Transição verde: trajetória pautada na cooperação e na integridade da informação

Empresas que lideram em sustentabilidade devem apoiar fortalecimento de instituições e regulamentações

transição verde, ou transição ecológica, se mostra cada vez mais necessária e urgente, trazendo desafios e oportunidades para as empresas, o setor público e organismos da sociedade civil. 

Tal movimento consiste em estratégia de transformação do modo de vida, visando reduzir o impacto no meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável. Suas bases foram estabelecidas no Acordo de Paris, firmado em 2015, o primeiro acordo global sobre mudanças climáticas, universal e juridicamente vinculativo, cujo objetivo principal era conseguir, através de diferentes fórmulas, que a temperatura do planeta nunca ficasse mais que 1,5 ºC acima do nível da era pré-industrial. 

Para tanto, os países deveriam adotar diferentes medidas, dentre elas: promover a descarbonização e favorecer a energia verde em oposição aos combustíveis fósseis; investir no transporte ecológico; aumentar os investimentos em eficiência energética; apoiar a inovação nas empresas e na ciência; desenvolver planos de ação e estratégias para a economia circular e desenvolver e priorizar um plano político de ação climática. Essa nova ampla agenda trouxe riscos e oportunidades para os diferentes players da sociedade, fazendo com que os formuladores de políticas públicas tenham de administrar assimetria de informação, mudanças repentinas de cenários e interesses muitas vezes conflitantes entre os diferentes setores da economia e a sociedade como um todo.

Ao setor privado especificamente, cabe enfrentar os novos riscos e aproveitar as oportunidades, para garantir a perenidade das empresas e, alinhado à estratégia de seus negócios, comprometer-se com melhores práticas de sustentabilidade. Neste movimento, as empresas precisam de cautela, atuar com transparência e divulgar informações sólidas e rastreáveis, para evitar acusações de greenwashing, que rapidamente tomam os meios de comunicação e geram danos irreversíveis à reputação.

Assim, os investimentos em inovações para a transição verde, acompanhado por ganhos de produtividade, cruciais para a evolução do país, somente serão possíveis com políticas públicas de Estado, bem estruturadas, com coordenação multidisciplinar entre as diferentes agendas do governo e com as parcerias estratégicas entre os setores público e privado. Conforme bem colocado pelo relatório da OCDE Anti-Corruption and Integrity Outlook 2024, será muito desafiador para um governo, sozinho, atingir as metas climáticas, pois dependem do conhecimento, da experiência e inovação do setor privado, fatores expostos a um elevado risco de corrupção e de falta de integridade

Com efeito, via de regra, se comparado com as autoridades governamentais, as empresas privadas possuem maior conhecimento das peculiaridades, desafios e oportunidades dos seus respectivos setores de atuação. Neste contexto de importante assimetria de informação, conforme prevê a teoria econômica, há espaço para comportamento oportunista, beneficiando e conferindo vantagens para os agentes com maior acesso às informações relevantes. 

Mais precisamente, é possível que diferentes setores que mais necessitam adotar políticas sustentáveis, se valendo de assimetria da assimetria de informação, serão os que menos teriam motivação para efetivamente avançar nesta direção – comportamento que pode ser denominado de seleção adversa. Há também a possibilidade de risco moral – ou seja, se valendo da assimetria de informação, a implementação das políticas necessárias e acordadas acabarem ocorrendo de forma incompleta e ineficiente. Com isso, os investimentos necessários serão subótimos e os resultados da política pública tendem a se distanciar do inicialmente desejado. 

Esse possível resultado está em linha com riscos citados no relatório da OCDE e, para contornar os problemas que decorrem ou são reforçados pela assimetria de informação, a teoria econômica também prevê mecanismos de sinalização por parte das empresas e entidades privadas (como certificações, por exemplo) e diferentes ferramentas de monitoramento. 

Enfrentamento de tais problemas decorrentes da assimetria de informação, que passam por possível lobby enganoso, além do tratamento dos conflitos de interesse com transparência, deve contar com apoio de especialistas de áreas diversas, interação entre setor público e privado primada pela transparência e formalidade, com pautas claras e agendas divulgadas, são algumas das medidas que podem mitigar os riscos apontados pela OCDE e apoiar o setor público na formulação de políticas eficientes para a transição verde. 

Uma das diretrizes proposta pela própria OCDE é se valer de informações produzidas por agentes independentes, como consultorias, grupos de especialistas e organismos nacionais e estrangeiros que estudam as mudanças climáticas. Mesmo também estando expostas a algum grau de risco de conflito de interesses e assimetria de informação, tais entidades podem contribuir com recursos importantes, com conhecimentos e competências para o desenvolvimento e monitoramento das políticas.

Sob a ótica da governança interna das empresas, as áreas de compliance e riscos também têm papel fundamental na implementação de processos e controles para mitigar tais riscos, e devem trabalhar em sinergia com as áreas de Relações governamentais e sustentabilidade, para mapear os novos fatores de riscos e garantir esse diálogo transparente com as autoridades públicas e os setores da sociedade civil. Aderir aos padrões internacionais de combate à corrupção e estar em conformidade com as regulamentações nacionais e internacionais é crucial para navegar nesse cenário complexo.

Por fim, as empresas que lideram a agenda de sustentabilidade devem apoiar o fortalecimento das instituições e das regulamentações, com definição de diretrizes e padrões robustos e abrangentes. Deve haver em diálogo construtivo com  órgãos reguladores, organizações ambientais e comunidades locais, com base em evidências empíricas independentes, favorecendo a transparência e integridade das informações. A cooperação se mostra decisiva.

O cenário é complexo e o campo de atuação, amplo. É crucial que as estratégias empresariais se coordenem internamente entre as diferentes áreas e, externamente, promovam cooperação com os agentes interessados e impactados, sem se limitar aos temas tradicionais. O planejamento estratégico das empresas deve ser apoiado para liderar a agenda da transição verde. 

Estamos prontos para assumir essa direção?

