Stablecoins encantam o mercado e preocupam governos

Realizar transações envolvendo criptoativos e moedas fiduciárias requer a confiança em intermediários em uma situação de assimetria bastante preocupante. Vários episódios de pessoas que não entregaram valor ou simplesmente desaparecerem requerem cautela. Além disso, as cotações de criptoativos podem variar drasticamente.

As duas stablecoins com maior volume atualmente são USDT, emitida pela Tether, e USDC, emitida pela Circle, com cerca de, respectivamente, US$ 160 bilhões e US$ 62 bilhões em saldos emitidos. A Circle, além de ter um IPO bem-sucedido nos EUA, reportou US$ 1,7 bi de receita e US$ 150 milhões de lucro em 2024. Por sua vez, a Tether, com apenas 150 funcionários e mais de 500 milhões de usuários declarados, reportou lucro de US$ 13 bilhões, quase o dobro da BlackRock, maior gestora do mundo.

Em relatório publicado no início deste mês, o JPMorgan divulgou a projeção de que o mercado de stablecoins chegará a US$ 500 bilhões até 2028, a depender da evolução do ecossistema cripto como um todo — afinal, as stablecoins funcionam como “lubrificantes” deste setor, com uma demanda de 88% para operações com criptoativos e apenas 6% para pagamentos, de acordo com o relatório.

Ceticismo com relação a compliance

Profissionais do sistema financeiro tradicional, como banqueiros, advogados e contadores, estão sujeitos a regras destinadas a impedir a entrada de recursos de criminosos e terroristas no sistema. Devem reportar transações suspeitas às autoridades competentes e podem sofrer penalidades severas caso deixem de fazê-lo.

Diante desse quadro, as stablecoins podem introduzir um risco relevante em matéria de PLD/FTP se a liberdade de circulação de valores se der sem a visibilidade das instituições envolvidas, a necessária identificação de beneficiários finais e o reporte de operações suspeitas. Esta é uma das conclusões do relatório sobre o tema publicado pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) em junho deste ano.

Nos Estados Unidos, a gestão Biden costumava afirmar que stablecoins eram utilizadas por grupos terroristas, pelo governo russo e por outros adversários para contornar sanções econômicas. Com a visão pró-cripto de Trump, a narrativa mudou drasticamente e há dois projetos de lei em tramitação (Stable Act e Genius Act).

Em agosto do ano passado, a Tether firmou parceria com a blockchain Tron e a empresa de investigações TRM Labs para lançar uma unidade de combate a crimes financeiros, batizada de T3. A iniciativa busca auxiliar autoridades na identificação e interrupção de fluxos ilícitos envolvendo o stablecoin USDT. Segundo a Tether, a equipe da T3 é composta por cerca de 20 a 30 investigadores e já contribuiu para congelar dezenas de milhões de dólares em tokens, sinalizando maior disposição da empresa em colaborar com órgãos reguladores e policiais.

No entanto, um artigo publicado na revista The Economist, de autoria de Oliver Bullough, questionou a eficácia deste grupo, sinalizando que a iniciativa ainda estaria muito aquém do padrão do sistema financeiro tradicional. De acordo com o artigo, estima-se que a indústria financeira global gaste mais de US$ 200 bilhões por ano para cumprir as normas para combater a lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros e instituições bancárias reportam dezenas de milhões de operações a suas unidades internas de inteligência financeira, bloqueando muitas delas preventivamente até a conclusão das verificações. Instituições de grande porte empregam milhares de profissionais em suas áreas de compliance e, com cerca de 40 milhões de novos clientes a cada trimestre, seria pouco crível que uma equipe tão enxuta fosse capaz de verificar com rigor a legitimidade das transações ou a identidade dos usuários.

Além disso, por operarem fora da jurisdição direta dos Estados nacionais, stablecoins como o USDT desafiam a capacidade dos governos de impor obrigações regulatórias, restando-lhes apenas solicitar – e não exigir – cooperação das plataformas.

Stablecoins como meio de pagamento

Boa parte do volume da negociação de stablecoins é atualmente destinada à compra e venda de criptoativos, pois servem como um “repositório de valor” ao permitir que os saldos continuem no universo tokenizado antes de serem resgatados no sistema financeiro tradicional, quando podem ser tributados com maior facilidade.

Por outro lado, o acesso ao sistema financeiro formal e remessas internacionais podem ser extremamente difíceis e caros para pessoas em países emergentes. A Tether facilitou o acesso de pessoas comuns ao USDT, criando quiosques onde é possível negociar USDT com moeda fiduciária. Após a conversão, os tokens podem ser transferidos para uma pessoa em outro país e ela pode convertê-los em moeda local, pagando por comida, aluguel ou qualquer outra coisa, sem que os bancos fiquem com uma parte significativa do valor enviado.

A utilização de stablecoins para pagamentos depende do seu grau de aceitação pelos estabelecimentos por quem recebe e da comodidade da experiência de usuário para quem paga. Por essa razão, as bandeiras têm se posicionado estrategicamente como intermediárias para pagamentos com o uso de stablecoins, pois já possuem uma rede ampla de distribuição, bem como os devidos controles exigidos pela regulação. Esse movimento das bandeiras de cartões pode ser interpretado como uma reação à possibilidade de pagamento com stablecoins como forma de contornar os arranjos de pagamento tradicionais — as taxas de processamento.

O interesse de diversas empresas em emitir suas próprias stablecoins tem várias motivações. Uma grande varejista que emitisse sua própria stablecoin poderia economizar com taxas de processamento de pagamentos ao utilizá-lo nas transações com clientes e, ao mesmo tempo, obter rendimento sobre os ativos que lastreiam a moeda.

Interação com o sistema tradicional e categorias existentes

No contexto brasileiro, a popularidade e eficiência do Pix torna esse tipo de transação pouco atrativa. Em contraste, as stablecoins podem facilitar transações internacionais, razão pela qual, além de preocupar as bandeiras, estão no foco das autoridades monetárias. Ainda, a manutenção de saldos em stablecoins pode, em teoria, drenar volumes hoje destinados a depósitos bancários.

Os emissores de stablecoins são credores dos titulares dos tokens, razão pela qual alguns podem considerar aqueles como bancos ou, pelo menos, emissores de moeda eletrônica. Adicionalmente, o pagamento de juros aos titulares de stablecoins as aproximariam da qualificação jurídica como valores mobiliários (pela oferta de rendimento decorrente do esforço de terceiro).

Desdobramentos

A potencial facilidade de circulação de stablecoins pode ser determinante para a disputa entre o dólar e outras moedas, especialmente o yuan, pela hegemonia monetária global. Embora as transações com criptoativos continuem proibidas na China, a partir de agosto haverá um sistema de licenciamento de stablecoins em Hong Kong. Esse movimento pode abrir portas para a emissão de stablecoins lastreadas na moeda chinesa.

De acordo com a Reuters, o conglomerado de e-commerce JD.com e o grupo Ant estão interessados em estimular stablecoins de yuan para facilitar pagamentos na cadeia logística, remessas internacionais e, ainda, contarem com receitas adicionais com os títulos de lastro para a emissão de tokens.

A ascensão das stablecoins marca um ponto de inflexão no equilíbrio entre inovação financeira e supervisão regulatória. Ao mesmo tempo em que ampliam o acesso a pagamentos globais e reduzem custos operacionais, sua natureza transnacional e estrutura pouco transparente impõem desafios significativos às autoridades monetárias e aos órgãos de combate à lavagem de dinheiro.

