corresponsabilidade ou até mesmo participação indireta no mal praticado.

No plano da Filosofia Moral, desde Aristóteles, já se reconhecia que a virtude não consiste apenas em evitar o mal, mas em praticar o bem, pois a ética é ação, não neutralidade.

Mais tarde, Kant consideraria moralmente reprovável toda conduta que, por comodidade ou interesse próprio, negue o dever de agir: quem pode impedir o mal e não o faz, viola o imperativo categórico, pois trata o próximo como meio descartável, e não como fim.

Hannah Arendt analisou de modo dramático essa omissão em seu conceito de “banalização do mal”, demonstrando que o mal extremo não precisa de monstros, mas de funcionários obedientes e espectadores indiferentes. A ausência de indignação, para ela, é uma forma de derrota ética.

No campo fenomenológico, o filósofo e pensador judeu, naturalizado francês, Emmanuel Lévinas , detido pelos nazistas – e cujos irmãos, além do seu próprio pai, foram vítimas durante a “Shoah”, assassinados pela SS – afirma, ao formular seu pensamento fundado na “ética da alteridade” (“responsabilidade radical do eu para com o “Outro”), que o rosto do “outro” nos convoca moralmente, e negar essa convocação — ou seja, recusar-se a agir quando o outro sofre — é uma transgressão do dever ético fundamental da responsabilidade pelo próximo.

A História , por sua vez, mostra que a omissão coletiva pode conduzir a consequências trágicas, e que a responsabilidade moral recai também sobre os que se calaram.

No Holocausto (“Shoah”) , por exemplo, tanto Elie Wiesel quanto Primo Levi e Viktor Frankl denunciaram que milhões morreram não apenas pela ação monstruosa dos nazistas, mas pela omissão de sociedades inteiras, muitas das quais permaneceram indiferentes à marca do ódio e aos horrores perpetrados pelos totalitários nazistas nos campos de extermínio !!!

Durante os regimes totalitários do século XX, como o nazismo, o stalinismo e o franquismo, grande parte das violências se perpetuou pela passividade e pelo medo social.

Nelson Mandela, refletindo sobre o “apartheid”, afirmou que não é o ódio do opressor que mais prolonga a injustiça, mas o silêncio dos que dizem amar a justiça.

A punição histórica, nesses casos, manifesta-se como vergonha coletiva e legado moral condenatório, que se perpetuam por gerações.

Alguns sistemas jurídicos, de outro lado, reconhecem expressamente a responsabilidade por omissão. No Direito Penal contemporâneo, existe a figura da “comissão por omissão”, quando o agente, podendo e devendo agir, não impede o resultado ilícito.

Tribunais internacionais também reconheceram, no pós-guerra, que governantes e autoridades não podem alegar neutralidade ou obediência burocrática. Exemplo emblemático foi o Tribunal de Nuremberg, que fixou o princípio de que “obedecer não é desculpa moral nem jurídica”.

Hoje, a jurisprudência internacional discute a responsabilidade por omissão estatal diante de genocídios, limpeza étnica, desastres humanitários e violações massivas de direitos.

A indiferença , desse modo , pode – e deve – ser moralmente punida, filosoficamente condenada, historicamente lembrada e juridicamente responsabilizada !!!

Em suma : a omissão perante o mal não pode escapar ilesa.
Mesmo quando não alcançada pelo castigo penal, ela é julgada pela consciência, pela história, pela filosofia e pela memória dos povos.

O mal precisa da neutralidade para prosperar; a omissão, portanto, não é ausência de ação — é uma forma disfarçada de participação!!!

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Natureza das multas aduaneiras: está na hora de criarmos um teste

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 1.293, definiu:

1. Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos. 2. A natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação. 3. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.

Por anos, havia um consenso de que o Direito Aduaneiro era um ramo autônomo e, como tal, podia viver tranquilamente sem investigação da finalidade das suas multas, se administrativa ou tributária. O STJ, porém, não pensou dessa maneira e, com o julgamento do REsp nº 2.147.578/SP, representativo da controvérsia, nos obrigou a repensarmos as multas aduaneiras para enquadrá-las em dois subgrupos: multas de direito administrativo e multas de direito tributário.