Fonte: Jota

Processos julgados pela Justiça do Trabalho superam novos casos distribuídos em 2024

Até 31 de outubro de 2024, foram 3,08 milhões de processos resolvidos pela Justiça do Trabalho, contra 2,91 milhões distribuídos

Os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) cumpriram a meta número 1 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2024, que trata de julgar um número maior de processos em relação à quantidade de novos casos distribuídos, indicam dados parciais, computados entre janeiro e outubro do ano passado.

Até 31 de outubro de 2024, foram 3,08 milhões de processos resolvidos pela Justiça do Trabalho, contra 2,91 milhões distribuídos, excluindo processos suspensos e sobrestados. Somente no TST, 322,29 mil casos foram julgados no período e 313,23 mil distribuídos. Os números estão disponíveis na Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud).

Entre as cortes regionais, o líder no cumprimento da meta foi o TRT da 18º Região (TRT18), de Goiás, no qual os processos resolvidos superaram em 11,04% os distribuídos. Na sequência aparecem o TRT2 (10,18%), de São Paulo, e o TRT6 (9,15%), de Pernambuco.

Os dados parciais indicam ainda que os TRTs também tiveram êxito em 2024 na Meta número 3 do CNJ, que visava aumentar o índice de conciliação em 0,5 ponto percentual em relação à média do biênio de 2021/2022 ou alcançar no mínimo 38% de conciliação. Até outubro, o índice de conciliação do grupo estava em 42,48%.

Por outro lado, as metas número 2, para julgar processos mais antigos, e a meta número 5, para reduzir a taxa de congestionamento, não foram atingidas pela Justiça do Trabalho no intervalo já disponível.

A dois meses do fim de 2024, o TST cumpriu o objetivo de julgar mais de 90% dos processos distribuídos até o fim de 2021, mas não conseguiu zerar os processos de conhecimento de pendentes de julgamento mais antigos, há quatro anos (2020) ou mais.

Já os TRTs conseguiram julgar mais de 93% dos processos distribuídos até o fim de 2022, nos 1º e 2º graus, mas não conseguiram cumprir o objetivo de julgar 98% dos processos pendentes há quatro anos ou mais.

A meta número 5 estabelecia que o TST e os TRTs deveriam reduzir em 0,5 ponto porcentual a taxa de congestionamento líquida, exceto execuções fiscais em relação a 2023. A porcentagem, porém, subiu no TST de 58,02% em 2023 para 67,61% em outubro de 2024 e, nos TRTs, de 45,13% para 45,80%.

Segundo a assessoria de imprensa do CNJ, a expectativa é que os dados completos de 2024 sejam divulgados na base de dados até o fim de janeiro.

Fonte: Jota

O conflito de interesses do árbitro e o papel central do dever de revelação

Uma análise à luz da economia comportamental

A arbitragem consolidou-se como um dos principais mecanismos de resolução de disputas no cenário global, destacando-se por sua eficiência, flexibilidade e confidencialidade. Contudo, sua legitimidade depende de um fator fundamental: a percepção de imparcialidade e independência do árbitro.

Nesse contexto, o dever de revelação desempenha um papel crucial, garantindo transparência e confiança no processo. Quando analisado sob a ótica da economia comportamental, esse dever exige não apenas o cumprimento técnico e literal de normas, mas também uma interpretação que considere os vieses cognitivos das partes e os riscos à confiança no instituto arbitral.

O dever de revelação e a percepção das partes

As diretrizes da International Bar Association (IBA), amplamente utilizadas como referência no campo arbitral, estabelecem parâmetros supostamente objetivos para a identificação e gestão de conflitos de interesses. No entanto, sua aplicação prática muitas vezes reflete uma perspectiva predominantemente técnica e até literal de interpretação das regras, alinhada à visão da comunidade arbitral, em detrimento da percepção das partes diretamente envolvidas (que são as empresas envolvidas na disputa e seus executivos, que são pessoas humanas com todos os seus vieses).

Sob a perspectiva da economia comportamental, essa abordagem puramente literal pode ser insuficiente para dar legitimidade ao instituto da arbitragem. Vieses cognitivos — como o viés de confirmação e o efeito halo — influenciam a maneira como as partes percebem a imparcialidade do árbitro. Assim, a mera observância literal das regras da IBA, sem considerar o impacto subjetivo de informações não reveladas ou mal compreendidas, pode gerar desconfiança e, em última instância, comprometer a credibilidade da arbitragem como um todo.

Economia comportamental e o dever de revelação

A economia comportamental aperfeiçoa o paradigma da racionalidade perfeita ao demonstrar que as percepções humanas são frequentemente moldadas por vieses e emoções. Dois conceitos são particularmente relevantes para o tema do dever de revelação:

  1. Viés de disponibilidade: as partes podem superestimar a importância de informações reveladas, especialmente quando essas informações são emocionalmente marcantes ou fáceis de compreender. Por exemplo, a divulgação de um vínculo antigo societário entre árbitro e um escritório, mas irrelevante sob critérios objetivos das regras da IBA, pode gerar a percepção de parcialidade às partes se não for adequadamente contextualizada; e
  2. Viés de confiança: quando uma parte descobre um vínculo não revelado — mesmo que aparentemente insignificante ao árbitro que não revelou à luz da letra fria da regulamentação —, isso pode minar sua confiança não apenas no árbitro, mas em todo o sistema arbitral. A falta de revelação completa, portanto, pode amplificar a desconfiança em relação à imparcialidade.

A interpretação das regras da IBA: economia comportamental em jogo

As diretrizes da IBA devem ser interpretadas e aplicadas de maneira a incorporar os insights da economia comportamental, sob pena de erosão da confiança no instituto arbitral. Isso significa que os padrões aparentemente objetivos estabelecidos pela IBA devem ser complementados por uma análise empática e subjetiva, considerando como as partes, e não apenas a comunidade arbitral, percebem a imparcialidade.

