Reforma tributária: governos devem incluir IBS e CBS no ICMS, ISS e IPI

Com o início da transição da reforma tributária, a inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ISS, do ICMS e do IPI é dada como certa pelos entes federativos e apresenta um debate fadado à judicialização durante e após a transição para o novo sistema. Fontes das três esferas de governo ouvidas pelo JOTA confirmaram que interpretam que o silêncio sobre o tema na Emenda Constitucional 132/2023, que implementou a reforma, e na Lei Complementar 214/2025, que regulamenta os novos tributos, autoriza a tributação.

Além disso, para os entes federativos, afastar essa cobrança seria uma “anomalia” contrária à proposta de carga tributária neutra, uma vez que no sistema atual há várias hipóteses de incidência de tributo sobre tributo. Haveria assim uma perda de arrecadação na comparação com o sistema atual. Por outro lado, juristas alegam que a “tributação em cascata” feriria os princípios do novo sistema tributário, em especial a simplicidade e a transparência, e que a judicialização será um caminho inevitável.

A reforma tributária criou dois tributos: a CBS substitui o IPI, o PIS e a Cofins no âmbito federal. O IBS, por sua vez, substitui o ICMS e o ISS nos estados e municípios. Também foi criado o Imposto Seletivo, que incidirá sobre a “produção, extração, comercialização ou importação” de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Haverá uma transição gradual entre 2026 e 2033, quando os atuais tributos serão extintos. Apenas o IPI será mantido para produtos industrializados na Zona Franca de Manaus.

Texto original da reforma tributária vedava inclusão do IBS/CBS no ICMS, ISS e IPI

O advogado Pedro Grillo, do escritório Brigagão, Duque Estrada, explica que, inicialmente, havia previsão na PEC 45/2019, uma das origens da EC 132/2023, que vedava a inclusão dos novos tributos na base de cálculo do ICMS e do ISS.

A previsão foi suprimida, e não apenas a EC 132/2023 como a LC 214/2025 são silentes sobre o assunto e também sobre a inclusão dos novos tributos na base de cálculo do IPI. “Foi mantida apenas a vedação quanto à inclusão do IBS e da CBS em suas próprias bases e nas bases do Imposto Seletivo, do PIS e da Cofins”, afirma Grillo.

A lacuna acendeu um alerta e levou à proposição, no Congresso Nacional, do PLP 16/2025. O projeto busca justamente garantir que o IBS e a CBS sejam excluídos da base de cálculo do ICMS, do IPI e do ISS. No entanto, ainda não há perspectiva para a sua aprovação.

Reforma tributária: entes devem incluir IBS e CBS na base dos antigos tributos

Fontes das três esferas da federação confirmaram ao JOTA que a tendência é de incluir IBS e a CBS na base de cálculo do ICMS, do ISS e do IPI. Uma fonte do governo federal disse que, uma vez que a EC 132/2023 não determina expressamente a exclusão, ela interpreta que os novos tributos da reforma tributária compõem, sim, a base de cálculo ICMS e do ISS, durante a transição da reforma tributária, e do IPI, durante e após a transição.

O diretor institucional do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), André Horta, ressalta que a reforma tributária garante “a transição neutra em termos de arrecadação dos tributos reformados”. “Intentar alguma manobra de texto de redução de recurso público de estados e municípios nesta altura das discussões seria supor a própria sabotagem dos princípios e do esforço da reforma”, diz o diretor institucional.

Em nota, a Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP) afirma que excluir o IBS e a CBS da base de cálculo dos tributos antigos “levaria a uma erosão imediata das receitas subnacionais”. A entidade calcula que, apenas com o ISS, a perda em arrecadação seria de 10,8% em 2029 e cresceria progressivamente até atingir 16,2% em 2032. A frente ressalta que essa redução não possui um mecanismo de compensação previsto e que a alteração “resultaria em perdas líquidas e irreversíveis para os entes subnacionais”. “A consequência disso é clara: redução da capacidade de estados e municípios de financiar serviços públicos essenciais, como saúde, educação e segurança pública”, diz.

Efeito cascata contraria princípio da reforma tributária

Para Pedro Grillo, a cobrança de tributo sobre tributo vai na contramão do propósito declarado da reforma, de não cumulatividade, simplicidade e transparência. “Quando olhamos para a finalidade da EC 132/2023, que inseriu esses princípios para guiar a tributação, vemos que incluir tributos na base de cálculo de outros não é nada simples e também não traz transparência. É o que se chama de ilusionismo fiscal”, afirma.

Ana Helena Souza, advogada da área tributária do Gaia Silva Gaede Advogados, afirma ainda que a cobrança em cascata vai em sentido oposto ao objetivo de neutralidade da reforma tributária e de redução das distorções econômicas. Pelo princípio da neutralidade, o sistema tributário não deve interferir nas decisões dos agentes econômicos. “Tributar quando não há autorização expressa não atende a esses princípios, pois isso alimenta um ciclo de ‘efeito cascata’”, analisa Souza.

A tributarista enxerga um aumento da litigiosidade dos moldes da “tese do século” (Tema 69), por meio da qual o Supremo Tribunal Federal (STF) excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Souza destaca que o IBS e a CBS não compõem o valor da operação, que é, por definição, a base de cálculo do ICMS e do IPI, por exemplo. O problema é que, mesmo após esse julgamento, em 2017, a Corte decidiu outros casos envolvendo tributos sobre tributos de modo distinto. Em 30 de maio de 2025, por exemplo, o Supremo validou a inclusão do PIS e da Cofins na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB).

A advogada Nina Pencak, do Mannrich e Vasconcelos, também considera que os princípios da simplicidade e da transparência podem servir como fundamento para questionar judicialmente a incidência de tributo sobre tributo. Pencak ressalta que a discussão não é nova e que, agora, o Judiciário pode entender a reforma tributária como uma forma de “estancar esses debates, uma vez que o ideal seria a simplificação do sistema”.

Tributação gera volume substancial de contencioso, diz CCiF

Em nota técnica, o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), que elaborou a proposta inicial da PEC 45/2019, afirma que a inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS e do ISS tem o potencial de gerar “um volume substancial de contencioso administrativo e tributário”. Para o CCiF, que também cita o caso da “tese do século”, isso aumentaria, consequentemente, a insegurança jurídica e a instabilidade do sistema tributário.

Como efeitos negativos para a economia, o CCiF argumenta que a inclusão dos novos tributos na base dos antigos gera efeito cascata e resíduo tributário, “o que aumenta indevidamente a carga tributária efetiva da cadeia produtiva e encarece o valor dos bens e serviços de forma artificial, comprometendo a neutralidade”. Além disso, dificulta a apuração dos tributos, aumenta o custo de conformidade dos contribuintes e dificulta a fiscalização por parte da administração tributária, entre outros problemas.

Fonte: Jota

Carf determina que Receita analise pedido de restituição de empresa com ação judicial

Por maioria, o colegiado da 1ª Turma da 1ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendeu que o fato de, à época dos fatos discutidos no processo, o contribuinte ter uma ação judicial em andamento sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins não impede o ressarcimento de PIS. Por cinco votos a um, os conselheiros afastaram a aplicação ao caso do artigo 59 da Instrução Normativa (IN) 1717/17, que vedava o ressarcimento ou compensação das contribuições quando o valor pudesse ser alterado por decisão judicial ou administrativa.

A Cargil alegou no processo que o pedido de ressarcimento não estava relacionado ao processo judicial, por isso a negativa da Receita seria irregular. Em sustentação oral, o advogado da companhia, Nicolas Ciancio, alegou que no momento do pedido de ressarcimento a Cargil não possuía qualquer decisão judicial, e que apesar do pedido na Justiça continuou incluindo o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.

A relatora, conselheira Luciana Ferreira Braga, concordou que a questão discutida no processo e o pedido de restituição não estavam relacionados. “O que se proíbe é que o contribuinte solicite na esfera administrativa um crédito que esteja sob discussão judicial e cuja validade dependa de uma decisão judiciária. No caso em questão, o crédito resultante da apuração do PIS e da Cofins no regime da não cumulatividade não exige qualquer decisão judicial para a sua configuração”, disse. A maioria da turma a acompanhou, e o placar final ficou em cinco votos a um, divergindo o presidente do colegiado, conselheiro Gilson Macedo Rosenburg Filho.

Braga ressaltou que alterou o seu posicionamento sobre o tema. Em fevereiro a turma analisou a temática por meio do processo 13811.720618/2017-43, porém na ocasião ficaram vencidos tanto Braga quanto Rosenburg Filho.

Os processos são de número 13811.720617/2017-07, 13811.720620/2017-12 e 13811.720621/2017-67.

Fonte: Jota

Decisão do STF sobre honorários em parcelamentos tributários pode gerar insegurança jurídica

Na pauta de processos que o plenário físico do Supremo Tribunal Federal (STF) pretende julgar em agosto, a definição da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5405 deve traçar novos rumos referentes à dispensa de honorários advocatícios sucumbenciais na celebração de acordos e parcelamentos tributários junto ao Poder Público, antes do trânsito em julgado. No cerne da discussão, os ministros do STF devem discutir se os dispositivos de leis federais que dispensam o pagamento de honorários nestes casos em específico são constitucionais. 

Antes de chegar ao plenário físico, o caso começou a ser debatido em plenário virtual entre 7 a 14 de fevereiro deste ano, ocasião em que os ministros formaram maioria, nos termos no voto do relator, ministro Dias Toffoli, para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos questionados. O ministro Gilmar Mendes, contudo, pediu destaque e a análise da ação foi levada ao plenário físico. Com o destaque, o placar da discussão será zerado e o julgamento reiniciado. 

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo JOTA, a tendência é que a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos seja reafirmada quando o julgamento da ADI 5405 ocorrer presencialmente. Porém, afirmam que, se a decisão dos ministros não for modulada, poderá representar um risco para os contribuintes que optaram pelos parcelamentos, pois o advogado da União poderá reivindicar o pagamento de honorários, o que estava expressamente vedado por lei. Em alguns casos, o advogado do contribuinte também poderia cobrar os honorários, o que geraria custos adicionais para a União.