O crescente interesse de grandes empresas, bandeiras de pagamento e até potências geopolíticas como a China demonstra que as stablecoins não são apenas instrumentos técnicos, mas peças estratégicas em disputas por eficiência financeira, controle regulatório e hegemonia monetária internacional.

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Juiz sem rosto no TJ-SC: precisamos comprar perucas?

A toga, o cordão e as igualdades

A história dos trajes judiciais busca isonomia visual e humildade institucional, uniformizando externamente julgadores e demais profissionais, sinalizando igualdade de condições.

A toga oculta diferenças sociais e evita que aparências afetem a percepção de imparcialidade.

A crítica que vê as vestes como elitistas desconsidera seu fundamento, às vezes até por juristas se perdem nisso, em especial aqueles que alimentam seu ego com algo que remete à humildade e não o contrário.

Mesmo vistos como anacrônicos, os símbolos judiciais ganham sentido histórico ao projetarmos o presente e o futuro.

Em vez de apenas criticar, é preciso contribuir com estudo e propostas concretas para melhorar o Direito e o tecido social.

A toga pode parecer suntuosa, mas seu objetivo é igualar, não distinguir.

A magistratura sempre reuniu pessoas de diferentes origens sociais, e no Brasil [1], com concursos como o de Santa Catarina, há representatividade real do tecido social.

Vestes talares (que vão até o “talo”: calcanhar), lisas e sem adornos, simbolizam igualdade — não diferença.

As exceções são o cordão ou faixa, cuja cor distingue as funções: magistrado, MP, advocacia, Defensoria.

O cordão de São Francisco remete à humildade franciscana, reforçando o simbolismo da toga.

Com toga, não importa se o terno é de grife ou surrado: todos se apresentam iguais na sessão.

Passado o debate sobre togas, olhemos agora para as perucas.

As perucas também promovem igualdade visual, ocultando diferenças físicas e garantindo algum nível de anonimato fora do tribunal — para alguns, um fator de segurança [2].

Também elas entregam alguma igualdade (podia ser calvo, cabeleira bem tratada ou descabelado, ali isso não faria diferença). O que se é fora dali, não faz diferença. Mas mais do que isso, no caso das perucas, ela permite até certo ponto preservação da privacidade dos usuários e um pouco (bem pouco talvez) de anonimato nas ruas, o que até hoje, alguns entendem como fator de segurança.

“Hoje em dia, os tribunais civis e de família, o supremo tribunal do Reino Unido e até o tribunal de sessão escocês não exigem que os defensores da lei usem o adorno. Mas alguns advogados, incluindo os da área criminal, gostam. Para eles, é uma maneira de enfatizar o anonimato e o distanciamento dos seus interesses pessoais durante o julgamento [3] (sem destaque no original).

Adequação normativa de Santa Catarina à simetria nacional e convencional

A Vara especializada do TJ-SC, criada pela Resolução 7/2025, resulta da evolução institucional iniciada pelas Resoluções TJ 3/2013 e CM-PJSC 1/2013, alinhada à legislação federal.

Desde 2013, com normas como as de 2018 e 2024o modelo da Vara evoluiu conforme os tratados internacionais, com regras públicas e objetivas mesmo nas fases provisórias — sem qualquer incidente registrado.

Os magistrados sempre foram designados por ato formal e público, com ampla transparência.
Mesmo com anonimização, a identidade dos juízes é previamente definida por critérios públicos e objetivos, respeitando as normas anteriores, com designação formal

A crítica [4] (12 anos atrasada) sobre “juiz sem rosto” ou violação ao juiz natural ignora que o provimento obedece às regras legais, com alternância por antiguidade e merecimento — o que sempre ocorreu.

A lotação dos juízes é pública e o rodízio segue as regras, como ocorre em varas de mesma competência. Não há exceção pós-fato, mas estrutura evoluída dentro de um sistema democrático.

O verdadeiro problema é que, com as normas de transparência, o anonimato dos juízes é praticamente inviável.

Casos da Corte Interamericana vs. situação em Santa Catarina

A Corte IDH condenou o uso da jurisdição militar para civis, juízes sem designação prévia e falta de critérios claros[5]. No TJ-SC, há designação formal, publicidade e independência funcional garantidas por Loman, CRFB e Resolução CNJ 135/2011. Nada semelhante ocorre aqui.

Enquanto o Peru vedava HC a acusados de terrorismo, no Brasil ele é garantia constitucional absoluta, sem qualquer obstáculo ao seu exercício.

No caso Pollo Rivera [6], houve condenação por ato médico — violando a legalidade. No Brasil, tal criminalização seria juridicamente impossível, dada a reserva legal, a tipicidade penal e o devido processo. As normas do TJ-SC tratam apenas da estrutura administrativa da Vara, sem criar crimes.

Das perucas e do ‘sem rosto’ até o ambiente digital atual

O debate sobre a identificação dos magistrados desloca o foco do verdadeiro problema.

A preocupação com o “juiz anônimo” não considera que a composição de magistrados é conhecida publicamente e acessível nos meios oficiais. Se há intenção de proteção, diga-se, embora seja uma evolução, ainda estaria longe de realmente proteger os magistrados por real anonimato. É mais do que a peruca, certamente, mas ainda não protege eficientemente. Não se visualiza como seria possível de fato, e de direito, em contexto republicano e democrático sob regras constitucionais de devido processo legal prevalecendo sobre a vida, a segurança e a saúde dos indivíduos que atuam para proteger os direitos dos demais cidadãos (não só dos acusados, também das vítimas e da sociedade).

O verdadeiro problema está na segurança de testemunhas e operadores do Sistema de Justiça.

Embora haja avanços tecnológicos (voz e imagem distorcidas, por exemplo), os riscos de retaliação por organizações criminosas persistem.

É nesse contexto que o foco deveria estar: como garantir que juízes, promotores, advogados, policiais, testemunhas e servidores e colaboradores que com eles atuam, possam cumprir suas atividades com segurança e integridade, inclusive respeitado devido processo legal e seus consectários, nesse contexto de perigo.

Impedimentos e suspeições, embora raros, seguem possíveis e não anulam o direito à proteção da vida dos envolvidos. Não se pode basear políticas públicas relevantes em exceções, ignorando os riscos reais que ainda subsistem.

Impedimentos importam, sim. Mas diante do cenário crítico da criminalidade organizada, são como uma unha encravada num corpo coberto de feridas: não o centro do problema.

Também a invocação do juiz de garantias no contexto está deslocada da especificidade da legislação para essas condutas especialmente graves. A lei refere não só uma ou duas vezes a competência do juiz da Vara especializada na matéria para apreciação das medidas durante a fase de investigação, bem como para concessão de benefícios possíveis, afastando outro procedimento genérico/ordinário. Mesmo o julgamento colegiado, conforme seja organização armada ou não, tem regulação diversa.

Não há juiz anônimo nem histórico de violações ao direito de arguir suspeição. A publicidade foi mantida.

A assinatura pela “Vara Estadual de Organizações Criminosas” não compromete a imparcialidade: sabe-se quem são os sete magistrados possíveis, cabendo arguição conforme o CPP. Há, inclusive, registro de auditoria interna.

A expressão “juiz sem rosto” é retórica e não condiz com a realidade jurídica de SC, onde há transparência e controle. A proposta busca proteger a integridade física, não compromete a fiscalização pública.