Em especial, as seguintes diretrizes devem ser revisitadas:

  1. Ampla divulgação com contextualização: informações sobre vínculos ou potenciais conflitos devem ser divulgadas de forma ampla, mas sempre acompanhadas de uma explicação clara de sua irrelevância (se for o caso) para o julgamento do caso. Isso reduz o impacto dos vieses de disponibilidade e evita percepções equivocadas;
  2. Foco na confiança subjetiva das partes: a aplicação das regras da IBA deve levar em conta que as partes não têm, em geral, o mesmo nível de familiaridade com o sistema arbitral. Isso exige que os árbitros e instituições considerem o contexto emocional, cultural e econômico das partes ao decidir sobre revelações. Isso pode significar a necessidade de envolvimento de empresas nos comitês de impugnação de árbitros evitando a natural autoproteção da comunidade arbitral; e
  3. Treinamento em economia comportamental: árbitros e profissionais do setor arbitral devem ser capacitados para compreender como vieses cognitivos afetam a percepção das partes e para adotar práticas que minimizem esses impactos.

Considerações Finais

A interpretação literal das regras da IBA, embora essencial, não é suficiente para garantir a confiança no instituto arbitral. É fundamental incorporar os insights da economia comportamental, reconhecendo que a percepção das partes desempenha um papel decisivo na legitimidade da arbitragem.

Sem essa abordagem ampliada, há o risco de que o sistema arbitral seja percebido como elitista ou insensível às reais preocupações das partes, o que pode comprometer sua credibilidade ao usuário do sistema arbitral. Ao alinhar os padrões de revelação às dinâmicas comportamentais das partes, a arbitragem reforça sua posição como um mecanismo legítimo, transparente e confiável de resolução de conflitos.

Fonte: Jota

Pix acima de R$ 5.000: por que é ilegal exigência da Receita Federal?

Instituições de pagamento não se enquadram nem na previsão do CTN tampouco na LC 105/01

A Instrução Normativa 2219/2024 da Receita Federal entrou em vigor no início de 2025 e provocou um grande alvoroço nas redes sociais. “É um novo tributo?” “É aumento da arrecadação?”. Tudo isso passou pelo meu feed.

A histeria foi tamanha que o governo federal se apressou para soltar uma nota esclarecendo que “Novas regras para Pix não criam tributos”. A Receita Federal não ficou atrás e divulgou à população que seria uma mera evolução na e-Financeira.

E de fato é. Desde 2003 que as instituições financeiras e as operadoras de cartão de crédito são obrigadas a reportar semestralmente as transações de seus clientes quando a movimentação for superior a R$ 5.000, no caso de pessoas físicas ou R$ 15 mil, quando se tratar de pessoas jurídicas. Agora, a medida inclui as instituições de pagamento.

A IN 2219/2024 foi editada com fulcro na LC 105/2001 e no art. 16 da Lei 9.779/99, dispondo a primeira sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e a segunda sobre a possibilidade de a Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável.

A obrigação de fornecer informações é uma obrigação tributária acessória e o Código Tributário Nacional expressa que sua criação se dará nos termos da legislação tributária, a conferir:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

  • 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

Art. 96. A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas.

Portanto, as obrigações acessórias não estão sujeitas ao princípio da legalidade estrita, sendo possível a criação da e-financeira por meio de instrução normativa. Ocorre que, no caso da IN 2219 a Receita Federal foi além o que poderia e com isso maculou de Ilegalidade parte da citada instrução normativa. Explico.

É notório que a Receita Federal objetiva imputar uma obrigação acessória às instituições financeiras e às instituições de pagamento, mas que não se relaciona aos tributos devidos por suas próprias operações, e sim operações de terceiros.

Segundo o CTN, é possível que determinados sujeitos sejam obrigados a atender a fiscalização tributária prestando todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros. Os limites dessa possibilidade estão no CTN incisos I a VI do artigo 197:

Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:

I – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;

II – os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;

III – as empresas de administração de bens;

IV – os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;

V – os inventariantes;

VI – os síndicos, comissários e liquidatários;

VII – quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Nesse sentido, ainda que a obrigação acessória possa ser exigida de terceiro não contribuinte, como prevê o Código Tributário Nacional, deve ela ficar restrita às pessoas enumeradas no artigo 197 e não pode violar o sigilo profissional.

Importante frisar que as instituições de pagamento não se enquadram em nenhuma das hipóteses do artigo 197 do CTN acima reproduzido.

Uma análise apressada pode levar a equivocada conclusão de que seriam as Instituições de Pagamento passíveis de enquadramento no inciso II, que trata os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras. Mas as suas atividades não se confundem com àquelas desenvolvidas pelos agentes indicados no inciso II do art. 197 do CTN.

As instituições de pagamento possuem atividades previstas na Lei 12.865/13, art. 6º inciso III[1], qualificadas como pessoa jurídica não financeira que executa os serviços de pagamento no âmbito do arranjo e que é responsável pelo relacionamento com os usuários finais do serviço de pagamentoEssa informação é dada pelo Banco Central, que diferencia as instituições financeiras das instituições de pagamento, com base na Lei 12.865/13:

Instituições de pagamento são instituições financeiras?

Não. A Lei 12.865, de 9 de outubro de 2013, veda, explicitamente, que instituições de pagamento realizem atividades privativas de instituições financeiras, como a concessão de crédito e a gestão de uma conta corrente bancária.

Um dos objetivos da referida lei é justamente tornar claro que a prestação de serviços de pagamento não é exclusividade de instituições financeiras e permitir que instituições não financeiras prestem serviços de pagamento sem necessitar ser uma instituição financeira[2].

Nem mesmo a LC 105/01, que dispõe sobre o sigilo das operações das instituições financeiras e elenca, no artigo primeiro, as entidades que estariam abrangidas pela citada lei complementar, qualifica as instituições de pagamento como instituições financeiras[3].

Por tais fundamentos é que se pode concluir que as instituições de pagamento não se enquadram nem na previsão do CTN e tampouco na LC 105/01. Ante ausência de lei expressa com essa previsão, não poderia a IN 2219/2024 criar obrigação e pretender equiparar a instituição pagamento à instituição financeira, posto que encontra óbice no artigo 110 do CTN[4].


