TSE adota medida para evitar sobrecarga de sistemas na divulgação de resultados

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu adiar a divulgação do resultado das zonas eleitorais nos municípios com menos de 200 mil habitantes e que, portanto, não estão sujeitos a disputa do segundo turno.

Prédio do TSE, sede do Tribunal Superior Eleitoral
TSE vai divulgar, em tempo real, votação de mais de 465 mil candidatos – Luiz Roberto/Secom/TSE

Essas informações serão reveladas não em tempo real, mas ao final da apuração dos votos. A medida foi anunciada pela ministra Cármen Lúcia, presidente do TSE, como necessária para evitar a sobrecarga dos sistemas de divulgação do tribunal.

O pleito de 2024 será a primeira eleição municipal com a unificação dos horários de votação, das 8h às 17h de Brasília — o que significa, por exemplo, que o eleitor do Acre deve ter de votar das 6h às 15h.

Isso impõe ao TSE apurar e divulgar votos em mais de 5 mil municípios e destinados a cerca de 465 mil candidatos ao mesmo tempo. Assim, ficou decidido que os resultados serão informados em tempo real.

A mudança diz respeito à votação em cada zona eleitoral, que será divulgada em tempo real apenas nas cidades onde pode haver segundo turno.

“Queremos que o eleitor tenha segurança e eficiência na apresentação de dados, sem possibilidade de sobrecarga do sistema ou demora maio”, justificou a ministra Cármen Lúcia, na abertura da sessão do TSE nesta quinta-feira (26/9).

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Funções do mínimo existencial no contexto do superendividamento do consumidor

O conceito de mínimo existencial desempenha um papel crucial na proteção da dignidade do consumidor em situações de superendividamento. O mínimo existencial transcende uma definição única e engloba a parcela da renda do consumidor que deve ser protegida para garantir suas necessidades básicas e o acesso a bens e serviços essenciais. Sua importância reside em garantir a dignidade da pessoa humana, impedindo que o indivíduo seja privado do mínimo necessário para viver com dignidade, mesmo em situações de endividamento.

A Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/21) trouxe o conceito de mínimo existencial para o centro do debate, determinando sua regulamentação. A pedido da Febraban, logo após o aparecimento na lei da expressão “mínimo existencial”, foi incluída a expressão “nos termos da regulamentação”.

Em audiência pública realizada pelo Ministério da Justiça antes da regulamentação do mínimo existencial, das 25 autoridades que se manifestaram oralmente, ao menos 20 defenderam categoricamente que a regulamentação não deveria adotar um valor fixo, principalmente em razão da realidade socioeconômica diversificada que existe em nosso país.

O Brasil é um país com grande desigualdade social e econômica, com realidades muito distintas entre as regiões e mesmo dentro de uma mesma cidade. Um valor fixo para o mínimo existencial não seria capaz de atender às necessidades básicas de todos os cidadãos, desconsiderando as particularidades de cada indivíduo e família, como custo de vida regional, composição familiar, faixa etária, condições de saúde, entre outros fatores relevantes.

Ademais, o conceito de mínimo existencial é dinâmico e evolui ao longo do tempo, acompanhando as mudanças sociais, econômicas e tecnológicas. O que era considerado essencial para uma vida digna há alguns anos pode não ser mais suficiente hoje. Fixar um valor implicaria em desatualizações constantes, tornando a lei obsoleta e injusta.

Desconsiderando a grande maioria das autoridades e estudiosos que se manifestaram na audiência pública no Ministério da Justiça, o Decreto Presidencial 11.150/2022, posteriormente alterado pelo Decreto 11.567/2023, definiu o mínimo existencial como R$ 600, valor este alvo de críticas por ser considerado insuficiente para garantir uma vida digna. A crítica reside no fato de que R$ 600 se mostra insuficiente para cobrir as despesas básicas de uma família, como alimentação, moradia, saúde e educação, não garantindo uma vida digna e tornando a lei ineficaz em sua principal função: proteger o consumidor superendividado.

Há, atualmente, duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) e uma ADPF (Descumprimento de Preceito Fundamental) em relação ao Decreto 11.150/2022 no STF.

Enquanto o STF não se manifesta sobre a (in)constitucionalidade do decreto em questão, o magistrado, ao se deparar com uma ação de repactuação de dívidas, poderá exercer o controle difuso de constitucionalidade, afastando, por ora, a aplicação da limitação do decreto, analisando o caso concreto, tendo o poder e o dever de assegurar a proteção do consumidor e garantir que o valor do mínimo existencial seja suficiente para atender às suas necessidades básicas.

Alguns tribunais, sensíveis ao tema, não tem aplicado a regulamentação do decreto do mínimo existencial, justamente por considerar o valor de R$ 600 insuficiente para a manutenção digna do consumidor, tornando a lei inefetiva.

“A preservação do mínimo existencial foi incluída como direito básico do consumidor pela Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento), que entrou em vigor em 2 de julho de 2021, alterando o Código de Defesa do Consumidor para disciplinar o fornecimento de crédito responsável e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Em 26 de julho de 2022, foi editado o Decreto n. 11.150/2022, que regulamenta a Lei do Superendividamento indica, após modificação, irrisórios 600 reais como o valor que conferiria existência digna ao superendividado. (…) Apesar da sensível diferença entre os critérios propostos para a fixação de um valor que expresse o mínimo existencial, os que se adequam à teleologia do entendimento do STJ sobre a preservação da vida digna por meio da proteção do valor de natureza alimentar para a provisão das necessidades básicas de uma família é o do salário necessário para isso, portanto o valor indicado pelas pesquisas tradicionalmente feitas pelo Dieese, valor esse corroborado normativamente na resolução da Defensoria Pública sobre a necessidade de assistência judiciária gratuita. Fixo, portanto, o valor relativo ao mínimo existencial alimentar em cinco salários-mínimos, atualmente correpondentes a R$7.060,00 (sete mil e sessenta reais), valores portanto impenhoráveis.”  (TJ-DF 0718027-81.2024.8.07.0000, voto do relator: Roberto Freitas Filho, 3ª Turma Cível, data de publicação: 10/5/2024)

Ainda que não se exerça o controle difuso de constitucionalidade, é importante entender quais as funções que a regulamentação do mínimo existencial exerce. O mínimo existencial possui três funções principais no contexto brasileiro, especialmente em relação ao superendividamento do consumidor:

1. Parâmetro para a definição de superendividamento:

A Lei nº 14.181/21, conhecida como Lei do Superendividamento, define o superendividamento como a “impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial”. Nesse sentido, o mínimo existencial funciona como um elemento essencial na própria definição legal de superendividamento, estabelecendo um limite para a cobrança de dívidas e garantindo que o consumidor não seja privado dos recursos mínimos para sua subsistência digna.

2. Orientação para concessão responsável de crédito:

O princípio do mínimo existencial, intrinsecamente ligado à dignidade da pessoa humana, transcende a mera definição de superendividamento e serve como um importante parâmetro para a concessão responsável de crédito. As instituições financeiras, ao analisar a concessão de crédito, devem considerar a capacidade do consumidor de arcar com a dívida sem comprometer seu mínimo existencial. Isso significa que a análise de crédito deve ir além da simples comprovação de renda, levando em conta as despesas básicas do consumidor para garantir que o crédito concedido não o leve a uma situação de superendividamento.

3. Limitação ao poder dos credores na repactuação de dívidas:

Em situações de superendividamento, o mínimo existencial atua como um limitador do poder dos credores na repactuação de dívidas. Durante o processo de repactuação, o mínimo existencial do devedor deve ser preservado. Isso significa que o plano de pagamento negociado não pode comprometer os recursos mínimos necessários para que o consumidor e sua família mantenham uma vida digna, garantindo o acesso a bens e serviços essenciais como alimentação, saúde, educação e moradia.

A inserção da expressão “nos termos da regulamentação”, após a expressão “mínimo existencial” na lei foi uma exigência da Febraban, justamente porque ela queria ter uma certeza, através de um patamar objetivo, de que não estaria ofendendo o princípio do crédito responsável quando da concessão do crédito. Ou seja, a finalidade da regulamentação do mínimo existencial seria permitir que as concedentes de crédito tivessem uma segurança na avaliação da capacidade de pagamento do consumidor na concessão do crédito, através de um valor fíxo (e, portanto, objetivo), de modo a respeitar o princípio do crédito responsável.