A crítica feita, nesse ponto, erra no alvo: ignora os mecanismos efetivos já existentes para controle da atuação judicial e falha em propor qualquer alternativa de proteção dos seres humanos envolvidos no enfrentamento da criminalidade organizada. “Já que ninguém parece protegido, vamos jogar todos às feras”, traduz a proposição de um deles.

A invocação do princípio da reserva legal no artigo crítico é válida enquanto categoria analítica, mas insuficiente na fundamentação concreta. Não se apontam violações efetivas aos direitos fundamentais do processo justo, tampouco há demonstração de que a Resolução nº 7/2025-TJ-SC extrapola o que a própria Constituição autoriza como as normas de Organização Judiciária (artigo 96, I, “a”, CRFB e a Lei Complementar nº 339/2006, em seu artigo 4º[7]) – nada “simples e precária ‘resolução’ do TJ-SC”. Isso só revelou desconhecimento da lei vigente, tranquilamente compreensível em pesquisa atenta de alguém que estudou Direito

Considerações

As perucas serviram como metáfora crítica à busca de soluções eficazes e realistas, em vez de críticas simplistas ou descontextualizadas.

A toga, o cordão de São Francisco e até os trajes utilizados em outros países, como as perucas britânicas, são marcos de um esforço civilizatório pela isonomia, humildade e solenidade no trato da vida dos cidadãos. Mas para além disso, as curiosas perucas são uma das formas (precárias é verdade, mas mais eficientes do que nada) para que os advogados, promotores e juízes não sejam prontamente identificados nas ruas.

Nem de longe se está propondo que essa seja a solução aqui no Brasil e aqui agora, mas existem outras, e na tecnologia estão as melhores respostas para isso.

Todavia, em vez de isso ser o objeto de aprimoramento e debate, para alguns, é útil desviar o foco para questões que não representam reais problemas.

A realidade impõe que as garantias processuais não podem ser tratadas de forma isolada das garantias à vida, à saúde e à integridade física daqueles que enfrentam cotidianamente o crime organizado. São normas de quilate constitucional, princípios, devem coexistir e não ser lembrados apenas em parte, de forma a aniquilarem os demais.

Buscar as perguntas corretas — como proteger eficientemente quem atua no Sistema de Justiça — é tarefa fundamental para que o Direito continue sendo uma ferramenta de transformação social, e não um palco para discussões desconectadas do espaço de vida dos cidadãos.

Seriamente necessário, mesmo para ensino jurídico, se pensar em utilizar de ferramentas como a que o governo federal empregou recentemente, seguindo uma “trend” [8]. Talvez em vez de perucas precisemos “Explicando a Lei do Crime Organizado com gatinhos“Explicando a Res. TJ n. 7/2025 com gatinhos”.

A base bibliográfica foi coletada manualmente, um a um os textos citados, utilizaram-se ferramentas de Pesquisa Jurídica da Categoria, Referente e Conceito Operacional, conforme doutrina de Pasold [9].


Apêndice metodológico

Relatório de log de prompts e questionamentos

Este relatório documenta os prompts utilizados pelo usuário André Alexandre Happke ao longo do processo de construção do artigo intitulado “Precisamos comprar perucas?”.

1. Artigo desta ConJur

-Prompt: “Esse artigo da revista eletrônica Consultor Jurídico, que categorias você identifica nele de questionamentos relevantes sobre a adequação da última norma sobre atuação de juízes na Vara …?”

-Resposta: Foram extraídas as seguintes categorias:

-Juiz natural

-Publicidade dos atos processuais

-Suposto anonimato judicial

-Legitimidade democrática do processo

-Inconvencionalidade

-Continuidade Legislativa e Identidade Funcional

-Aplicação da ferramenta ‘categoria’ com conceitos operacionais

Juiz natural

-Conceito Operacional: Escolha prévia e rotativa equilibra a distribuição jurisdicional.

-Referente: Normas internas do TJ-SC desde 2013.

-Conclusão: Regra respeita o princípio constitucional.

Publicidade dos Atos Processuais

-Prompt: Existe anonimato judicial ou a publicidade garante o conhecimento da lotação e rodízios?

-Resposta: A ampla divulgação de lotações, afastamentos e substituições no TJ-SC impede a existência de “juízes secretos”.

Suposto Anonimato Judicial

-Conclusão: O círculo restrito de possíveis magistrados já garante, inclusive para fins de impedimento, suficiente previsibilidade.

Crítica à alegada ilegalidade/ inconvencionalidade

Legitimidade democrática do processo

-Prompt: Foi apontado pelo autor da ConJur qual direito fundamental violado concretamente?

-Resposta: Não. Apenas sugerido o conflito com a reserva legal, sem apontamento prático.

Inconvencionalidade

-Prompt: Quais dispositivos das decisões da Corte IDH (Pollo Rivera / Castillo Petruzzi) estão violados pela norma TJ-SC?

-Resposta: Nenhum apontado pelo articulista. A norma catarinense não estabelece anonimato, não fere contraditório ou ampla defesa. Tampouco há juízo de exceção.

Continuidade legislativa e identidade funcional

-Referente: Resoluções TJ-SC 3/2013, 12/2013, 6/2018 e 14/2024.

-Conclusão: A nova Vara é continuidade institucional, não criação ex nihilo.

-Capítulo 3 – Proteção Institucional e Prática Processual

-Prompt: É possível garantir contraditório com testemunha protegida? Como ponderar sigilo e defesa?

-Resposta: Sim. A ponderação entre contraditório e proteção à vida deve considerar a relativização das provas pessoais e a necessidade de proteger atores da justiça em contexto de risco.

[1] VIANA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MEL, Manoel Palácios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. Corpo e Alma da Magistratura Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 1997.

[2] UOL. Por que advogados e juízes britânicos ainda usam perucas nos tribunais? Nicole D’Almeida. p. 15/05/2022. Aqui.

[3] UOL. Por que advogados e juízes britânicos ainda usam perucas nos tribunais? Nicole D’Almeida. p. 15/05/2022. Aqui.

[4] LOPES JR., Aury; ASFÓRA, Sheyner Yàsbeck; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza; OSORIO, Fernanda. Juízes sem rosto de Santa Catarina? Não admitiremos. ConJur. Aqui.

[5] COSTA RICA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. Sentença de 30 de maio de 1999. Série C n. 52. Aqui.

[6] COSTA RICA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Pollo Rivera y otros Vs. Perú. Sentença de 21 de outubro de 2016. Resumo oficial.  Aqui.

[7] SANTA CATARINA. Lei Complementar nº 339, de 8 de março de 2006. Dispõe sobre a Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina e estabelece outras providências. Florianópolis, SC. Aqui.

[8] BRASIL. Governo Federal. Explicando as mudanças no IOF com gatinhos. Publicado no TikTok por governodobrasil. Em: vm.tiktok.com/ZMSpoJorQ/. Acesso: 13 jul. 2025.

[9] PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica e metodologia da pesquisa jurídica. 10. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2007.

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TJ-PR aplica prazo de prescrição de 5 anos a ação da Sanepar

Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as regras de prescrição previstas no Código Civil não se aplicam quando a ação envolve uma empresa estatal prestadora de serviços públicos essenciais (sem concorrência nem finalidade lucrativa). Nesses casos, deve ser aplicada a prescrição de cinco anos prevista no Decreto 20.910/1932.

Assim, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná afastou a prescrição de três anos do Código Civil a uma ação na qual a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) é ré e determinou o retorno do caso à primeira instância para prosseguimento. Os desembargadores aplicaram o prazo de cinco anos do decreto de 1932, o que garante a continuidade do processo.