[1]Art. 6º  Para os efeitos das normas aplicáveis aos arranjos e às instituições de pagamento que passam a integrar o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), nos termos desta Lei, considera-se:

(…)

III – instituição de pagamento – pessoa jurídica que, aderindo a um ou mais arranjos de pagamento, tenha como atividade principal ou acessória, alternativa ou cumulativamente:

  1. a) disponibilizar serviço de aporte ou saque de recursos mantidos em conta de pagamento;
  2. b) executar ou facilitar a instrução de pagamento relacionada a determinado serviço de pagamento, inclusive transferência originada de ou destinada a conta de pagamento;
  3. c) gerir conta de pagamento;
  4. d) emitir instrumento de pagamento;
  5. e) credenciar a aceitação de instrumento de pagamento;
  6. f) executar remessa de fundos;
  7. g) converter moeda física ou escritural em moeda eletrônica, ou vice-versa, credenciar a aceitação ou gerir o uso de moeda eletrônica; e
  8. h) outras atividades relacionadas à prestação de serviço de pagamento, designadas pelo Banco Central do Brasil

[2]http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/arranjo.asp#l

[3]Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

  • 1o São consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta Lei Complementar:

I – os bancos de qualquer espécie;

II – distribuidoras de valores mobiliários;

III – corretoras de câmbio e de valores mobiliários;

IV – sociedades de crédito, financiamento e investimentos;

V – sociedades de crédito imobiliário;

VI – administradoras de cartões de crédito;

VII – sociedades de arrendamento mercantil;

VIII – administradoras de mercado de balcão organizado;

IX – cooperativas de crédito;

X – associações de poupança e empréstimo;

XI – bolsas de valores e de mercadorias e futuros;

XII – entidades de liquidação e compensação;

XIII – outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional.

[4]Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Fonte: Jota

Receita Federal cria grupos para implementação da reforma tributária

Programa terá comitê principal e dois grupos complementares; texto final do PLP 68 foi enviado para sanção

Após a Câmara dos Deputados aprovar o PLP 68/24, primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária, a Receita Federal deu o pontapé inicial para tratar da implantação do texto. A Portaria 501/2024, publicada na última quinta-feira (26/12) no Diário Oficial da União (DOU), institui o Programa de Reforma Tributária do Consumo (RTC). O texto traz o funcionamento do programa, a estrutura, competência e integrantes dos comitês internos.

No mesmo dia, a Câmara dos Deputados também encaminhou ao governo federal o texto final do PLP 68/2024 para sanção. Após receber o projeto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá o prazo de 15 dias úteis para sancionar ou vetar o texto. O projeto trata do regulamento geral do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), dos regimes diferenciados e do Imposto Seletivo. O JOTA mostrou que o governo pretende realizar o mínimo possível de vetos no texto.

O programa criado pela Receita será formado por um comitê principal, chamado Comitê do Programa RTC, responsável por tomar decisões estratégicas, alocar recursos e monitorar o andamento do programa como um todo. O comitê será composto por membros estratégicos da administração tributária, como a secretária especial adjunta da Receita e outros subsecretários do fisco.

A Receita também prevê a criação de dois programas complementares, um focado na regulamentação e outro na implementação dos sistemas operacionais da reforma tributária. Como competências comuns, esses grupos podem fazer levantamentos e apresentações ao gabinete da Receita Federal sobre o andamento do programa e as estratégias para o seu desenvolvimento.

A portaria prevê ainda o diálogo e a cooperação dos dois programas com o Comitê Gestor do IBS e as administrações tributárias dos estados, do Distrito Federal e dos municípios “para integração e compartilhamento de informações e sistemas”. O fisco também trata da possibilidade de os grupos elaborarem as normas comuns regulamentadoras da CBS e do IBS em conjunto com as administrações tributárias estaduais e municipais.

Competências

Dentre as competências do primeiro grupo, voltado à regulamentação, está a elaboração do regulamento e de normas infralegais, como instruções normativas, relativas à CBS e ao Imposto Seletivo. O subsecretário de tributação e contencioso da Receita será o gerente do programa para regulamentação.

O segundo grupo, por sua vez, deverá desenvolver soluções para implementar os sistemas operacionais necessários, além de coordenar as atividades de execução de projetos vinculados ao programa. Listados na portaria, esses projetos envolvem desde questões burocráticas, como o fornecimento de acesso às notas fiscais eletrônicas, até temas novos como cashback e split payment.

Fonte: jota

A pauta do STF no começo de 2025: favelas, trabalho, ANP, anistia e funcionários públicos

Presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, definiu os processos que serão levados a plenário em fevereiro deste ano

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, definiu no último dia de 2024 a pauta de julgamentos que abrirá o ano da Corte, em fevereiro de 2025. 

Em 3 de fevereiro, uma segunda-feira, os trabalhos se iniciam com sessão solene de abertura do Ano Judiciário. Na quarta-feira daquela semana (5/2), os julgamentos recomeçam, com a ARE 959620, no primeiro item da pauta, na qual os ministros vão definir se é ilícita a prova obtida a partir de revista íntima de visitante em unidade prisional. 

Também está previsto para esta data o julgamento da ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas, que trata sobre as restrições impostas pela Corte durante a pandemia a operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro. Por fim, consta na pauta do dia 5 a ADPF 777, que versa sobre portarias publicadas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que anularam anistia concedidas entre 2002 e 2005. 

No dia 12 de fevereiro a Corte terá um dia voltado apenas para questões trabalhistas. Ao longo do mês, a Corte julga também pode julgar um processo tributário sobre ISS em operações de industrialização por encomenda, a abrangência dos poderes da  Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para decidir sobre a venda de blocos petrolíferos e diversas ações relacionadas a funcionários públicos. 

Confira a agenda de julgamentos do STF em fevereiro de 2025

3 de fevereiro

Sessão solene de abertura do Ano Judiciário

5 de fevereiro

ARE 959620 – Recurso Extraordinário com Agravo, de relatoria do ministro Edson Fachin, que trata sobre a ilicitude de prova obtida a partir de revista íntima de visitante em unidade prisional, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da proteção ao direito à intimidade, à honra e à imagem.