Assim, a restrição da regulamentação do decreto somente pode aplicado para a concessão do crédito (para o fornecedor ter conhecimento da capacidade de pagamento do consumidor na hora da concessão do crédito, de modo a não sofrer as sanções do artigo 54-D, parágrafo único), mas jamais para a definição de quando o consumidor está superendividado ou para elaboração do plano de pagamento na repactuação das dívidas.

Para a configuração do consumidor superendividado e a quantificação do mínimo existencial, para efeitos de tratamento (artigo 104-A, B e C), será o caso concreto é que definirá os valores para manutenção da vida digna do consumidor e de sua família.

O Enunciado nº 40 do Fonamec atesta nesse sentido:

“Na pactuação do plano de pagamento das dívidas do consumidor superendividado deverá ser respeitado o mínimo existencial, considerando a situação concreta vivenciada pelo consumidor e sua entidade familiar, de modo a não comprometer a satisfação de suas necessidades básicas, observados os parâmetros estabelecidos no artigo 7º, inciso IV, da Constituição da República.”

A justificativa apresentada para este enunciado foi a seguinte:

“A leitura do Decreto n.11.150, de 26 de julho de 2022, confrontou o superprincípio da dignidade da pessoa, cuja função precípua era conferir-lhe unidade material. O princípio da dignidade atua como fundamento à proteção do consumidor superendividado e criador do direito ao mínimo existencial, cuja previsão infraconstitucional foi sedimentada pelo Poder Legislativo na Lei nº 14.181/21, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, instalando um microssistema de crédito ao consumo. Para além da redação do regulamento determinado no Código do Consumidor atualizado, artigo 6º, XI, a eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, para a preservação da dignidade da pessoa, era avanço doutrinário e jurisprudencial pátrios já reconhecidos, a partir da previsão do art. 5º , parágrafo 1º, da CF/88. Afinal, a garantia de 25% do salário mínimo a qualquer família brasileira, sem considerar a situação socioeconômica e individualizar as necessidades que comportam as despesas básicas de sobrevivência, não representa interpretação harmônica com os valores constitucionais. Assim, resta evidente a possibilidade de composição sem incidência do Decreto nº 11.150/22, em controle difuso de constitucionalidade.” (Obs: o valor do mínimo existencial foi alterado para R$ 600 em 2023)

Somente para exemplificação, veja caso real que aconteceu no estado do Espírito Santo:

No caso real acima ilustrado, mesmo a autora sendo descontado em valores maiores do que a integralidade do montante recebido mensalmente (assim, ela não dispõe de nenhum recurso para pagar o restante das dívidas e nem para sobreviver!) — o que demonstra claramente a sua situação de superendividamento — aplicando o decreto para configuração de superendividamento neste caso, considerando que vários empréstimos são consignados e que o montante destes ultrapassam o valor de R$ 600 [1], consideraríamos que esta consumidora não estaria superendividada e, o pior, não mereceria o tratamento destinado pela lei, o que seria um absurdo, atestando, assim, a ineficácia da lei.

Assim, por razões de justiça e visando atender à finalidade maior da lei (que é o tratamento do consumidor superendividado, restabelecendo sua dignidade), o magistrado deverá não aplicar o Decreto 11.150/2022 para definição de superendividamento, sob pena de esvaziamento da lei (por ineficácia) ou que, ao menos, limite sua aplicação para apenas a concessão do crédito.


[1] Isso porque o Decreto 11.150/2022, além de estipular o valor de R$ 600, retirou os valores do empréstimo consignado da análise do mínimo existencial.

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Reforma tributária pode suprimir conquistas dos contribuintes nos tribunais superiores

O cidadão brasileiro tem assistido, nos últimos meses, aos passos apertados do governo e do Congresso rumo à aprovação dos projetos de lei da reforma tributária do consumo. Em linhas gerais, a pretensão declarada da reforma é a simplificação do complexo sistema tributário brasileiro, com a progressiva supressão dos cinco mais controvertidos tributos em vigor (ICMS, PIS, Cofins, ISS e IPI) e sua substituição por três novos tributos, IBS, CBS e IS.

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Em meio aos relevantes temas trazidos pelos projetos de lei da reforma tributária do consumo, foram inseridas alterações pontuais na legislação de dois tributos não diretamente relacionados ao consumo, o Imposto Causa Mortis e Doações (ITCMD) e o Imposto Sobre Transmissão Onerosa de Bens Imóveis (ITBI).

Sobre tais alterações, estão em grande destaque o estabelecimento da progressividade, a criação de novos fatos geradores e aumento da alíquota do ITCMD, que vai impactar nos inventários e doações.

Ainda sobre o Imposto Causa Mortis, tem gerado polêmica a possibilidade de tributação de heranças do exterior, planos de previdência e a grande novidade: tributação de operações societárias por meio de equiparação a doações. O tema da tributação de dividendos desproporcionais, por si só, merece um estudo aprofundado quanto à legalidade dessa hipótese de incidência.

Supressão de conquistas

Em paralelo a essas discussões, um olhar atento rapidamente identifica que o PLP introduz mudanças na legislação de regência do ITBI e ITCMD que terão por efeito a supressão de conquistas dos contribuintes no Judiciário, por meio de teses firmadas em recursos repetitivos.

Começando pelo ITCMD, a tese firmada em julgamento do Tema 1.048 pela 1ª Seção do STJ, em maio de 2021, definiu que, no imposto referente à doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual, a contagem do prazo decadencial teria início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

O entendimento foi fruto de um longo período de controvérsia envolvendo fiscos estaduais e contribuintes e, ao fim, prestigiou-se a regra vigente no Código Tributário Nacional. O julgamento trouxe segurança ao Contribuinte quando estabeleceu limites temporais para a possibilidade de o Fisco Estadual identificar, por iniciativa própria, fatos geradores do tributo.

Em sentido diverso, o PLP 108/2024 estabeleceu como momento da ocorrência do fato gerador a data do ato ou negócio jurídico, nos casos em que não houver formalização. O texto base indicou que o prazo de decadência, nestes casos, será contado a partir da data do conhecimento do ato ou negócio jurídico pela administração tributária estadual ou distrital.

Na prática, esta mudança de critério de contagem pode implicar na impossibilidade do decaimento do direito do Fisco Estadual “descobrir” e lançar o imposto sobre operações sujeitas ao ITCMD. A legislação também fala em convênios para troca de informações para levantamento de dados sobre doações não declaradas.

Reflexos no ITBI

Outra alteração do texto base que conflita com o conteúdo de acórdãos proferidos em recursos repetitivos diz respeito ao momento da ocorrência do fato gerador do ITBI.

O PLP 108/2024 prevê o acréscimo do artigo 35-A ao CTN, para estabelecer como elemento temporal do fato gerador do ITBI o “momento da celebração do ato ou título translativo oneroso do bem imóvel”.

O dispositivo vai de encontro ao conteúdo do Tema 1.124, em que o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese: “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.

A mudança introduzida pelo projeto de lei pode conferir legitimidade à prática dos municípios e órgãos registrais imobiliários de exigir o pagamento do ITBI antes do ato de averbação da transmissão, com a mera assinatura de escritura de promessa de compra e venda ou cessão, por exemplo.

Este tipo de operação costumava gerar grandes discussões entre usuários dos serviços registrais e prefeituras e foi solucionado pela resolução do Tema 1.124. O texto trazido pela Reforma reacende a discussão e viabiliza o restabelecimento desta prática, bastante questionável do ponto de vista jurídico.

Presunção de legitimidade

Ainda com relação ao ITBI, outra alteração introduzida com o Projeto de lei da Reforma pode ter repercussão conflitante com o conteúdo de uma conquista dos contribuintes no STJ. Trata-se da presunção de legitimidade e veracidade do valor adotado nas transações declaradas pelos contribuintes.

O PLP 108/2024 acrescenta artigo 38-A ao CTN, estabelecendo que se considera valor venal, pra fins de ITBI, o valor de referência ou o valor da transmissão, o que for maior, do bem imóvel ou dos direitos reais sobre bem imóvel.

A nova disciplina determina que o valor de referência será estabelecido por meio de metodologia específica para estimar o valor de mercado dos bens imóveis, nos termos de legislação municipal ou distrita e será fixado anualmente nos termos da legislação municipal ou distrital.

Quer dizer, com essa modificação, deixa de ter lugar o conteúdo do Tema 1.113, que definiu que o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, somente ilidível pelo Fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio.