Concordando ou não com a inovação daquele tribunal superior, que reescreveu tudo o que sabíamos sobre Direito Aduaneiro, somos obrigados, agora, a achar pelo menos uma multa aduaneira que tenha caráter tributário, sob pena de descumprirmos o que decidido no repetitivo e considerarmos erradas as premissas daquele órgão julgador.

Para analisarmos a natureza das multas aduaneiras, nada melhor do que um teste de subtração, que consista em verificar-se se a fiscalização de tributos seria afetada, na hipótese de revogarmos a previsão legal de sua aplicação.

Funcionamento dos testes

1º caso: vejamos a multa isolada que foi analisada no REsp nº 2.147.578/SP, que é prevista no artigo 107, IV, ‘e’, do DL 37/66, no valor de R$ 5 mil, incidente nos casos em que se deixa de prestar informação sobre veículo ou carga transportada, na forma e no prazo definidos, aplicada à empresa de transporte internacional.

O simples fato de essa multa ser aplicada à empresa de transporte, e não ao contribuinte, já demonstra que sua finalidade não é combate à sonegação, mas sim a fiscalização do transporte internacional. Pelo teste de subtração, sua revogação não atrapalharia a atividade de fiscalização de tributos, tendo implicações apenas administrativas.

Parece que nosso teste funcionou. Mas seria importante “testar” o teste de subtração mais uma vez, para verificar se ele funcionaria na identificação de multas com finalidade de fiscalização tributária.

2º caso: vejamos, então, a multa substitutiva de perdimento (artigo 23 do Decreto-Lei nº 1.455/1976) e multa por cessão de nome (artigo 33 da Lei 11.488/2007), que são consideradas multas por interposição fraudulenta de terceiros, que ocorre a partir do momento em que o real importador se oculta, inserindo um importador ostensivo nas operações de comércio exterior.

Tais multas, apesar da natureza aduaneira, buscam coibir uma prática fiscal de elisão consistente na blindagem patrimonial e na quebra de cadeia de tributos incidentes na importação, como o IPI, PIS/Cofins-importação. Ela é tão importante para fiscalização de tributos que o artigo 81 da Lei nº 9.430/1996 determina a perda de CNPJ das empresas envolvidas na fraude.

A interposição ocorre da seguinte maneira. Quando o importador quer reduzir os tributos aduaneiros, interpõe uma empresa (importador ostensivo), que recolhe os tributos aduaneiros. Depois disso, é emitida uma nota fiscal de saída (que inclui basicamente o valor aduaneiro, muitas vezes subvalorado, e uma pequena ou nula margem de lucro) para a transferência da mercadoria para o real importador (importador oculto).

Esse real importador, com essa prática elisiva, pode comercializar o produto, agora com a agregação de seu valor real, mas sem a incidência de IPI ou de PIS/Cofins-importação, pois formalmente conseguiu disfarçar sua condição de importador, quebrando a cadeia desses tributos.

Além da quebra da cadeia, em muitos casos há a blindagem patrimonial, com a interposição de uma importadora ostensiva “laranja”, que passa a acumular um passivo tributário enorme que nunca será recolhido aos cofres públicos, já que a empresa não possui liquidez financeira. Ocorre, assim, a evasão fiscal de tributos federais e do ICMS.

A multa por interposição fraudulenta de terceiros, portanto, apesar de em alguns casos não levar a um lançamento tributário, foi criada, em especial, como norma antielisiva e antievasiva, com uma especial atenção para a necessidade de se evitar a blindagem patrimonial com vistas à sonegação dos tributos aduaneiros e a quebra da cadeia dessas exações.

Exemplos após acórdãos do Carf

Para que se tenha uma visão prática de como essas práticas acontecem, e de como a Receita Federal procede às autuações, veremos exemplos de casos que se tornaram públicos a partir da publicação de acórdãos do Carf.