Leo Lopes, líder da área de Contencioso Tributário no FAS Advogados, acredita que caso o julgamento tome esse rumo, a modulação de efeitos é importante para prover segurança jurídica, tendo em vista o número de casos que foram acordados entre contribuintes e o governo federal para quitação de débitos, em que não existia a previsão de pagamento da sucumbência. Segundo ele, se o STF aplicar efeitos ex tunc, ou seja retroativos, isso poderia impactar, inclusive, casos em que os débitos estão em fase de quitação ou que já foram totalmente pagos.

Ele pondera que os desdobramentos dependerão, em grande parte, da postura que a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) irão adotar, mas acredita que, no curto prazo, a medida tende a aumentar o volume de contencioso. Em segundo plano, Lopes acredita que a decisão, se aplicada com os efeitos ex tunc, também poderá ser maléfica e trazer insegurança aos novos investimentos e novas adesões, sejam de parcelamentos incentivados ou de transações tributárias.

A primeira rodada do Índice de Segurança Jurídica e Regulatória (Insejur), criado pelo JOTA em parceria com professores do Insper para avaliar a percepção do setor privado sobre a segurança jurídica e regulatória no Brasil, mostrou que 86% dos stakeholders de grandes empresas consideram que as decisões judiciais não são consistentes. E isto se reflete no ambiente de negócios. A mesma pesquisa identificou que 87% dos respondentes consideram que as empresas não conseguem se planejar no longo prazo.

Apesar de a ADI não envolver diretamente questões vinculadas à transação, como é o caso do que foi definido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ela trata de como deve ser a questão da sucumbência em casos em que há acordo entre particulares e governos. “Isso pode ser muito prejudicial, pois as empresas, em uma próxima vez que tiverem alguma oportunidade de aderir a uma transação ou a um parcelamento incentivado, estarão muito mais reticentes de aceitar fazer uma adesão em um caso que se tenha essa controvérsia sobre a sucumbência”, pontua Lopes. 

Isabella Paschoal, advogada tributarista do Caputo, Bastos e Serra Advogados, explica que caso os dispositivos venham a ser declarados inconstitucionais, o cenário jurídico pode permitir a cobrança desses valores com base no Código de Processo Civil (CPC).  Muitas adesões a parcelamentos, contudo, podem estar protegidas pela coisa julgada e pelo prazo prescricional, o que limitaria eventual reversão de efeitos.

Mariana Rabelo, sócia do Ubaldo Rabelo Advogados, afirma que caso o STF mantenha a maioria formada no plenário virtual, a modulação de efeitos seria uma ferramenta para evitar níveis significativos de insegurança jurídica. “Os montantes de honorários que podem ser cobrados são previstos pelo CPC, que possui patamares bastante objetivos. Os honorários sucumbenciais em favor da Fazenda Pública deverão ser fixados entre 1% e 3% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico quando este for superior a R$ 100 mil”, explica a advogada.

Já Vitor Chaves, presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), considera que não se trata de um caso inédito, pois já são vários os litígios submetidos ao STF pela advocacia pública de todos os entes da federação questionando a tradição de concessão de descontos ou mesmo remissão de honorários, tanto sucumbenciais, quanto extrajudiciais, por meio de programas de estímulo à regularidade fiscal. A associação se posiciona de forma contrária à modulação de efeitos por “não se tratar de matéria disruptiva que a justifique, já havendo inclusive liminares concedidas em casos análogos”.

Julio Cesar Vieira Gomes, ex-secretário da Receita Federal, ex-conselheiro do Carf e sócio do Julio Cesar Vieira Gomes Advocacia, pontua que, caso os efeitos da decisão do STF não sejam modulados, sendo mantidos os honorários sucumbenciais em favor da União, uma alternativa seria a União permitir a renegociação do acordo para se reduzir a dívida de forma que, somada aos honorários sucumbenciais, não se altere o que foi cobrado.

Casos de maior impacto

Na avaliação de Leo Lopes, dois pontos de maior impacto tendem a ser observados nos casos de Regime de Recuperação Fiscal (Refis), o programa de parcelamento incentivado instituído pela Lei 11.941/2006, uma das questionadas na ADI 5405. O primeiro, em razão das reaberturas de parcelamento seguidas no formato inicial, ainda em 2009, e a segunda, relacionada a uma possível cobrança de honorários de sucumbência dos contribuintes que aderiram ao Refis. 

“Um dos outros itens que está sendo discutido é o artigo 19 da Lei 10.522, que permite que a Procuradoria não recorra em casos que já têm jurisprudência pacífica a favor dos contribuintes e que, com isso, o grande benefício que ela acaba tendo em não recorrer, em não discutir aquilo, é o de não ter a condenação em sucumbência”, afirma. Por isso, acredita que a modulação dos efeitos tem um potencial relevante para envolver todos os lados, tanto em casos em que as empresas seriam prejudicadas, como no caso do Refis, como em casos em que o governo federal seria prejudicado, a exemplo da Lei 10.522. 

Na hipótese de ficar estabelecido que serão devidos honorários advocatícios em caso de renúncia ou desistência de ação judicial em que é discutido o crédito tributário a ser objeto de parcelamento, Mariana Rabelo considera que essa questão certamente impactará tanto os credores da Fazenda Pública quanto a própria União, que deverão levar em conta esse custo adicional para a celebração dessas medidas.

Isabella Paschoal, por outro lado, acredita que o impacto da decisão da Corte tende a ser mais perceptível em situações em que já exista discussão judicial sobre a obrigação de pagar honorários em razão da extinção da ação após adesão aos parcelamento. Segundo ela, também destacam-se os casos em que a renúncia ao direito ou a desistência da ação foi formalizada pelo contribuinte, visto que seus advogados particulares, diretamente afetados pela dispensa dos honorários, possuem controle mais direto sobre as demandas em que atuaram e eventualmente não receberam a verba honorária, o que difere da situação dos advogados públicos, sujeitos a uma dinâmica institucional própria.

Para evitar esses reflexos, Diego Diniz Ribeiro, sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, ressalta que talvez o melhor caminho a ser seguido pelo STF seja de fato modular o entendimento da sua posição para que, caso seja pela incidência dos honorários, produza efeitos apenas a partir do momento da decisão, de modo a não causar insegurança jurídica.

STJ decidiu que empresa não deve pagar honorários à Fazenda após aderir à transação tributária

Na opinião dos especialistas ouvidos pelo JOTA, o julgamento da ADI 5405 no STF ainda pode trazer outra incerteza em relação ao que decidiu a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre honorários. Em junho, por um placar de 3×2, os ministros do STJ decidiram que empresas que desistem de ações judiciais para aderir ao acordo de transação tributária não devem arcar com honorários de sucumbência em favor da Fazenda Nacional. A turma entendeu que como a renúncia ao direito discutido na ação é uma exigência legal para a formalização da transação, e a legislação que regula esse instrumento não prevê o pagamento de honorários, a sua cobrança violaria a lógica da concessão mútua que caracteriza esse tipo de acordo.

No julgamento, prevaleceu o voto-vista do ministro Paulo Sérgio Domingues, que entendeu que, embora não haja previsão legal sobre a condenação em honorários nos casos de transação, a exigência desse pagamento após a renúncia do contribuinte viola a boa-fé e o propósito consensual dos programas. Para o magistrado, a adesão à transação é condicionada à renúncia ao direito discutido na ação, e impor, além disso, o ônus dos honorários, sem que a norma específica da transação o preveja, representa a criação de uma aplicação subsidiária não prevista. Os ministros Regina Helena Costa e Sérgio Kukina o acompanharam.

A advogada Isabella Paschoal considera haver um desencontro pontual entre os entendimentos de ambas as Cortes, mas eles dizem respeito a contextos normativos distintos. “O julgamento da 1ª Turma do STJ está inserido no regime da Lei 13.988/2020, que trata da transação tributária, a qual pressupõe negociação entre o contribuinte e o Fisco. Essa modalidade permite concessões mútuas e é direcionada, em muitos casos, a contribuintes com situação financeira comprometida, o que justifica uma leitura mais flexível sobre a imposição de encargos adicionais, como os honorários”, explica Paschoal.

Por sua vez, as normas analisadas na ADI 5405, segundo ela, possuem um debate mais amplo e contêm previsões expressas e unilaterais de dispensa de honorários, ou seja, foram editadas estabelecendo diretamente essa dispensa, sem qualquer mecanismo de negociação ou reciprocidade. De acordo com a advogada, a principal diferença reside no fato de que a Lei 13.988/2020, objeto do julgamento da 1ª Turma do STJ, não menciona a questão dos honorários advocatícios, nem para exigência, nem para dispensa. “Diante da diferença de escopo e fundamentos, entendo que são discussões juridicamente autônomas, e não é possível afirmar que uma decisão necessariamente influenciará a outra”, afirma. 

Na avaliação de Leo Lopes, a tendência é que, com o Supremo decretando a inconstitucionalidade das normas que afastavam a sucumbência, a decisão do STJ tende a cair futuramente com recursos sobre esse tema. “Essa decisão do STJ é de uma Turma, então ainda não configura um posicionamento consolidado do Tribunal, mas a tendência é que isso venha a ser reformado para seguir o conceito que for adotado pelo Supremo nessa ADI”, declarou. 

Para Eduardo Ubaldo, sócio do Ubaldo Rabelo Advogados, embora a controvérsia jurídica posta sob apreciação de cada uma das Cortes não seja exatamente a mesma, é possível que a decisão a ser tomada pelo STF implique em um resultado distinto daquele decorrente da decisão tomada pelo STJ. Contudo, conforme ele ressaltou, é comum que em situações como essa, o STJ acabe por adequar a sua jurisprudência ao entendimento adotado pela Corte Suprema.