No julgamento deste tema, o STJ estabeleceu que os municípios não poderiam arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por si estabelecidos unilateralmente. O PLP traz entendimento contrário, dando legitimidade à conhecida pauta fiscal e, uma vez mais, suprime um entendimento favorável aos contribuintes.

Fique atento

Muito ainda há que ser debatido nos passos seguintes da aprovação da reforma tributária. Entre os pontos de atenção, a invalidação de entendimentos historicamente firmados nos tribunais superiores, em regime de recursos repetitivos, em favor dos contribuintes deve ser considerada com toda cautela em prol da manutenção da segurança jurídica.

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Execução por condomínio exige convenção ou ata de assembleia do período cobrado

No mês passado, o Supremo Tribunal Federal formou maioria a respeito da possibilidade de aplicação retroativa do acordo de não persecução penal a investigações e processos criminais já iniciados na ocasião em que entrou em vigor a Lei 13.964/2019 (“pacote anticrime”). Naquele momento, ainda não havia consenso no tribunal sobre os efeitos complexos da retroatividade do instituto.

O plenário do STF resolveu essa indefinição e definiu a tese do julgamento do Habeas Corpus 185.913/DF. É fundamental reconhecer que a tese representa um avanço que limitará casuísmos e arbitrariedades na aplicação do ANPP. Mas ela também deixa transparecer que algumas perguntas precisarão ser revisitadas para se garantir uma interpretação do instituto plenamente harmônica com os princípios da nossa ordem constitucional.

Sem prejuízo de uma análise mais detalhada dos argumentos dos ministros, por hora voltamos nosso olhar para alguns dos aspectos mais importantes da tese fixada.

Juízo de discricionariedade do MP para propositura do ANPP?

No primeiro item da tese, o STF estabeleceu que é de competência do Ministério Público avaliar a presença dos requisitos para a negociação e a celebração do ANPP. Ainda fixou que a avaliação deve ser motivada e que se trata de poder-dever do MP.

Não há dúvidas de que a obrigatoriedade de fundamentação acerca do oferecimento do acordo é um ponto positivo. A fundamentação limita o exercício arbitrário de eventuais convicções pessoais contrárias à lei e permite uma revisão objetiva dos requisitos legais pelo órgão superior (artigo 28-A, § 14, do CPP).

Por outro lado, continua problemático considerar-se o oferecimento do ANPP como atividade exercida dentro de uma esfera de “poder-dever” do MP. Embora o artigo 28-A, caput, do CPP afirme que o MP poderá propor o acordo quando presentes as condições legais, é necessário ter em primeiro plano que o ANPP tem como efeito uma extinção antecipada da punibilidade sobre o fato investigado ou processado, sem a formação de um juízo de culpa.

Por se tratar de um efeito que limita o poder de punir do Estado, ele não pode ficar sujeito a ponderações discricionárias de agentes públicos, mas apenas à observância estrita dos requisitos legais. É necessário resgatar a discussão sobre se o ANPP deve ser considerado um direito subjetivo do investigado ou acusado, assim como ocorreu com a transação penal e a suspensão condicional do processo.

Possibilidade de oferta do ANPP nos processos em andamento

O segundo item da tese corresponde ao cerne do tema discutido pelo STF. Fixou-se em definitivo que o ANPP pode ser celebrado em processos que se encontravam em andamento quando a lei do pacote anticrime entrou em vigor.

Com isso, reconheceu-se que o instituto não se limita a disposições de caráter puramente processual e que ele deve retroagir a fatos e processos anteriores à sua vigência. Logo, as regras de interpretação da norma penal material devem ser consideradas sem restrições para o instituto.

Desnecessidade de confissão prévia

Outro ponto muito importante foi estabelecer que o ANPP não depende de confissão prévia. O ANPP não é um instrumento investigativo, nem um meio de produção de prova. A jurisprudência ainda tem que avançar para compreender se a exigência de confissão é compatível com os direitos constitucionais defensivos.

De todo modo, na prática são frequentes os casos em que o MP se recusa a oferecer o ANPP porque o investigado não confessou o crime no inquérito policial ou porque o acusado não o confessou no interrogatório. A tese do STF deve encerrar em definitivo esses casos de recusa, tendo em vista que leva a hipótese de confissão para o momento das tratativas sobre o acordo.

Trânsito em julgado de condenação penal deve ser limite para oferecimento do ANPP?

O segundo item da tese ainda estabelece que o pedido de ANPP para processos em curso deve ser feito antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Aqui há o risco de violação princípio de retroação da lei penal benéfica. O artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal é suficientemente claro e autoriza a retroação para casos “decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.

Pode-se ponderar se há alguma utilidade na aplicação do ANPP nesses casos. Ainda assim, esse é um tema que deve ser avaliado nos processos de execução concretos, tendo em vista que a lei não prevê qualquer tipo de limite antecipado às regras de retroação da lei penal benéfica.

Até quando uma proposta do ANPP pode ser oferecida?

A manifestação sobre a possibilidade de oferecer ANPP deve ser a primeira providência a ser tomada pelo Ministério Público após a publicação da tese do STF, porque a análise de uma possível causa de extinção da punibilidade deve ter precedência sobre quaisquer outros temas no curso do processo.

No terceiro item, a tese prevê justamente que, nos processos em que a negociação do ANPP ainda não foi oferecida ou foi recusada sem motivação, o MP deve falar sobre o assunto na primeira oportunidade após a publicação da ata do julgamento do habeas corpus.

Também é acertado o quarto item da tese quando estabelece que, para investigações e processos iniciados depois do julgamento do habeas corpus, a propositura ou a rejeição do ANPP deve ocorrer antes do recebimento da denúncia. Dentre outras coisas, isso significa que a proposta de ANPP pode ser apresentada concomitantemente à denúncia.

O ANPP deve ser integrado com os demais substitutivos penais. Há, por exemplo, casos em que tanto o acordo quanto a suspensão condicional do processo são cabíveis. Em princípio, a lei prevê que o oferecimento do ANPP antecede a suspensão condicional do processo. No entanto, se o investigado considerar que a suspensão condicional do processo é a alternativa mais benéfica para o seu caso, não faz sentido que ele tenha que manifestar previamente uma recusa com efeito preclusivo sobre o acordo. Nesse ponto, o STF permitiu a resolução clara de uma questão procedimental que vinha causando controvérsias práticas.

Longe de pretenderem ser exaustivas, essas considerações apontam para os desafios dos instrumentos de política criminal que pretendam buscar caminhos alternativos à judicialização sem sacrificar os direitos e garantias individuais de todos os cidadãos.

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Exigência de exame de gravidez no ato da demissão é conduta discriminatória?

É sabido que a empregada gestante possui estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, conforme previsto no artigo 10, II, “b”, do ADCT. O que poucos talvez saibam é que essa garantia não visa proteger a gestante, mas assegurar ao nascituro que, a sua mãe tenha uma gravidez tranquila, com condições adequadas de prover os alimentos essenciais para o desenvolvimento do feto.

Diante deste cenário, foram criadas diversas normas para resguardar essa garantia, evitando que a mulher gestante e o feto sofram restrições a seus direitos.

O artigo 373-A, IV, da CLT é um exemplo claro dessa proteção, vedando que as empresas exijam exames de gravidez no momento da contratação e nos exames periódicos durante o emprego. O artigo dispõe:

“Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;”

Essa é, portanto, uma vedação expressa. Assim, salvo se a empresa tiver uma justificativa legal, exigir a comprovação do estado de gravidez, seja no ato da contratação, seja durante o contrato de trabalho, é uma prática proibida. A inobservância dessa norma pode sujeitar a empresa à indenização por danos morais.

Justificativa legal para a exigência de exame de gravidez

Um exemplo em que a exigência pode ser justificada é a contratação para trabalho em ambiente insalubre, onde o exame visa salvaguardar a saúde do feto. No entanto, é necessário lembrar que a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) permitiu que gestantes desempenhassem atividades insalubres em grau médio ou mínimo, assim como lactantes, salvo quando apresentassem atestado médico recomendando o afastamento. Esse entendimento vigorou até maio de 2019, quando o STF, ao julgar a ADI 5.938, declarou a norma inconstitucional.

