STJ decide revisar teses sobre juros de empréstimos compulsórios da Eletrobras

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu revisar as teses que afastaram a prescrição dos juros remuneratórios devidos sobre os valores dos empréstimos compulsórios da Eletrobras.

O colegiado acolheu, por maioria de votos, a proposta do relator, ministro Teodoro Silva Santos, por sugestão da própria empresa.

Trata-se de uma tentativa de anular parte da derrota sofrida pela Eletrobras nas teses dos Temas 65, 66 e 67 dos recursos repetitivos, julgados em 2009. A revisão pode resultar na alteração desses entendimentos.

Caso da Eletrobras

O caso trata dos empréstimos compulsórios instituídos em favor da então estatal e pagos por grandes consumidores industriais para financiar a expansão do setor elétrico brasileiro, conforme a Lei 4.156/1962.

O valor pago por cada consumidor gerou crédito em seu favor no dia 1º de janeiro do ano seguinte, com remuneração de 6% ao ano, além de correção monetária. O empréstimo durou até 1993.

Com autorização de lei, a Eletrobras fez o pagamento desses empréstimos por meio da conversão dos valores em ações da companhia. Os critérios de cálculo, no entanto, não levaram em consideração a desvalorização da moeda brasileira no período, marcado por seguidas crises econômicas.

Em 2009, o STJ concluiu que os contribuintes têm direito à correção monetária plena dos valores, com a inclusão dos expurgos inflacionários na conta e a incidência de juros remuneratórios.

Prazo prescricional e juros

Ficou decidido também que os contribuintes teriam prazo de cinco anos para fazer essa cobrança judicialmente, contado a partir da data da efetiva lesão.

Segundo a corrente vencedora no STJ em 2009, no caso da correção monetária sobre os juros remuneratórios anuais de 6% que já foram pagos, a prescrição se inicia em julho de cada ano, quando houve o pagamento.

Já no caso da correção monetária incidente sobre o montante principal e os juros remuneratórios reflexos, a lesão só ocorreu no momento em que o valor foi erroneamente restituído. Foram consideradas as datas das assembleias da Eletrobras que homologaram a conversão da dívida em ações (20/4/1988, 26/4/1990 e 30/6/2005).

Segundo a Eletrobras, o STJ cometeu um erro material ao definir o termo inicial da prescrição dos juros reflexos. A empresa alega que, nos embargos de declaração, alguns ministros mudaram de posição, o que levou à formação de maioria para fixar a prescrição a partir de julho de cada ano em que houve o pagamento.

Alto custo à Eletrobras

Ao STJ, a companhia alegou que esse erro criou um cenário que permite a cobrança de juros remuneratórios reflexos referentes a períodos anteriores aos cinco anos que precederam o ajuizamento das ações.

Nesses casos, segundo a Eletrobras, a prescrição tem sido afastada pelas diversas instâncias do Judiciário por força da aplicação do termo inicial equivocado.

Ou seja, ações ajuizadas até 2010 demandam pagamento de diferenças não apenas dos cinco anos anteriores, mas retroativamente desde 1987, o que significa 23 anos de juros.

A Eletrobras alegou que, desde 2018, pagou cerca de R$ 690 milhões em juros reflexos discutidos em 730 ações, e que tem provisionados mais R$ 4,8 bilhões para os mesmos fins, referentes a outros 2,7 mil processos.

Esse passivo se tornou uma barreira para o crescimento da empresa, gerando impactos significativos no fluxo de caixa, no valor das ações e na distribuição de dividendos — privatizada em 2022, ela é 46,6% da União.

Melhor rever

Para a maioria formada na 1ª Seção do STJ, as alegações da Eletrobras são suficientemente plausíveis para permitir a revisão das teses vinculantes.

Votaram com o relator os ministros Afrânio Vilela, Francisco Falcão, Benedito Gonçalves, Marco Aurélio Bellizze e Paulo Sérgio Domingues.

Abriu a divergência em voto-vista o ministro Gurgel de Faria, que ficou vencido junto com os ministros Maria Thereza de Assis Moura e Sérgio Kukina.

Para ele, não há motivos novos para permitir a revisão, sendo que o suposto erro na contagem de votos é vício ínsito ao julgamento e deveria ter sido impugnado há quase 15 anos pela Eletrobras.

O ministro Gurgel criticou a estratégia da empresa e disse que ela abre a hipótese de “caos jurídico”.

“Permitir a revisão das teses com base em alegações extemporâneas e interesses econômicos particulares significaria abalar a confiança no sistema de precedentes, reabrir indefinidamente discussões pacificadas, privilegiar quem tem recursos para questionar indefinidamente decisões desfavoráveis e penalizar quem confiou na estabilidade da tese e pautou suas condutas por ela.”

Quando revisar

O voto de Gurgel de Faria ainda fez um aprofundado estudo para estabelecer em quais situações o STJ deve admitir a revisão das teses vinculantes que fixa.

Ele citou doutrina de Daniel Mitidiero para concluir que o equívoco e o desgaste da tese vinculante devem ser flagrantes, sendo que a revisão cabe ao órgão que a fixou, por meio do efetivo contraditório.

O ministro também citou Teresa Arruda Alvim no sentido de que argumentos consequencialistas, como os abarcados pela maioria, podem ser usados, mas não devem ser centrais para levar à conclusão de que se deve revisar a tese.

Assim, cabe ao STJ questionar se a medida terá o condão de ferir a igualdade já estabelecida com a pacificação jurisprudencial levada a cabo. Somente se o resultado da questão for negativo é que será cabível a proposta de alteração.

“A alteração de precedentes vinculantes é excepcional e deve atender a casos de manifesto equívoco, desgaste na congruência social ou incoerência normativa, com adoção de fundamentação qualificada amparada essencialmente em argumentação jurídica, além de garantir a observância da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.”