Na ação, uma empresa prestadora de serviços de limpeza e conservação alega ter direito à repactuação de um contrato administrativo firmado com a Sanepar em 2011, devido aos custos significativos.

A 1ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba considerou que a ação estava prescrita, pois foi ajuizada mais de três anos após o contrato. Na decisão, foi aplicada a regra do Código Civil, com a justificativa de que a Sanepar é uma sociedade de economia mista. A autora recorreu e apontou que o prazo de cinco anos previsto no decreto não foi descumprido.

No TJ-PR, prevaleceu o voto do desembargador Abraham Lincoln Merheb Calixto. Ele explicou que, de acordo com os precedentes do STJ, empresas públicas e sociedades de economista mista são destinadas a finalidades estatais. Elas fazem as vezes do próprio ente público ao qual se vinculam e, com isso, podem receber tratamento semelhante ao do Estado, em certa medida.

A Sanepar é responsável pelo saneamento básico e fornecimento de água no Paraná. Calixto indicou que a empresa presta serviço público essencial, “sem exploração econômica, em regime não concorrencial e sem intuito primário de lucro”.

Atuaram no caso os advogados Clóvis Alberto Bertolini e Maria Eduarda Liebl Fernandes, do escritório Bertolini Advogados, e Luiz Carlos Moreira.

Clique aqui para ler o acórdão

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Empresas não precisam pagar ITBI em permuta com reserva de fração

A permuta por reserva de fração não concede o terreno a um novo dono e, dessa forma, não há motivo para o pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Essa decisão foi atingida pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em um caso onde duas empresas entraram com recurso após serem ordenadas pela Secretaria de Fazenda de Gramado a arcar com o imposto.

O recurso foi julgado pela desembargadora Isabel Dias Almeida, que reforçou: “É necessário observar que não houve transmissão de propriedade sobre essas unidades” e que o projeto ocorreu dentro do acordado entre as empresas.

Uma delas, incorporadora de empreendimentos imobiliários, queria uma porção do terreno da outra para construir um edifício. Como pagamento, a segunda companhia, que cedeu a área, receberia algumas unidades para administrar.

“Trata-se, portanto, de uma permuta por área construída, sem transmissão de domínio, não se configurando o fato gerador do ITBI”, afirmou a desembargadora.

A magistrada apontou ainda a ausência de legislação municipal que autorize a cobrança do imposto sobre construção entregue em permuta com reserva de fração ideal e citou duas súmulas do Supremo Tribunal Federal:

Súmula 110 – O imposto de transmissão inter vivos não incide sobre a construção, ou parte dela, realizada pelo adquirente, mas sobre o que tiver sido construído ao tempo da alienação do terreno.

Súmula 470 – O imposto de transmissão inter vivos não incide sobre a construção, ou parte dela, realizada, inequivocamente, pelo promitente comprador, mas sobre o valor do que tiver sido construído antes da promessa de venda.

O município de Gramado, que ficou vencido no caso, argumentou “ilegitimidade passiva” e defendeu a cobrança do ITBI em contratos de permuta, já que “houve a incorporação de novo imóvel ao terreno”.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 5008316-40.2023.8.21.0101

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IPCA para corrigir depósitos judiciais viola isonomia e deve gerar judicialização

A substituição da taxa Selic pelo IPCA para corrigir depósitos judiciais em ações envolvendo a União, qualquer de seus órgãos, fundos, autarquias, fundações ou empresas estatais federais dependentes viola o princípio da isonomia e deve causar judicialização.

Essa conclusão é de advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a Portaria MF 1.430/2025, editada pelo Ministério da Fazenda no início do mês.

Ela apenas concretiza uma mudança já prevista pela Lei 14.973/2024. A norma revogou a Lei 9.703/1998, que determinava que os depósitos judiciais seriam corrigidos pela Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira. Já o IPCA é o índice que mede a inflação.

O depósito judicial serve como garantia de uma obrigação financeira enquanto tramita um processo que discute a validade dessa obrigação. Em ações contra a União, ele evita sanções como a não emissão de certidão de regularidade fiscal ou o protesto da Certidão de Dívida Ativa.

A partir de 1º de janeiro de 2026, os depósitos judiciais serão feitos exclusivamente na Caixa Econômica Federal e os valores serão repassados à Conta Única do Tesouro Nacional — ou seja, poderão ser usados pelo governo.

Se o contribuinte vencer a ação, os valores depositados serão atualizados pelo IPCA acumulado no período. No último ano, a alta registrada foi de 5,67%. Trata-se de índice bem menos favorável do que a Selic, atualmente em 15% ao mês.

Além disso, o IPCA incidirá apenas uma vez, no momento do levantamento do depósito, e não mensalmente, no esquema de juros compostos — nesse caso, os juros de um período são adicionados ao capital inicial e os juros seguintes, calculados sobre esse novo valor.

Depósitos judiciais

Quando a Lei 14.973/2024 foi sancionada, em setembro, a ConJur fez um alerta sobre sua anti-isonomia e suas inconstitucionalidades. Com a definição do IPCA como índice de atualização dos depósitos judiciais, os efeitos passarão a ser sentidos em cascata.

Para Julia Rodrigues Barreto, advogada da área tributária da banca Innocenti Advogados, a medida vai desestimular o uso de depósitos para fins de garantia, já que será menos benéfico para o contribuinte. Haverá ainda, segundo ela, o risco de judicialização.

“Como a União continuará aplicando a taxa Selic para valores recebidos em atraso, a adoção do IPCA para correção de depósitos pode gerar debates judiciais sobre a necessidade de aplicação do mesmo índice em caso de devolução de tributos depositados e posteriormente julgados indevidos, com base no princípio da isonomia.”

Ela também destaca que a alteração reforça o caráter indenizatório e não remuneratório dos depósitos, o que pode ser interpretado como mera manutenção de patrimônio. “Pode suscitar discussões judiciais acerca da incidência de tributos sobre a atualização desses valores, além de questionamentos sobre o entendimento do STJ quanto à natureza remuneratória da correção pela taxa Selic.”

Para Rodolfo Bustamante, sócio do contencioso estratégico do escritório Bhering Cabral Advogados, o maior problema é que o decreto pode violar o princípio da isonomia, uma vez que a União continua a exigir dos contribuintes os seus créditos atualizados pela Selic, que inclui juros e correção, enquanto o IPCA tem rendimento muito menor.

“Isso fere o princípio da isonomia porque cria um tratamento mais oneroso para o contribuinte e mais vantajoso para a União, uma vez que a União não deposita valores em juízo para garantir suas dívidas discutidas judicialmente.”

Ele também prevê judicialização, uma vez que o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade de normas que distorcem os critérios de atualização monetária e juros em detrimento dos contribuintes.

É o caso, por exemplo, do Tema 810 da repercussão geral, no RE 870.947, que invalidou a aplicação da TR em condenações da Fazenda Pública em questões não tributárias por não garantir a recomposição do valor real da dívida.

Quebra da isonomia

Na opinião de Leonardo Gallotti Olinto, tributarista sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, o tratamento precisa ser isonômico porque o que está sendo depositado pelo contribuinte é um valor objeto de discussão judicial. Assim, a análise não pode se basear em um momento específico em que a taxa de juros seja maior do que o índice da inflação.