Segundo o STF, condicionar o afastamento da gestante de ambiente insalubre à recomendação médica fere os direitos fundamentais da gestante e do bebê. Prevalece, assim, o entendimento de que gestantes e lactantes não podem exercer atividades em ambientes insalubres em qualquer grau.

Exigência de exame de gravidez durante o contrato de trabalho: crime

Além da vedação na CLT, a exigência de exames de gravidez durante o curso do contrato de trabalho também é tipificada como crime pela Lei 9.029/1995. Conforme o artigo 2º, I, da referida lei: “Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias: I – a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez; Pena: detenção de um a dois anos e multa”.

Exame de gravidez no ato da demissão: permitido?

A legislação trabalhista não prevê expressamente a proibição de exigir exame de gravidez no ato da demissão. Em 2021, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que a exigência de exame de gravidez no momento da demissão não é considerada uma conduta discriminatória, tampouco viola a intimidade da trabalhadora.

O caso julgado pelo TST envolvia uma empregada que, ao ser demitida, foi surpreendida pela exigência do exame de gravidez. Ela alegou discriminação, argumentando que, caso fosse constatada a gravidez, sua demissão não seria formalizada. O pedido de indenização por danos morais foi negado em primeira e segunda instâncias, e o TST manteve as decisões anteriores, entendendo que a exigência visava garantir segurança jurídica ao término do contrato de trabalho (Processo nº RR-61-04.2017.5.11.0010, DEJT 18/06/2021).

Conforme o ministro relator Alexandre Agra Belmonte, “a exigência do exame demissional visa dar segurança jurídica ao término do contrato de trabalho, pois, em caso de gravidez, o empregador, ciente da estabilidade, poderá mantê-la no emprego ou indenizá-la previamente, evitando a judicialização da questão”.

Inclusive, é prudente que as empresas adotem essa prática como medida preventiva. Isso porque, em diversas ações trabalhistas, é comum que gestantes, ao buscarem a Justiça, não desejem a reintegração, mas apenas a indenização substitutiva do período de estabilidade.

Consequências ao não adotar a prática

Caso o exame de gravidez não seja solicitado no ato da demissão e a trabalhadora esteja grávida, o empregador poderá ser obrigado a pagar todos os salários do período de estabilidade, mesmo que tenha oferecido a reintegração. Nesse sentido, o TST tem jurisprudência consolidada no entendimento de que a recusa à proposta de reintegração não configura renúncia ao direito de indenização substitutiva.

Divergências nos tribunais

Embora a prática de solicitar exame de gravidez no ato da demissão tenha respaldo em decisões judiciais, como no caso do TST mencionado, o tema ainda não é consolidado. Há decisões, inclusive, que consideram a exigência abusiva, por entender que viola a intimidade da trabalhadora. Todavia, esse entendimento não está expressamente previsto na legislação trabalhista, que veda apenas a prática no momento da admissão e durante o contrato de trabalho.

Conclusão

Apesar da controvérsia existente em torno da exigência de exame de gravidez no ato da demissão, a prática encontra respaldo em decisões judiciais e pode ser vista como uma medida preventiva para evitar litígios trabalhistas futuros. Contudo, as empresas devem estar cientes de que o tema ainda é passível de discussão, especialmente a depender das particularidades de cada caso.

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Reconhecimento de grupo econômico autoriza incluir empresa na recuperação judicial

Em situações excepcionais, o reconhecimento da existência de grupo econômico de fato autoriza que o juiz inclua uma empresa no polo ativo de ação de recuperação judicial.

Recuperação judicial envolve empresas do grupo econômico que produz o refrigerante Dolly – reprodução

A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a inclusão da empresa Ecoserv na recuperação judicial do grupo Dolly. O resultado foi por maioria de votos.

Com isso, o colegiado aponta um caminho a seguir em uma das hipóteses que não tem previsão na Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2205).

O tema envolve a possibilidade da chamada consolidação substancial — o tratamento de duas ou mais empresas como uma única entidade jurídica, devido à confusão entre ativos e passivos dela.

O artigo 69-J prevê a consolidação no âmbito da recuperação judicial, mas só cita os casos em que devedores integrantes do mesmo grupo econômico que já estejam em processo de soerguimento.

A Ecoserv, no entanto, não estava em recuperação judicial. Ela foi uma das quatro empresas que foram incluída no processo que o Grupo Dolly abriu para apenas três de suas companhias, inicialmente.

Ao STJ, a empresa alegou que a inclusão foi indevida devido à ausência de previsão legal, porque não estão presentes os requisitos para configuração do grupo econômico e porque esse ato deveria ser submetido à assembleia-geral de credores.

Recuperação judicial

Relator, o ministro Humberto Martins entendeu indevida a consolidação substancial no caso. Ele apontou no voto vencido que o artigo 69-J da Lei 11.101/2005 estabelece que esse procedimento deve ser precedido da consolidação processual.

Já a consolidação processual consta do artigo 96-G, segundo o qual devedores que atendam aos requisitos previstos e que integrem grupo sob controle societário comum poderão requerer recuperação judicial sob consolidação processual.

“A opção por aderir ao rito da recuperação em regime consolidação para pagamento de seus débitos é dada aos próprios devedores, não sendo esta uma condição que o Judiciário possa considerar para indeferir pedido de recuperação judicial”, disse o relator.

Assim, caberia aos credores e demais interessados usar do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para alcançar os bens da Ecoserv, se assim entendessem, para atingi-la pelo processo de recuperação judicial do Grupo Dolly.

“A consolidação é instrumento em favor do devedor (na via oposta da desconsideração da personalidade jurídica) e não condição a ser imposta ao deferimento da recuperação judicial”, reformou o ministro Humberto Martins.

Voto vencedor

Venceu o voto divergente da ministra Nancy Andrighi, que defendeu uma solução que observe a necessidade de que ativos e passivos de diferentes devedores pertencentes ao mesmo grupo sejam tratados de forma unificada para equalizar os interesses dos credores.

Caso contrário, o Judiciário permitiria que o Grupo Dolly elegesse, dentre as sociedades que o integram quais ativos e passivos estariam sujeitos ao processo de recuperação, manipulando os princípios da Lei 11.101/2005.

O voto cita jurisprudência do STJ na linha de que, em situações excepcionais, o juiz possa determinar a inclusão de litisconsorte necessário no polo ativo da ação, sob pena de, não atendida a determinação, o processo ser extinto sem resolução do mérito.

“O polo ativo da presente ação é ocupado por um grupo empresarial que tentou dissimular sua existência no intuito de proteger interesses escusos e que, a partir da consolidação substancial, será considerado como um único devedor, a fim de garantir o pagamento das vultosas dívidas na forma do plano apresentado”, esclareceu.

“Não se trata, portanto, de obrigar a Ecoserv Ltda a litigar (sobretudo diante da inexistência de litigiosidade nessa via processual), mas, sim, de não permitir que o Judiciário seja utilizado para legitimar o comportamento gravemente disfuncional do grupo empresarial em questão”, concluiu.

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REsp 2.001.535

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TRF-4 afasta regra que proíbe advogado de revelar desejo de disputar eleições da OAB

Advogado apto a concorrer a cargos de direção na Ordem dos Advogados do Brasil não viola nenhuma normativa eleitoral relativa a propaganda antecipada ao manifestar intenção de se candidatar. 

Esse foi o entendimento da desembargadora Eliana Paggiarin Marinho, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, para conceder liminar para afastar as regras da OAB que proíbem os advogados de manifestarem a intenção de serem candidatos nas eleições do órgão de classe da categoria.

TRF-4 derrubou norma da OAB Nacional que proíbe advogados de revelar desejos de disputar eleições da entidade – Raul Spinassé/CFOAB

A decisão foi provocada por ação ajuizada pela advogada  Vivian De Gann, ex-candidata à presidência da OAB-SC (2021), e pedia a anulação de parte da norma que regulamenta as eleições de 2024.

A causídica alegou que o provimento 222/2023 da OAB Nacional “trouxe proibições excessivas, nunca antes experimentadas nas eleições da Ordem dos Advogados do Brasil, que restringem a liberdade de expressão, a liberdade de associação, a liberdade de reunião e impedem o livre debate de ideias de modo a permitir a oxigenação dos quadros da OAB”. A advogada deve se candidatar novamente ao comando da seccional catarinense da OAB em 2024. 