Pet 17.904

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Controvérsia dos RIFs do Coaf no STF deixa juízes sem saber a quem obedecer

Duas notícias saíram no mesmo dia, 25 de agosto. Primeiro, a revista eletrônica Consultor Jurídico publicou que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, validou uma decisão que anulou o uso de relatórios de inteligência financeira (RIFs) produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a pedido dos órgãos de investigação e sem prévia autorização judicial.

Depois, a ConJur noticiou que o ministro Alexandre de Moraes, relator do recurso em que o STF vai analisar a constitucionalidade dos RIFs por encomenda, suspendeu todas as decisões que consideraram esse uso indevido e ilegal — ele não vê qualquer problema na prática e tem derrubado decisões do Superior Tribunal de Justiça em sentido oposto.

No gabinete do ministro Joel Ilan Paciornik, do STJ, a assessoria responsável por minutar os votos questionou a quem obedecer. “Não sei, porque nesse sistema realmente não sabemos a quem devemos obediência, não”, respondeu o magistrado.

O episódio, relatado durante a sessão da 5ª Turma do STJ da terça-feira (7/10), demonstra como a controvérsia sobre o uso de RIFs do Coaf vem gerando insegurança jurídica.

RIFs do Coaf em pauta

Paciornik falou sobre o tema durante o julgamento em que o colegiado obedeceu a uma decisão da 1ª Turma do Supremo (Rcl 70.191), sob relatoria de Alexandre de Moraes, anulando um acórdão da 5ª Turma do STJ de junho de 2024.

Na ocasião, foi decidido que não é legítimo o compartilhamento do RIF pelo Coaf, a pedido da autoridade policial ou do Ministério Público, antes da efetiva instauração do inquérito — no caso concreto, o procedimento era de verificação preliminar de informações (VPI).

O problema é que, ao validar o uso do RIF do Coaf por ordem da 1ª Turma do Supremo, a 5ª Turma do STJ ofendeu a jurisprudência da 2ª Turma do STF e também da 3ª Seção do STJ, que reúne os membros de ambos os colegiados criminais da casa.

Relator do caso julgado na 5ª Turma, o ministro Ribeiro Dantas pediu para oficiar o presidente da 3ª Seção, ministro Antonio Saldanha Palheiro, para informar que o descumprimento decorreu da necessária observância da decisão da 1ª Turma do STF.

“Nós aqui no Superior Tribunal de Justiça nos encontramos em uma situação muito, muito difícil. Tem uma turma do Supremo pensando uma coisa e a outra pensando outra. Quando a gente decide de um jeito, vem decisão de uma delas em reclamação. E quando decide de outro, vem decisão da outra turma”, lamentou Ribeiro Dantas.

Até que o STF finalmente resolva o problema, o STJ continuará obedecendo às decisões em reclamação, avisou o magistrado. “Além de disciplinados em relação aos precedentes internos, nós temos de ser obedientes à instância maior.”

Controvérsia ampla

A amplitude dessa cisão jurisprudencial foi exatamente o que levou a Procuradoria-Geral da República a pedir a Alexandre de Moraes a suspensão de todas as decisões que discutem o acesso de órgãos de investigação a relatórios de inteligência financeira.

Isso apesar de os precedentes do STJ não terem proibido, nem dificultado, o uso dessas informações nas investigações. Em vez disso, apenas estabeleceram um controle judicial prévio e mínimo, como mostrou a ConJur, que também já mostrou que, em dez anos, o número de RIFs por encomenda aumentou 1.300%. No ano passado, o Coaf entregou uma média de 51 relatórios por dia aos órgãos habilitados.

Já a Folha de S. Paulo informou que, em 2024, foram registrados 13.667 pedidos de RIFs ao Coaf pelas Polícias Civis, número 114% maior do que os 6.375 de 2021.

O risco, segundo os especialistas, é transformar o imenso banco de dados do Coaf em um repositório de dados à disposição dos investigadores, com informações que, inclusive, não representam prova, mas apenas indicam onde obtê-las — são como “mapas de calor”.

RHC 187.335

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Operadora não pode cancelar unilateralmente plano de paciente com câncer

A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve uma decisão da 5ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro, na capital paulista, que determinou que uma operadora mantenha ativo o plano de saúde de um paciente em tratamento de câncer, nos termos da sentença proferida pelo juiz Eurico Leonel Peixoto Filho.

A empresa deve seguir as condições contratadas até a alta médica, data em que o autor deverá ser cientificado para o exercício do direito de requerer a portabilidade de carência. Além disso, a requerida deverá disponibilizar plano de mesma cobertura e valor, sem cumprimento de nova carência.

Segundo os autos, o autor foi diagnosticado com leucemia e fazia acompanhamento quando o plano cancelou unilateralmente o contrato.

O relator do recurso, juiz substituto em segundo grau Vitor Frederico Kümpel, destacou que a rescisão somente poderia ocorrer em caso de inadimplência superior a 60 dias, com prévia comunicação, o que não ocorreu no caso em análise.

O magistrado ainda afirmou que o cancelamento “não pode resultar na interrupção de cuidados imprescindíveis para a sobrevivência e incolumidade física do beneficiário” e ressaltou que não haverá prejuízos à operadora de saúde, uma vez que o autor continuará pagando as mensalidades.

“Diante dessas considerações, deve mesmo ser mantido o contrato até efetiva alta, sobretudo quando o bem protegido nesse caso é a saúde e a vida do beneficiário, que obrigatoriamente se sobrepõe a qualquer outro interesse de natureza contratual ou negocial”, escreveu.

Os desembargadores Enio Zuliani e Alcides Leopoldo completaram a turma de julgamento. A votação foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-SP.