“O depósito judicial é computado como uma autêntica receita do governo federal, havendo rubrica própria inclusive no valor da arrecadação comunicada todo mês. Isso, não obstante ser uma distorção do sistema, pois o depósito está à disposição da Justiça, e não do ente tributante, é um indicador claro de que o tratamento a ser dispensado aos depósitos deve ser o mesmo dos pagamentos de tributos.”

Para o advogado, não faz sentido o Estado utilizar para finalidades diversas o valor depositado judicialmente e, quando tem de devolvê-lo ao contribuinte, o faça de forma distinta daquela que faria com um tributo pago indevidamente ou a maior.

“A aplicação da Selic sobre a dívida e do IPCA sobre o depósito aumenta a exposição do contribuinte a riscos”, alerta Julio Cesar Vieira Gomes, sócio do Julio Cesar Vieira Gomes Advocacia, ex-secretário da Receita Federal e ex-conselheiro do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). “Com a diferença de critério, a garantia passa a cobrir pouco mais de um terço dos acréscimos sobre o principal, em caso de derrota.”

Empréstimo mais barato

Marcio Alabarce, advogado tributário e sócio do Canedo, Costa, Pereira e Alabarce Advogados, entende que a sistemática introduzida pela Lei 14.973/2024 é uma forma de empréstimo subsidiado ao governo federal.

Isso porque a Fazenda fica livre para fazer uso do dinheiro depositado judicialmente sem ter de pagar as taxas de mercado, apenas remunerando o IPCA se e quando ocorrer o levantamento do recurso pelo depositante. “Ou seja, as contas de depósito não vão sendo remuneradas mensalmente, como é comum em toda e qualquer conta de depósito.”

“Uma distorção que esse regime cria é o incentivo ao recolhimento para posterior compensação, pois a restituição dos valores é corrigida por Selic. E a distorção está justamente em que se aumenta a arrecadação de um lado. Mas, sendo um recolhimento indevido (ou de exigibilidade duvidosa), ao final pode vir a ser objeto de restituição futura. Aumenta-se a arrecadação, de um lado, mas em algum momento futuro isso vai afetar a arrecadação liquida com as compensações”, aponta Alabarce.

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Nem toda tecnologia é lícita, ainda que convenha

Uso de inteligência artificial generativa na administração pública não é mais uma novidade. As iniciativas das organizações públicas — autonomamente ou acompanhada de agentes de mercado — sem empilham aos montes, com logotipos modernosos e jargões sobre o futuro, tecnologia ou avanço.

Não se pretende neste texto negar que a inteligência artificial seja uma tecnologia com enorme potencial de mudança da realidade das organizações públicas, com uma grande capacidade de ampliar as entregas feitas pelos agentes de Estado, com maior velocidade e a custos interessantes (embora não sejam exatamente negligíveis). Impõe-se todavia assumir um ceticismo quanto à soluções fáceis e prontas. De uma maneira geral, especialmente quando se fala de tecnologia e administração pública, a frase do jornalista estadunidense Henry Louis Mencken parece ser uma máxima com elevada taxa de acerto: “para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”.

Examine-se o tema a partir da visão de um advogado público que atua em contencioso: ao receber uma notificação relacionada a um processo judicial cuja atuação fica sob sua responsabilidade, este profissional precisa executar diversas atividades, a depender de seu conteúdo. Cuida-se de uma citação? Se sim: são necessárias informações da autoridade administrativa para contestar ou é apenas matéria de Direito? Qual a unidade administrativa que detém  tais informações? (ou que será afetada pela decisão?) É um caso representativo de controvérsia? Existem modelos institucionais ou tese obrigatória para atuação nestes casos? Existem precedentes judiciais favoráveis? Qual a chance de êxito nesta demanda? Respondidas essas questões, de uma forma mais ou menos estruturada, vem a elaboração da peça processual ou documento de atuação correspondente.

Quando se tem em mente que o Estado é, no modelo institucional brasileiro, um grande litigante natural, não se pode deixar de reconhecer que o robô que faz parecer ou petição judicial com um só clique e índices de precisão que alguns fixam em 99,57% (o que quer que isso queira dizer na ciência do Direito) é uma tentação praticamente irresistível para organizações com significativa defasagem de mão de obra e ávidas por uma solução (vendida como) célere e pronta.

E é de se reconhecer que parte desta sede pelas soluções milagrosas é fruto de uma embriaguez tecnológica incentivada pelo mercado; parte, fruto de um diagnóstico equívoco da realidade sobre a dimensão do que realmente impacta o trabalho do dia a dia; e ainda um derradeira parcela, é produto de uma certa derrotabilidade torta: “estão todos fazendo, então tenho que fazer também”.

O erro, entretanto, não está em usar a inteligência artificial em si, mas sim no foco da implementação deste tipo de solução. Não é que essas ferramentas não consigam produzir peças (boas ou não), já que no atual estado da tecnologia elas podem produzir textos com coesão e fluidez textual. A questão é outra: em muitos casos não se deve usar IA, seja pelos riscos embutidos, seja pela inadequação do custo-benefício da solução.

Parte-se do princípio de que a identificação de soluções com inteligência artificial como meio apto a  substituir o trabalho intelectual nuclear das carreiras públicas (não raramente, com um verniz de regularidade caracterizado pela assinatura do ocupante do cargo ao final) é fundamentalmente equivocado, especialmente quando se considera os riscos inerentes do emprego deste tipo de tecnologia (“alucinação” [1]. captura tecnológica por determinado fornecedor, preocupações com a proteção de dados).

A pergunta então permanece: onde a IA pode ser empregada no domínio de atuação da advocacia pública?

A inteligência artificial pode ser uma poderosa aliada no ganho de produtividade, para adimplir tarefas de menor ou nenhuma carga intelectual e para auxiliar no trabalho de agentes públicos: classificação de processos (que, por si, permitiria a atuação claramente supervisionada por humanos); preenchimento de informações administrativas relativas aos processos; descoberta de controvérsias repetitivas; a realização de resumos e a integração entre sistemas ou entre bases de conhecimento; e outras tarefas que apareceriam claramente em qualquer mapeamento de fluxos feito dentro de uma instituição pública.

Numa perspectiva mais ampla, indo para além da simples aplicação de modelos de processamento de linguagem natural; mecanismos de IA aplicados à advocacia pública podem mapear em que termos se apresentam os litígios, contemplando variáveis como local, sujeitos envolvidos, tipologia da queixa. Afinal, a demanda judicial expressa em última análise, uma insatisfação para com o agir da Administração, que pode ter a esta última escapado, seja por miopia institucional, seja por insuficiência de mecanismos para a diagnose, seja ainda pela simples circunstância de, num ambiente que incentiva a judicialização, tenha o cidadão se dirigido diretamente ao Judiciário para manifestar seu inconformismo.

Verdade seja dita que diversos dos problemas que consomem tempo no dia a dia sequer precisam de IA generativa ou mesmo IA para serem agilizados ou eliminados. Caminho mais seguro seria a superação da não rara necessidade de trabalhar com dois ou três sistemas diferentes sem integração; a naturalização do uso de ferramentas ou funções disponíveis em sistemas institucionais já existentes (muitas vezes não utilizadas por falta de treinamento ou de “confiança”); e ainda a renúncia às práticas obsoletas de duplo ou triplo controle [2].

Mas onde reside a diferença substancial entre a realidade presente e as maravilhas da proposição da IA? Porque aceitamos o trabalho de um assessor humano ou um estagiário e não deveríamos aceitar o de uma máquina?