“Permitir que advogada apta a concorrer aos cargos de direção dos quadros da OAB, veicule essa simples intenção em suas redes sociais, reuniões ou em entrevistas, não fere a paridade de armas, pois não deflagra o processo eleitoral intempestivamente”, decidiu a desembargadora federal Eliana Paggiarin Marinho, relatora da ação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 

Manifestação legítima

A julgadora ainda destacou que “a menção à possível pretensão de oferecer o seu nome ao pleito não pode constituir candidatura antecipada, seja de forma explícita ou implícita, na qual a advogada afirma que concorrerá às futuras eleições, respaldada ou não em grupo de apoio.”

Entre outras proibições, o provimento questionado do Conselho Federal da OAB proíbe advogados de manifestarem a intenção de se candidatar, além de impor multas para quem montar comitês eleitorais. “A regra excede o poder regulamentar do Conselho Federal da OAB e contraria à Constituição e à legislação. A OAB é guardiã da liberdade, então não há razão para tentar calar a advocacia, ainda que haja descontentamento com os rumos da instituição”, diz Vivian. 

Além de questionar a constitucionalidade das restrições, a oposição alega que a permissão para que detentores de mandato nas diversas instâncias da entidade possam participar de atividades institucionais, inclusive das sessões de juramento de novos inscritos, inaugurações e até lançamento de obras, projetos e serviços, cria um evidente desequilíbrio. 

Clique aqui para ler a decisão
Processo 5031615-31.2024.4.04.0000

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Lei Geral de Comércio Exterior: um alinhamento importante

Um alinhamento importante

Hoje, dia 17 de setembro de 2024, a partir das 21h41, brasileiros(as) de todo o país poderão ver um eclipse lunar. Para garantir o acesso de todos, o Observatório Nacional (ON), unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), irá transmitir o evento astronômico em seu canal no YouTube [1].

Segundo a gestora da Divisão de Comunicação e Popularização da Ciência (Dicop) do ON, Josina Nascimento, haverá, no evento, o alinhamento, nesta ordem, entre o Sol, a Terra e a Lua Cheia [2]. E, além desse eclipse lunar, parte da população brasileira poderá ainda acompanhar um eclipse solar em 2 de outubro de 2024 (claro, também transmitido pelo canal do ON!).

Mas não é exatamente desses alinhamentos importantes do mundo da física que trataremos aqui!

Existem alinhamentos importantes no mundo da regulação do comércio internacional, como o alcançado no pós-guerra, para se chegar ao Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio (Gatt), ou o logrado ao final da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Unilaterais, em 1994, que permitiu a criação da Organização Mundial do Comércio. A título exemplificativo, há ainda acordos regionais, como os referentes à União Europeia e ao Mercosul, frutos de um alinhamento característico de seu tempo (em timing perfeito/correto).

Nem sempre se reúnem as condições para que os “astros” (ou atores, no mundo biológico) estejam alinhados, com um propósito comum, buscando o desenvolvimento recíproco, e o bem comum. No mundo aduaneiro, um relevante evento nesses termos, apresentado a seguir, lançou as bases para promover um alinhamento que será de suma importância para o comércio exterior brasileiro, e para o incremento da participação de nosso país no comércio internacional: a divulgação de um anteprojeto de lei que busca alinhar a legislação de comércio exterior brasileira às melhores práticas internacionais.

Lei Geral de Comércio Exterior

Na última semana foi submetido à consulta de diversas entidades brasileiras relacionadas ao comércio exterior um anteprojeto, fruto da construção conjunta de especialistas da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) do Ministério da Fazenda (MF), da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e da Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior (SE/Camex), ambas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), e da Consultoria Legislativa do Senado, junto à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) e aos gabinetes dos senadores Renan Calheiros e Espiridião Amin, contemplando demandas dos operadores privados sobre normas gerais para o desempenho das atividades de regulação, fiscalização e controle sobre o comércio exterior de mercadorias.

Na minuta de justificação do documento, destaca-se que o comércio exterior de mercadorias, no Brasil, é disciplinado em mais de uma centena de normas de ordem legal, sendo a principal o Decreto-Lei nº 37/1966, que, à beira de seus sessenta anos de vigência, vem cumprindo a importante tarefa de disciplinar disposições relativas ao imposto de importação e à regulação dos serviços aduaneiros, entre outros temas.

No entanto, ainda segundo o texto da referida justificação, apesar das constantes atualizações ao citado decreto-lei, que se estendem à quase totalidade dos seus 172 artigos, restando apenas 42 deles hoje vigentes em sua redação original [3], as alterações no cenário internacional de comércio, o novo papel das aduanas no século 21 [4], e a necessidade de adequação da legislação nacional aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, principalmente na Convenção de Quioto Revisada (CQR), da Organização Mundial das Aduanas (OMA) [5], promulgada, no Brasil, pelo Decreto nº 10.276/2020, e no Acordo sobre a Facilitação do Comércio (AFC), da OMC [6], promulgado, no país, pelo Decreto nº 9.326/2018, demandam um remodelamento da disciplina geral do comércio exterior de mercadorias em nosso país, alinhado às melhores práticas internacionais.

De fato, o novo papel das aduanas, no século 21, é bem distinto daquele que se encontrava à época do Decreto-Lei 37/1966 (e dos primeiros anos da OMA, que ainda nem era conhecida por tal designação [7]), e se estende a diversas atividades que sequer eram cogitadas no século passado, como a preocupação do meio ambiente [8]. E a CQR/OMA e o AFC/OMC objetivam, ambos, aplicar as melhores práticas em comércio internacional, dirigidas não só à aduana, mas a todos os órgãos intervenientes em operações de comércio exterior.

Mais próximos das melhores práticas

No texto do anteprojeto é perceptível a influência dessas melhores práticas internacionais em diversas ocasiões, cabendo aqui expressamente enumerar algumas, a começar pela mais complexa, e que foi responsável pelo maior número de pedidos de assistência no âmbito da OMC: o Single Window (artigo 10.4 do AFC) [9].

O anteprojeto consagra, em seus artigos 28 a 30, a utilização obrigatória do Portal Único de Comércio Exterior brasileiro, com transparência, previsibilidade e publicidade da informação, eliminando barreiras burocráticas ao fluxo de comércio exterior, com uso intensivo de tecnologia, emprego de documentos digitais e digitalizados, e pagamento eletrônico de tributos.

Outros temas modernos e presentes internacionalmente, com os quais o leitor está acostumado a conviver aqui no Território Aduaneiro, como gestão de riscos [10] (artigos 36 e 37), Operador Econômico Autorizado [11] (artigo 20), licenças flex (artigo 87), autorregularização (artigo 76), cooperação e parcerias [12] (artigo 24), registro antecipado de declarações/apresentação antecipada de documentos (artigos 26 e 31), e informação antecipada sobre cargas (artigo 44). Há ainda influências regionais, como o instituto do “depósito temporário” (artigos 47 a 50), derivado do Código Aduaneiro do Mercosul, aprovado pela Decisão CMC 27/2010, e a classificação das “pessoas intervenientes” (artigos 14 a 23).

É ampliado o universo das Soluções Antecipadas (hoje conhecidas no Brasil como Soluções de Consulta e de Divergência) em matéria aduaneira, em consonância com o artigo 3º do AFC/OMC, e efetuada ampla reclassificação terminológica das categorias referentes a regimes aduaneiros.

Aliás, a terminologia é um dos pontos de destaque do anteprojeto, que apresenta, logo ao início (artigo 2º), um importante e uniformizador glossário [13], aclarando o significado de “ despacho aduaneiro”, de “despacho para consumo”, de “exportação” e “importação”, de “reexportação” e “reimportação”, de “mercadoria” (e de mercadoria “nacional”, “estrangeira”, “nacionalizada” e “desnacionalizada”), com definições que se somam a outras mais apropriadas a tópicos específicos da norma, como “território aduaneiro” (artigo 5º), “alfandegamento” (artigo 7º), “despacho de importação” e “de exportação” (artigos 51 e 61), “fiscalização aduaneira” (artigo 72), “repressão aduaneira” (artigo 77), “regime aduaneiro” (artigo 90), “regime aduaneiro comum” (artigo 91) e “regime aduaneiro especial” (artigo 92).

Fruto do multicitado alinhamento internacional, são superados termos vetustos da legislação, como “desembaraço aduaneiro” (que dá lugar à “liberação da mercadoria”) e “revisão aduaneira” (substituído por “auditoria posterior à liberação”), havendo ainda melhor adequação dos regimes aduaneiros brasileiros às classificações internacionais [14], e aproximação das normas referentes aos regimes de aperfeiçoamento ativo.