Clique aqui para ler o acórdão
Processo 1043775-08.2024.8.26.0002

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Contratos diretos entre investidor e Estado ganham peso na arbitragem

Um relatório publicado em setembro aponta uma nova tendência internacional na arbitragem de investimento. As disputas nesse ramo, que costumam ser travadas com base em tratados bilaterais entre Estados, têm sido ancoradas cada vez mais nos contratos diretos entre o Estado e o investidor que atua no local.

Essa tendência foi observada pelo Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID), entidade vinculada ao Banco Mundial.

O documento, que trata do ano fiscal de 2025 — 1 de julho de 2024 a 30 de junho de 2025 —,  foi analisado em artigo do BRICS+ New Economy & Legal Infrastructure Center (BRICS+ NeLi), o centro de pesquisa responsável pela infraestrutura jurídica e econômica do Brics+.

Menos difundida no Brasil do que a arbitragem comercial, a arbitragem de investimento é dedicada a disputas entre investidores estrangeiros e os Estados que recebem os recursos. Em geral, os processos arbitrais são discutidos com base em tratados firmados entre entes soberanos, que podem ser bilaterais ou multilaterais.

O relatório do ICSID aponta que os Tratados Bilaterais de Investimento (BITs) ainda são as balizas mais comuns da arbitragem de investimento. Os BITs, que têm natureza jurídica de tratados internacionais, são firmados entre dois Estados soberanos para promover e proteger investimentos estrangeiros de ambas as partes.

O mesmo documento aponta, porém, que os contratos fechados diretamente entre o investidor e o Estado destinatário dos recursos têm sido cada vez mais usados como base para discussão. Os processos arbitrais fundados nestes contratos, que representam 15% do total de casos já administrados pelo ICSID, chegaram a 21% em 2025. Já os BITs, que são a base de 58% do total de casos do ICSID, não passaram de 45% nesse ano.

Segundo o constitucionalista Georges Abboud, essa mudança é reflexo de um projeto liderado pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) e pela Câmara de Comércio Internacional (ICC) para padronizar regras nos contratos internacionais de investimento e reduzir divergências entre as partes.

“Tal forma de consentimento surge como alternativa mais flexível vis-à-vis os tratados bilaterais e multilaterais, bem como as leis de investimento vigentes em certos países”, afirma Abboud.

Outros dados

Além do aumento de casos baseados em contratos diretos, o relatório do ICSID aponta outras tendências (clique aqui para ler a íntegra):

Expansão africana

Volume de casos: O ICSID administrou um total de 347 casos, o número mais alto na última década. O número de novos casos registrados também cresceu, passando de 58 no ano anterior para 67 no ano fiscal de 2025.

Protagonismo da África: Houve uma mudança significativa na distribuição geográfica das disputas. A África subsaariana passou a ocupar o primeiro lugar em número de casos (24%), superando a Europa Oriental e a Ásia Central. Essa alteração é vista como um reflexo da reorientação dos fluxos de investimento globais para os recursos naturais e economias em desenvolvimento do continente africano. Honduras foi o país mais demandado, com seis casos.

América do Sul em destaque: A América do Sul figura como a terceira região com mais Estados envolvidos em casos (18%), atrás apenas da África subsaariana (24%) e da América Central e Caribe (19%).

Origem dos investidores: A maioria das reivindicações foi apresentada por investidores da Europa Ocidental (44%), seguidos por investidores da América do Norte (Canadá, México e EUA) com 19%.

Setores predominantes

Indústrias extrativas na liderança: O setor de petróleo, gás e mineração foi o mais proeminente, representando 43% dos novos casos, um aumento considerável em relação aos 28% do ano anterior. A maioria desses casos (19) está relacionada especificamente à mineração.

Construção e energia: O setor de construção foi o segundo mais disputado, com 15% dos casos, seguido pelo de energia, com 12%.

Queda no setor de transportes: Houve uma redução acentuada nas disputas do setor de transportes, que diminuíram de 19% no ano fiscal de 2024 para apenas 3% em 2025.

Resultados das arbitragens

Decisões dos tribunais: Quase 79% dos processos foram concluídos com uma sentença proferida pelo tribunal, e, na maioria desses casos, as reivindicações foram total ou parcialmente acolhidas. Em 19% dos casos decididos, os tribunais se declararam sem jurisdição para julgar a causa.

Indenizações: Um dado relevante é que em metade de todos os casos em que houve uma decisão final, nenhuma indenização por perdas e danos foi concedida. Nos casos em que houve condenação, o valor mais frequente da indenização ficou entre 10 e 49 milhões de dólares.

Acordos e desistências: Dos casos que não chegaram a uma sentença final, 37% foram encerrados por solicitação conjunta das partes e 18% terminaram em acordo.

Nomeações de árbitros

Diversidade geográfica e de gênero: Foram nomeados árbitros de 48 nacionalidades diferentes, com a maioria vinda da Europa Ocidental (39%). A França teve o maior número de árbitros nomeados (17). As mulheres representaram 30% de todos os árbitros nomeados no período.

Participação brasileira: Houve cinco nomeações de árbitros com brasileiros, um número considerado relativamente baixo dada a relevância do país no cenário da arbitragem global.

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Por que há tantos Habeas Corpus no STF?

O ministro Flávio Dino disse há poucos dias que o STF terá que restringir o manejo de Habeas Corpus pelas partes. Exemplificou a questão pontuando que o tráfico privilegiado, que é um dos temas mais comuns em concessões de Habeas Corpus no STF, é “matéria de fatos e provas”.

“Será que nós vamos ficar examinando milhares e milhares de Habeas Corpus para deles não conhecer? Dizendo que, por exemplo, tráfico privilegiado é matéria de fatos e provas e que não seremos nós que vamos infirmar a conclusão das instâncias ordinárias? De que serve isso? Para que serve isso?”, questionou.