A primeira parte da resposta reside na necessidade de se enxergar uma cadeia clara de responsabilidade, eis que esta imputação subjetiva “é dimensão fundamental daquilo que entendemos por Direito” [3]. E não se pode partir do simples pressuposto de que a responsabilidade é simplesmente do agente signatário final da peça. Se levarmos em conta apenas os riscos decorrentes dos aspectos cognitivos comportamentais da interação humano-máquina e a ilusão de alguma neutralidade das decisões tomadas pela IA [4], já se teria fundamento pragmático suficiente para impor controles mais severos ao uso desta ferramenta. Mas é possível ir além: se a administração pública emprega um volume significativo de recursos na construção de um agente digital destinado a ajudar no trabalho de determinado agente humano, parece absolutamente natural o depósito de confiança institucional e pessoal nesta ferramenta.

A segunda parte da resposta a esta pergunta, que talvez escape do óbvio, se fundamenta no fato de que a IA (especialmente as IAs generativas) tem um campo desconhecido que não encontra compatibilidade com um Estado democrático. Essa objeção já foi levantada em alguns círculos, não raramente sendo apontada como “filosófica” ou “desconsiderando a realidade”.

Ainda que a crítica seja, ao menos em parte, procedente (afinal a objeção tem profundo aspecto valorativo), persiste a ideia de que o pragmatismo para o uso de ferramentas tecnológicas, especialmente na gestão pública, tem que levar em conta as nuances negativas desta tecnologia (com uma adequada análise de risco); a existência de um regramento principiológico e valorativo sobre as atividades estatais (ainda que ausente norma específica sobre a IA na administração pública) e a necessidade de reconhecer o papel intrinsecamente instrumental da tecnologia.

A tecnologia pode ser uma ferramenta poderosa, mas ela não substitui o julgamento, a ética e a sensibilidade humana, que não se confundem como a habilidade — hoje, compartilhada com as máquinas — de traduzir os julgamentos humanos em produtos textuais. Em última análise, pensar sobre o uso da inteligência artificial na administração pública nos leva a refletir sobre o papel do ser humano na tomada de decisões e na presença da empatia como valor no Estado Social [5].


[1] A expressão alucinação tenta arrefecer a percepção do risco oferecido pela tecnologia com uma palavra empática, na tentativa de humanizar as ferramentas (ou de reduzir a responsabilidade de quem lucra com ela). Quando uma ponte cai, por exemplo, não se vê falar em “alucinação” do concreto ou da estrutura. A expressão tradicional para nomear os desvios das obras de engenharia humanas parece muito mais adequada: erro.

[2] Quantos advogados públicos que tem um sistema digital para controle da carga de trabalho à disposição, mas insistem em manter uma planilha de Excel de controle em paralelo?

[3] GRECO, Luís. Poder de julgar sem responsabilidade: a impossibilidade jurídica do juiz-robô. 2020, p. 43-44.

[4] OSOBA, Osonde; WELSER IV, William. An intelligence in our image. Santa Mônica: RAND corporation, 2017. p. 11.

[5] RANCHORDAS, Sofia. Empathy in the Digital Administrative State. SSRN Electronic Journal, 2021. Disponível em: <https://www.ssrn.com/abstract=3946487>. Acesso em: 11 out. 2022. p. 6.

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STJ confirma condenação de seguradora com base em Teoria do Desvio Produtivo

O ministro João Otávio Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, confirmou a decisão que aplicou a Teoria do Desvio Produtivo para condenar uma seguradora a indenizar consumidores por danos morais. 

O autor da teoria é o advogado Marcos Dessaune. Segundo ela, cabe indenização nos casos em que o cliente tem de gastar seu tempo para solucionar problemas causados pela empresa fornecedora.

A decisão foi provocada por agravo impetrado pelo banco. No recurso, a instituição financeira alegou que o tribunal de origem deixou de analisar previsões contratuais referentes ao caso e violou o artigo 1.026 do CPC ao multá-lo sem fundamentação adequada. 

Também questionou a aplicação da Súmula 609 do STJ — que estabelece que a seguradora não pode recusar a cobertura se não exigiu exames médicos prévios à contratação ou se não comprovou a má-fé do segurado. 

Ao analisar o caso, o ministro apontou que a tese da exclusão da cobertura contratual, tendo em vista doença preexistente proposta pela seguradora, foi negada pelo tribunal de origem adequadamente. 

“Ademais, a decisão da corte de origem está de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que a seguradora, ao não exigir exames prévios, responde pelo risco assumido”, registrou. 

Por fim, o magistrado também confirmou a existência de dano moral indenizável, conforme a Teoria do Desvio Produtivo. “Fundamentou-se, para tanto, na privação sofrida pelos beneficiários quanto ao recebimento da quantia devida a título de seguro em razão do falecimento do segurado, circunstância que excede os meros dissabores cotidianos, configurando afronta à boa-fé objetiva e aos direitos da personalidade dos consumidores, o que enseja a devida compensação por danos morais.”

Clique aqui para ler a decisão
AREsp 2.897.551

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Quem fiscaliza as universidades? Sobre riscos, controles e integridade

A demanda por maior fiscalização dos serviços públicos constitui tema recorrente no debate público brasileiro contemporâneo. Duas questões permeiam a percepção social: de um lado, a gravidade associada à recorrência de fraudes, práticas de corrupção e desvios de finalidade diante de mecanismos insuficientes de fiscalização; de outro, a suposta falta de instrumentos de controle e de supervisão sob as atividades desempenhadas por servidores públicos. A reforma administrativa, pauta do momento, espelha isso ao buscar maior eficiência, desempenho e accountability no serviço público.

Na realidade, a maior parte das atividades públicas é submetida à atuação frequente de múltiplas instâncias de controle (institucional e social) e fiscalização. Diariamente há a divulgação de denúncias de irregularidades detectadas pelos órgãos de controle interno, como a Controladoria-Geral da União (CGU), e de controle externo, como o Tribunal de Contas da União (TCU), além do trabalho do jornalismo investigativo e das funções fiscalizatórias exercidas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. Essas estruturas contribuem para a identificação e a exposição de irregularidades na gestão pública em todas as suas esferas.

Contudo, há um segmento do Estado que permanece relativamente à margem do escrutínio institucional e social: as universidades públicas federais. Ainda que as estruturas de controle mencionadas também se apliquem a essas instituições, a sua atuação é menos frequente. A própria natureza das atividades desempenhadas no ambiente universitário — marcadas pela complexidade acadêmica e pela multiplicidade de arranjos administrativos —, somada à autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial assegurada pelo artigo 207 da Constituição, gera, na prática, um certo distanciamento em relação à fiscalização externa cotidiana.

Esse cenário contribui para que fragilidades de governança e integridade institucional permaneçam menos visualizadas pelos principais atores do sistema de controle estatal. Isso, contudo, não significa a inexistência de irregularidades nesse ambiente. Ao contrário: ainda que não ocupem as manchetes com a mesma frequência que os outros setores da administração pública, é possível, mediante uma rápida pesquisa (como aquiaqui e aqui), identificar episódios nas universidades que envolvem desvios de recursos, fraudes e outras práticas incompatíveis com os princípios da legalidade e da moralidade administrativa.