O caso concreto a ser analisado pelo STF

O caso chegou ao STF por meio do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), questionando dispositivos de leis federais (Leis 11.775/2008; 11.941/2009; 12.249/2010; 12.844/2013 e 13.043/2014), que dispensam o pagamento de honorários advocatícios na hipótese de celebração de acordos e parcelamentos tributários antes do trânsito em julgado. Segundo o órgão, tais dispositivos violam normas da Constituição.

A OAB aponta na ação que, tantos os honorários contratuais quanto os de sucumbência possuem natureza remuneratória e, portanto, alimentar, motivo pelo qual a dispensa de pagamento desses valores pelo legislador infraconstitucional seria incompatível com a dignidade da profissão, violando o princípio da dignidade humana e a indispensabilidade do advogado para a administração da Justiça.

Também alega que não se poderia cogitar da realização de trabalho sem a devida contraprestação, sendo que os honorários sucumbenciais fixados em em sentença seriam parte do patrimônio do advogado, a quem caberia exclusivamente dispor sobre a verba. Afirma ainda que as leis federais questionadas seriam incompatíveis com o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, visto que ao advogado vencedor de uma ação devem ser concedidos os honorários sucumbenciais.

Argumenta a OAB que a estipulação de condição – dispensa dos honorários sucumbenciais estipulados em sentenças transitadas em julgado – para o deferimento de parcelamentos e renegociações de dívidas importaria em contrariedade à coisa julgada, bem como ao princípio da isonomia, por limitar o poder de negociação do devedor. Por isso, requereu ao Supremo a suspensão da eficácia dos dispositivos questionados, bem como a declaração de sua inconstitucionalidade.

Em última manifestação nos autos da ação, a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu em outubro a necessidade de modulação dos efeitos em eventual declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos questionados das normais federais. De acordo com a AGU, a procedência da ADI, embora consentânea com a jurisprudência mais recente do STF, é capaz de gerar grave risco à segurança jurídica de parcelamentos formalizados desde a edição da Lei 11.941/09, “sem olvidar das vultosas (conquanto incertas) repercussões financeiras de uma decisão com efeitos retroativos”.

“A propósito, o art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro [LINDB] impede que o julgador decida com base em valores jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”, afirma a AGU em manifestação. Por isso, requereu que a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos seja realizada com efeitos prospectivos. Inicialmente, a AGU havia se manifestado pelo não conhecimento da demanda da OAB, pois a sistemática remuneratória da advocacia seria disciplinada por normas infraconstitucionais, de maneira a impedir a análise em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

Voto do ministro Dias Toffoli em plenário virtual

Durante a análise da ação em plenário virtual, Toffoli concluiu em seu voto que, de fato, os honorários sucumbenciais possuem nítido caráter de contraprestação pelo serviço prestado e, portanto, há muito tempo são compreendidos pela jurisprudência do próprio STF como verbas remuneratórias e de natureza alimentar. Desse modo, ressaltou que por pertencerem ao advogado e decorrerem do trabalho, os honorários de sucumbência possuem natureza remuneratória e alimentar, o que confere a eles especial proteção, em deferência ao serviço prestado pelos advogados, privados ou públicos. 

Além disso, o ministro destacou que, em 2015, o CPC reforçou o entendimento de que os honorários de sucumbência constituem direito do advogado, incluindo-se os advogados públicos, e reiterou que a remuneração possui caráter alimentar.  Também afirmou que o STF confirmou que os advogados públicos são titulares dos honorários de sucumbência, nos termos da lei, com o fundamento de que os honorários devidos aos profissionais públicos também constituem contraprestação de natureza remuneratória por serviços prestados com eficiência no desempenho da função pública. 

“Portanto, conforme pacífica jurisprudência desta Corte, os honorários de sucumbência são titularizados pelos advogados, públicos ou privados, e possuem especial proteção, pois remuneram esses profissionais pelos serviços prestados, decorrendo disso o caráter remuneratório e alimentar dessa verba, com os privilégios disso decorrentes”, assinalou Toffoli. 

Nesse contexto, reiterou que o Supremo já foi instado a se manifestar em outras ocasiões sobre casos de dispensa, diminuição ou flexibilização dos honorários sucumbenciais, de modo que teve a oportunidade de reafirmar o entendimento consagrado segundo o qual os honorários são verbas titularizadas pelos advogados e têm natureza remuneratória e alimentar. 

“Em outra ocasião, na qual as partes litigantes celebraram acordo homologado judicialmente, este Tribunal acolheu embargos do advogado da parte vencedora para fixar que são devidas as verbas de sucumbência quando há homologação de transação celebrada sem a participação do patrono da causa, uma vez que somente o titular dos honorários pode transigir sobre a respectiva remuneração”, disse o ministro. 

Em relação aos dispositivos que especificamente dispensam os honorários advocatícios em razão da extinção das ações em que o sujeito passivo de créditos da União optar pelo parcelamento ou pela renegociação previstos na lei, Toffoli concluiu que a dispensa normativa do pagamento da remuneração devida aos advogados sem sua concordância expressa ofende a garantia da propriedade privada e da remuneração decorrente do trabalho.

À época da análise da ADI em plenário virtual, o voto de Toffoli foi acompanhado integralmente pelos ministros Alexandre de Moraes (que devolveu a vista do julgamento), Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, André Mendonça, Edson Fachin, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. O ministro Flávio Dino acompanhou o voto de Toffoli com algumas ressalvas. Nunes Marques e Gilmar Mendes, que destacou o processo, ainda não haviam votado.’

Fonte: Jota

O que o STF dirá do futuro da execução trabalhista?

Um dos temas mais importantes para a efetividade da execução está na pauta do STF. Trata-se do Tema 1.232 de Repercussão Geral. O que se esperar desse julgamento? Como o STF tem enfrentado a matéria? Como compatibilizar a decisão com o artigo 926 do CPC, que indica a necessidade de preservação da estabilidade, coerência e integridade na atuação dos tribunais? Quais efeitos produzirá na jurisdição trabalhista?

Essas e outras perguntas remetem à natureza da questão jurídica objeto da controvérsia e à jurisprudência do STF, objetos de análise nesse texto, para auxiliar na obtenção das respostas.

Natureza da questão afetada

Ao reconhecer a existência de repercussão geral, afirmou-se, entre outros fundamentos, que a inclusão de empresas componentes do grupo econômico na fase de execução trabalhista poderia violar a Súmula Vinculante 10, que consagra a “cláusula de reserva de plenário”, além do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Trata-se, pois, de questão de natureza processual.

A observação se justifica em razão de existir a figura autônoma de grupo econômico trabalhista, criada pela Lei 435, de 17/05/1937, com o objetivo de “resguardar os empregados dos grupos industriais de possíveis perdas de direitos ou vantagens que a legislação social lhes confere, tais como férias, contagem do tempo, etc.” Portanto, a sua existência precede à existência da própria CLT, que o incorporou posteriormente no seu artigo 2º, § 2º.

O reconhecimento consta na exposição de motivos da consolidação, com a indicação de o grupo ser, por ficção legal, empregador único, para os fins de responsabilização quanto ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho. Confira-se:

“Na introdução (a Consolidação) aperfeiçoou a redação dos artigos; inseriu a definição de empregador, que integra o conceito definitivo de relação de emprego, acompanhando-o da noção de empregadora única dada pela Lei 435, de 17.5.1937”.

Essa importante figura jurídica, nascida há mais de 88 anos, foi ampliada pela Lei 13.467/2017, que introduziu no âmbito da norma definidora do grupo econômico urbano a mesma configuração que existia, desde 1973, na legislação pertinente ao trabalho rural (artigo 3º, § 2º, da Lei 5.889/1973), ao afastar a necessidade de relação hierarquizada entre as empresas para considerar suficiente a existência de relação de coordenação entre elas (artigo 2º, § 3º, da CLT).

Portanto, não são objeto de questionamento o pressuposto da responsabilização (integrar o grupo econômico), a natureza da responsabilidade (solidária) ou como se constitui o grupo econômico trabalhista (demonstração do interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta das empresas dele integrantes).

O debate restringiu-se ao campo processual, em virtude de previsão expressa em dispositivos legais cuja constitucionalidade não é questionada (artigo 2º, §§ 2º e 3º, da CLT).

Jurisprudência do STF em decisões trabalhistas

Anteriormente à vigência do CPC de 2015, a jurisprudência do STF era pacífica no sentido de afirmar que decisão que interpreta e aplica ao caso concreto legislação infraconstitucional, sem declaração de inconstitucionalidade ou afastamento da norma com base no texto constitucional, não viola a “Cláusula de Reserva de Plenário” ou a Súmula Vinculante 10.

A tese foi reproduzida pelo ministro Gilmar Mendes, em julgamento, à unanimidade, pelo Tribunal Pleno e nele são citados julgados das duas Turmas:[1]

“Registro, ainda, que é permitido aos magistrados, no exercício de atividade hermenêutica, revelar o sentido das normas legais, limitando a sua aplicação a determinadas hipóteses, sem que estejam declarando a sua inconstitucionalidade. Se o Juízo reclamado não declarou a inconstitucionalidade de norma nem afastou sua aplicabilidade com apoio em fundamentos extraídos da Constituição, não é pertinente a alegação de violação à Súmula Vinculante 10 e ao art. 97 da Constituição.

Como precedentes da Corte que ratificam essa orientação, registro o RE-AgR 572.497, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 28.11.2008; e o RE-AgR 585.401, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 1.2.2011”.

Com a vigência do CPC, a controvérsia adquiriu novos contornos jurídicos, em face do artigo 513, § 5º, e, ainda assim, a jurisprudência preservou a tese firmada anteriormente, em acórdãos que rejeitaram reclamações em que foram questionadas decisões oriundas da Justiça do Trabalho.