No primeiro exemplo (Acórdãos nº 3401-013.657, 3201-011.563, 3201-011.564), uma das maiores varejistas do país sofreu multa substitutiva de perdimento e multa por cessão de nome. Posteriormente, verificou-se que essa interposição permitiu quebrar a cadeia, evitando, dessa forma, sua equiparação a industrial, que ocorreria com base nos artigos 9º, II, III e IX, e 24, III, do RIPI/2010 (Decreto nº 7.212/2010). Isso levou ao lançamento por quebra de cadeia do IPI, em diversas autuações decorrentes e conexas, que também citamos de forma exemplificativa, o Acórdão Carf nº 3201-012.195.

No segundo exemplo, podemos citar uma empresa, importadora e industrial do setor de produtos de higiene pessoal, que foi inicialmente multada pela interposição fraudulenta (Acórdãos Carf nº 3401-013.675 e 3301-013.818). Sabendo-se que a prática da interposição na importação é uma forma de evasão e elisão fiscais, o segundo passo foi, como de praxe, investigar os tributos sonegados a partir dessa fraude.

Verificou-se que a empresa sonegava de duas formas: simulando uma compra e venda entre a empresa ostensiva e a oculta para deixar de recolher PIS e Cofins (Acórdão Carf nº 3301-014.025); simulando compra e venda entre elas para reduzir a tributação de IPI ou quebrando a cadeia para ocultar a interdependência das empresas e, assim, deixar de cumprir a regra de Valor Tributável Mínimo do IPI (Acórdão Carf nº 3202-001.962).

Cabe destacar que nos dois casos os lançamentos dos tributos foram decorrentes e basearam-se completamente no arcabouço probatório e legal da investigação fiscal que aplicou a multa aduaneira.

Fiscalização tributária inviabilizada

Parece que, aqui, o teste de subtração também funciona perfeitamente. Se, em situação hipotética, fosse revogada a multa aduaneira por interposição fraudulenta de terceiros, a fiscalização tributária ficaria inviabilizada. Seria como procurar uma agulha (simulação) em um palheiro (as milhares de importações e exportações diariamente realizadas).

Partindo do pressuposto de que o STJ entendeu pela existência de multas aduaneiras com finalidade de fiscalização tributária, perguntamos: se a multa por interposição fraudulenta não o for, então qual será? Realmente, não consigo imaginar.

Em conclusão, podemos dizer que duas afirmativas precisam ser consideradas um mantra, neste momento:

1) precisamos estabelecer um teste que permita identificar a natureza da multa aduaneira;

2) Uma, ao menos uma multa aduaneira, teremos que enquadrar como de natureza tributária, em respeito ao Superior Tribunal de Justiça.

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Ações do governo dos EUA contra desafetos de Trump caminham para extinção

Juristas acreditam que dois dos primeiros processos movidos contra inimigos políticos do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estão em vias de extinção. As ações foram ajuizadas pela Procuradoria do Distrito Leste de Virgínia, parte do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ), mas as denúncias estão sob escrutínio por fragilidade das provas.

As ações foram ajuizadas contra James Comey, ex-diretor do FBI, e Letitia James, procuradora-geral de Nova York. Comey é acusado de ter mentido ao Congresso dos EUA sobre investigações da interferência russa nas eleições de 2016, enquanto James foi denunciada por fraude bancária — fornecimento de informações falsas em documentos financeiros.

 

O juiz federal William Fitzpatrick criticou duramente, em uma audiência para esclarecer as provas, a conduta da procuradora Lindsey Halligan, responsável pelos casos. “A atitude do governo foi a de denunciar primeiro e investigar depois.”

A atuação de Halligan está no centro da disputa que pode desqualificar as denúncias. A procuradora, que foi nomeada para o cargo em setembro, terá de dar explicações em uma audiência de instrução sobre falhas aparentes nas denúncias. Trump pressionou a procuradora publicamente, por meio de sua rede Truth Social, a denunciar os dois desafetos.

Nesse caso, a procuradora vai, de certa forma, a julgamento. Isto é, vai se sentar no banco das testemunhas para ser submetida à inquirição cruzada pelos advogados dos réus e defender as denúncias com provas convincentes. A procuradora-geral dos EUA, Pamela Bondi, passará pelo mesmo procedimento.

A pedido dos advogados dos réus, os juízes encarregados de presidir os julgamentos terão outra opção, que também pode ser problemática para a acusação: eles poderão ordenar a abertura de um processo de discovery.