Em relatório de 2018, o TCU apontou, em todas as universidades analisadas, exposição média ou alta a riscos de fraude e corrupção, resultado de fragilidades sistêmicas nos mecanismos de controle interno e de governança. Em uma atuação igualmente preventiva, a CGU determinou, por meio da Portaria CGU nº 57/2019, que os órgãos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional executem, estruturem e monitorem planos de integridade institucional. Essa atuação do TCU e da CGU nas universidades, embora relevante e corriqueiro, apresenta um caráter predominantemente episódico e pontual. Tal limitação decorre da própria natureza e da abrangência das competências desses órgãos, cujas atividades de controle são estruturadas em ciclos, planejamentos anuais e ações direcionadas por critérios de materialidade e risco.

Tríade do controle interno

A resposta a esse cenário de limitações no acompanhamento contínuo encontra-se no próprio ordenamento jurídico brasileiro, que prevê mecanismos estruturantes voltados ao fortalecimento da fiscalização permanente e à adoção de estratégias preventivas de integridade nas universidades. Entre eles, destaca-se a consolidação dos sistemas de controle interno nas organizações públicas, com a presença articulada de três instâncias estratégicas: a Ouvidoria, a Corregedoria e a Auditoria Interna. Essa tríade, resultado da aglutinação de normativos diversos (como a Lei nº 10.180/2001 e os Decretos nº 5.480/2005 e o  9.492/2018), constitui parte fundamental dos sistemas de integridade e responsabilização institucional, atuando na escuta social, na apuração de desvios funcionais e na avaliação da eficácia dos controles internos. Ao analisar a estruturação dessas três macrofunções de controle interno nas universidades, no entanto, o resultado exprime fragilidade.

As auditorias internas são responsáveis por avaliar atos de gestão, operações administrativas, contratos, processos de planejamento, estruturas de governança e gerenciamento de riscos. Também exercem função de assessoramento institucional, contribuindo para o aprimoramento da administração pública. Utilizando técnicas reconhecidas internacionalmente, as auditorias promovem maior efetividade nas decisões institucionais, ampliam a transparência e fortalecem a confiança pública. Por estarem inseridas diretamente na estrutura das universidades, configuram-se como a primeira instância na detecção de irregularidades, no aperfeiçoamento dos processos internos e no enfrentamento à corrupção e aos desvios, através da emissão de recomendações tecnicamente fundamentadas.

As competências atribuídas às unidades de auditoria interna contrastam com as condições estruturais em que operam. Estudos apontam que essas unidades enfrentam baixo grau de independência funcional e alta rotatividade de pessoal (Santos; Formiga; Peixe, 2021), além de problemas recorrentes como insuficiência de servidores, falta de capacitação técnica e ausência de apoio institucional por parte da gestão superior (Rodrigues; Sampaio; Machado, 2020). Em 2025, o orçamento previsto para as Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) foi de R$ 6,5 bilhões, valor que não inclui os recursos adicionais provenientes das receitas movimentadas pelas Fundações de Apoio. Apenas em 2021, por exemplo, as fundações tiveram receitas superiores a R$ 8 bilhões. A fiscalização de todo esse montante recai sobre um contingente reduzido: segundo dados do Portal da Transparência, há apenas 225 auditores internos atuando em todas as Ifes do país, representando uma média de três auditores por universidade.

O levantamento de Rodrigues, Sampaio e Machado (2020), revelou que 47,54% das unidades de auditoria das Ifes, entre 2015 e 2019, não dispuseram de pessoal suficiente para executar suas atribuições. O estudo estimou a necessidade de, ao menos, 118 novos servidores para suprir essa lacuna. Além disso, os autores destacam que a complexidade e a abrangência das atividades realizadas são desproporcionais ao quantitativo de profissionais disponíveis. Como reflexo direto da escassez de recursos humanos, 86,89% das unidades não possuem qualquer divisão interna, forçando os servidores a desempenharem múltiplas tarefas sem a devida segmentação ou especialização temática.

A precariedade não é uma realidade apenas nas auditorias internas. No caso das corregedorias, estudo de Córdova et al. (2023) identificou que apenas 37 das 63 universidades analisadas (59%) possuíam uma unidade estruturada e independente da Corregedoria. Quanto à definição clara do papel institucional da corregedoria — como órgão responsável por analisar e apurar denúncias e responsabilidades —, esse aspecto estava presente em apenas 27 instituições (43%). A exigência de sigilo, elemento essencial ao adequado funcionamento dessas unidades, também não é plenamente atendida: somente 9 universidades (14%) disponibilizam um canal acessível para recebimento de denúncias e fornecimento de informações. A independência em relação à alta administração, como reitoria e órgãos de apoio, é observada em apenas 15 instituições (24%). Por fim, quanto à transparência de sua atuação, apenas 9 universidades (14%) divulgam relatórios ou informações públicas sobre suas atividades.

As ouvidorias das universidades públicas federais também apresentam deficiências estruturais que comprometem seu funcionamento. Muitas operam com poucos servidores, recursos limitados e subordinação direta à alta gestão, o que reduz sua autonomia. Segundo Santana (2017), essa limitação impede que a ouvidoria exerça funções além da simples recepção de manifestações. Amorim e Melo (2024) identificam a falta de recursos humanos como o principal obstáculo à execução adequada das atividades, agravado pelo acúmulo de funções atribuídas à unidade. Esses fatores reduzem a efetividade das ouvidorias e dificultam sua atuação como instrumento de controle e melhoria institucional.

Risco admitido

A persistência dessas fragilidades evidencia não apenas carências estruturais, mas também uma postura institucional de naturalizar os riscos e vulnerabilidades decorrentes da ausência de mecanismos adequados de controle. Mais do que uma mera omissão, trata-se de uma decisão de gestão que, deliberadamente ou por inércia, opta por manter distância de estruturas que poderiam exercer fiscalização sobre os seus próprios atos administrativos. A alocação de novos servidores nas unidades é uma das respostas mais diretas a esse cenário; no entanto, as restrições orçamentárias e os limites impostos aos códigos de vagas tornam essa medida, embora urgente, de viabilidade remota no curto prazo.

Há, contudo, alternativas viáveis e sem impacto orçamentário que podem gerar resultados positivos no fortalecimento do controle institucional. Uma delas é o estabelecimento das unidades de auditoria interna, corregedoria e ouvidoria com independência funcional e desvinculação administrativa da reitoria, assegurando maior autonomia em suas atividades. Outra medida consiste no apoio direto da alta gestão à reestruturação e atualização dos portais institucionais dessas unidades, por meio da articulação com os setores de comunicação e tecnologia da informação, garantindo canais acessíveis, informativos (com o uso de dashboards e outras ferramentas de visualização interativa de dados, por exemplo) e orientados à transparência ativa. Por fim, a promoção de uma cultura institucional de valorização das atividades dessas unidades, com incentivo à qualificação, ao cumprimento das recomendações de auditoria e ao julgamento diligente das demandas da corregedoria e da ouvidoria.

Antes de se recorrer a (ou até pedir por) reformas administrativas drásticas, medidas excepcionais do Poder Executivo ou alterações legislativas de grande alcance, as universidades públicas federais poderiam avançar em integridade, segurança institucional e governança com a simples observância dos normativos já existentes — estruturando adequadamente suas unidades de auditoria interna, corregedoria e ouvidoria. O fortalecimento desses mecanismos não depende de inovação normativa, mas de vontade institucional e compromisso com a transparência pública.

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Turbinamos as incoerências da tributação indireta?

A tributação indireta, no Brasil, convive com incoerências antigas. Uma das principais — e mais persistentes — é a dúvida sobre quem seria o “verdadeiro contribuinte”. Às vezes é o consumidor final. Às vezes, o comerciante que vende a mercadoria. Depende do interesse envolvido.