Em virtude da relevância, cito, por todos, acórdão relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso que se valeu da precedência da Lei de Execuções Fiscais como fonte supletiva primeira da execução trabalhista (art. 889 da CLT) e afirmou a inaplicabilidade do artigo 513, § 5º, do CPC às execuções trabalhistas (destaques postos): [2]

“DIREITO DO TRABALHO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. ALEGADA OFENSA À SÚMULA VINCULANTE 10. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. 1. Agravo interno em reclamação ajuizada em face de decisão que imputou responsabilidade solidária, por débitos trabalhistas, a empresa pertencente ao grupo econômico da controladora da devedora principal. Alegação de que foi afastado o disposto nos arts. 2º, §§ 2º e 3º, e 448-A, da CLT e no art. 513, § 5º, do CPC, sem a observância da cláusula de reserva de plenário, em afronta à Súmula Vinculante 10. 2. Ao concluir pela responsabilidade da empresa sucedida pelos débitos trabalhistas da sucessora, a decisão reclamada não declarou a inconstitucionalidade dos arts. 2º, 3º e 448-A da CLT, mas verificou as condições fáticas para a incidência das referidas normas ao caso concreto. 3. A possibilidade de redirecionamento da execução contra quem não participou do processo de conhecimento tem previsão na Lei de Execuções Fiscais – que, nos termos do art. 889 da CLT, é fonte normativa de aplicação subsidiária para as execuções trabalhistas. O art. 513, § 5º, do CPC, que interdita essa possibilidade no processo civil, não se aplica às execuções trabalhistas por decorrência lógica do sistema normativo, não de uma forma velada de declarar sua inconstitucionalidade. 4. Agravo interno a que se nega provimento”.

Como visto, a jurisprudência do STF manteve-se estável, íntegra e coerente no sentido da inexistência de violação constitucional à hipótese.

O reconhecimento da caracterização de grupo econômico de fato e a responsabilização de empresas não integrantes do processo originário: o caso Starlink

A possibilidade de responsabilização de empresa que não integrou a relação processual originária como medida necessária à garantia do cumprimento de obrigação fixada em decisão judicial não é estranha à jurisprudência do STF.

Muito ao contrário, a tese foi chancelada pela 1ª Turma em votação unânime (com ressalva do mnistro Luiz Fux) no caso que envolveu o descumprimento de ordem judicial por parte das empresas Twitter International Unlimited Company, T. I. Brazil Holdings Llc e X Brasil Internet Ltda, ensejou a imposição de multas diárias e consequente bloqueio de contas bancárias.

Diante da inexistência de saldo suficiente, a ordem foi redirecionada para as empresas Starlink Brazil Holding Ltda e Starlink Brazil Serviços de Internet, do mesmo grupo econômico e, até então, estranhas ao processo. O ministro relator, Alexandre de Moraes, entre outros fundamentos, citou grupo econômico trabalhista e a jurisprudência do STJ para embasar a solidariedade reconhecida:[3]

“X BRASIL, STARLINK BRAZIL HOLDING LTDA e STARLINK BRAZIL SERVIÇOS DE INTERNET constituem, em território nacional, juntamente com a SPACE X (estrangeira), o que em nosso ordenamento jurídico se denomina “grupo econômico de fato”, pois, embora sem um ajuste formal expresso, e, mesmo sendo sociedades empresárias autônomas e distintas entre si, atuam sob a mesma coordenação e comando de ELON MUSK e com objetivos absolutamente convergentes.

(…)

A responsabilidade solidária das empresas componentes de um mesmo grupo econômico de fato é reconhecida no Direito brasileiro na própria legislação, no que concerne aos passivos trabalhistas (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 2º, parágrafo 2º), bem como pela jurisprudência pacificada do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no contexto do Direito Civil (AgInt no Aresp 2.344.478/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 21/11/2023) e do Direito Tributário (REsp n. 1.808.645/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 28/6/2023)

(…)

Diante disso configurada a existência de “grupo econômico de fato” entre a X BRASIL INTERNET LTDA, a STARLINK BRAZIL HOLDING LTDA e a STARLINK BRAZIL SERVIÇOS DE INTERNET., determinei a responsabilidade solidária de todas as empresas para adimplemento das multas diárias decorrentes de desobediência às ordens judiciais.”.

Ele analisou, entre outros, aspectos fáticos relacionados à constituição do capital, à composição societária, à administração das empresas e ao relacionamento da empresa brasileira com a matriz estrangeira.

Não se questionou o possível obstáculo previsto no artigo 513, § 5º, do CPC, nem se instaurou incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC), em virtude do claro descumprimento da decisão proferida, tal como ocorre em decisões da Justiça do Trabalho que afirmam ser o grupo empregador único e, por isso, é permitido ao responsável deduzir as defesas cabíveis na fase própria. Portanto, o contraditório não é suprimido; apenas é diferido.

O STF seguiu a linha da jurisprudência firmada.

Exame dos votos proferidos no julgamento da Repercussão Geral

O julgamento do mérito do Tema 1.232 foi iniciado na sessão virtual de 3/11/2023 a 10/11/2023, oportunidade em que o ministro relator, Dias Toffoli, inicialmente, delimitou a questão constitucional e manteve a natureza processual.

No mérito, reafirmou a jurisprudência consolidada e afastou a alegada violação constitucional “quando o Tribunal de origem nem sequer adentra na análise do art. 513, § 5º, do CPC, apenas interpretando e aplicando ao caso concreto outras normas mais específicas”.

Antes, reconheceu ser possível incluir, na execução trabalhista, empresa integrante de grupo econômico, pois “vedar completamente o redirecionamento seria um retrocesso enorme e colocaria em risco os direitos sociais assegurados na Constituição”.

Apesar dessa conclusão, afirmou que deve ser propiciada a oportunidade “para que, assim desejando, possa se manifestar, produzir provas das próprias alegações (ou contrapor as já anexadas aos autos) e efetivamente influir no convencimento do juiz quanto à configuração de tal situação fática e jurídica, apta a ensejar, nos termos da lei trabalhista, a sua responsabilidade solidária”, para o que se faz necessária a instauração do “incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 133 a 137 do CPC, com as modificações constantes do art. 855-A da CLT”.

Em seguida, fixou a seguinte tese em Repercussão Geral:

“É permitida a inclusão, no polo passivo da execução trabalhista, de pessoa jurídica pertencente ao mesmo grupo econômico (art. 2º, §§ 2º e 3º, da CLT) e que não participou da fase de conhecimento, desde que o redirecionamento seja precedido da instauração de incidente de desconsideração da pessoa jurídica, previsto no art. 133 a 137 do CPC, com as modificações do art. 855-A da CLT. Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da Reforma Trabalhista de 2017”.

Todavia, ao destacar o processo, o ministro relator posteriormente reajustou o seu voto e incluiu na tese a expressão “devendo ser atendido o requisito do art. 50 do Código Civil (abuso da personalidade jurídica)”, matéria estranha ao acórdão que reconheceu a Repercussão Geral e contrária a decisões recentes do próprio STF, como no caso Starlink, a desafiar a incidência do disposto no artigo 926 do CPC.

Além disso, a tese afasta, indiretamente, o artigo 2º, § 2º, da CLT, com a redação atribuída pela Lei 13.467/2017, norma em plenas vigência e eficácia; representa a negação da autonomia jurídica do grupo econômico trabalhista, criado antes mesmo da CLT; e constitui inovação ao próprio debate, na medida em que a questão jurídica é exclusivamente de natureza processual, pois não está posta em xeque a natureza da responsabilidade ou os pressupostos de sua caracterização, conforme delineado na questão constitucional afirmada no voto.

Tal como proposta, ela compromete a efetividade da execução trabalhista, aumentará os índices de congestionamento das execuções fiscais e não fiscais na Justiça do Trabalho[4] e criará para os tribunais trabalhistas a relevante tarefa de definir, em jurisprudência fundada nos princípios próprios do direito e do processo do trabalho, o que constitui “abuso da personalidade jurídica”.

Entre as suas acepções, abuso é uso incorreto ou ilegítimo; é excesso. No parágrafo único do artigo 50 citado, o desvio de finalidade se caracteriza pela prática de ato ilícito de qualquer natureza e, com base no artigo 186, assim age quem viola direito e causa dano a outrem, o que deixará em aberto inúmeras questões decorrentes da aplicação da tese.

Exemplos de algumas delas: o abuso estará representado pelo não cumprimento das obrigações regular e legalmente constituídas resultantes da celebração de contratos de trabalho? Quais argumentos seriam legítimos para justificar o inadimplemento, se o empregador, por definição, é quem assume os riscos da atividade econômica (artigo 2º da CLT)? O remanejamento de recursos oriundos da atividade empresarial para contas pessoais dos sócios é uso abusivo?

Custeio de despesas estranhas aos objetivos empresariais, inclusive dos sócios, é atividade regular da sociedade empresária? Realizar operações de crédito em nome de determinada empresa e ofertar bens pertencentes a outras empresas do grupo representa desvio de finalidade destas últimas? Transferência de recursos de uma para outras empresas do grupo constitui exercício regular dos deveres legais a elas atribuídos? O fundamento do Código Civil se aplica à fase de conhecimento, sequer questionada na Repercussão Geral? Ele afastará os dispositivos do CTN que autorizam a responsabilização do coexecutado?

Conclusão

Ao longo do texto, procurou-se demonstrar que a inclusão de empresas integrantes do grupo econômico trabalhista na execução foi abrigada em julgados do STF e se mostra inovadora a referência ao artigo 50 do Código Civil como fundamento para a responsabilização delas, dispositivo que se choca com o § 2º do artigo 2º da CLT, vigente, eficaz e específico à hipótese. O voto inicial do ministro relator refletia essa jurisprudência dominante, antes e depois da vigência do CPC. Espera-se que, a final, prevaleça, a teor do artigo 926 do CPC.


[1] Rcl 12122 AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, em 19/06/2013.

[2] Rcl 55073 AgR, rel. Min, Roberto Barroso, 1ª T., em 22/05/2023.

[3] Pet. 12.404/DF, em 20/08/2024.