ADPF 635 – Conhecida como ADPF das Favelas, a ação, com pedido de medida cautelar,  tem a finalidade “de que sejam reconhecidas e sanadas” as alegadas “lesões a preceitos fundamentais da Constituição praticadas pelo Estado do Rio de Janeiro na elaboração e implementação de sua política de segurança pública, notadamente no que tange à excessiva e crescente letalidade da atuação policial, voltada sobretudo contra a população pobre e negra de comunidades”.

ADPF 777 – Ação proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil “em face das Portarias 1.266 a 1.579 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, publicadas no Diário Oficial da União em 5 de junho de 2020, que tratam da anulação de portarias declaratórias de anistiados políticos datadas entre 2002 e 2005”.

6 de fevereiro

ADI 7686 – Leitura do relatório e realização das sustentações orais na ADI, proposta pelo PSol que pede para que a Corte impeça repatriação de crianças quando houver suspeita de violência doméstica. A sessão também será composta por processos remanescentes da sessão de 5 de fevereiro de 2025.

12 de fevereiro

RE 1298647 – Recurso extraordinário em que se discute acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, que definiu a legitimidade da transferência ao ente público tomador de serviço do ônus de comprovar a ausência de culpa na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas devidas aos trabalhadores terceirizados pela empresa contratada, para fins de definição da responsabilidade subsidiária do Poder Público.

AO 2417 – Trata-se de embargos de declaração na AO 2417, que versa sobre a possibilidade de cobrar honorários contratuais de trabalhadores beneficiados por demandas coletivas, em que já havia honorários assistenciais (correspondentes à assistência judiciária gratuita) estipulados pela Justiça do Trabalho.

RE 1387795 – O recurso extraordinário trata da possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase de execução trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico que não participou do processo de conhecimento.

13 de fevereiro

ADI 3596 – Ação, ajuizada pelo PSol, questiona o poder da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para decidir sobre a venda de blocos petrolíferos.

RE 608588 – Recurso extraordinário, com repercussão geral, que trata sobre o limite da atuação legislativa dos municípios para fixar as atribuições de suas guardas municipais destinadas à proteção de bens, serviços e instalações do município.

19 de fevereiro

RE 1075412 – Embargos de declaração nos quais o Diário de Pernambuco busca reverter decisão do STF que possibilita a responsabilização de veículos de imprensa pela publicação de entrevistas que imputem de forma falsa crimes a terceiros. A tese estabelece que a “plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais”.

RE 1133118 – Recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade de norma que prevê a possibilidade de nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante, para o exercício de cargo político.

MS 26156 – Mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado contra diversas decisões do Tribunal de Contas da União tomadas na análise do registro de aposentadoria e pensões relativas a docentes da Fundação Universidade de Brasília.

ADI 3228 – Ação do governo capixaba questiona a constitucionalidade dos artigos 6 e 13 da Lei Complementar 238/02, do Espírito Santo, que disciplina as gratificações que devem ser pagas aos membros do Ministério Público estadual (MPES), em razão do exercício de determinadas funções de confiança.

20 de fevereiro

ADI 6757 – Ação da PGR contra Lei de Roraima que prevê que nas promoções por merecimento e por antiguidade, precederá a remoção de magistrados. Para a PGR,  a matéria concerne ao Estatuto da Magistratura e deve ser disciplinada sob a forma de lei complementar de iniciativa do STF.

ADI 4055 – Ação movida pela PGR contra reserva de cargos em comissão para servidores efetivos previstas na Emenda 50 do Distrito Federal, de 17 de outubro de 2007, e na Resolução 232/2007, da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).

26 de fevereiro 

RE 882461 – Os ministros julgam o RE 882461 (Tema 816), que trata da incidência de ISS em operações de industrialização por encomenda e a limitação ao percentual de 20% da multa moratória, ou seja, a multa por atraso no recolhimento do tributo. O caso tem placar de 7X1 favorável aos contribuintes, e deve ser retomado com voto-vista do ministro André Mendonça.

AR 2876 – Questão de Ordem em Ação Rescisória para discutir se a expressão “cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, constante do § 15 do art. 525 e do § 8º do art. 535 do CPC, é inconstitucional.

ADPF 615 – Ação  proposta pelo Governador do Distrito Federal para impedir execuções de decisões que rejeitaram arguições de inexequibilidade de sentenças transitadas em julgado sob o fundamento de que “a decisão de inconstitucionalidade não possui o condão de esvaziar por inteiro o conteúdo da coisa julgada, sobretudo daquela materializada em situações jurídicas nas quais o trânsito em julgado da sentença condenatória ocorrera em momento anterior à inconstitucionalidade reconhecida”. Tais ações discutem a gratificação a docentes dedicados “exclusivamente” a alunos portadores de necessidades educativas ou em situações de risco e vulnerabilidade. Liminar proferida pelo ministro Luís Roberto Barroso suspendeu 

RE 586068 – Embargos contra acórdão do STF que assentou que poderão ser anuladas decisões definitivas de Juizados Especiais que tiverem sido fundamentadas em norma ou interpretação posteriormente considerada inconstitucional pela Suprema Corte.

27 de fevereiro

ADPF 338 – Ação requer a declaração de inconstitucionalidade do inciso II do art. 141 do Código Penal Brasileiro, que estabelece como causa de aumento de pena dos crimes contra a honra o fato de ter sido cometido contra servidor público, no exercício de suas funções. Processo incluído em pauta exclusivamente para leitura do relatório e realização das sustentações orais, com posterior agendamento de sessão para o início da votação e julgamento.

ADI 6238, ADI 6302, ADI 6266, ADI 6236, ADI 6239 – Ações questionam dispositivos que preveem crimes de abuso de autoridade praticados por funcionários públicos.

Fonte: Jota

Receita: subvenções de ICMS com acréscimo patrimonial não integram o IRPJ/CSLL

A interpretação vale para o período anterior à Lei das Subvenções, que modificou em 2024 a sistemática dos incentivos fiscais de ICMS

Receita Federal publicou um ato na última quinta-feira (26/12) para enfatizar que apenas as subvenções de investimento de ICMS que representarem acréscimo patrimonial podem ser excluídas da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A interpretação vale para o período anterior à Lei das Subvenções (Lei 14.789/2023), que modificou a partir de 2024 a sistemática de tributação dos incentivos fiscais de ICMS.