Esse processo obrigará o Departamento de Justiça a revelar à defesa tudo o que tem em seus arquivos contra os réus, incluindo comunicações internas e outros documentos que precederam a decisão dos procuradores do DOJ de processá-los.

Mais do que isso, os juízes podem ordenar uma audiência probatória, que incluirá testemunhos dos procuradores do Distrito Leste de Virgínia que se recusaram a processar os réus porque, no entendimento deles, não havia provas suficientes para fazê-lo.

Ações vingativas

Nos EUA, “ações vingativas” — às vezes seguidas pela expressão “ações seletivas” — se referem a denúncias motivadas pela intenção de acusadores de punir um réu específico por ele exercer seu direito constitucional ao devido processo.

Essa é a definição geral. Mas o termo se refere também a uma forma de má conduta da acusação, em que o sistema judicial é usado para fins de retaliação contra um réu por ele ter, por exemplo, processado uma autoridade ao exercer suas funções – não porque haja uma base jurídica legítima para isso.

De forma geral, essa é uma alegação que os membros do Ministério Público podem derrubar com alguma facilidade, porque o ônus da prova cabe, primeiramente, aos réus. Eles têm de provar que os procuradores ou promotores agiram de má-fé com o propósito de retaliá-los. No entanto, se a defesa for bem-sucedida nessa missão, o ônus da prova passa para a acusação.

Nas investigações do “escândalo de Watergate”, por exemplo, o ex-presidente Nixon e seus colaboradores escaparam dessa acusação porque atuaram no escuro. E, portanto, foi difícil provar as más intenções do governo.

Pressão nas redes

No caso das “caças às bruxas” de Trump, no entanto, a coisa muda de figura porque o presidente entregou o ouro à defesa – e ao resto do mundo. Na Truth Social, Trump pressionou abertamente Pamela Bondi para processar seus supostos “inimigos políticos”.

A começar por James Comey, o ex-diretor do FBI que comandou as investigações sobre o conluio da Rússia com a campanha eleitoral de Trump em 2016 – o escândalo apelidado de “Russiagate”. Trump chamou Comey, entre outros epítetos, de “escória mentirosa” e “vazador e mentiroso”.

E acrescentou: “Pam, nada está sendo feito, não podemos adiar mais”. A razão era a de que as possíveis acusações contra Comey estavam próximas do vencimento dos cinco anos de prescrição.

Em outra postagem, ele escreveu: “Pam: … E quanto a Comey, Adam “Shifty” Schiff, Leticia??? Todos eles são culpados até o inferno… JUSTIÇA DEVE SER FEITA, JÁ!!!” (Trump sempre acrescenta um “t” ao sobrenome de Adam Schiff, que liderou o primeiro processo de impeachment contra ele, para soar como shit).

Além disso, Trump forçou o pedido de demissão do então procurador-chefe do Distrito Leste de Virgínia, Erik Siebert, porque ele se recusou a processar James Comey e Letitia James porque não havia provas suficientes para fazê-lo. Siebert fora nomeado pelo próprio Trump.

Em seu lugar ele nomeou para exercer interinamente o cargo Lindsey Halligan, sua ex-advogada e então sua assessora na Casa Branca, sem qualquer experiência de atuação no Ministério Público.

Ela levou a tempo as acusações contra Comey a um grand jury. E foi a única a assinar as denúncias, porque nenhum procurador de carreira da Procuradora de Virgínia concordou em juntar-se a ela. Com informações adicionais do National Review, SCTUSblog, The Hill, Reuters, MSNBC, NBC e Wikipédia.

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STF invalida lei paulista que restringia mototáxi

O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de uma lei do estado de São Paulo que regulamentava e restringia o transporte individual remunerado de passageiros por motocicleta — o mototáxi. O julgamento virtual terminou nesta segunda-feira (10/11).

 

Em setembro, o relator, ministro Alexandre de Moraes, havia suspendido a norma. Na decisão, o ministro observou que o STF já fixou, no Tema 967 da repercussão geral, que proibir ou restringir o transporte por motorista de aplicativo é inconstitucional, por violar os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Ainda segundo a tese, ao regulamentar a atividade, os municípios e o Distrito Federal não podem contrariar a legislação federal.