[4] Segundo dados do Programa Justiça em Números do CNJ, disponíveis publicamente, em 31/05/2025, as Taxas de Congestionamento Bruta e Líquida, em processos de execução fiscal e não fiscal, alcançaram 64,29% e 48,82%, respectivamente, as menores em todo Poder Judiciário e inferiores às médias nacionais (68,32% e 60,01%).

Fonte: Jota

Competência tributária e o novo contencioso da CBS e do IBS

Modelo de ideias e estudos não é mais cabível dada a urgência de efetivas mudanças no contencioso tributário brasileiro

Há algum tempo chamamos a atenção para o fato que a quase identidade entre os regimes jurídicos da CBS e do IBS, certamente, auxiliará na aplicação dos tributos[1], a dificuldade posta diz respeito à definição dos órgãos competentes para julgamento das lides a eles relacionadas, já que a Constituição prevê a competência tributária federal da CBS e a competência compartilhada entre estados, DF e municípios para o IBS, sem que exista, na estrutura atual, qualquer órgão do Judiciário, ou na Administração Pública, com competência para julgamento simetricamente alinhada às competências tributárias das novas exações.

Importa, para tanto, explicar que, dentro da disciplina tributária, competência é termo que comporta dois significados.

A competência tributária é indelegável, facultativa, irrenunciável, não caduca[2] e inclui a competência legislativa e a capacidade tributária[3]. Conforme definição do professor Luís Eduardo Schoueri, refere-se à esfera de atuação própria de cada pessoa jurídica de Direito Público (União, estados, Distrito Federal e municípios), e pode ser exclusiva, se apenas um ente atua, ou concorrente, se há mais de um ente atuando em conjunto.

Todas as regras relativas à competência tributária estão na Constituição Federal, nos artigos 145, 147, 148, 149, 149-A, 153 a 156-A, entre outros. Assim, de acordo com a competência definida pela Carta Magna, cada ente será competente para instituir os tributos, por meio de lei própria[4].

Quanto à competência para julgamento, existe uma ideia inicialmente intuitiva de que tributos federais devem ser julgados por órgãos federais, tributos estaduais por órgãos estaduais e tributos municipais por um órgão municipal, caso este exista. Contudo, para que a ideia tenha validade, não basta ser intuitiva, é necessário que esteja respaldada por normas vigentes. A certeza que se tem, é que não existe qualquer comando constitucional determinando que a competência tributária e a competência para julgamento de matéria tributária devam ser, necessariamente, coincidentes.

Para saber, o Carf, que só veio a receber esse nome no ano de 2009, em que pese sua criação remontar ao ano de 1924[5], já teve competência para julgamento de tributos estaduais e municipais e previsão de que fosse instalado um em cada estado e no Distrito Federal. Em que pese os conselhos nos estados nunca terem sido instalados e, na estrutura atual, não ter competência para julgar tributo estadual ou municipal, é importante observar que a possibilidade de existir a descentralização geográfica do conselho não feria a natureza jurídica do órgão e os contornos constitucionais de competência[6].

Assim, pensando em encontrar as normas que dispõem sobre a competência para julgamento, faremos uma distinção entre o julgamento tributário no contencioso administrativo e no contencioso judicial.

Quanto ao âmbito administrativo, Rodrigo Dalla Pria faz importante observação quanto à competência legislativa e explica que cabe à União fixar, por meio de lei complementar, normas gerais sobre processo administrativo-tributário, “competência que, desafortunadamente, nunca foi levada a cabo. Por essa razão, o que se tem, desde sempre, é uma verdadeira torre de babel normativa, onde cada entre federativo dispõe de plena liberdade para legislar concorrentemente acerca da matéria”[7].

Até a Emenda Constitucional 132/2023, a Constituição não trazia previsão expressa quanto ao contencioso administrativo, o que não conduziu à vedação ou à negação do instituto. O contencioso administrativo tem por razão de existir a necessidade de controle de legalidade do ato de lançamento, em deferência aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Segundo lecionam Geraldo Ataliba[8] e Hugo de Brito Machado[9], o contencioso administrativo também tem como função aliviar sobrepeso ao contencioso judicial e via de consequência dar maior celeridade, seja no âmbito administrativo, seja no judicial.

Apesar da relevante função, a solução de lides de natureza fiscal não tem, até hoje, uma adequada sistematização, pois o grande volume de regras jurídicas que se acumulam no sistema tributário e a falta de integração com o processo judicial tornam o processo administrativo fiscal, por muitas vezes, pouco eficiente[10].

Visando regulamentar a estrutura e a procedimentalização do contencioso administrativo, o Poder Executivo elaborou o PLP 108/2024, que inaugura o Título II, “Do Processo Administrativo Tributário do IBS”. Pretende-se a criação de novo Tribunal administrativo com vistas a processar e julgar lançamentos de IBS, o que, por si só, causa espécie.

Isto porque caberá ao Carf julgar os casos que cuidem de débitos de CBS, cujo tratamento deve ser idêntico aos do IBS, na forma do novel art. 149-B, que determina a observância das mesmas regras em relação a fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; imunidades; regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; e regras de não cumulatividade e de creditamento.

Aqui reside grande parte das críticas dos estudiosos com a possibilidade de prolação de decisão díspares e contraditórias, no tocante ao IBS e à CBS, face à previsão de ritos processuais distintos para tais tributos que possuem o mesmo fato gerador, mesma base de cálculo e várias características convergentes, no que chamamos de Regime Jurídico Especial da CBS e IBS.

Assim, quanto à CBS, parece óbvio que ser O modelo que proponho de novo contencioso administrativo tributário prevê a instalação da 4ª Seção de Julgamentos do Carf, para julgamento da CBS e do IBS, e encontra amparo no art. 327 da Lei Complementar 214, de 2025, segundo o qual, o Ministério da Fazenda e o Comitê Gestor do IBS poderão celebrar convênio para delegação recíproca do julgamento do contencioso administrativo relativo ao lançamento de ofício do IBS e da CBS efetuado nos termos do art. 326, de modo a permitir que o julgamento, tanto do IBS, quanto da CBS, sejam realizados no âmbito do Carf. Essa proposta será objeto da próxima escrita.

Passando para a esfera judicial, ali a solução dos conflitos tributários é realizada de forma difusa, a Justiça Federal comum é competente para julgar as lides entre o fisco federal e sujeitos de direito que se constituem sob forma de pessoa jurídica de direito público federal; a justiça estadual comum é competente para julgar os conflitos que envolvam os fiscos estaduais e municipais e a Justiça do Trabalho será competente para apreciar os litígios tributários que decorram da incidência de contribuição previdenciária sobre os fatos tributários constituídos nas sentenças trabalhistas[11].

Essa conclusão é extraída da norma insculpida no art. 109 da Constituição Federal, segundo a qual compete aos juízes federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Assim, parece não haver dúvida que a CBS será julgada na justiça federal, enquanto para o IBS parece existir uma lacuna, à medida que inexistem dúvidas de que a União será interessada nas causas envolvendo esses litígios, em que pese tratar-se de um conflito que deve envolver o fisco estadual e/ou municipal.

Até o momento, existem algumas ideias de como solucionar ou aperfeiçoar o contencioso judicial do IBS. Entre elas, Bianor Arruda defende a existência de dois caminhos: que a justiça federal tenha competência para julgar o IBS ou que seja implementado um novo órgão na estrutura judiciária, com competência e composição mista[12].

Há, ainda, quem defenda que o IBS deve permanecer na Justiça Estadual e, ocorrendo conflito com a jurisprudência federal da CBS, fica o Superior Tribunal de Justiça incumbido de trazer a solução, a par da disposição veiculada pelo art. 105, inciso I, alínea j, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional 132/2023.

A verdade é que o contencioso tributário, em essência, deveria ser célere e eficiente, visando garantir, de um lado, segurança jurídica, nas hipóteses em que a lacuna normativa traz dúvida suficiente para que nem contribuinte nem ente tributante tenha clareza na melhor prática a ser adotada; e, de outro, a rápida arrecadação nos casos em que se entenda como cabível o tributo objeto de análise. No entanto, seja pela inflação legislativa, seja pela demora na pacificação de litígios, o contencioso tributário brasileiro atingiu dados graves e desproporcionais.

No atual estágio, o modelo de ideias e estudos não é mais cabível, dada a urgência de efetivas mudanças no contencioso tributário, que perpassa a consciência que o melhor modelo é aquele que mira na coletividade e na segurança jurídica, em sobreposição ao atendimento político de minorias.


[1] MCNAUGHTON, Cristiane Pires; MCNAUGHTON, Charles Wiliam. Breves Reflexões sobre o Regime Constitucional do IBS e da CBS. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (Coords.). Direito Tributário: homenagem aos 50 anos do IBDT. São Paulo: IBDT, 2024. pp. 257-271, p. 259.

[2] PONTALTI, Mateus. Manual de Direito Tributário. 3. ed., rev, atual. e ampl. São Paulo: JusPodvm, 2022,

  1. 36.

[3] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros/JusPodivm, 2022, p. 29.

[4] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 251.

[5] Origens do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais: Histórico dos Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda. Disponível em: http://carf.economia.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/memoria-institucional-1. Acesso em: 15 set. 2024.

[6] OLIVEIRA, Ana Claudia Borges de; RENAULT, Felipe Kertesz. Cem Anos do CARF: do Passado ao Futuro, Sob o Olhar Crítico do PLP n. 108/2024. In: OLIVEIRA, Ana Claudia Borges de; PURETZ, Tadeu (coords.). Coletânea 100 anos do CARF. São Paulo: NSM Editora, 2024, p. 27-39.

[7] DALLA PRIA, Rodrigo. Reforma do contencioso tributário. Consultor Jurídico, 10 abr. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-abr-10/processo-tributario-reforma-contencioso-administrativo-tributario/. Acesso em: 03 out. 2024.

[8] ATALIBA, Geraldo. Recurso em Matéria Tributária. Revista de informação legislativa, v. 25, n. 97, p. 111-132, jan./mar. 1988. p. 122.