No entanto, a presença mais forte das melhores práticas internacionais está no artigo 4º, que funcionará como um verdadeiro “norte” para o comércio exterior brasileiro, estabelecendo diretrizes para a regulação, a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior de mercadorias no Brasil, seja para os temas tratados no anteprojeto, ou ainda para outros, que ainda demandam disciplina futura.

As ausências no anteprojeto

Três grandes grupos de temas que demandam disciplina futura são indicados no parágrafo único do artigo 4º: a tributação sobre o comércio exterior, as infrações e penalidades aduaneiras, e o contencioso administrativo aduaneiro. Além desses, ficaram de fora temas não afetos a uma lei geral de comércio exterior, por tratarem de tópicos específicos e pontuais, como proibições e restrições, e regras procedimentais, além da disciplina relativa a importação e exportação de serviços.

Os três temas expressamente excepcionados possuem algo em comum, e que os retira do escopo de alinhamento às melhores práticas internacionais (principal objetivo do Anteprojeto). À exceção de tópicos pontuais (já presentes nas citadas diretrizes do artigo 4º), não são especificamente disciplinados em atos internacionais vinculantes, o que torna mais complexa e pouco consensual sua redação, demandando aprofundamento dos estudos de diversos sistemas jurídicos, para encontrar uma melhor solução.

Veja-se, por exemplo, o tema das infrações e penalidades aduaneiras, que a União Europeia tentou uniformizar (sem sucesso) na Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho 432/2013, que detalha, em três artigos, 35 infrações, categorizando-as em “infrações aduaneiras com responsabilidade objetiva” (artigo 3º – 17 infrações), “infrações aduaneiras cometidas por negligência” (artigo 4º – 11 infrações), e “infrações aduaneiras cometidas dolosamente” (artigo 5º – 7 infrações) [15], e que o Mercosul também reconheceu a dificuldade em harmonizar, no texto do artigo 180, 1 do Código Aduaneiro (Decisão CMC 27/2010): “O descumprimento das obrigações impostas neste Código será sancionado conforme a legislação dos Estados Partes [16].

Tentar uniformizar em curto prazo temas complexos como esse, ou o tributário [17] (em pleno trâmite da reforma tributária [18] brasileira sobre o consumo, que afetará substancialmente a incidência de tributos niveladores na importação), ou ainda o relativo a contencioso administrativo aduaneiro (em meio ao trâmite legislativo de diversos projetos de lei tratando de contencioso administrativo incluindo – às vezes, e ainda sem distinção objetiva — o “aduaneiro” no “tributário” [19]), não parece estar no alinhamento buscado com as melhores práticas.

Afirmar que nosso sistema tributário de comércio exterior, nosso sistema sancionatório aduaneiro e nosso sistema de contencioso administrativo aduaneiro estão desalinhados das melhores práticas internacionais implicaria, em primeiro lugar, identificar quais são essas melhores práticas, o que os tratados internacionais só lograram fazer dentro dos limites traçados nas diretrizes que figuram no artigo 4º. Ir além disso, de forma sistemática e responsável, é desejável e possível, mas não no presente alinhamento de astros e atores.

Futuramente (e tratamos de futuro no próximo tópico!), em um próximo (ou em próximos) alinhamento(s), a complementação desses três capítulos poderia transformar o texto atual em um verdadeiro “Código Aduaneiro” brasileiro.

O futuro do anteprojeto

O anteprojeto, após o recebimento das sugestões encaminhadas nas consultas ao setor privado, que já estão em andamento, será apresentado para trâmite nas casas legislativas, e o que se pode adiantar é que em caso de aprovação nos moldes em que se encontra, e com o acréscimo de contribuições na mesma esteira de alinhamento internacional, representará um avanço substancial rumo à modernização normativa das atividades aduaneiras, em consonância com as melhores práticas internacionais. É de se recordar que durante os trabalhos de confecção do Anteprojeto já foram tomadas em conta diversas sugestões de temas/textos apresentadas previamente pelo setor privado, que agregaram importantes conteúdos.

Esse exercício de futurologia [20] relativo ao anteprojeto, no entanto, deve ser feito com moderação. Por hoje, sabemos apenas qual é o texto inicial do anteprojeto, e que a partir das 21h41 haverá o alinhamento que provoca o eclipse lunar, havendo ainda em outubro um eclipse solar.

Aliás, a mesma gestora do Dicop/ON e pesquisadora referida no início deste texto faz um alerta em relação ao eclipse solar: “Em hipótese alguma olhe diretamente para o Sol. Se fizer isso, sua retina ficará com pontos queimados para sempre… Só pode olhar para o Sol com filtro soldador 14, que se compra em lojas de ferragens ou óculos próprios para observação do Sol, fornecidos por órgãos certificados” [21].

Da mesma forma, o anteprojeto deve ser visto apenas com lentes internacionalistas, alinhadas e com as melhores práticas, presentes em tratados internacionais sobre os temas, sob pena de desvirtuar o objetivo do texto normativo proposto, bem sintetizado ao final da Justificação: “…o Anteprojeto permite a modernização da regulação do comércio exterior de mercadorias, no Brasil, em aspectos que já encontram substancial uniformidade internacional, alinhando a disciplina brasileira às melhores práticas internacionais, contribuindo para maior inserção do País na corrente de comércio mundial, e, por consequência, para o desenvolvimento nacional, com segurança e facilitação do comércio”.


[1] Disponível em: https://www.youtube.com/@observatorionacional. Acesso em 15.set.2024.

[2] “Como a sombra da Terra é bem grande em relação à Lua, quando a Lua entra na sombra da Terra, quem estiver vendo vê a Lua eclipsada. Ou seja, para os locais onde é noite na hora do eclipse, será visível: o que vai diferir de um local para outro é a altura da Lua no céu”. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noticias/2024/09/brasileiros-conseguirao-ver-eclipse-lunar-dia-17-de-setembro-evento-sera-transmitido-pelo-observatorio-nacional. Acesso em 15.set.2024.

[3] TREVISAN, Rosaldo. Uma contribuição à visão integral do universo de infrações e penalidades aduaneiras no Brasil, na busca pela sistematização. In: TREVISAN, Rosaldo (org.). Temas Atuais de Direito Aduaneiro III. São Paulo: Aduaneiras, 2022, p. 622. Em relação aos demais artigos do Decreto-Lei no 37/1966, 39 tiveram nova redação dada por leis posteriores, como a Lei nº 10.833/2003 e a Lei no 12.350/2010; 24 foram expressamente revogados; e 67 já não produzem efeitos, e sequer foram disciplinados no Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009).

[4] A OMA produziu, ainda em 2008, o documento intitulado “Customs in the 21st Century: Enhancing Growth and Development through Trade Facilitation and Border Security”, no qual apontava quais seriam os temas protagonistas nas atividades aduaneiras após a virada do Século, antecipando, entre outros, os debates que ainda ocorreriam na Rodada Doha, no âmbito da OMC, sobre facilitação do comércio. Disponível em: https://www.wcoomd.org/~/media/wco/public/global/pdf/topics/key-issues/customs-in-the-21st-century/annexes/annex_ii_en.pdf?la=en. Acesso em 15.set.2024.

[5] Sobre a CQR/OMA, remete-se a: BASALDÚA. Ricardo Xavier. El Convenio de Kyoto Revisado: Antecedentes y Principios Aduaneros InvolucradosIn: TREVISAN, Rosaldo (org.). Temas Atuais de Direito Aduaneiro III. São Paulo: Aduaneiras, 2022, p. 81-120; e MORINI, Cristiano. A Convenção de Quioto Revisada e a Modernização da Administração Aduaneira. In: TREVISAN, Rosaldo (org.). Temas Atuais de Direito Aduaneiro II. São Paulo: Lex, 2015, p. 163-198.

[6] Sobre o AFC/OMC, remete-se a: NEUFELD, Nora. The long and winding road: how WTO members finally reached a Trade Facilitation Agreement. Disponível em: https://www.wto.org/english/res_e/reser_e/ersd201406_e.htm; acesso em 15.set.2024; TREVISAN, Rosaldo. O Acordo sobre a Facilitação do Comércio e seu Impacto na Legislação Aduaneira Brasileira. In: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de (Org.). Constituição, Tributação e Aduana no Transporte Marítimo e na Atividade Portuária. 1. ed. Belo Horizonte: Forum, 2020, v. I, p. 37-67; e FERNANDES, Rodrigo Mineiro. A implementação do Acordo sobre Facilitação Comercial no Brasil. In: TREVISAN, Rosaldo (org.). Temas Atuais de Direito Aduaneiro III. São Paulo: Aduaneiras, 2022, p. 431-468.