Algumas questões exsurgem da declaração do ministro. Primeiro, se há pedidos de Habeas Corpus no STF (e no STJ) é porque algo não funcionou nas duas instâncias do sistema. Não adianta reclamar das águas do rio se as margens é que o oprimem. Quem examinar minimamente o cotidiano das práticas jurídicas verá o quão dura é a realidade no chão da fábrica. Gente presa por qualquer coisa. Não há uma conscientização no primeiro grau para o não recebimento de acusações sem justa causa. Não há um rigor com as provas ilícitas e com as nulidades processuais. Não há obediência dos precedentes do STF e STJ (lembremos das queixas do ministro Salomão e agora do ministro Dino). É fácil determinar prisões por meio de temporária ou preventiva. Ou negar recorrer em liberdade. Mormente se o réu é pobre. Ainda não conseguimos superar De La Torre Rangel, que dizia: La ley es como la serpiente; solo pica al descalzos.

Se o STF tem de examinar Habeas de furto de pastéis ou caramelos, é porque alguém prendeu mal ou condenou erradamente. E o fiscal da lei deveria ter cuidado disso com mais precaução. Os exemplos são incontáveis. Há até furto de baldes de água que foi parar no STF. Conto o caso: em novembro de 2021, a ConJur noticiou Habeas Corpus deferido pelo ministro Alexandre de Moraes liberando uma mulher do estado de Minas presa há quatro meses por ter furtado água. Emblemáticos. Assim:

1) Um juiz mineiro decretou a preventiva,

2) o Tribunal de Minas considerou a prisão regular,

3) o Superior Tribunal de Justiça negou o HC por ela ser, além de tudo, perigosa e, finalmente,

4) o STF teve que entrar em campo para dizer o óbvio: prender alguém por esse tipo de crime deixaria Sir Coke de cabelos em pé (falo em Coke porque foi citado no belo voto do ministro Alexandre de Moraes).

Bem recentemente há um caso que ilustra melhor ainda o que estou dizendo:

1) sujeito foi condenado à pena de regime semiaberto, com prisão preventiva decretada, portanto, sem direito a recorrer em liberdade (afinal, para essa pena nem cabe preventiva, segundo o STF);

2) TJ-SP negou Habeas Corpus;

3) STJ negou Habeas Corpus:

4) o ministro André Mendonça não conheceu do HC, mas concedeu ordem de ofício (uma jabuticaba , mas, enfim, muito útil). O ministro disse que o Supremo já reconheceu a incompatibilidade da imposição ou manutenção da prisão preventiva se o réu for condenado a uma pena diferente do regime fechado.

5) portanto, se havia precedente (atenção, aqui de novo, o que é isto – um precedente?), por qual razão não é aplicado?

6) sob o império do precedentalismo, cabe perguntar: se o objetivo dos tribunais superiores é fixar teses que se prestam a coisas futuras, qual é a razão de essas coisas futuras se repetirem à exaustão no “sistema”?

Eis as margens do rio (sistema) que comprimem o curso da água (STF e, também, STJ).

Mas, vejamos também a violência das águas.

Com efeito, há uma profunda questão estrutural no sistema de administração da justiça. Como segundo ponto lembro que não basta, em breve, o STF decidir em um determinado caso que, a partir de então, não mais aceitará determinados pedidos de HC (não sei como faria isso, de todo modo). Lembremos do passado (2016): por meio do HC 126.292, de Itapecerica da Serra, o STF fez uma virada na presunção da inocência, da noite para o dia. E isso durou até 2019.

Receio que o STF faça algo desse tipo, ao ler nas entrelinhas a fala do ministro Dino. E disso surge um terceiro ponto: os tribunais superiores não têm o poder de alterar a legislação por meio de julgamentos dos quais extraem-editam uma tese, depois chamada de precedente. Teses não são precedentes (ver aquiaqui, aqui e aqui).

Portanto, a restrição ao direito do Habeas Corpus não pode ser feita sem a intervenção do legislador, locus da discussão genuíno (embora o parlamento “não se ajude muito” nos últimos tempos). A comunidade jurídica não pode simplesmente analisar o problema apenas na ponta de cima. Urge que discutamos os dois andares da jurisdição. A forte jurisprudência defensiva acaba também gerando mais pedidos de Habeas Corpus. De fato, o sistema está em um impasse:

1) existe uma jurisprudência defensiva pelo qual a vagueza da Súmula 7 (STJ) e 279 (STF) permite uma espécie de katchanga real, servindo para admitir ou inadmitir recursos;

2) quando há a inadmissão no tribunal de REsp ou RE, vem a Súmula 182 para ceifar liberdades (lembremos que a Súmula 182 é fruto de julgamento de cédula rural);

3) a Súmula 691 é outro obstáculo – hoje ilegal, mas que continua sendo usada (ler aqui artigo meu com Bheron);

4) outro fator é o número de RHCs, decorrentes de indeferimentos dos tribunais de segunda instância e também do STJ;

5) E o Tema 339/STF – que, em linhas gerais, permite ao julgador a exposição sucinta das razões decisórias – que simplesmente obsta todo e qualquer recurso extraordinário que tenha por objetivo levantar discussão sobre violação ao artigo 93, inciso IX, da Constituição (aí é fácil, certo?). Perceba que este enunciado talvez seja o maior obstáculo dentre todos aqueles nominados. Isso porque, além de, no mais das vezes, ser decidido no próprio tribunal de origem (nem subindo o recurso extraordinário ao seu destinatário final – o STF), trata da cláusula de accountability do Poder Judiciário e da democracia. A forma como se nota, na práxis, a utilização de tal tema praticamente estiola qualquer possibilidade de se levar ao conhecimento do Supremo questões atinentes à violação do dever de fundamentação;

6) Há um acúmulo de processos e um aumento da demanda, mas não há o aumento estrutural do número de ministros e servidores – preferindo o sistema apostar em inteligência artificial, tornando o direito das partes dependente de máquinas.