Contexto

A Lei estadual 18.156/2025, publicada em junho, passou a condicionar o exercício do serviço de mototáxi, intermediado por empresas de aplicativo como Uber e 99, à prévia autorização dos municípios, sob pena de aplicação de sanções e multas por transporte ilegal de passageiros.

A confederação argumentou que a lei invadiu a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes da política nacional de transportes e sobre trânsito e transporte. Na avaliação da Confederação Nacional de Serviços (CNS), ao criar condições para o exercício de uma atividade econômica, a norma também viola os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência e o direito de escolha do consumidor.

Em informações prestadas nos autos, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) argumentou que a norma trata de proteção ao consumidor e à saúde. No mesmo sentido, o governador de São Paulo alegou que o estado tem competência para suplementar a legislação federal nesses temas.

A Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República, por sua vez, consideraram que houve invasão da competência da União para legislar sobre trânsito e transporte.

Voto do relator

Alexandre votou por converter o julgamento de referendo de medida cautelar em julgamento definitivo de mérito, conhecer da ação e, confirmando a medida cautelar, julgar procedente a ADI. O relator acolheu as alegações, sustentando que a lei incorreu em inconstitucionalidade formal e material.

Ele foi acompanhado na íntegra por Dias Toffoli, Luiz Edson Fachin, Cármen Lúcia, André Mendonça, Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux.

No voto, o ministro destacou a usurpação da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes da política nacional de trânsito e transportes. Frisou, ainda, que a legislação federal já estabelece que a competência para regulamentar e fiscalizar o transporte remunerado individual de passageiros é exclusivamente municipal, e o estado não poderia intervir ou suplementar o tema de maneira a inovar o regime legal.

O magistrado ainda apontou a inconstitucionalidade material por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, ao argumentar que o transporte individual de passageiros por aplicativo é uma atividade econômica lícita, protegida pelo princípio da livre iniciativa e não deve ser classificado como serviço público.

“A circunstância de se tratar de transporte por meio de motocicletas poderia, em tese, justificar a regulamentação de aspectos relacionados a esse tipo de veículo. Inclusive, os motivos que embasaram a proposição legislativa que originou a norma impugnada, como narrado pela Assembleia do Estado de São Paulo, destacam dados oficiais sobre sinistros ocorridos no transporte por motocicleta”, escreveu.

“Todavia, não há fator que distingua, sob o aspecto jurídico, o transporte por aplicativos, seja por automóveis (carros) ou por motocicletas, devendo-se aplicar o mesmo entendimento firmado pela corte”, seguiu.

A imposição de prévia autorização municipal para a atividade, segundo Alexandre, configura uma condição suspensiva e desproporcional e cria um obstáculo excessivo e desnecessário ao exercício profissional.

O relator destacou a ineficácia e o risco da lei, ao dizer que o texto poderia incentivar a migração do serviço de mototáxi para a clandestinidade e violar o dever constitucional de proteção ao consumidor.

“As restrições forçam os cidadãos a submeterem-se a alternativas potencialmente mais caras, mais lentas e menos eficientes, enfraquecendo o ambiente competitivo, em claro prejuízo ao consumidor. Isso porque é de conhecimento geral que o transporte individual de passageiros por aplicativos, em especial por motocicletas, possui custo mais acessível, significando alternativa robusta ao transporte público”, argumentou.

Outros votos

O ministro Flávio Dino acompanhou o relator, mas fez algumas ressalvas que, segundo ele, devem ser debatidas em momento posterior. Ele aproveitou o voto para criticar os aplicativos de transporte e entrega, para além do mototáxi.

Segundo o magistrado, a atividade de transporte individual de passageiros por aplicativo não deve excluir um regime de direitos básicos aos prestadores de serviço, como férias, repouso remunerado, seguro contra acidentes e aposentadoria.

Ele concluiu que, por causa da alta demanda dos aplicativos, trabalhadores exaustos acabam por prejudicar a segurança no trânsito das grandes cidades, sobretudo pedestres. E criticou a “gamificação” feita pelas plataformas. “Seres humanos não são personagens de videogame, com múltiplas ‘vidas’ — a serem exploradas ao máximo e descartadas como um produto de consumo qualquer.”