A definição foi realizada por meio do Ato Declaratório Interpretativo RFB 4/2024, publicado no Diário Oficial da União (DOU). A Receita dispôs sobre a aplicação do artigo 30 da Lei 12.973/2014, que condiciona a dedução das subvenções de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL à reserva de lucros, entre outros critérios. Esse dispositivo foi revogado pela Lei das Subvenções, que criou um crédito fiscal sobre os incentivos de ICMS.

Em vez de abater os benefícios estaduais da base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins, os contribuintes passaram a ter direito a um crédito fiscal sobre esses incentivos para poder usar por meio de ressarcimento ou compensação com outros débitos.

O ato da Receita também ressalta que os valores das subvenções deverão estar registrados na escrituração comercial e devem ser “comprovados por documentos hábeis, segundo a sua natureza”. O texto trata como “fundamental” a comprovação do acréscimo patrimonial.

O tributarista Eduardo Pugliese, sócio do Schneider Pugliese, avalia que a Receita realizou uma interpretação restritiva para a concessão do benefício e que isso deve resultar na autuação de contribuintes que não cumprirem a regra. Na prática, explica, é provável que estornos de crédito não entrem no cálculo.

Ele explica que, em muitos casos, os estados condicionam a concessão de incentivos de ICMS à devolução, por parte dos contribuintes, dos créditos da não cumulatividade – sistemática na qual o contribuinte recebe um crédito pelo ICMS pago nas etapas anteriores. “A Receita deve restringir o benefício, querendo que a exclusão equivalha ao efetivo acréscimo patrimonial”, diz.

Pugliese observa que as restrições impostas pelo ato da Receita estão em desacordo com o Tema 1182, julgado em 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Neste caso, o tribunal superior definiu que os incentivos de ICMS que não o crédito presumido – como redução de alíquota, isenção e diferimento – só podem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL se cumpridas as regras previstas no artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/14.

O acórdão do julgamento não fala diretamente do acréscimo patrimonial, mas autoriza a Receita a cobrar o IRPJ e a CSLL se verificar que “os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico”.

Por outro lado, o advogado afirma que um ponto positivo é que o ato reconhece, em seu artigo 4º, que os incentivos de ICMS se equiparam a subvenções de investimentos, desde que atendidas as condições previstas no artigo 30 da Lei 12.973/2014. Essa equiparação também constava do parágrafo quarto do artigo 30 dessa lei. “Mesmo diante da equiparação, a RFB vinha insistindo com a prova da efetiva instalação ou ampliação do empreendimento econômico [para conceder o benefício]”, afirma Pugliese.

Fonte: jota

Transação no contencioso tributário

Uma análise da isonomia na hipótese de depósito judicial

A transação no contencioso tributário se apresenta como um instrumento significativo para a resolução de litígios fiscais, promovendo benefícios tanto para o contribuinte quanto para a Administração Tributária. Nesse tema, a isonomia no tratamento entre contribuintes é um ponto crítico que tem sido objeto de atenção pela doutrina[1].

Um exemplo recente que ilustra essa questão é o Edital MF/PGFN 4/2024, que regulamenta a transação prevista na Lei 14.789/202 e traz a seguinte previsão:

“Os depósitos existentes vinculados aos débitos a serem quitados por meio da transação de que trata este Edital serão automaticamente convertidos em renda da União, hipótese em que as condições de pagamento serão aplicadas sobre o saldo remanescente do débito objeto da transação”.

A previsão de que os descontos apenas podem ser aplicados sobre o saldo remanescente após a conversão do depósito em renda acaba por suscitar questionamentos sobre a isonomia, pois contribuintes que jamais depositaram fariam jus a descontos sobre todo o montante do crédito.

Diante desse cenário, uma análise criteriosa sobre a natureza dos depósitos judiciais e a isonomia se faz necessária para entender se tal medida está em consonância com o princípio da igualdade tributária e os objetivos da transação tributária.

Nos termos do art. 1º, § 1º da Lei 13.988/2020, a União deve avaliar a conveniência e a oportunidade de realizar ou não a transação com a finalidade de atender o interesse público. Assim, a Administração Tributária deve analisar as vantagens na celebração de uma transação, normalmente materializadas pela redução do risco de inadimplência, maior eficiência na cobrança, agilidade no recebimento de valores e pelo descongestionamento do Judiciário.

Nessa análise de oportunidade e conveniência, é imprescindível examinar a natureza do depósito judicial e suas características para ponderar se o discrímen utilizado pela Fazenda Nacional fere o princípio da igualdade.

O depósito integral efetuado pelo contribuinte em juízo serve como uma garantia do cumprimento da obrigação tributária, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário conforme o artigo 151, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN).

O regime jurídico do depósito judicial para suspensão da exigibilidade do crédito tributário, como faculdade do contribuinte, torna o montante depositado indisponível para a parte, permanecendo à sorte do resultado da ação.

A quantia depositada assegura que, em caso de decisão desfavorável ao contribuinte, o valor devido estará prontamente disponível para a Fazenda Pública, eliminando o risco de inadimplência. Desse modo, a sua conversão em renda equivale ao pagamento, estando ambas as hipóteses previstas no rol do art. 156 do CTN como modalidade de extinção do crédito tributário. No cenário oposto, se o contribuinte for vitorioso, ele poderá levantar imediatamente os valores depositados com a devida correção monetária.

O depósito judicial possui, portanto, uma natureza dual: por um lado, permite ao contribuinte evitar ações de cobrança, manter sua regularidade fiscal e livrar-se dos encargos da mora; por outro lado, protege os interesses da Fazenda Pública ao garantir o adimplemento das obrigações tributárias. Devido a essas características, os depósitos judiciais podem ser classificados como “pagamento sob condição resolutiva”[2].