Dentre estes elencados acima, tantos outros poderiam ser citados para demonstrar que a existência do Habeas Corpus – e a sua ampla veiculação perante os tribunais superiores – em verdade soa como um importante instrumento para superar as barreiras intransponíveis da jurisprudência, que, em nome de uma pretensa eficiência, suprime cada vez mais os direitos fundamentais dos cidadãos.

Há um provérbio latino — Ne nuntium necare (“não mate o mensageiro”) — usado para ilustrar a atitude comum de reis e autoridades da Antiguidade que, ao receberem más notícias, em vez de enfrentarem a realidade ou lidarem com ela, ordenavam a execução do mensageiro. Restringir ainda mais o manejo de habeas corpus pelas partes é fechar os olhos para os sintomas do sistema de administração de justiça criminal brasileiro. É matar o mensageiro.

Voltando à metáfora do rio e das margens que o oprimem, vê-se que não são apenas as margens as responsáveis pela violência das águas; o próprio rio tem o seu grau de responsabilidade.

Portanto, não nos tirem o último bastão do direito, que, aliás, foi o primeiro (tragam-me o corpo, por isso Habeas Corpus). Por isso o chamamos de Remédio Heroico. Deve haver um bom motivo, pois não?

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Representação comercial: avanço da jurisprudência e impactos para empresas

A representação comercial sempre desempenhou um papel relevante no ambiente de negócios brasileiro, servindo, historicamente, como importante força externa de vendas. Há décadas, empresas que atuam no mercado de distribuição, no setor de serviços, no atacado, e em determinados segmentos da indústria, têm utilizado este modelo diante de suas vantagens estratégicas, que vão desde a capilaridade logística, que garante o maior acesso a clientes em localidades diversas, sem a necessidade de uma estrutura própria em cada região, até a capacidade técnica do representante para comercializar produtos e/ou serviços que exigem conhecimento especializado, além, é claro, da redução de custos quando em comparação com a manutenção de uma equipe de vendas interna, lastreada em mão de obra própria.

Apesar da relevância prática, esse protagonismo sempre conviveu com uma legislação peculiar que regulamenta a matéria. A Lei de Representação Comercial, nº 4.886/1965, foi elaborada sob forte influência da legislação trabalhista e, por muitos anos, foi interpretada pelos tribunais sob a premissa de que o representante comercial seria sempre a parte hipossuficiente na relação com a empresa representada e, como tal, dependia com frequência da interferência do Judiciário para reequilibrar as dinâmicas contratuais, o que acabou por conferir ao instituto uma rigidez excessiva e uma proteção desproporcional ao representante, muitas vezes desestimulando a adoção de negócios mais modernos.

Curiosamente, essa rigidez nem sempre beneficiou o próprio representante. Não foram poucos os episódios em que modelos contratuais inovadores, que poderiam trazer ganhos mútuos, deixaram de ser implementados pelo receio das empresas representadas em atrair litígios ou pesadas condenações, de modo que estas empresas, por muito tempo, preferiam não inovar na formatação dos contratos de representação.

O resultado foi uma espécie de congelamento das práticas negociais, em prejuízo tanto das empresas quanto dos representantes.

Atualização nas relações comerciais

Nos últimos anos, contudo, sem prejuízo das regras pétreas da Lei nº 4.886/66, sobre as quais é vedado às partes disporem de forma diversa, ainda que em comum acordo, como por exemplo a obrigatoriedade de pagamento da comissão sobre o valor integral da nota fiscal, considerados inclusive os impostos incidentes, e a vedação de alteração contratual unilateral em prejuízo à média comissional dos últimos seis meses, a jurisprudência tem exercido uma função essencial na atualização das relações contratuais entre empresas e representantes.

Os tribunais têm reconhecido que, em determinados casos, o representante não se enquadra na condição de hipossuficiente, especialmente quando possui estrutura empresarial própria e assessoria jurídica para negociar condições equilibradas. Nessas hipóteses, a jurisprudência vem privilegiando a autonomia privada, permitindo a adoção de dinâmicas contratuais mais adequadas à realidade de cada negócio, conforme assim ajustadas em comum acordo entre as partes. Esse ponto é relevante pois, no passado, era comum que representantes assinassem contratos ou aditivos com condições customizadas e, posteriormente, buscassem a anulação desses documentos sob o argumento de terem sido forçados a aceitar os termos. Hoje, os juízes têm rejeitado esse tipo de alegação quando há elementos que demonstram que o representante tinha efetiva capacidade de negociação no momento da assinatura destas avenças.

Inscrição em conselho regional

Em paralelo, a jurisprudência recente vem consolidando outro entendimento importante. Em litígios envolvendo contratos de representação comercial, os tribunais estaduais vêm reforçando posição já firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, que considera que, quando o agente de negócios não estiver inscrito no Conselho Regional de Representantes Comerciais correspondente, a ele não se aplicará o regime jurídico especial da Lei nº 4.886/66, hipótese na qual a relação de agenciamento será regulada pelas regras gerais do Código Civil.

Esse tema é especialmente relevante, pois, com base nessa diferenciação, muitas empresas têm identificado a possibilidade de migrar de modelos tradicionais de representação comercial para outros contratos atípicos, mas que guardam semelhanças com essa mesma estrutura de vendas, sem, contudo, submetê-la à lei especial. Isso amplia a liberdade de negociação, reduz riscos jurídicos e permite que as partes estruturem modelos mais modernos e ajustados às particularidades de cada negócio.

Esse avanço jurisprudencial possui impacto direto na mitigação de riscos e na formatação de contratos mais modernos. Ele afasta a aplicação da indenização legal obrigatória prevista na lei especial em casos de rescisão imotivada pela empresa, garante maior segurança jurídica para a adoção de novos modelos comerciais e estimula a construção de relações negociais mais flexíveis e aderentes à realidade do mercado.