“Não é admissível que, eventualmente, empresas operadoras de alta tecnologia comportem-se como senhores de escravos do século 18, lucrando com o trabalho alheio executado em um regime excludente de direitos básicos”, criticou.

Nenhum dos tópicos da ressalva está em debate na ADI sobre a lei estadual de São Paulo, mas os pontos levantados devem gerar debate no julgamento do recurso em que o Supremo vai tratar das relações de trabalho de motoristas e entregadores com os aplicativos.

O ministro Cristiano Zanin também acompanhou Alexandre com uma pequena ressalva: os municípios podem regulamentar e fiscalizar a atividade de mototáxi, o que inclui estabelecer “eventuais condicionantes ao exercício dela”, tendo em vista peculiaridades locais. O magistrado destacou que essa competência é garantida pela Lei 12.587/2012 e pela jurisprudência do STF.

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ADI 7.852

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Mercado de fusões e aquisições apresenta crescimento em 2024

Estabilidade econômica, inflação controlada, melhora no ambiente de negócios e retomada do crescimento do Produto Interno Bruto. Esses são alguns dos fatores que contribuíram para o aumento das operações de fusões e aquisições no Brasil em 2024, criando um cenário favorável para investimentos, de acordo com os resultados da pesquisa Fusões e Aquisições 2024, conduzida pela KPMG, uma das quatro maiores empresas de auditoria do mundo.

Depois de dois anos consecutivos em queda, o mercado apresentou aumento de 5% na quantidade de fusões e aquisições. Em números absolutos, foram 1.582 operações em 2024, contra 1.505 em 2023. “Os dados evidenciam uma retomada importante no mercado de fusões e aquisições. O número de 2024 superou 2023 e, apesar de ser inferior ao de 2022 e 2021, já é superior aos totais registrados em 2000 e demais anos anteriores de nossa série histórica”, explicou, no documento da pesquisa, Gustavo Vilela, sócio-líder de Fusões e Aquisições da KPMG no Brasil.

Das operações de 2024, 981 foram domésticas e 601 envolveram estrangeiros. Entidades dos Estados Unidos responderam por 259 operações, atingindo 43% do total com estrangeiros. Outros 30% estão divididos entre organizações do Canadá, Reino Unido, Espanha, Argentina, México, Alemanha e Colômbia. Tecnologia da informação figura no primeiro lugar do ranking, seguida por instituições financeiras, companhias energéticas e imobiliárias.

Paulo Guilherme Coimbra, sócio da área de Fusões e Aquisições da KPMG, entende que a tendência de crescimento se deve, em parte, à estabilidade econômica observada no primeiro semestre de 2024. “A digitalização e a inovação tecnológica continuaram a ser grandes impulsionadoras dessas transações, e o setor de energia renovável atraiu consideráveis investimentos, confirmando a relevância do setor”, explica no documento. “Embora os números sejam positivos, o aumento da taxa de juros e incertezas fiscais e políticas podem ter reduzido os resultados alcançados no segundo semestre”, destacou.

De acordo com o advogado Marco Antonio Fonseca, do Demarest Advogados, o mercado tem refletido os movimentos típicos de ciclos econômicos e de confiança empresarial, que oscilam a depender do cenário geopolítico. “O crescimento observado em 2024 foi resultado de fatores, como maior estabilidade econômica, redução de incertezas regulatórias e retomada de investimentos em setores estratégicos”, disse em entrevista ao Anuário da Justiça.

Em 2025, a Pesquisa Fusões e Aquisições da KPMG mostrou uma queda de 5% na quantidade de operações no primeiro semestre do ano, se comparado com o mesmo período de 2024. Foram 739 operações em 2025 contra 776 em 2024. “A retração no primeiro semestre de 2025 parece estar ligada a uma conjuntura mais cautelosa, marcada por juros ainda elevados, volatilidade cambial e desenvolvimento em política nacional e internacional que afetam diretamente o ambiente de negócios”, explica Fonseca. “Essa oscilação não é incomum em mercados emergentes, especialmente em períodos de transição econômica. A expectativa para o segundo semestre é de uma retomada gradual, impulsionada por operações estratégicas em setores como tecnologia, energia e saúde, além do interesse contínuo de investidores estrangeiros em ativos brasileiros”, avaliou.