[9] MACHADO, Hugo de Brito. Mandado de Segurança em Matéria Tributária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 303.

[10] MARINS, James. Princípios Fundamentais do Direito Processual Tributário. São Paulo: Dialética, 1998. p. 121.

[11] DALLA PRIA, Rodrigo. Direito processual tributário. 3. ed., rev. e atual. São Paulo: Noeses, 2024, p. 171.

[12] NETO, Bianor Arruda Bezerra. O Papel Dual da União na Federação: Comitê Gestor e Competência Jurisdicional. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de, et al. Nossa Reforma Tributária: análise da EC 132/23, do PLP 68/2024 (CBS/IBS) e do PLP 108/2024 (Comitê Gestor, contencioso do IBS, ITCMD e ITBI). São Paulo: Editora Max Limond, 2024. pp. 413-429.

Fonte: Jota

Orlando Silva defende discutir inserção de aspectos eleitorais no PL da IA na Câmara

Deputado disse se ‘incomodar’ com instruções normativas do TSE sobre o assunto que avançam no que está previsto em lei

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) defende que a tramitação do projeto de lei da inteligência artificial (PL 2338/2023) na Câmara inclua discussões sobre o uso da IA em contexto eleitoral. Ele considera que “vale a pena” que os parlamentares tratem do assunto “com atenção” para que as regras sobre o assunto sejam estabelecidas por eles “de modo estável” e não pelo judiciário.

“Eu me incomodo com as instruções normativas do Tribunal Superior Eleitoral que avançam além daquilo que está previsto na lei”, afirmou nesta terça-feira (13/5) em evento do IDP sobre direito digital. Nas últimas eleições, o TSE estabeleceu normas para restringir o uso da IA durante o pleito.

Orlando, que foi relator da Lei Geral de Proteção de Dados e do PL das Fake News, também disse que a Câmara deve olhar com “maior sensibilidade” para o uso de dispositivos de reconhecimento facial. A primeira versão do texto estabelecia uma espécie de moratória ao uso da tecnologia, mas a proposta aprovada pelo Senado legaliza o reconhecimento facial, desde que submetido a condições.

“Foi inteligente a solução do Senado, quando restringe o uso de dados biométricos e a aplicação de inteligência artificial quando se fala de uso para instrução de processo penal, de prisão de foragidos, de atenção com desaparecidos, mas acredito que merece, pela sensibilidade do tema, nós olharmos de novo para ver se tem algum risco de violação à população nos termos que estão estabelecidos”, disse.

O deputado também declarou que pretende recomendar que o relator da proposição na Câmara analise o texto de juristas que subsidiou o PL da inteligência artificial. Para Orlando, valeria retomar a alguns pontos do que foi proposto inicialmente pela comissão responsável pelo anteprojeto para o aprofundamento nas discussões.

Também presente no evento, o relator do PL no Senado, Eduardo Gomes (PL-TO) disse que os principais desafios para na Câmara devem ser as discussões sobre direito autoral, e, especialmente, direito da criança. Neste caso, ele avalia que ainda há “muita confusão” a respeito.

O senador considera, no entanto, que há maior pacificação sobre o tema, cuja discussão, segundo ele, tem se desprendido de perspectivas ideológicas e convergiu amplamente no Senado. “A Câmara pega agora um processo que perdeu um pouquinho desse drama, dos fantasmas, de uma certa maluquice que tinha no debate sobre inteligência artificial.”

O deputado e o senador participaram de mesa sobre os próximos passos PL da IA na Cátedra Internacional Danilo Doneda, evento sobre direito digital e governança da internet, realizado pelo IDP.

O PL 2338/2023 foi aprovado pelo Senado em março. A instalação da comissão especial para tratar do projeto está marcada para a próxima terça (20/5). Luisa Canziani (PSD-PR) deve ser eleita presidente e nomear Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) como relator.

Fonte: Jota

Projeto que pune devedor prevê liquidação extrajudicial e falência de empresas

Texto vai impactar setores nos quais historicamente há mais sonegação, como combustíveis

Foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no último dia 9 de abril o relatório do Projeto de Lei Complementar (PLP) 164/2022, que trata do devedor contumaz. O assunto está em alta no Congresso, com outros dois textos sobre o mesmo tema também tramitando nas duas Casas.

O texto aprovado define regras objetivas para estabelecer quem se enquadra na definição de devedor contumaz e aumenta o rigor das penalidades e da fiscalização de empresas com índices elevados de inadimplência.

Serão considerados devedores contumazes aqueles que deixarem de pagar integralmente em pelo menos quatro períodos consecutivos de apuração, ou em seis períodos alternados, dentro do prazo de doze meses. Também é necessário que os débitos sejam superiores a R$ 15 milhões, ou representem mais de 30% do faturamento anual da empresa, desde que este seja igual ou maior do que R$ 1 milhão.

Entre as penalidades possíveis estão a suspensão de benefícios fiscais, o impedimento de firmar convênios com o governo e a liquidação extrajudicial ou falência. O texto também prevê a criação de um regime especial de fiscalização para empresas de setores nos quais historicamente há mais sonegação, como combustíveis, bebidas e cigarros.

Sobre a relevância da legislação sobre o devedor contumaz, Ana Mandelli, diretora executiva de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), explica que a sonegação e outras fraudes fiscais são muitas vezes usadas como estratégia de negócio por agentes do setor. “As práticas geram grave assimetria competitiva e prejudicam a livre concorrência e a sociedade.”

Este conteúdo faz parte do Joule, editoria especial com matérias e podcast do setor de energia do JOTA, feito em parceria com o Instituto Brasileiro de Transição Energética (Inté).

Na visão da especialista, com a aprovação de leis de abrangência nacional que definem o devedor contumaz e endurecem as penas, “haverá mais ferramentas à serviço da Administração Pública para o efetivo combate a essas práticas nocivas”. Ela destaca que isso contribui para evitar a  perda de arrecadação, o desemprego e retração econômica, o aumento de preços e pressão inflacionária e o risco de abastecimento dos combustíveis.

“O IBP tem a expectativa que com a simples promulgação desta Lei Complementar já haverá um impacto positivo no ambiente de negócios, demonstrando a preocupação do Estado em combater práticas ilícitas”, afirma Ana Mandelli. “Esse efeito pedagógico da lei servirá como um desestímulo aos devedores contumazes, contribuindo para melhorar a arrecadação, promover a isonomia competitiva e aumentar o bem-estar da sociedade em geral”, completou.

A questão do devedor contumaz é uma das prioridades do Poder Executivo na área econômica. O tema figura na lista com 25 tópicos apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em fevereiro deste ano.

O projeto aprovado esta semana é de autoria do então senador Jean-Paul Prates (PT-RN) e conta com apoio de diversos setores. O relator na CCJ, Veneziano Vital do Rêgo, é também presidente da Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia. Ao Jota, ele explicou os problemas causados ao setor de energia, especialmente no segmento de combustíveis. 

“Esses maus pagadores exploram a alta carga tributária do setor para obter lucros indevidos, deixando de recolher os impostos devidos. Com isso, além de causarem um impacto bilionário nos cofres públicos, criam um ambiente de concorrência desleal, prejudicando as empresas que atuam de forma regular e cumprem suas obrigações fiscais”, disse.

Segundo o JOTA PRO, ferramenta corporativa do JOTA, a dívida ativa dos devedores contumazes do setor de combustível saltou 20% nos últimos seis meses, conforme estimativa do Instituto Combustível Legal (ICL). O valor, de acordo com dados deste mês, alcança R$ 203 bilhões. Em outubro do ano passado, o total estimado estava em R$ 170 bilhões.

Por isso, enfatiza o senador, a aprovação de uma legislação que defina de forma objetiva quem são os devedores contumazes e estabeleça sanções rigorosas contra esses agentes é fundamental. Com isso, estaremos promovendo um ambiente de concorrência justa no setor de combustíveis. Ao combater essas distorções no mercado, há potencial para reduzir o preço dos combustíveis ao consumidor, beneficiando toda a sociedade.

Em entrevista à TV Senado em março deste ano, Veneziano Vital do Rêgo apontou que a sonegação fiscal também pode estar associada à prática de outros crimes, como lavagem de dinheiro. “É um escárnio o que está acontecendo”, disse sobre a prática deliberada e reiterada de sonegação, destacando ainda que a concorrência desleal é uma das principais consequências da prática.

Tramitação no Congresso

Após a aprovação na CCJ, a matéria precisa agora ser votada na Comissão de Assuntos Econômicos, onde ainda aguarda a definição de quem será o relator. Depois, o PLP ainda precisa passar pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) antes de ser levado ao plenário do Senado. 

No entanto, a Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia está articulando a possibilidade de um requerimento de urgência, para que a matéria seja encaminhada diretamente ao Plenário, pulando a apreciação da última comissão. Para os parlamentares, a urgência se justifica porque o texto já está “amplamente amadurecido, tendo passado por audiências públicas e intensos debates com especialistas e setores impactados”.

Em seguida, o caminho legislativo é o encaminhamento para a Câmara dos Deputados, onde também passará por comissões e pelo plenário. Sendo aprovado sem alterações, o projeto segue então para sanção presidencial. Caso sofra mudanças, o texto deve voltar para o plenário do Senado.

Projetos relacionados

Além do PLP 164/2022, outros projetos que circulam no Congresso também tratam do mesmo tema. O PLS 284/2017, apresentado pela então senadora Ana Amélia (PP/RS) tramitava junto ao texto de Jean Paul Prates, mas acabou sendo arquivado na votação da CCJ. Ele focava na criação de regimes especiais de tributação que impediam a utilização do tributo como instrumento de desequilíbrio concorrencial.

O PLP 125/2022 foi proposto pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e traz uma definição similar do inadimplente contumaz, mas tem um texto mais amplo, com foco na criação de um Código de Defesa dos Contribuintes. Ele já foi encaminhado ao plenário do Senado, com relatoria do senador Efraim Filho (União-PB), e aguarda votação.