Aproximação da lei com a realidade do mercado

Em um cenário de negócios cada vez mais competitivo, essa evolução abre espaço para que empresas e agentes de negócios possam adotar arranjos contratuais tailor made, ajustados às especificidades de cada setor, sem a insegurança jurídica que antes limitava a inovação.

A jurisprudência tem cumprido papel relevante ao aproximar a lei de representação comercial da realidade do mercado, preenchendo a lacuna deixada pela inércia legislativa. Para as empresas, o momento é propício para revisitar contratos de representação e de agenciamento, avaliando a possibilidade de desenhar modelos mais seguros, modernos e vantajosos.

Para os representantes, a evolução jurisprudencial também traz benefícios ao reconhecer sua capacidade empresarial e de negociação, o que amplia sua autonomia na definição das condições contratuais e possibilita relações mais equilibradas e sustentáveis, além de abrir novas oportunidade de negócios.

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Representação comercial: avanço da jurisprudência e impactos para empresas

A representação comercial sempre desempenhou um papel relevante no ambiente de negócios brasileiro, servindo, historicamente, como importante força externa de vendas. Há décadas, empresas que atuam no mercado de distribuição, no setor de serviços, no atacado, e em determinados segmentos da indústria, têm utilizado este modelo diante de suas vantagens estratégicas, que vão desde a capilaridade logística, que garante o maior acesso a clientes em localidades diversas, sem a necessidade de uma estrutura própria em cada região, até a capacidade técnica do representante para comercializar produtos e/ou serviços que exigem conhecimento especializado, além, é claro, da redução de custos quando em comparação com a manutenção de uma equipe de vendas interna, lastreada em mão de obra própria.

Apesar da relevância prática, esse protagonismo sempre conviveu com uma legislação peculiar que regulamenta a matéria. A Lei de Representação Comercial, nº 4.886/1965, foi elaborada sob forte influência da legislação trabalhista e, por muitos anos, foi interpretada pelos tribunais sob a premissa de que o representante comercial seria sempre a parte hipossuficiente na relação com a empresa representada e, como tal, dependia com frequência da interferência do Judiciário para reequilibrar as dinâmicas contratuais, o que acabou por conferir ao instituto uma rigidez excessiva e uma proteção desproporcional ao representante, muitas vezes desestimulando a adoção de negócios mais modernos.

Curiosamente, essa rigidez nem sempre beneficiou o próprio representante. Não foram poucos os episódios em que modelos contratuais inovadores, que poderiam trazer ganhos mútuos, deixaram de ser implementados pelo receio das empresas representadas em atrair litígios ou pesadas condenações, de modo que estas empresas, por muito tempo, preferiam não inovar na formatação dos contratos de representação.

O resultado foi uma espécie de congelamento das práticas negociais, em prejuízo tanto das empresas quanto dos representantes.

Atualização nas relações comerciais

Nos últimos anos, contudo, sem prejuízo das regras pétreas da Lei nº 4.886/66, sobre as quais é vedado às partes disporem de forma diversa, ainda que em comum acordo, como por exemplo a obrigatoriedade de pagamento da comissão sobre o valor integral da nota fiscal, considerados inclusive os impostos incidentes, e a vedação de alteração contratual unilateral em prejuízo à média comissional dos últimos seis meses, a jurisprudência tem exercido uma função essencial na atualização das relações contratuais entre empresas e representantes.

Os tribunais têm reconhecido que, em determinados casos, o representante não se enquadra na condição de hipossuficiente, especialmente quando possui estrutura empresarial própria e assessoria jurídica para negociar condições equilibradas. Nessas hipóteses, a jurisprudência vem privilegiando a autonomia privada, permitindo a adoção de dinâmicas contratuais mais adequadas à realidade de cada negócio, conforme assim ajustadas em comum acordo entre as partes. Esse ponto é relevante pois, no passado, era comum que representantes assinassem contratos ou aditivos com condições customizadas e, posteriormente, buscassem a anulação desses documentos sob o argumento de terem sido forçados a aceitar os termos. Hoje, os juízes têm rejeitado esse tipo de alegação quando há elementos que demonstram que o representante tinha efetiva capacidade de negociação no momento da assinatura destas avenças.

Inscrição em conselho regional

Em paralelo, a jurisprudência recente vem consolidando outro entendimento importante. Em litígios envolvendo contratos de representação comercial, os tribunais estaduais vêm reforçando posição já firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, que considera que, quando o agente de negócios não estiver inscrito no Conselho Regional de Representantes Comerciais correspondente, a ele não se aplicará o regime jurídico especial da Lei nº 4.886/66, hipótese na qual a relação de agenciamento será regulada pelas regras gerais do Código Civil.

Esse tema é especialmente relevante, pois, com base nessa diferenciação, muitas empresas têm identificado a possibilidade de migrar de modelos tradicionais de representação comercial para outros contratos atípicos, mas que guardam semelhanças com essa mesma estrutura de vendas, sem, contudo, submetê-la à lei especial. Isso amplia a liberdade de negociação, reduz riscos jurídicos e permite que as partes estruturem modelos mais modernos e ajustados às particularidades de cada negócio.

Esse avanço jurisprudencial possui impacto direto na mitigação de riscos e na formatação de contratos mais modernos. Ele afasta a aplicação da indenização legal obrigatória prevista na lei especial em casos de rescisão imotivada pela empresa, garante maior segurança jurídica para a adoção de novos modelos comerciais e estimula a construção de relações negociais mais flexíveis e aderentes à realidade do mercado.

Aproximação da lei com a realidade do mercado

Em um cenário de negócios cada vez mais competitivo, essa evolução abre espaço para que empresas e agentes de negócios possam adotar arranjos contratuais tailor made, ajustados às especificidades de cada setor, sem a insegurança jurídica que antes limitava a inovação.