[7] A ideia do Conselho de Cooperação Aduaneira de adotar o nome de trabalho “Organização Mundial das Aduanas” surge apenas em junho de 1994, nas 83ª/84ª Sessões do Conselho, em Bruxelas, sendo a nova denominação introduzida nos documentos da OMA a partir de 03/10/1994.

[8] Destacada, aqui nesta coluna, em TREVISAN, Rosaldo; OLIVEIRA, Dihego Antônio Santana de.  “Aduanas verdes e ‘uma verdade inconveniente’”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mai-14/aduanas-verdes-e-uma-verdade-inconveniente/. Acesso em 15.set.2024.

[9] Das 125 notificações disponíveis na base de dados da OMC, 82 categorizaram o art. 10.4 do AFC (XX) como “C” (necessita de assistência). Disponível em: https://tfadatabase.org/en/notifications/categorization-by-member. Acesso em 15.set.2024.

[10] V.g., na coluna de Fernanda Kotzias e Yuri da Cunha (Por uma gestão de risco madura e integrada para o comércio exterior), disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jun-11/por-uma-gestao-de-risco-madura-e-integrada-para-no-comercio-exterior-brasileiro/. Acesso em 15.set.2024.

[11] V.g., na coluna de Fernando Pieri (OEA e e-commerce: novidades à base do pilar aduana-empresa), disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-mai-30/territorio-aduaneiro-oea-commerce-novidades-base-pilar-aduana-empresa/. Acesso em 15.set.2024.

[12] V.g., na coluna de Rosaldo Trevisan (Parcerias no setor aduaneiro facilitam comércio internacional), disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jan-30/parcerias-no-setor-aduaneiro-facilitam-comercio-internacional/. Acesso em 15.set.2024.

[13] Sobre a necessidade de uniformização da terminologia aduaneira, remete-se a: TREVISAN, Rosaldo; VALLE, Maurício Dalri Timm do. A “Babel” na Tributação do Comércio Exterior: mais Próximos de um Glossário Aduaneiro? In: TREVISAN, Rosaldo; VALLE, Maurício Dalri Timm do (coordenadores). Perspectivas e Desafios do Direito Aduaneiro no Brasil. São Paulo: Caput Libris, 2024, p. 15-48.

[14] Sobre a classificação dos regimes aduaneiros, remete-se a: ANDRADE, Thális. O conceito de regime aduaneiro especial no Brasil. In: TREVISAN, Rosaldo; VALLE, Maurício Dalri Timm do (coordenadores). Perspectivas e Desafios do Direito Aduaneiro no Brasil. São Paulo: Caput Libris, 2024, p. 67-86.

[15] Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:52013PC0884R(03). Acesso em 15.set.2024.

[16] Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/documentos-e-normativa/normativa/. Acesso em 15.set.2024.

[17] Cabe destacar que alguns temas sobre o imposto de importação já estão detalhadamente disciplinados em tratados, como a base de cálculo (no AVA-Gatt), restando apenas margem residual à legislação nacional. E até os tributos niveladores encontram disciplina no Artigo III do Gatt (“Tratamento Nacional”). Ademais, as taxas, que encontram regulação tanto na CQR/OMA como no AFC/OMC estão contempladas no anteprojeto).

[18] Sobre a reforma tributária, o leitor já está acostumado a ler colunas no território aduaneiro, v.g., a de Liziane Angelotti Meira (A reforma tributária está saindo, mas como fica o comércio exterior?), disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-ago-01/territorio-aduaneiro-reforma-saindo-fica-comercio-exterior/. Acesso em 15.set.2024. E a coluna de Fernando Pieri (A incidência do IBS e da CBS nas importações), disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-ago-13/incidencia-do-ibs-e-da-cbs-sobre-as-importacoes/. Acesso em 15.set.2024.

[19] Tratados, v.g., na coluna de Rosaldo Trevisan (Contencioso aduaneiro: uma luz no fim do túnel?), disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-set-20/territorio-aduaneiro-luz-fim-tunel-contencioso-aduaneiro-2022/. Acesso em 15.set.2024.

[20] Para uma visão de futuro com mais embasamento científico e dados oficiais de organizações internacionais, remete-se à coluna de Fernando Pieri (2050: uma odisseia aduaneira), disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jun-04/2050-uma-odisseia-aduaneira/. Acesso em 15.set.2024.

[21 “Como a sombra da Terra é bem grande em relação à Lua, quando a Lua entra na sombra da Terra, quem estiver vendo vê a Lua eclipsada. Ou seja, para os locais onde é noite na hora do eclipse, será visível: o que vai diferir de um local para outro é a altura da Lua no céu”. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noticias/2024/09/brasileiros-conseguirao-ver-eclipse-lunar-dia-17-de-setembro-evento-sera-transmitido-pelo-observatorio-nacional. Acesso em 15.set.2024.

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Os desafios dos ativos virtuais

Nos últimos tempos, o termo “litigância predatória” tem aparecido com frequência nos tribunais e na mídia. Mas o que ele realmente significa? Em resumo, trata-se do uso abusivo do direito de entrar com ações judiciais, geralmente para obter vantagens indevidas, prejudicar a outra parte, ou sobrecarregar o poder judiciário. De outra forma, ações legítimas são aquelas movidas com fundamento e razões, buscando a proteção de direitos reais.

Papéis, processos, pilha de documentos, contratos, acordos, lentidão da Justiça, morosidade

A litigância predatória pode ser bem exemplificada: um advogado ou um cliente que decida processar alguém várias vezes, utilizando-se de documentos fraudulentos, fatiando ações, ou até mesmo ajuizando ações em que o cliente sequer sabe de sua existência, mesmo sabendo que o motivo é fraco ou inválido. O objetivo é forçar a outra parte a gastar tempo e recursos se defendendo, ou mesmo tentando obter um acordo, já que muitas vezes se torna mais fácil para a outra parte pagar a continuar lutando na Justiça. Esse tipo de comportamento é o que chamamos de litigância predatória.

Já as ações legítimas são muito diferentes. Pensemos em uma pessoa ou empresa que realmente teve seus direitos violados —seja porque não recebeu um pagamento devido, sofreu um dano ou teve algum prejuízo que mereça compensação. Neste caso, a ação judicial é movida com base em fatos e objetivos, buscando uma solução justa e proporcional. Essas demandas jamais serão consideradas “predatórias” e terão seu andamento regular perante o poder judiciário com um julgamento imparcial e legítimo.

Como identificar a litigância predatória?

Um sinal claro de litigância predatória é quando um advogado ou cliente entra com várias ações parecidas contra a mesma parte, mesmo depois de perder casos anteriores. O propósito é tentar “cansar” a outra parte, abarroar o Judiciário e obter uma vantagem indevida.

Em muitos casos, a litigância predatória tem como objetivo obter algum tipo de vantagem que não deveria existir, como uma indenização ou um acordo que favoreça a parte que está abusando do direito de ação.

O uso repetitivo de recursos judiciais sem fundamentos tem sido objeto de inúmeros estudos, levantamentos e notas técnicas pelo país. Consiste, normalmente, no ajuizamento ou provocação de lesões em massa.

Como já identificado pelo CNJ e também nas notas técnicas produzidas pelos centros de inteligência de diversos tribunais, tais como do TJ-MT, TJ-MS, TJ-BA, TJ-RN, alguns indicativos de demandas predatórias ou fraudulentas se relacionam com as seguintes características: iniciais acompanhadas de um mesmo comprovante de residência para ações diferentes; sem documentos comprobatórios mínimos ou documentos não relacionados com a causa de pedir, além de procurações genéricas e a distribuição de ações idênticas.

A litigância predatória sobrecarrega o sistema de Justiça, deixando-o mais lento e menos eficiente. Isso afeta todos que precisam da Justiça, desde cidadãos comuns até grandes empresas. Conforme dados do CNJ, entre 2016 e 2021 somente no estado de São Paulo houve a distribuição atípica de 330 mil processos, com impacto de mais de R$ 2,7 bilhões aos cofres públicos.