O advogado Rodrigo Figueiredo Nascimento, sócio de Societário do escritório Mattos Filho, destacou, em entrevista ao Anuário, que “apesar de 2025 ser um ano delicado para previsões, o mercado de F&A parece estar mais parecido com 2022, do que com 2023 ou 2024, e estamos conservadoramente otimistas com a expectativa de que o mercado se mantenha razoavelmente aquecido até o final de 2025”. Entre os impactos e riscos desse mercado em 2025, listou, “de maneira geral, imprevisibilidade e insegurança jurídica são fatores que sempre pesam no nível de atividade das operações de F&A”.

O crescente número de fusões e aquisições também se refletiu no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia responsável por garantir a livre concorrência no Brasil. De acordo com a Lei 12.529/2011, é obrigatória a notificação ao Cade quando uma empresa tem faturamento de R$ 750 milhões ou mais e a outra de, no mínimo, R$ 75 milhões para efetivar o ato de concentração. Em 2024, foram 712 operações notificadas, um aumento de quase 20% se comparado com 2023 (594 operações).

Segundo o presidente interino do Cade, Gustavo Augusto Freitas de Lima, uma das vantagens de uma fusão é que as empresas, quando se juntam, conseguem reduzir o preço continuamente, além de obter uma estrutura mais eficiente, com mais escala e mais consumidor. “Normalmente, as empresas somam o que é forte em uma com o que é forte em outra e conseguem ter um negócio melhor”, explicou. “Porque, então, não juntam todas as empresas de uma vez? Porque quanto mais concentração se tem, menor o incentivo de ser competitiva. Então, ela se torna mais eficiente quando junta, mas quando ela passa a não ter concorrentes tão fortes, ela tem menos incentivo para cobrar mais barato”, ressaltou.

O presidente do Cade explicou ainda que ter muitos atos de concentração é um movimento saudável, pois revela dinamismo na economia. “O ideal é que se tenha, acontecendo ao mesmo tempo, muitos atos de concentração, muitas entradas e muitas saídas. Se isso acontece é sinal que o mercado é dinâmico”.

Freitas de Lima diz que o mercado brasileiro ainda é muito concentrado, com poucas empresas com grande participação e uma grande informalidade. “A nossa informalidade é a maior do mundo. Isso às vezes dificulta medir realmente quanto que é a nossa concentração, porque a informalidade dificulta obter dados mais precisos. Nós usamos muitas pesquisas de mercado, que não consideram e não tem como considerar um mercado informal”, diz.

Sobre o tarifaço imposto pelo presidente Trump, dos Estados Unidos, o presidente explicou que o Cade ainda está avaliando as consequências totais sobre como isso pode afetar a concorrência no Brasil. “Ainda está cedo para a gente dimensionar. Algum nível de tarifa, algum nível de fechamento, sempre tem. Se não, estamos falando de uma zona economicamente integrada. Ainda estamos tentando entender como será o mundo após o rearranjo comercial dos Estados Unidos”, explicou.

Para o advogado Marco Antonio Fonseca, do Demarest Advogados, o ambiente concorrencial brasileiro está em constante evolução. “A digitalização dos mercados e o crescimento de plataformas digitais tem alterado profundamente as dinâmicas competitivas. O país ainda enfrenta desafios estruturais, como concentração em setores estratégicos e barreiras à entrada, mas há avanços importantes na promoção da livre concorrência”, disse.

A advogada Renata Zuccolo, sócia de Direito Concorrencial do Mattos Filho, entende que o Cade tem exercido um papel importante nas discussões sobre regulação de plataformas digitais: “A grande discussão tem sido em como equilibrar medidas que possam ser implementadas por eventual regulação com a função do Cade de analisar condutas ex-post”, disse ao Anuário. Além disso, destacou que “a grande preocupação é como combater eventuais abusos, sem, contudo, inviabilizar modelos de negócios inovadores”.

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