A jurisprudência tem cumprido papel relevante ao aproximar a lei de representação comercial da realidade do mercado, preenchendo a lacuna deixada pela inércia legislativa. Para as empresas, o momento é propício para revisitar contratos de representação e de agenciamento, avaliando a possibilidade de desenhar modelos mais seguros, modernos e vantajosos.

Para os representantes, a evolução jurisprudencial também traz benefícios ao reconhecer sua capacidade empresarial e de negociação, o que amplia sua autonomia na definição das condições contratuais e possibilita relações mais equilibradas e sustentáveis, além de abrir novas oportunidade de negócios.

Fonte: Conjur

FGV cria projeto para difundir práticas de consensualidade na administração pública

A Fundação Getulio Vargas lançou o FGV Consenso, projeto voltado a estimular o uso de soluções consensuais na administração pública, em especial nos setores regulados de infraestrutura. A iniciativa se alinha à missão da FGV de contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do país, oferecendo resposta estruturada a um tema em expansão no Direito Administrativo.

O projeto tem coordenação-geral acadêmica do professor Bruno Dantas, pesquisador da FGV Direito Rio e idealizador da SecexConsenso durante sua presidência no Tribunal de Contas da União.

O FGV Consenso funcionará como centro de monitoramento, pesquisa e difusão de conhecimento, com foco na aplicação da consensualidade em políticas públicas e em ambientes regulados.

Segundo Dantas, a experiência recente do TCU com a criação do SecexConsenso mostrou que é possível encontrar soluções técnicas para impasses complexos em contratos de parceria.

Trata-se de iniciativas, diz Dantas, que trazem eficiência a serviços e utilidades públicas, destravam investimentos em infraestrutura e oferecem maior segurança jurídica em contratos incompletos.

“Por isso, considero motivo de especial satisfação atender ao convite da FGV Direito Rio para liderar academicamente esse tema estratégico para o país”, afirmou.

Objetivos e prática

O projeto nasce com três objetivos centrais:

– produzir análises críticas e propositivas sobre a consensualidade na administração pública e na regulação dos setores econômicos;

– fomentar práticas consensuais na formulação e implementação de políticas públicas;

– disseminar conhecimento de forma acessível, promovendo sua compreensão e aplicação por diferentes atores da sociedade.

Já as atividades previstas incluem:

– mapeamento e monitoramento contínuos de experiências nacionais e internacionais em consensualidade, com foco em infraestrutura;

– criação de repositório de boas práticas, dados abertos, indicadores e métricas de consensualidade;

– promoção de redes de cooperação acadêmica, institucional e setorial, no Brasil e no exterior;

– desenvolvimento de metodologias e instrumentos aplicáveis ao setor público e às agências reguladoras;

– propostas de aprimoramento normativo e de políticas públicas, alinhadas às diretrizes de órgãos de controle;

– capacitação de gestores públicos, reguladores, agentes privados e acadêmicos, por meio de programas e treinamentos especializados;

– integração com iniciativas estruturantes da FGV Direito Rio, como o projeto Regulação em Números, além de programas de mestrado, doutorado e iniciação científica.

Crescimento da consensualidade

Para o professor Sérgio Guerra, diretor da FGV Direito Rio e líder da equipe que coordenará a execução do projeto, a consensualidade administrativa vem ganhando destaque na legislação, na doutrina e na atuação de instituições públicas.,

“Como uma escola de realidade que possui reconhecida expertise em ensino e pesquisa em regulação, a FGV Direito Rio busca liderar este movimento com rigor acadêmico e compromisso prático”, disse.

O FGV Consenso será orientado por diálogo, cooperação e inovação institucional, buscando prevenir litígios e reforçar a confiança social. O projeto pretende estabelecer parcerias com órgãos públicos, instituições acadêmicas e agentes setoriais para fomentar um ambiente regulatório mais eficiente, transparente e colaborativo. Com informações da assessoria de imprensa da FGV. 

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Taxa de lixo não varre os problemas

Com os prazos cada vez mais exíguos (e já amplamente prorrogados) da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a gestão municipal do lixo tornou-se um desafio cada vez mais caro e inadiável. Manter aterros, garantir coleta regular e evitar a poluição urbana exige recursos vultosos que a maioria dos municípios não dispõe em seus orçamentos.

Nesse cenário, não há mais espaço para alegar falta de verba. Desde as alterações na Política Nacional de Saneamento Básico, em 2021, a criação de instrumentos econômicos deixou de ser mera opção para se tornar, em muitos casos, uma obrigação legal. Assim, proliferam taxas e tarifas destinadas a custear serviços onerosos, mas indispensáveis para manter as cidades limpas, atender às exigências ambientais e evitar sanções civis, penais e financeiras.

Cobrar pelo lixo não é novidade no Brasil. Diversos municípios já implantaram instrumentos econômicos sobre os resíduos sólidos, inclusive na década de 1990 [1], vinculadas em muitos casos ao IPTU ou ao consumo de água. Além da percepção negativa dos contribuintes sobre a medida, que é sempre natural em casos de criação de tributos, há um problema evidente: essa forma de cobrança não distingue quem recicla de quem não recicla. Na maioria dos casos, por exemplo, quem separa seu lixo em casa paga o mesmo que quem joga tudo no mesmo saco. A pergunta é inevitável: que incentivo existe para que o contribuinte cogite mudar o seu comportamento?

Defesa do meio ambiente

A Emenda Constitucional nº 132/2023 incluiu a defesa do meio ambiente como princípio obrigatório do sistema tributário. Isso significa que qualquer exação fiscal ligada ao lixo precisa ser mais do que arrecadatória: deve induzir práticas ambientais corretas [2]. Do contrário, corre o risco de se tornar apenas mais uma cobrança, sem impacto positivo para a cidade nem para o planeta.