Essa situação difere significativamente da daqueles que permanecem inadimplentes, prolongando a incerteza e o risco na arrecadação para a Administração Tributária. Assim, na análise de oportunidade e conveniência, a ponderação do risco de inadimplemento e a existência de garantia de recebimento da dívida são fatores relevantes ao avaliar as vantagens existentes para o interesse público na proposta de transação tributária.

A transação tributária tem que ser vantajosa para o ente público e tem que proporcionar condições favoráveis para a regularização de débitos fiscais, mas deve fazê-lo sem criar discriminações injustificadas entre os contribuintes. A isonomia é um princípio fundamental no direito tributário, garantindo que contribuintes em situações equivalentes sejam tratados de forma igualitária. Assim, é crucial analisar se o tratamento diferenciado a contribuintes que efetuaram depósitos judiciais viola esse princípio.

A situação dos contribuintes no contencioso tributário pode ser dividida em três grupos distintos: aqueles que pagaram o tributo, aqueles que depositaram em juízo e aqueles que não fizeram nada, mantendo inadimplido o dever tributário. Cada uma dessas situações envolve riscos e garantias diferentes para a Administração Tributária.

Os contribuintes que realizaram o pagamento do tributo integralmente tornam certa a arrecadação, não havendo risco de inadimplemento para a Fazenda Pública. Por outro lado, os contribuintes que não realizaram o pagamento geram uma situação de incerteza na arrecadação, aumentando o risco de inadimplemento. A Administração tributária não tem garantia de que o tributo será pago ao final do processo, além de ter que arcar com custos adicionais de cobrança.

Já os contribuintes que realizam depósitos judiciais oferecem uma garantia para o crédito tributário, eliminando o risco de inadimplência para a Administração Tributária e assegurando que, em caso de decisão desfavorável, a Fazenda Pública receberá o valor devido.

Esse depósito é, portanto, uma garantia efetiva do imediato cumprimento da obrigação tributária ao término do processo, situação que se aproxima mais da hipótese em que há o pagamento do tributo, na qual não há riscos significativos para a União, reforçando também sua natureza de pagamento sob condição resolutiva.

O tratamento conferido aos depósitos pelo Edital MF/PGFN 4/2024 não configura quebra da isonomia, mas uma diferenciação legítima baseada na disponibilidade financeira, na capacidade contributiva e na escolha do contribuinte de garantir o crédito tributário para usufruir dos benefícios da suspensão da exigibilidade. É inegável que a recuperabilidade de crédito garantido por depósito é diversa da recuperabilidade de um crédito não garantido.

O discrímen considerado pelo Edital MF/PGFN 4/2024 aplica-se igualmente a todos os contribuintes que realizaram depósito judicial, adotando-se como critério distintivo a existência de crédito tributário garantido, e não as características dos depositantes. Esse é um critério baseado em fundamento lógico, distingue duas situações completamente diferentes: a do contribuinte que voluntariamente efetuou o depósito judicial do débito, livrando-se dos consectários legais decorrentes da mora, e a do contribuinte que se quedou inerte em relação aos débitos que possuía com o Fisco, assumindo o risco de manter suas dívidas inadimplidas.

Vale rememorar que o Supremo Tribunal Federal (STF) já enfrentou controvérsia similar ao analisar no Tema 573 de Repercussão Geral, quando decidiu se a Portaria 655/1993 do Ministério da Fazenda, que proibiu o parcelamento de débitos da Cofins que tivessem sido objeto de depósito judicial, ofendia os princípios da isonomia e do livre acesso à Justiça.

A Suprema Corte concluiu que a restrição não violava a Constituição e considerou a existência de depósito como uma distinção legítima para diferenciar os grupos de contribuintes.

A análise do tratamento dos depósitos judiciais demonstra que não há violação à isonomia. Os contribuintes que realizaram depósitos judiciais voluntariamente forneceram uma garantia à União e usufruíram dos benefícios da regularidade fiscal, diferindo da situação dos contribuintes inadimplentes e se aproximando da situação daqueles que efetuaram o pagamento regular. Essa diferenciação é legítima e justificada pela natureza distinta de cada situação.

O tratamento diferenciado conferido pelo Edital MF/PGFN 4/2024, ao aplicar descontos apenas sobre o saldo remanescente após a conversão do depósito em renda, respeita o princípio da isonomia e reflete uma análise de conveniência e oportunidade por parte da Administração Tributária na análise dos benefícios e riscos associados a cada tipo de contribuinte.

Essa distinção visa garantir maior segurança e previsibilidade na arrecadação de tributos, proporcionando o ingresso de valores não arrecadados e não garantidos. Portanto, a distinção entre contribuintes que depositaram e os que não o fizeram é uma medida justa e adequada para a resolução de litígios e a recuperação de créditos tributários pela União.


[1]No âmbito da transação da cobrança, questionamentos a respeito da isonomia são mais frequentes e costumam ser expressos na necessidade de garantir que as propostas de transação individual não ensejem privilégios a certos contribuintes dentro de um determinado nicho de mercado (Cantanhede, 2021, p. 123) e na determinação dos critérios de mensuração da capacidade de pagamento (Pinho, 2021, p. 161).

[2]Nessa linha, NUNES (2024, p. 1624) leciona que “ao fazer o depósito o contribuinte realiza espécie de pagamento provisório, sujeito a condição resolutória de a ação judicial confirmar ou não a “transformação” do “depósito” em pagamento do crédito tributário discutido.”

Fonte: Jota

Incide contribuição previdenciária sobre parcela de PLR paga como reajuste, decide Carf

Para colegiado, a parcela excedente, ainda que em valores reduzidos, descaracteriza a natureza do benefício

Para colegiado, a parcela excedente, ainda que em valores reduzidos, descaracteriza a natureza do benefício

Por maioria, a 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu que deve incidir a contribuição previdenciária sobre a terceira parcela da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) paga como complemento ao valor de parcela anterior. A Turma considerou que, embora o pagamento seja um resquício da segunda parcela, o descumprimento das normas do programa compromete a natureza jurídica do benefício.