O tema é ainda abordado na Câmara. O PL 15/2024, de autoria do Poder Executivo propõe a criação do Cadastro Fiscal de Devedores Contumazes (CFDC) e estabelece diretrizes sobre a figura do devedor contumaz.

 Na Câmara, o PL aguarda análise da Comissão de Desenvolvimento Econômico. Sendo aprovado, ele também precisa passar pelo plenário e pelo Senado antes de seguir para sanção presidencial.

Fonte: Jota

Programa Sintonia, da Receita, dará prioridade na restituição a empresas bem avaliadas

Empresas receberão notas conforme seu grau de regularidade fiscal, que funcionarão como um selo de acesso a benefícios

A Receita Federal instituiu, no fim de fevereiro, o projeto piloto do Sintonia, um programa de conformidade tributária e aduaneira baseado na classificação dos contribuintes. A proposta é que as empresas recebam notas conforme seu grau de regularidade fiscal, que funcionarão como um selo de acesso a benefícios como prioridade na análise de restituições, facilitação no relacionamento com o fisco, acesso a seminários e programas de diálogo e participação no Procedimento de Consensualidade Fiscal.

O Programa Sintonia, instituído pela Portaria RFB 511 e publicado no Diário Oficial da União (DOU) de 24 de fevereiro, será implementado gradualmente ao longo do ano. Inicialmente serão divulgadas as classificações das empresas enquadradas na categoria A+, seguidas pelas classificações A em 2 de junho, B em 4 de agosto, C em 5 de outubro e, por fim, D em 4 de dezembro.

Durante esse período, os contribuintes que aderirem ao programa poderão consultar suas notas e o detalhamento mensal por meio do portal da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim). Terão notas mais altas (A+ e A) os que cumprirem com suas obrigações, incluindo a entrega pontual e correta de declarações, consistência das informações e regularidade nos pagamentos de tributos. A nota final de cada empresa será calculada mensalmente como uma média ponderada das avaliações dos últimos três anos.

A iniciativa é considerada positiva por advogados, mas ainda há dúvidas sobre sua implementação na prática e a adesão efetiva dos contribuintes, especialmente considerando que os programas de conformidade já instituídos não têm avançado como se esperava.

Especialistas apontam que o Sintonia faz parte da estratégia da Receita Federal de aumentar a transparência e aprimorar a relação com os contribuintes no cumprimento das obrigações fiscais. Ainda, há previsão de existir um fórum de conciliação antes da formalização de uma autuação aos contribuintes com boas notas, em que a equipe da DRJ (Delegacia Regional de Julgamento) atuaria como mediadora, que não foi contemplado no projeto piloto.

O Sintonia abrange empresas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, além de entidades sem fins lucrativos imunes ou isentas do IRPJ e da CSLL. Não são incluídas no programa empresas com menos de seis meses de registro de CNPJ, órgãos públicos, empresas estatais, entidades de direito público, organizações internacionais e instituições extraterritoriais.

Pontos positivos e negativos

Carlos Henrique de Oliveira, advogado do Mannrich e Vasconcelos Advogados, vê com bons olhos os benefícios previstos na portaria. Para ele, entre os pontos mais relevantes está a prioridadena análise de restituições e declarações. Além disso, destaca que o diálogo facilitado e acesso a seminários promovidos pela Receita Federal também são vantajosos, desde que tenham o propósito de esclarecer ao contribuinte a visão da administração tributária sobre determinados procedimentos.

Isso permitiria, conforme explica, que os contribuintes compreendessem antecipadamente como a Receita Federal atuará em caso de divergências, garantindo mais previsibilidade e um julgamento mais técnico e preciso, especialmente em discussões no âmbito administrativo.

“Diferente do Confia, que exige maior disposição do contribuinte para aderir, pois é voltado para grandes empresas, que possuem obrigações acessórias mais complexas, o Sintonia valoriza a entrega das obrigações acessórias e principais, e também o relacionamento entre o fisco e o contribuinte”, disse.

Para o advogado Ricardo Loffredo, do Mattos Filho, o programa funcionará como um indicador de que a empresa mantém uma boa relação com a Receita Federal, o que pode vir a se tornar argumento de defesa em caso de autuações discutidas no âmbito administrativo, por exemplo. Um dos diferenciais, segundo ele, é a possibilidade de empresas classificadas como A + ingressarem no Procedimento de Consensualidade Fiscal, que permite que o contribuinte submeta dúvidas sobre fiscalização antes que haja uma disputa formal com o fisco.

O advogado Bernardo Leite, do ALS Advogados, vê essa medida como um ponto positivo, pois abre um canal de comunicação e pode evitar autuações decorrentes da falta de documentação em acusações de fraude. Para ele, no entanto, a portaria apresenta um problema ao conceder prioridade aos contribuintes com boas notas, pois, em sua visão, essa diferenciação pode ferir o princípio da isonomia.

Ele explica que um contribuinte pode ser prejudicado por conta de prazos mesmo quando tem direito a um crédito tributário, como no caso de declarações de compensações não homologadas pela Receita. Nessa situação, diz, o contribuinte pode ficar com um débito em aberto até a resolução do processo, o que impactaria negativamente sua nota no programa, colocando-o em uma posição desfavorável sem que haja um erro de sua parte.

Este não é o primeiro programa de conformidade tributária lançado pela Receita Federal. Paralelamente, também em fase piloto, há o Confia, voltado para grandes empresas. A iniciativa busca estreitar a relação entre o fisco e os contribuintes, permitindo que as companhias apresentem seus planejamentos tributários e solicitem validação quanto à conformidade da tributação diretamente à Receita Federal.

Os programas, porém, não sairão da fase piloto sem a aprovação pelo Congresso do PL 15/2024, que estabelece três programas de conformidade tributária: Confia, Sintonia e OEA (Operador Econômico Autorizado). O Executivo tem interesse na aprovação da proposta, que caminha a passos lentos porque trata também do conceito de devedor contumaz.

O Sintonia não depende da aprovação de uma lei para entrar em vigor. No entanto, aspectos como os descontos sobre a CSLL para empresas com selo Sintonia, conforme previsto no PL 15/2024, exigiriam uma alteração legislativa para serem implementados. Como o projeto de lei ainda não foi aprovado, esse ponto foi deixado de lado do projeto piloto, permitindo que o programa fosse lançado sem a necessidade de aprovação no Congresso.

Fonte: Jota

Quando começa o prazo para a entrega do Imposto de Renda (IRPF) 2025?

Prazo para envio da declaração do Imposto de renda 2025 deve começarem meados do mês de março e seguir até final de maio

Os contribuintes já podem se preparar para a apresentação dos rendimentos para o Imposto de Renda 2025, que deve começar no dia 17 de março. Embora ainda não haja uma data oficial, a Receita Federal tem mantido o calendário dos anos anteriores. A expectativa é que o prazo para a Declaração do Imposto de Renda para Pessoa Física (DIRPF), referente ao ano-calendário 2024, ocorra entre os dias 17 de março e 30 de maio. As regras e datas oficiais serão confirmadas pelo Fisco ainda em março.

Desde 2023, o prazo para o envio das informações sobre os rendimentos do ano-calendário inicia-se no dia 15 de março. Neste ano, espera-se que o início do período para a declaração seja no dia 17, uma vez que o dia 15 será um sábado.

Os contribuintes que não enviarem o documento dentro do prazo oficial da Receita Federal estarão sujeitos ao pagamento de multa e à acusação por sonegação fiscal. Em 2024, a multa era de 1% ao mês sobre o imposto devido, com valor mínimo de R$ 165,74 e máximo de 20% do imposto devido. O Fisco recomenda que o envio do documento seja feito o mais cedo possível. Quanto antes for entregue, maior a chance de o pagamento da restituição ocorrer nos primeiros lotes.

Quem deve declarar o IRPF

A declaração contém as informações de todos os rendimentos tributáveis do ano. Para saber se será obrigado a declarar o IRPF, o contribuinte deve observar os seguintes critérios:

  • Obteve rendimentos tributáveis acima de R$ 30.639,90;
  • Recebeu rendimentos não tributáveis ou tributados exclusivamente na fonte acima de R$ 200 mil;
  • Obteve receita bruta anual decorrente de atividade rural em valor acima de R$ 153.199,50;
  • Pretende compensar prejuízos da atividade rural deste ou de anos anteriores com as receitas deste ou de anos futuros;
  • Teve a posse ou a propriedade, até 31 de dezembro de 2024, de bens ou direitos, inclusive terra nua, acima de R$ 800 mil;
  • Realizou operações em bolsa de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas;
  • Obteve ganho de capital na alienação de bens ou direitos, sujeito à incidência do imposto;
  • Optou pela isenção de imposto sobre o ganho de capital na venda de imóveis residenciais, seguida da aquisição de outro no prazo de 180 dias;
  • Passou à condição de residente no Brasil em qualquer mês de 2024, e nessa condição se encontrava em 31 de dezembro de 2024.

Para enviar as informações à Receita, o contribuinte possui três opções: o portal e-CAC, o aplicativo Meu Imposto de Renda ou o Programa Gerador de Declaração (PGD), que precisa ser baixado no computador. A declaração do Imposto de Renda 2025 deve informar os rendimentos tributáveis e não tributáveis recebidos ao longo do ano-calendário de 2024.

Documentação

Os contribuintes precisam reunir uma série de documentos pessoais que comprovem os rendimentos no ano e os gastos que poderão ser deduzidos da restituição. É recomendável que se tenha arquivado os informes dos valores recebidos durante o ano e as notas fiscais de gastos com educação, procedimentos médicos, odontológicos e previdência privada.

Além disso, é necessário prestar informações sobre a compra e venda de bens e serviços de grandes valores, como imóveis, automóveis, embarcações, etc.