Muitos municípios já avançaram em várias frentes ambientais: pontos de entrega voluntária espalhados pela cidade, fortalecimento de associações de catadores, veículos elétricos destinados à coleta seletiva são exemplos encontrados, sobretudo, em municípios de grande e médio porte. O que falta é alinhar a nova perspectiva de arrecadação para custear os resíduos a essa realidade.

Quando se cria o instrumento econômico sem que o vincule a um elemento de proteção ambiental, a mensagem que se passa é “pague e não se preocupe com o lixo”. Esse raciocínio é perigoso, porque desestimula a segregação dos resíduos gerados pelos contribuintes, bem como a entrega de recicláveis.

Defende-se, portanto, um caminho mais inteligente: transformar a taxa/tarifa em um modelo de sanção premial. Isso significa premiar quem reduz e recicla. A proposta é criar um sistema digital (um aplicativo, por exemplo) que permita registrar a entrega de recicláveis em pontos de coleta ou diretamente às associações de catadores. A cada registro, o contribuinte acumularia pontos, em modelo semelhante ao cashback.

Os ganhos são múltiplos. Para o contribuinte, um estímulo financeiro claro para mudar o comportamento e criar uma cultura de reciclagem. Para os catadores, mais acesso a materiais, maior renda e valorização do seu papel social. Para o município, menos rejeitos destinados às centrais de tratamento de resíduos, o que significa economia mensal, bem como a prorrogação da vida útil de equipamentos como aterros sanitários.

Além de todos esses ganhos, um resultado ambiental efetivo: menos poluição, mais economia circular e mais responsabilidade compartilhada.

Tributação ambiental e economia

A tributação ambiental precisa dialogar com a economia comportamental e com a realidade das pessoas. As decisões não são apenas econômicas: são emocionais, culturais, muitas vezes pouco racionais. Por isso, premiar quem faz a escolha certa é mais eficiente do que punir de forma cega. Como alerta Hugo de Brito Machado Segundo [3], incentivos mal desenhados podem gerar o efeito contrário ao desejado.

Não basta, portanto, criar tributos “verdes” que não mudam nada. Se é ambiental, precisa induzir comportamento ambiental. E isso só será possível se o contribuinte perceber que separar e reciclar seu lixo tem valor concreto.

Cobrar pelo lixo é legítimo e será cada vez comum entre os municípios, que já sofrem celeumas demais diante de um pacto federativo desigual. Mas só vale como política pública se premiar quem cuida do ambiente.

Os municípios têm a chance de criar um modelo paradigmático: transformar a tarifa de resíduos em instrumento de cidadania e sustentabilidade. Porque tributos ambientais que não induzem comportamentos não são sustentáveis, representam apenas mais um boleto a se pagar. E o custo desse boleto sai caro. Para todas as gerações.


[1] Aqui.

[2] CAVALCANTE, Denise Lucena. Tributação Ambiental e Aspectos da Extrafiscalidade. In: Revista Brasileira de Estudos Tributários, 2019. Disponível aqui.

[3] MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Ciência do direito tributário, economia comportamental e extrafiscalidade. In: Revista Brasileira de Políticas Públicas. Uniceub. Vol. 8, nº 2, 2018. Disponível aqui

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Desrespeito à boa-fé em fase pré-contratual gera dever de indenizar

A 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu que um pedreiro deve ser indenizado por ter tido frustrada sua expectativa de contratação por uma empresa de serviços de construção. A decisão segue o entendimento do TST de que deve haver respeito à boa-fé também na fase pré-contratual. O valor da condenação será definido pelo Tribunal Regional da 3ª Região (MG).

Na ação, o trabalhador relatou que havia passado por uma seleção prévia para o cargo. Em 1º agosto de 2023, ele recebeu um check list admissional da empresa, por meio de um aplicativo de mensagens, e fez o exame ocupacional no dia nove daquele mês. Dias depois, foi consultado sobre a numeração de seu uniforme e seu email para envio dos contracheques. Finalmente, em 24 de agosto, foi informado de que não seria mais contratado.

A empresa, em sua defesa, alegou que o processo de seleção ainda estava em andamento.

Quebra de expectativa

Para a 2ª Vara do Trabalho de Itabira (MG), a empresa praticou ato ilícito ao frustrar a expectativa do trabalhador e desistir da contratação na fase final de admissão.

Segundo o juízo, o envio do check list admissional, por si só, já confirmaria que não se tratava mais da fase de seleção, mas de admissão. As demais mensagens confirmaram a conclusão de que a empresa violou a boa-fé na quase contratação formal do trabalhador. Diante da frustração da expectativa de oportunidade futura, a construtora foi condenada a pagar indenização de R$ 5 mil.

O TRT-3, porém, julgou improcedente a ação, por entender que o período pré-contratual pode ou não resultar em admissão. Para o tribunal, não havia nenhuma prova de que o pedreiro tivesse renunciado a outra oportunidade de emprego nem de que a recusa da contratação teria causado constrangimento ou abalo moral.

Nítida intenção de contratar

O relator do recurso do trabalhador, ministro Dezena da Silva, ressaltou que a empresa demonstrou nítida intenção de contratá-lo, ao pedir a documentação necessária, inclusive para a abertura de conta-salário, e indicar a clínica para o exame admissional. A seu ver, a construtora, ao desistir da contratação, “ofendeu o dever de lealdade e boa-fé, pois o trabalhador teve a real expectativa de firmar o novo vínculo empregatício”.

Nesse sentido, o relator enfatizou que o entendimento do TST é de que deve haver respeito à boa-fé na fase pré-contratual. “A legítima expectativa de contratação que for frustrada injustificadamente deve ser indenizada pela empresa que praticar essa conduta abusiva, e esse dano prescinde de comprovação da efetiva lesão”, concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0010462-76.2023.5.03.0171    JMˆ*K

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Nota de alerta
Prevenção contra fraudes com o nome do escritório Aragão & Tomaz Advogados Associados