Abordei esse tema de forma mais detida no livro Repetição do Tributo Indireto: Incoerências e Contradições (Malheiros, 2011). Mais tarde, num estágio de pós-doutorado, pude comparar a jurisprudência brasileira com a europeia. E lá, embora também haja dificuldades, notei maior preocupação com a coerência e com a efetividade do sistema. Já que se importou tanta coisa na construção dos anteprojetos, bem que poderíamos ter trazido junto a orientação do Tribunal de Justiça da União Europeia, segundo a qual o fornecedor não precisa provar que não repassou o tributo ao consumidor se quiser reavê-lo (clique aqui).

Esse é o problema de copiar e colar textos legais alienígenas. A jurisprudência formada lá fora em torno deles nem sempre vem junto.

A propósito, quanto ao tema, no Brasil as coisas funcionam assim: se o fornecedor pede restituição do tributo, dizem que ele não é o “verdadeiro contribuinte”, porque teria repassado o encargo ao consumidor. Se, por sua vez, é o consumidor quem pede a restituição, dizem que ele não é contribuinte, mas mero destinatário econômico da carga tributária, sem legitimidade para reclamar nada.

Algo semelhante acontece com as isenções e imunidades subjetivas, e com os efeitos do inadimplemento. Quando o contribuinte “de direito” recebe o preço mas não paga o tributo, é acusado de apropriação indébita, pois teria apenas o dever de repassar valores que lhe foram entregues pelo consumidor. Mas se o consumidor não paga, e o fornecedor fica sem receber, o discurso muda: o tributo deve ser recolhido de todo modo, já que a obrigação é do fornecedor — o “verdadeiro contribuinte”, nesse caso.

Simplificando: como costumo dizer aos meus alunos, o verdadeiro contribuinte, no Brasil, é sempre quem não estiver reclamando. Apareceu alguém pedindo algum direito? Pronto: já não é o verdadeiro contribuinte.

Roupa nova

Cheguei a escrever, há algum tempo, aqui na revista eletrônica Consultor Jurídico, que a reforma tributária poderia ser a chance de corrigir essas distorções (clique aqui, e aqui e aqui). Infelizmente, com pouca participação de quem paga a conta e forte influência de quem a cobra, os projetos não apenas mantiveram os problemas — deram a eles uma nova roupagem e mais força normativa.

Um bom exemplo é o artigo 38 da LC 214/2025, que piora — e muito — as exigências do já problemático artigo 166 do CTN. Antes era difícil obter a restituição do tributo indireto. Agora, parece impossível. Mas o problema não para aí.

Surge também uma dúvida nova: quem é o “verdadeiro credor” do IBS? Será o estado (e o município) de destino? Os de origem? O Comitê Gestor? Ou, como na lógica anterior, será sempre aquele contra quem não se estiver reclamando? O tempo dirá. Mas há duas contradições relevantes já visíveis na nova legislação, que merecem atenção.

A primeira decorre do próprio artigo 38. Ele condiciona a restituição do tributo ao não aproveitamento do crédito pelo adquirente. A lógica é a de que, se houve creditamento, o valor pago a mais não gerou prejuízo, visto que abatido pelo elo seguinte da cadeia — então, não cabe devolução. Mas essa lógica, se for levada a sério, precisaria valer também no outro sentido: se um fornecedor recolheu a menos e, por isso, seu cliente aproveitou crédito menor, esse prejuízo já foi compensado no elo seguinte. O Fisco, nesse caso, não teria prejuízo — então também não deveria autuar o fornecedor.

Será que observaremos essa coerência?

A segunda contradição está no artigo 47 da mesma lei complementar, que exige o efetivo pagamento do tributo como condição para o direito ao crédito, mesmo fora das hipóteses excepcionais previstas pela Constituição. Isso transfere ao adquirente o risco do inadimplemento do fornecedor — rompendo com a tradição do IVA (e também do ICMS e do IPI), segundo a qual o crédito nasce da incidência, e não da arrecadação.

O resultado é um sistema que permite cobrança em duplicidade: nega-se o crédito ao adquirente (que assim paga o seu tributo e o devido pelo elo anterior) mas, ao mesmo tempo, mantém-se a exigência contra o fornecedor inadimplente, que, quando a pagar, fará com que o Fisco receba duas vezes. Se o crédito depende do pagamento, o não creditamento deveria gerar a remissão da dívida anterior. Do contrário, como dito, a Fazenda ganha duas vezes — o que não parece compatível com os princípios da não cumulatividade, da neutralidade e da coerência.

É como se o sistema tivesse montado uma gangorra tributária com um só lado, o da Fazenda, sempre em cima, sorridente. Enquanto isso, os contribuintes oscilam entre ser e não ser o “verdadeiro” titular de direitos, conforme a conveniência da cobrança. Se há crédito, não há restituição; se não há crédito, há autuação. Se o tributo foi pago, ótimo — e se não foi, melhor ainda, porque alguém acabará pagando mesmo assim. O que se perde, com esse jogo de pesos e contrapesos falsamente equilibrado, não é apenas dinheiro, mas o próprio eixo da justiça fiscal. A própria juridicidade do Direito. Ao invés de um sistema de engrenagens bem ajustadas, temos um carrossel viciado, em que o contribuinte gira, gira… e termina sempre no mesmo lugar: pagando a conta.

Fonte: Conjur

Após força-tarefa, Seção Criminal do STJ agora só julga Habeas Corpus novos

Com o acervo finalmente em dia após nove meses da força-tarefa de juízes de primeiro grau convocados, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, de Direito Criminal, agora pode se dedicar aos Habeas Corpus novos.

Força-tarefa de juízes ajudou a Seção Criminal do STJ a reduzir o acervo em quase 50% até agora

Esse cenário foi comemorado pelo ministro Herman Benjamin, presidente do STJ, durante o balanço do semestre feito em sessão da Corte Especial, nesta terça-feira (1º/7).

Desde outubro, os gabinetes das turmas criminais contam com até cem juízes de primeiro grau que atuam a distância no auxílio de ministros, sem prejuízo de suas atividades nas varas onde são titulares.

O presidente atualizou os dados dos resultados da força-tarefa. Os juízes convocados somam atuação em 55.353 despachos e decisões, tendo contribuído para a redução de 47,7% do acervo.

Seção criminal em dia

A 3ª Seção, antes a mais atolada em processos do STJ, hoje é a que tem o menor acervo: 59.144 casos, contra 71.116 da 1ª Seção (Direito Público) e 104.337 da 2ª Seção (Direito Privado).

“A 3ª Seção não tem mais acervo histórico de Habeas Corpus. Ou seja, os Habeas Corpus que estão sendo julgados são os novos”, comemorou Herman Benjamin.

O presidente do STJ confirmou que essa força-tarefa se encerrará em 20 de outubro. A partir daí, o desafio será manter o acervo sob controle, já que as razões para a explosão de HCs não se alteraram no país.

Os motivos são múltiplos, como vem mostrando a revista eletrônica Consultor Jurídico. O desrespeito aos precedentes por juízes e tribunais de apelação aparece como o principal deles, mas não é o único.

Em 2024, por exemplo, o STJ concedeu média de 56 Habeas Corpus e recursos em HC por dia — foram 20.604 no total, o que representou um aumento de 29,6% em relação a 2023, conforme dados do advogado e pesquisador David Metzker.

Fonte: Conjur

Nota de alerta
Prevenção contra fraudes com o nome do escritório Aragão & Tomaz Advogados Associados