Grandes bolsos

Bancos e outras instituições financeiras são frequentemente alvos de ações predatórias, pois são percebidos como tendo “grandes bolsos” e propensos a acordos para evitar custos maiores. Isso aumenta as despesas com advogados e pode prejudicar a reputação da instituição.

Quando o sistema judicial é ocupado por processos abusivos, aqueles que têm demandas reais acabam esperando mais tempo para ver suas questões resolvidas, o que pode trazer prejuízos financeiros e emocionais.

O Código de Processo Civil permite que juízes apliquem multas contra quem age de má-fé no processo, tentando desestimular a litigância predatória. Ferramentas tecnológicas, como softwares de análise de dados, podem ajudar a identificar padrões de litigância predatória, facilitando a ação rápida dos tribunais e das partes envolvidas.

Distinguir litigância predatória de ações legítimas é fundamental para garantir a Justiça e o bom funcionamento do sistema judiciário. Saber diferenciar essas práticas permite que advogados, juízes e as próprias partes envolvidas tomem medidas mais eficazes contra litígios abusivos, protegendo aqueles que realmente precisam da Justiça.


Referências

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/04102023-Entidades-temem-que-combate-a-litigancia-predatoria-prejudique-advocacia-e-defesa-de-interesses-coletivos.aspx

https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2022/litigancia-predatoria-compromete-garantia-constitucional

https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/litigancia-predatoria/#:~:text=O%20fen%C3%B4meno%20da%20litig%C3%A2ncia%20predat%C3%B3ria,uso%20abusivo%20do%20Poder%20Judici%C3%A1rio.

https://www.tjmt.jus.br/noticias/69852#.ZBuka3bMKUk

https://consumidormoderno.com.br/litigancia-predatoria-consumo/#:~:text=Na%20ocasi%C3%A3o%2C%20foram%20expostos%20os,R%24%202%2C7%20bilh%C3%B5es.

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Modulação da tese das contribuições ao Sistema S cria problema concorrencial

Da forma como foi feita, a modulação dos efeitos temporais da tese que afastou o teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo das contribuições parafiscais voltadas ao custeio do Sistema S (Sesi, Senai, Sesc e Senac) gera no mercado um problema concorrencial.

A conclusão é de tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, depois de a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça confirmar a modulação. O colegiado rejeitou embargos de declaração sobre o tema, na quarta-feira (11/9).

A modulação foi feita porque a tese fixada representa uma mudança de jurisprudência. Até então, o STJ tinha apenas dois precedentes colegiados e já somava 13 anos de decisões monocráticas mantendo a limitação dessas contribuições.

Ficou decidido então que ela não incidiria para as empresas que ingressaram com ação judicial e/ou protocolaram pedidos administrativos até 25 de outubro de 2023, desde que tenham obtido pronunciamento favorável para restringir a base de cálculo das contribuições.

Isso quer dizer que essas empresas puderam manter o recolhimento da contribuição com limite de 20 salários mínimos, mas apenas até 2 maio de 2024, data em que o acórdão da 1ª Seção foi publicado. A partir dessa data, o limite deixa de valer para todos.

A data de 25 de outubro de 2023 é aquela em que a 1ª Seção começou a julgar os recursos. A restrição acaba sendo maior porque a afetação deles sob o rito dos repetitivos, ainda em dezembro de 2020, suspendeu o trâmite de todas as ações sobre o tema.

Portanto, nos 2 anos e 10 meses que o STJ levou para começar o julgamento, nenhum contribuinte recebeu decisão favorável para manter a contribuição com limite de 20 salários mínimos.

Graças à modulação, isso significa que determinadas empresas passaram 3 anos e 4 meses (da afetação até a publicação do acórdão) gozando do benefício, enquanto suas concorrentes podem ter sido obrigadas a afastar o limite ao recolher a contribuição.

Problema concorrencial

O problema concorrencial gerado foi ressaltado pelo advogado Ednaldo Rodrigues, do Candido Martins. “Contribuintes do mesmo segmento econômico passaram a ter cargas tributárias absolutamente distintas, apenas porque um obteve uma decisão judicial favorável e outro, não.”

Danielle Chinellato, da Innocenti Advogados, destacou que a questão é agravada pelo fato de que as decisões que autorizam o recolhimento da contribuição ainda sob o limite de 20 salários mínimos permitem a recuperação de créditos para os cinco anos anteriores.

Assim, empresas que tenham ajuizado ação com esse fim no mesmo dia e na mesma vara podem ter direito a algum crédito ou não a depender da agilidade do juiz competente para julgamento.

Essa variação também será observada por questões de jurisprudência regional: há tribunais Regionais Federais que eram mais aderentes à jurisprudência até então pacífica do STJ sobre o tema, enquanto outros já divergiam.

Isso faz com que o critério da modulação cause mais dissonância do que segurança jurídica, segundo a advogada. “Quanto mais se aprofunda nos impactos envolvendo o tema, maior parece ser a insegurança jurídica aos contribuintes.”

Gustavo Taparelli, sócio da Abe Advogados, aponta que a modulação apenas acentua e torna definitivo o desequilíbrio concorrência vigente no período em relação aos contribuintes que obtiveram decisão favorável e os que não obtiveram.

“O problema concorrencial parece agravar-se ainda mais nos casos de empresas com grande número de funcionários. A precificação de seus produtos e serviços pode sofrer impacto considerável em vista do relevante valor envolvido da decisão judicial.”

 
Regina Helena Costa 2024
Ministra Regina Helena Costa rejeitou embargos de declaração que contestavam critérios para modulação dos efeitos da tese – Gustavo Lima/STJ

Quanto maior, mais caro

Como mostrou a ConJur, o impacto negativo do afastamento do teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo das contribuições parafiscais é realmente mais intenso para as grandes empresas.

Essas contribuições são calculadas de acordo com a alíquota definida por lei para diferentes ramos de atividade econômica. A média entre elas é de 5,8%.

Tomando por base esse valor, uma empresa no início de 2024 pagaria sua contribuição tendo como base de cálculo 20 vezes o valor de R$ 1.412, que é o salário mínimo atualizado.

Ela pagaria, portanto, 5,8% de R$ 28.240. A contribuição total da empresa seria de R$ 1.637,92.

Afastando-se o limite, a mesma empresa pagará 5,8% sobre o valor de toda sua folha de pagamento. Quanto mais empregados ela tiver, maior será a contribuição, sem qualquer limite.

Se essa empresa tiver folha de pagamento de R$ 500 mil, a contribuição será 5,8% disso: R$ 29 mil. Nesse caso hipotético, o salto de contribuição é de mais de 17 vezes.

Judicialização estimulada

Segundo Gustavo Taparelli, a ausência de critérios legais claros para a modulação dos efeito de suas decisões e o desejo dos tribunais superiores brasileiros de usar dessa possibilidade desenfreadamente acabaram por banalizar o instituto.

A crítica é recorrente. O caso das contribuições ao Sistema S foi uma das controversas modulações feitas pelo STJ em teses tributárias — cada uma com um critério diferente, para desagrado de tributaristas e contribuintes em geral.

Ministros do próprio STJ já notaram que o risco de modulação tem levado ao ajuizamento de ações como forma de prevenção. A 1ª Seção debateu esse fenômeno em 1º de julho. Na ocasião, a ministra Regina Helena Costa defendeu o uso do modelo adotado por ela, relatora no caso do Sistema S.

Isso significa que não bastaria ter ajuizado a ação. Seria necessária uma decisão de mérito. “No prazo de um ano a partir da afetação, não é possível que alguém que correu para ajuizar a ação vai ter sentença ou acórdão. Não dá tempo”, disse.

Para Taparelli, o uso desenfreado da modulação nos seus mais flexíveis formatos afasta os tribunais superiores de suas funções mais importantes, já que cria insegurança jurídica por ausência de uniformidade de seus entendimentos.

“O fato de a sociedade não ter clareza sobre o alcance das decisões e nem compreender adequadamente os fundamentos jurídicos utilizados contribui para o aumento da litigiosidade e a sensação de desamparo”, avalia.

Ele defende, ainda, o debate no Congresso Nacional com o objetivo de imposição de limites legais mais adequados que desestimule a utilização constante da prática de modular efeitos de decisões judiciais.

REsp 1.898.532
REsp 1.905.870

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