Promessa de isenção de R$ 5 mil

Durante a campanha de 2022, o presidente Lula prometeu isentar do IRPF os trabalhadores com renda mensal de até R$ 5 mil. A proposta foi anunciada pelo Ministério da Fazenda no final de 2024, mas ainda precisa passar pela análise e aprovação do Poder Legislativo.

Tabela do Imposto de Renda 2025

O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2025, enviado pelo governo ao Congresso Nacional, não prevê alterações na tabela do Imposto de Renda, mantendo os mesmos valores de 2024:

Base de Cálculo (R$)Alíquota (%)Parcela a Deduzir do IR (R$)
Até 2.259,20Isento
De 2.259,21 até 2.826,657,5169,44
De 2.826,66 até 3.751,0515381,44
De 3.751,06 até 4.664,6822,5662,77
Acima de 4.664,6827,5896,00


Conforme os anos anteriores, os pagamentos da restituição do IRPF têm sido realizados em cinco lotes mensais, de maio a setembro, nas seguintes datas:

LoteData de Pagamento
31 de maio
30 de junho
31 de julho
31 de agosto
30 de setembro

Fonte: Jota

Interpretações casuísticas de decreto de 1941 dificultam atividade empresarial

Análise do Decreto-Lei 3.240/41 atribui a empresas o dever de reparar por crimes de seus colaboradores

Em que pese já exista há mais de 80 anos, o Decreto-Lei 3.240/41 vem sendo invocado com frequência pelos tribunais para justificar medidas cautelares patrimoniais em procedimentos criminais que buscam sequestrar (ou bloquear) bens dos investigados. Essa tendência alcançou as Cortes Superiores que decidem casuisticamente, sem se atentar ao impacto sistemático dos seus precedentes.

O Decreto-Lei 3.240/41 é um terreno fértil para antecipação de punição, uma vez que permite o sequestro de bens auferidos licitamente pelo “indiciado” (Sequestro Especial), desde que o crime em apuração tenha resultado prejuízo para a Fazenda Pública (artigo 1º). O Código de Processo Penal (artigos 125 e ss.), rememora-se, prevê apenas o sequestro de bens de proveniência ilícita, o que freia sobremaneira o apetite punitivo.

O presente texto organiza grande parte dos entendimentos jurisprudenciais sobre o Decreto-Lei 3240/41 e expõe que, se levados a cabo, têm o potencial de inviabilizar atividades empresariais, pois atribuem a pessoas jurídicas que não se beneficiaram de crimes cometidos por seus colaboradores o eterno dever de “reparar” os danos causados à Fazenda Pública.

Recepção do Decreto-Lei 3.240/41 pela Constituição Federal de 1988

Muito embora a jurisprudência tenha se pacificado no sentido de que o Decreto-Lei 3.240/41 foi recepcionado pela Constituição Federal, é difícil apontar um precedente paradigmático que tratou dessa matéria exaustivamente.

A problemática disso se dá no cenário em que o referido Decreto-Lei contém expressões anacrônicas, como a disposição de que ele se aplicaria aos crimes definidos “no Livro II, Títulos V, VI e VII da Consolidação das Leis Penais” — seções que não estão em vigor, tampouco encontram correspondente evidente no atual Código Penal.

Caberia às Cortes Superiores, portanto, apararem essas arestas. Não é suficiente dizer que o Decreto-Lei foi recepcionado pela CF, mas sim como isso foi feito. A falta de conjugação do sequestro previsto no Decreto-Lei com o do Código de Processo Penal dá margens para os tribunais resolverem esses problemas casuisticamente, combinação que gera, dentre diversos efeitos negativos, insegurança jurídica.

A título de exemplo, o Judiciário tem interpretado amplamente os crimes que autorizam o Sequestro Especial. Conforme mencionado, o artigo 1º do Decreto-Lei 3.240/41 menciona delitos que causam “prejuízo à Fazenda Pública” e crimes revogados da Consolidação das Leis Penais.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF) interpretou que infrações contra as instituições democráticas[1] estavam inclusas neste rol, enquanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estendeu a medida a casos em que empresas públicas e sociedades de economia mistas figuram como vítimas, justificando-se pela proteção do patrimônio público[2]. Além de gerar desproporção em relação a crimes que não afetam a Fazenda Pública, isso leva a situações paradoxais, como em crimes tributários, em que o sequestro recairia sobre patrimônio indispensável para a existência da empresa e, consequentemente, para a quitação de sua dívida tributária.

Possibilidade de empresas serem alvo do sequestro previsto no Decreto-Lei 3240/41

O artigo 1º do Decreto-Lei 3.240/41 prevê o sequestro de bens de “pessoa indiciada”, o que excluiria pessoas jurídicas, salvo em crimes ambientais. A única exceção no Decreto-Lei para atingir bens de terceiros está no artigo 4º, que exige comprovação de dolo ou culpa grave na aquisição dos bens a serem apreendidos. Por óbvio, o ônus de comprovar o dolo e a culpa grave recai no órgão acusatório.

Para contornar essa limitação, tem-se ampliado o conceito de “pessoa indicada” para incluir empresas, permitindo o sequestro de bens licitamente adquiridos.

Esse entendimento era aplicado inicialmente a empresas de fachada ou com ganhos decorrentes de crimes, porém o uso se popularizou, levando o STJ a restringir a casos em que a empresa “tenha sido utilizada para a prática de delitos (…), com lucro econômico provável”[3]. Contudo, a definição dessa “utilização” não é clara e a simples menção da empresa nos supostos atos criminosos têm valido como justificativa suficiente para promover o Sequestro Especial.

Prescindibilidade do perigo da demora para o Sequestro Especial

Ao contrário de quase todas as medidas cautelares, o Sequestro Especial dispensa a demonstração de perigo da demora. A justificativa é uma interpretação do artigo 3º do Decreto-Lei 3.240/41 que dispõe da necessidade de “indícios veementes da responsabilidade”, sem reclamar que haja um risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

Vale pontuar que é absolutamente razoável a interpretação de que o mencionado dispositivo não estipula que os indícios (veementes) de responsabilidade são o único requisito exigido, mas tão somente um dos critérios — sendo o outro a possibilidade de prejuízo com a demora.

Contudo, não foi esse o caminho seguido pelo STJ[4], de maneira que o instituto mais se aproxima à figura civil da tutela de evidência, guardadas as devidas proporções.

A problemática conjugação do sistema e sugestões de resolução

Basta sobrepor os entendimentos descritos para compreender o grave cenário em que empresas e pessoas são colocadas, além do notável poder conferido aos órgãos de persecução penal.

Em resumo, o sistema criado pela jurisprudência casuística coloca empresas sob o risco de constrições de seus patrimônios amealhados licitamente, o que pode se dar em virtude de delitos cometidos por terceiros, que não lhe trouxeram benefício e sem qualquer indício de dilapidação de patrimônio.

O mais alarmante é que, além dos valores almejados pelas autoridades poderem ultrapassar a integralidade dos recursos disponíveis de uma empresa[5], eventuais bloqueios podem ser reforçados, sucessivamente. Assim, em investigações que contam com prejuízo milionário à Fazenda Pública, uma empresa que teve participação colateral nos atos ilícitos pode se tornar eternamente responsável por reparar todo o dano (solidariamente aos demais investigados, diga-se), inviabilizando suas atividades econômicas.

Inclusive, dado o alto risco de sequestros consecutivos pela sistemática imposta, tal cenário pode suceder mesmo se os delitos tiverem sido cometidos por um antigo sócio e que todos os recursos ilícitos tenham sido eliminados do patrimônio da empresa.

A solução para isso passa inicialmente pelo questionamento sobre a recepção do Decreto-Lei 3.240/41 pela CF (e de que forma). Não se nega de plano sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico atual desde que haja uma interpretação constitucional. Essa interpretação não se extrai da literalidade do diploma legal.

É fundamental comprovar que as empresas-alvo tenham efetivamente se beneficiado dos crimes, sobretudo aferindo lucro. Já é uma interpretação extensiva alongar o conceito de “pessoa indiciada” para pessoas jurídicas, de forma que a restrição deve se dar no cotejo do quanto que a empresa efetivamente se favoreceu dos atos praticados – e no limite da participação societária do(s) sócio(s) investigado(s).

Não obstante, o Sequestro Especial vislumbrando a reparação do dano deve se pautar pelas disposições que regulam a fixação de valor mínimo para indenização. Se a constrição visa à reparação do dano, o pedido de fixação de indenização mínima (na denúncia e alegações finais, sob pena de preclusão) é condição essencial para que o sequestro se mantenha hígido.


[1] STF: AP 1384 AgR, relator Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2024, DJe 29/10/2024.

[2] STJ: EDcl no AgRg no AREsp n. 1.792.372/PR, relator Des. Convocado Jesuíno Rissato, relator para acórdão Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 1/2/2022.

[3] STJ: AgRg no AREsp n. 1.637.645/RJ, relator Des. Convocado Jesuíno Rissato, Sexta Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 19/5/2023.

[4] STJ: AgRg na CauInomCrim n. 104/DF, relator Min. Sebastião Reis Júnior, Corte Especial, julgado em 6/11/2024, DJe de 11/11/2024.; AgRg no RMS n. 67.157/MG, relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/12/2021, DJe de 16/12/2021; e AgRg no AREsp n. 2.347.443/SP, relator Des. Convocado Jesuíno Rissato, Sexta Turma, julgado em 27/2/2024, DJe de 4/3/2024.

[5] Inclusive, o STF e o STJ têm precedentes (AgR no RE 1005011/SC e AgRg no REsp n. 1.943.519/PE, respectivamente) na linha de que, ao menos até a sentença, os investigados são solidariamente responsáveis pelo montante do prejuízo causado. Assim, é possível que uma constrição atinja qualquer um dos investigados até o limite do prejuízo total calculado, o que evidentemente pode alcançar a integridade do patrimônio de pessoas e empresas. Em alguns casos, de forma correta, as autoridades repartem os quinhões de cada alvo da cautelar.

Fonte: Jota

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