A parcela em questão se tratava de uma complementação do valor anterior devido a uma convenção coletiva que pediu correção de 1,58% sobre a segunda parcela. O advogado representante do contribuinte, Matheus França, do Gaia Silva Gaede Advogados, argumentou que o valor reajustado foi insignificante para ser classificado como uma terceira parcela de PLR, e afirmou que cada funcionário recebeu, em média, R$ 50.

A relatora defendeu que a Lei 10.101/00, que trata da PLR, precisa ser cumprida em sua totalidade e, uma vez a periodicidade infringida, todo o programa tem sua conformidade comprometida. Além disso, destacou que a parcela excedente, ainda que em valores reduzidos, descaracteriza a natureza do benefício. Assim, votou pela tributação de todo o pagamento.

O conselheiro Leonam Rocha de Medeiros abriu divergência ao considerar que a parcela corresponde a uma diferença pequena e de uma tratativa negocial junto ao sindicato. Para ele, se tratou de uma extensão da segunda parcela em função do acordo. Ele foi acompanhado pela julgadora Ludmila Mara Monteiro de Oliveira. A votação terminou em 6×2 para negar provimento ao recurso do contribuinte.

O processo tramita com o número 10980.727803/2012-14.

Fonte: Jota

Reforma tributária: relator da Câmara retoma pontos anteriores e reduz impacto na alíquota geral

Com mudanças feitas no novo relatório, Reginaldo Lopes estima uma redução de 0,7 ponto percentual na alíquota geral

O relator do principal projeto de regulamentação da reforma tributária na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG), apresentou o parecer do Grupo de Trabalho nesta segunda-feira (16/12), em plenário. No documento, Lopes propôs a rejeição dos principais pontos alterados no Senado, como por exemplo a possibilidade de instituição de substituição tributária do IBS e CBS e a retirada das bebidas açucaradas do rol de incidência do Imposto Seletivo. A previsão de redução da alíquota em 60% para os serviços de saneamento e veterinários também foi derrubada pelo parecer. Com as mudanças feitas pelo novo relatório, Lopes estima uma redução de 0,7 ponto percentual na alíquota geral.

A alíquota de referência foi estimada pelo Ministério da Fazenda em 27,97% com o texto inicial da Câmara. Após as mudanças feitas pelos senadores, informalmente foi projetado o percentual de 28,5%. Com a suposta redução citada por Lopes após rejeitados os pontos do Senado, o percentual poderia cair para 27,84%.

A reforma tributária deve ser o primeiro item da pauta do plenário da Câmara da nesta terça-feira (17/12). Em seguida será analisado o PL 3817/24, que prevê a alíquota mínima de 15% às multinacionais. O projeto tem texto similar ao da MP 1.262.

Substituição tributária

Uma das principais alterações propostas pelo GT na Câmara foi a supressão dos artigos 492 a 497 do texto aprovado pelo Senado. Os dispositivos previam que o Poder Público poderia instituir a sistemática para bebidas e produtos do fumo. Por meio da substituição tributária, o primeiro elo da cadeia produtiva é responsável por recolher os tributos antecipadamente, em nome das demais.

A instituição da substituição tributária, que existe atualmente para o ICMS, foi criticada por especialistas, que apontam que a sistemática tornaria o novo sistema tributário mais complexo.

Medicamentos

O relator do PLP 68 na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), rejeitou mudança do Senado que havia excluído a lista de medicamentos com alíquota zero do IBS e CBS e substituído pela previsão da isenção aos medicamentos destinados ao tratamento de câncer, doenças raras, DST/Aids, doenças negligenciadas, além de vacinas, soros e medicamentos para o controle de diabetes mellitus.

Além disso, foi rejeitada a parte que trata da alíquota de 60% aplicada exclusivamente a medicamentos industrializados ou importados por pessoas jurídicas que tenham firmado compromisso de ajustamento de conduta com a União e o Comitê Gestor do IBS, ou que sigam a sistemática definida pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Com isso, se manteve uma previsão mais ampla sobre a aplicação da redução em questão.

Foi excluído o trecho que previa o envio de uma Lei Complementar estabelecendo um rol taxativo dos medicamentos que terão direto a alíquota zero. Ainda foi retirada do texto a previsão de que a alíquota zero também se aplica ao Programa Farmácia Popular do Brasil.

Imposto Seletivo

O relator do PLP 68/24 na Câmara rejeitou a mudança feita pelo Senado que excluiu as bebidas açucaradas do rol de incidência do Imposto Seletivo. A mudança havia sido aprovada na outra Casa por meio de destaque.

Em relação aos veículos, o texto do GT propôs a volta de cinco critérios para que as alíquotas do Imposto Seletivo, a serem estabelecidas em lei ordinária, sejam graduadas em relação a cada veículo. No novo texto, são retomados os seguintes critérios, que haviam sido derrubados no Senado: potência do veículo, densidade tecnológica, realização de etapas fabris no país e categoria do veículo.

Por fim, Lopes se posicionou de forma contrária à mudança feita pelo Senado que previa que a mitigação de danos à saúde ou ao meio ambiente poderia reduzir em até 25% a alíquota do Imposto Seletivo.

Reduções de alíquota

O parecer propõe a revogação de diversas reduções de alíquota concedidas pelo Senado. Uma delas diz respeito ao saneamento, que, de acordo com o texto do Senado, teria direito a uma redução de 60% dos novos tributos. Pela redação do GT não terão tratamento diferenciado os seguintes serviços: distribuição de água; apoio à distribuição de água por meio de tubulações, exceto vapor de água e água quente; apoio à distribuição de água, exceto por meio de tubulações; tratamento de água;  esgoto; tratamento de esgotos e limpeza de fossas sépticas.

Pelo texto, deixam de ter redução de 60% os médicos veterinários (que passam a ter redução de 30%), os serviços de segurança da informação e cibernética e as atividades educacionais complementares agregadas, como os serviços de educação desportiva e recreacional e serviços de educação em línguas estrangeiras. A água mineral e os biscoitos e bolachas de consumo popular também não terão mais redução de alíquota.

Por fim, os representantes comerciais deixam de ter alíquota reduzida em 30%.

Fonte: Jota